sexta-feira, 11 de novembro de 2011

SÓ FALTA TEMOR A D'US - PARASHÁ VAIERÁ 5772

O Rabino Shlomo Ordenstein (nome fictício) morou por alguns anos na Austrália, onde ensinava pessoas que estavam afastadas do judaísmo. Certa vez ele foi convidado para dar uma palestra a um pequeno grupo de médicos judeus, com o tema "Medicina e Judaísmo". No final da palestra, o dono da casa chamou o Rav Ordenstein de canto, apontou para um senhor de meia idade e disse:
- Rabino, este homem não consegue deitar a cabeça no travesseiro e dormir uma noite tranquila de sono há mais de 10 anos.
O dono da casa então seguiu contando o drama familiar daquele homem:
- Ele tinha um filho jovem que sofreu um grave acidente de carro e ficou mais de um ano em coma. Os médicos, após alguns exames, constataram que o coma parecia ser irreversível. Ele então decidiu lutar na justiça pelo direito de desligar os aparelhos que mantinham o filho vivo. Após uma longa batalha judicial, ele finalmente ganhou o direito de desligar os equipamentos.
Visivelmente emocionado, o dono da casa continuou:
- Ele então foi até o hospital levando a ordem judicial e entregou para uma das enfermeiras que cuidava do filho. Ao ler o conteúdo, ela devolveu o papel ao pai e disse: "Eu não sou assassina. Se você quer desligar os aparelhos do seu filho, faça com suas próprias mãos". Então, sem alternativa, o pai foi e pessoalmente desligou os aparelhos. Deste dia em diante ele nunca mais dormiu, se consumindo dia após dia com a pergunta "Será que eu fiz o que era realmente o mais correto?". (História Real)
Existem situações na vida nas quais é muito difícil tomar decisões. Por isso D'us nos deu a Torá, nosso "Manual de Instruções", para que, mesmo em situações nas quais nosso lado emocional fala mais alto, possamos ter a tranquilidade de fazer o que é realmente correto. E a Torá nos ensina a preciosidade da vida, que não cabe a nós decidir quando deve terminar.
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Na Parashá desta semana, Vaierá, a Torá continuou descrevendo alguns dos testes aos quais Avraham foi submetido. Um dos testes foi quando Avraham mudou-se para a terra de Guerar e novamente Sara chamou a atenção das pessoas por causa de sua beleza. Quando questionado pelos habitantes locais, Avraham informou que Sara era apenas sua irmã. O rei de Guerar, Avimelech, ficou encantado com a sua beleza e mandou trazê-la à força ao palácio. Para proteger Sara, D'us fez com que Avimelech adoecesse e não conseguisse nem mesmo encostar nela. De noite, D'us apareceu para Avimelech em um sonho, informou que Sara era esposa de Avraham e exigiu que ela fosse devolvida ao marido sem demora. Caso contrário, D'us avisou a Avimelech que ele morreria.
Avimelech, assustado, madrugou e imediatamente foi devolver Sara a Avraham. Ele então deu uma bronca em Avraham por não ter contado que Sara era sua esposa e perguntou o porquê dele ter se comportado daquela maneira. E assim foi a resposta: "E disse Avraham: pois eu disse: 'Somente temor a D'us não há neste lugar, e eles me matarão por causa de minha esposa'" (Bereshit 20:11). O que Avraham quis dizer com isto? Qual era exatamente o medo dele? E por que utilizou a palavra "somente", que parece desnecessária na frase?
Nos ensina o Rav Elchanan Wasserman, um dos maiores alunos do Chafetz Chaim, algo surpreendente. Quando Avraham chegou à terra de Guerar, viu que se tratava de um povo muito evoluído. Como eram pessoas intelectuais, ele percebeu que haviam criado uma sociedade saudável, na qual os habitantes, através de seu intelecto, buscavam melhorar suas características pessoais. Então o que ele viu para chegar à conclusão de que naquele lugar não havia temor a D'us? Explica Rashi, famoso comentarista da Torá, que as pessoas viram Avraham chegar acompanhado de Sara, uma mulher de beleza incomparável. Todos se aproximaram para perguntar quem era aquela mulher e se era casada. Mas ninguém se preocupou em perguntar se eles precisavam de comida, bebida ou um lugar para descansar. Avraham entendeu que eles tinham bons modos e uma boa índole, mas quando surgia algum desejo forte, estes bons modos eram completamente anulados. O que isto significava? Que eles não tinham temor a D'us.
Foi por isso que Avraham disse que "somente" não havia temor a D'us. Ele viu uma sociedade com pessoas intelectuais, educadas, cultas, que faziam caridade e buscavam justiça, mas sem nenhuma ferramenta para vencer os instintos e desejos. Portanto ele entendeu que, se dissesse que Sara era sua esposa, ninguém ousaria cometer adultério, pois era socialmente feio, mas provavelmente o matariam para poder casar com ela. Os bons modos e a cultura não serviriam para apagar o fogo do desejo despertado, pois Avraham sabia que a única força que existe capaz de frear os desejos do ser humano é o temor a D'us
O próprio Rav Elchanan Wasserman, quando esteve na Alemanha, alguns anos antes da ascensão do partido nazista ao poder, discursou para uma série de rabinos e estudantes de Torá. Ele trouxe este ensinamento do "somente não há temor a D'us" e aplicou à Alemanha, afirmando que tragédias poderiam acontecer lá. Os rabinos não quiseram acreditar em suas palavras, afinal, a Alemanha era a pátria-mãe do povo judeu. Os alemães eram um povo evoluído, amante das artes, composto por pessoas cultas, intelectuais e justas. Como acreditar que, daquelas pessoas tão dóceis e educadas, poderia sair algum tipo de maldade?
Infelizmente o mundo entendeu, poucos anos depois, que o Rav Elchanan Wasserman estava certo. Aqueles mesmos alemães finos, educados e intelectuais, parte da nação mais civilizada do mundo, começaram a perseguir os judeus, primeiro queimando livros, depois queimando pessoas. Os tribunais de justiça alemães, símbolo da busca por justiça, foram utilizados para acusar, prender e torturar injustamente milhares de judeus. A mídia alemã, criada para levar cultura a todos, foi utilizada para denegrir e espalhar mentiras sobre os judeus, justificando o extermínio de um povo inocente. Os dóceis e educados alemães começaram a assassinar, a sangue frio e de maneira sistemática, sem nenhum tipo de misericórdia, homens, mulheres e crianças. Mas eles não eram educados e cultos? Sim, somente não tinham temor a D'us.
O Rav Elchanan Wasserman não era um profeta. Então como ele sabia que tragédias aconteceriam na Alemanha? Diz Shlomo Hamelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens: "Não há novidade sob o sol". A história se repete, de maneira cíclica, e os acontecimentos de hoje são apenas repetições do que já aconteceu no passado. A Torá não é um livro de histórias, é um ensinamento de realidades espirituais que se repetem de geração em geração.
Se olharmos para nossa história, perceberemos algo impressionante. O povo judeu foi exilado e perseguido diversas vezes. Egípcios, Babilônios, Romanos, Espanha, Portugal e Alemanha, entre outros. O que estas nações têm em comum? Eram as maiores potencias de sua época. Eram os lugares onde se desenvolveram as tecnologias mais avançadas, a cultura e as artes. Por que o povo judeu nunca foi exilado nas selvas africanas? Por que os exílios e perseguições mais sangrentas do povo judeu sempre foram nas sociedades mais evoluídas de cada geração?
D'us, através dos exílios, estava nos ensinando uma lição muito importante, que insistimos em não aprender: não importa o quanto um povo é evoluído cientificamente, culturalmente ou até se destaca pelos bons modos. Se este povo não tem temor a D'us, quando os desejos contradizem as leis e os bons hábitos deste povo, os desejos vencem. E quando os desejos tomam conta do ser humano, não existe mais limite até onde ele está disposto a chegar para saciá-los. Os alemães desejaram formar uma raça superior. Mais de duzentas mil pessoas com algum defeito físico ou mental foram mortas pelo regime nazista entre 1939 e 1945. E somente pelo fato destas práticas terem tornado-se aceitáveis é que a idéia expandiu-se e começou a incluir mais e mais pessoas "indignas" de viver, entre elas os judeus.
Precisamos constantemente tomar cuidado com nossos passos para não fazer parte de uma geração sem temor a D'us. Assuntos delicados como aborto e eutanásia, que lidam com a vida e a morte de seres humanos, não podem ser tratadas como se fossem assuntos médicos ou judiciais. Os médicos e juízes não têm conhecimento nem direito para decidir quem merece viver. Não somos apenas um corpo, temos uma alma Divina. A vida e a morte não estão em nossas mãos. D'us nos dá a vida e apenas Ele pode decidir quando é o momento de retirá-la.
Uma sociedade que se acha no direito de decidir suas próprias leis, passando por cima de leis eternas entregues pelo Criador do mundo, é uma sociedade sem temor a D'us. É o primeiro passo para possibilitar o acontecimento de grandes tragédias na humanidade.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Gn.18:1-22:24, 2Rs. 4:1-37, Lc.1:26-38, 24:36-53

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