sexta-feira, 25 de abril de 2014

FUGINDO DO EGOÍSMO - PARASHÁ KEDOSHIM 5774

"Em Jerusalém, os prédios não têm faxineiros nem serviço de limpeza. Cada morador precisa retirar seu próprio lixo e jogar em uma enorme lixeira pública, que fica na rua e é periodicamente esvaziada pela prefeitura. Certa vez, na véspera de Shabat, Jaques (nome fictício) saiu para jogar seu lixo e viu um vizinho agindo de maneira muito estranha. Ele estava debruçado sobre a grande lixeira e parecia estar procurando algo. De repente, ele tirou de lá uma caixa de papelão, desmontou-a para que ficasse achatada e jogou-a novamente para dentro da lixeira. Ele se inclinou novamente, encontrou outra caixa, desmontou-a e atirou de volta. Assim fez diversas vezes, para o assombro de Jaques, que assistia aquela cena sem entender nada. Ele conhecia pessoas que tinham hobbies estranhos, mas nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Sem aguentar de curiosidade, ele perguntou:

- Perdão, mas o que você está fazendo?

O homem, surpreso com a pergunta, explicou:

- Você deve ter escutado sobre a greve municipal que começará no Motsei Shabat. Portanto, certamente o lixo que costuma se acumular no Shabat não será recolhido. Eu estou achatando todas as caixas de papelão que encontro na lixeira para ter certeza de que haverá espaço suficiente para que todos possam jogar o seu lixo fora" (História real).

Felizmente há no mundo pessoas que pensam no próximo e dedicam seu tempo para facilitar a vida dos outros. São pessoas simples que, com pequenos atos, contribuem para construir um mundo melhor.

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A Parashá lida nesta semana é a Parashá Kedoshim, que começa com as seguintes palavras: "Sejam santos, pois Eu, Hashem, teu D'us, sou Santo" (Vayikrá 19:2). Esta introdução é como se a Torá estivesse nos preparando para receber a "fórmula mágica" que nos levará ao nível de santidade. Mas, ao invés de nos "prescrever" jejuns e mergulhos na Mikve, a Torá enumera diversas Mitzvót "Bein Adam LeHaveiró" (entre o homem e seu semelhante), tais como ajudar os necessitados e ser honesto nos negócios. Isto nos ensina que para chegarmos à santidade não é suficiente apenas focarmos no nosso relacionamento com D'us, também é essencial trabalharmos no nosso relacionamento com o próximo. E um dos ensinamentos mais importantes que é trazido nesta Parashá em relação ao cuidado com os outros é a famosa Mitzvá de "Ame ao teu próximo como a ti mesmo" (Vayikrá 19:18).

A forma como a Mitzvá de amar ao próximo é ensinada na Torá desperta um grande questionamento: se D'us quer que amemos uns aos outros de forma irrestrita, por que a Mitzvá diz "ame ao teu próximo como a ti mesmo" e não diz "ame ao teu próximo com todas as suas forças"? Por que é importante para a Torá ressaltar que o amor que devemos sentir pelos outros deve ser como o nosso amor próprio?

O Rav Eliyahu Dessler (Latvia, 1892 - Israel, 1953) define que egoísmo é o sentimento interno, presente em todas as pessoas, que faz com que ela pense, de forma subconsciente e natural, que tem prioridade em relação aos outros. O ego do ser humano deseja constantemente saciar todas as suas vontades e preencher todas as suas faltas. Porém, quando a pessoa corre atrás dos seus desejos e os alcança, seu egoísmo se fortalece ainda mais. A pessoa que entra neste ciclo passa a buscar com todas as suas forças as honrarias, e chega ao ponto de querer louvores através da vergonha do próximo. Por isso, ela não hesita em pisar e humilhar os outros, contanto que saia honrada e prestigiada.

O Rav Dessler vai além e afirma que existem duas forças predominantes no mundo: a "Coach HaNetiná" (Força de Doar) e a "Coach HaNetilá" (Força de Pegar). Todas as boas qualidades de uma pessoa, como o altruísmo e a misericórdia, são derivações da "Força de Doar", enquanto todas as más qualidades de uma pessoa, como o egoísmo e a desonestidade, são derivações da "Força de Pegar". A pessoa que não controla seu egoísmo acaba desenvolvendo também todas as outras más características incluídas na "Força de Pegar". Mais do que isso, o egoísta acaba encobrindo e ofuscando também todo o seu reconhecimento pelas bondades recebidas de D'us, e ao invés de se anular perante Ele, vive como se estivesse em um domínio particular e independente, chegando muito perto de cometer a "egolatria", isto é, a idolatria de si mesmo.

O egoísmo é algo muito nocivo para o ser humano, e pode desencadear todas as forças "escuras" que existem dentro dele. O egoísta pode chegar ao ponto de afastar de seu coração todo o amor que sente, até mesmo pelos seus parentes e pelas pessoas mais queridas. Mesmo que o coração do egoísta esteja cheio de amor, é apenas algo externo, superficial, pois dentro do coração dele o que existe é amor próprio.

Podemos achar que isto é um grande exagero, mas a Torá nos traz um exemplo de até onde pode chegar o egoísmo. Depois de a cobra ter conseguido persuadir Chavá (Eva) a comer do fruto proibido, a Torá descreve que imediatamente Chavá foi levar do fruto para que Adam (Adão) também comesse. Rashi (França, 1040 - 1105) explica que o ato de Chavá não foi um ato de Chessed (bondade), ela não queria que Adam também tivesse proveito do sabor daquele fruto. Quando ela se deu conta e percebeu que havia transgredido a ordem de D'us, que explicitamente havia avisado que quem comesse daquele fruto morreria, ela imediatamente quis dar do fruto a Adam, pois pensou que se ela morresse, ele se casaria com outra mulher. Isto quer dizer que, apesar do amor que Chavá sentia por Adam, por dentro do seu coração ainda havia muito egoísmo.

Mas então surge um grande questionamento: se o egoísmo é algo tão prejudicial, se é algo tão forte, por que D'us naturalizou este sentimento no coração do ser humano? Se tudo o que D'us faz é para nos dar a possibilidade de nos aprimorarmos um pouco mais a cada dia e atingirmos a perfeição, por que Ele nos deu esta força com um potencial tão destrutivo?

A resposta é que esta força poderosa foi colocada dentro de nós pois somente através dela conseguiremos o impulso necessário para atingir os máximos níveis no nosso serviço espiritual, como está escrito nos Provérbios de Shlomo Hamelech (Rei Salomão): "Se você buscá-lo como [se fosse] prata, e procurá-lo como [se fossem] tesouros, então você entenderá o temor a D'us" (Mishlei 2:4,5). Shlomo Hamelech quis nos ensinar que a única maneira de atingir os níveis espirituais mais elevados é justamente utilizando as forças mais baixas, as forças dos desejos materiais egoístas.

Mas por outro lado devemos ter o cuidado para que estas forças negativas não sejam utilizadas da maneira equivocada e o "tiro não saia pela culatra", afastando a pessoa de D'us e de sua espiritualidade. Para acostumar o ser humano a utilizar seu egoísmo somente da maneira correta, para o seu crescimento espiritual e para o bem do próximo, a Torá nos deu uma importante Mitzvá: "Ame ao teu próximo como a ti mesmo". Por que o "como a ti mesmo"? Para que o ser humano se acostume a aprender com o seu próprio egoísmo a forma de ajudar o próximo, e dos seus próprios sentimentos a não magoar nem ferir os sentimentos do seu companheiro, como afirma o Talmud (Shabat 31a), em nome do sábio Hilel: "O que você não gosta, não faça aos outros". Mais do que isso, devemos desejar chegar ao nível de querer ao próximo o que queremos para nós mesmos.

Transformar esta força tão destrutiva em algo positivo é um trabalho difícil. É necessária uma nova postura para que possamos mudar nossos costumes e nossa natureza. Mas o esforço vale a pena. Podemos deixar nossa natureza controlar nossas características e aceitar sermos pessoas egoístas, ou podemos controlar nossa natureza e nos tornarmos pessoas benevolentes e proativas, que conseguem pensar não apenas em si mesmas, mas também nos outros, e ajudar a construir, com pequenos atos, um mundo melhor.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 19:1-20:27, Ez. 22:1-l9 (Ash.), Ez 20:2-20 (Sef.)
 
 

domingo, 13 de abril de 2014

CONTANDO SOBRE A SAÍDA DO EGITO - PARASHÁ ACHAREI MÓT E PESSACH 5774

“Depois da Segunda Guerra Mundial, a situação econômica dos judeus da Europa ainda era muito difícil. Pessach estava chegando e os judeus não tinham condições nem mesmo de trazer farinha para as Matzót. Com muito esforço, o Skoliner Rebe conseguiu uma quantidade muito limitada de farinha. Ele definiu que, para que todos pudessem cumprir a Mitzvá, somente seria permitido que cada família recebesse 3 Matzót, e esta regra valeria para todos, inclusive para os grandes rabinos que viviam na cidade. Porém, alguns dias antes de Pessach, o filho do Rebe de Vizhnitz veio procurar o Skoliner Rebe e disse:

- Rebe, trago uma mensagem do meu pai. Ele disse que necessita de 6 Matzót para Pessach.

O Skoliner Rebe achou que se tratava de um engano. Ele havia deixado claro para todos que, sem exceção, cada um receberia apenas 3 Matzót. Mas o filho do Rebe de Vizhnit estava irredutível, e disse que tinha ordens do pai de não sair de lá sem levar as 6 Matzót. O Skoliner Rebe, ao ver que não teria alternativa, acabou entregando as 6 Matzót, mas ficou muito incomodado com aquela situação.

Na véspera de Pessach, alguém bateu na porta do Skoliner Rebe. Era novamente o filho do Rebe de Vizhnitz, trazendo na mão 3 Matzót. Ele falou que seu pai havia pedido para que ele devolvesse aquelas 3 Matzót, atitude que deixou o Skoliner Rebe surpreso, sem entender o que estava acontecendo. O filho do Rebe de Vizhnitz abriu um enorme sorriso e explicou:

- Rebe, meu pai conhece a sua extrema bondade e misericórdia. Ele teve medo que você dividiria as poucas Matzót que tinha com todos da cidade e acabaria ficando sem nenhuma. Por isso ele pediu inicialmente 6 Matzót, para ter certeza que sobrariam pelo menos 3 para você”

Há duas incríveis lições nesta história. A primeira é o gigantesco potencial de bondade que tem o ser humano. A segunda é a forma que o Rebe de Vizhnitz fez a Mitzvá. Por que ele não foi pessoalmente pedir as Matzót ao Skoliner Rebe, preferindo mandar seu filho no lugar? Pois ele queria aproveitar a oportunidade de Pessach para ensinar ao filho como se comportar com bondade e com preocupação ao próximo, de maneira que o filho nunca mais esqueceria a lição. Este é um dos principais objetivos de Pessach, e em especial a noite do Seder: transmitir os valores da Torá para as futuras gerações.

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Nesta semana lemos a Parashá Acharei Mót, que ensina os serviços feitos no Mishkan, e futuramente no Beit Hamikdash (Templo Sagrado), durante o dia de Yom Kipur. A Parashá também ensina sobre a grave proibição das relações ilícitas. E na próxima segunda feira de noite (14/04) começa a Festa de Pessach, mais conhecida como “A Festa da nossa liberdade”, na qual revivemos a milagrosa salvação do povo judeu após 210 anos de escravidão pesada no Egito. D’us, com Mão forte e Braço estendido, nos tirou de dentro de outro povo para nos dar a liberdade verdadeira. O Egito era um enorme centro de promiscuidade e relações ilícitas, e parte da salvação espiritual foi D’us ter nos tirado fisicamente de lá, para que não recebêssemos mais nenhum tipo de influência negativa.

Na primeira noite de Pessach (fora de Israel também na segunda noite) fazemos o Seder, que consiste em 15 “passos”, que vão desde o Kidush até um pedido de que no próximo ano possamos comemorar Pessach em Jerusalém, com o nosso Beit-Hamikdash reconstruído. O Seder inclui muitos rituais diferentes do que fazemos durante o ano, justamente para provocar questionamentos, principalmente nas crianças. A parte central do Seder é o “Maguid”, na qual contamos com detalhes a história da saída do Egito, cumprindo uma Mitzvá da Torá, como está escrito: “E lembrem-se deste dia, no qual vocês saíram do Egito, da casa da escravidão” (Shemot 13:3). Mas sabemos que há uma Mitzvá diária de relembrar a saída do Egito, como está escrito “Para que você se lembre do dia em que você saiu do Egito, todos os dias da sua vida” (Devarim 16:3). Por que é necessário mais uma Mitzvá de relembrar a saída do Egito, se já há uma Mitzvá diária? E qual a diferença entre a Mitzvá diária de relembrar a saída do Egito e a Mitzvá que cumprimos na noite do Seder de Pessach?

A pergunta fica ainda mais forte ao observarmos um trecho que aparece no começo da Hagadá: “Disse o Rav Elazar ben Azaria: Eu tenho 70 anos e não meritei mencionar a saída do Egito nas noites, até que Ben Zomá aprendeu do seguinte versículo: ‘Para que você se lembre do dia em que você saiu do Egito, todos os dias da sua vida’. Se tivesse escrito apenas “dias da sua vida”, aprenderíamos que só durante os dias. Mas como está escrito “todos os dias da sua vida”, isto inclui também as noites”. Porém, este trecho que nossos sábios escolheram para fazer parte da Hagadá é, na realidade, uma Mishná (Brachót 12b) que fala sobre a Mitzvá diária de relembrar da saída do Egito, não tendo, portanto, nenhuma conexão com a Mitzvá de relembrar a saída do Egito durante a noite do Seder de Pessach. Então por que nossos sábios decidiram que esta Mishná deveria fazer parte da Hagadá de Pessach?

Responde o Rav Aryeh Pomrantzik que há três diferenças básicas entre a Mitzvá diária de relembrar a saída do Egito e a Mitzvá que cumprimos na noite do Seder. Em primeiro lugar, para cumprir a Mitzvá diária é suficiente apenas mencionar para si mesmo a saída do Egito, enquanto a Mitzvá do Seder somente é cumprida quando contamos a saída do Egito através de perguntas e respostas, cumprindo o que está escrito: “E será, quando seu filho perguntar... e você contará a ele” (Shemot 13:14). No Seder, o filho pergunta “Má Nishtaná” (Qual a diferença desta noite?) e o pai responde “Avadim Hainu” (Fomos escravos). De acordo com a Halachá (Lei Judaica), mesmo uma pessoa que passa o Seder de Pessach sozinho também deve ler a Hagadá na forma de pergunta e resposta.

Uma segunda diferença é que para cumprir a Mitzvá diária é suficiente apenas mencionar o evento da saída do Egito propriamente dito, mas para cumprir a Mitzvá no Seder de Pessach é necessário descrever também alguns eventos anteriores e o encadeamento que levou à salvação do povo judeu, começando sempre pela desonra, como a escravidão e o fato dos nossos antepassados terem sido idólatras, e terminando com os louvores da salvação física e espiritual do povo judeu.

Uma terceira diferença é que durante o Seder de Pessach, além de mencionar a saída do Egito, também é necessário mencionar a motivação das Mitzvót que estamos cumprindo nesta noite, como está escrito na Hagadá: “Diz o Raban Gamliel: todo aquele que não falou estas três coisas em Pessach não cumpriu sua obrigação, e elas são: Pessach (o Korban que era oferecido em Pessach), Matzá (a massa que não teve tempo de fermentar quando o povo judeu saiu do Egito) e Maror (a amargura da escravidão)”.

Por que é tão importante entender quais são as diferenças entre a Mitzvá diária de recordar a saída do Egito e a Mitzvá de contar sobre a Saída do Egito na noite do Seder? Pois para cumprir uma Mitzvá da maneira correta, é necessário ter as Kavanót (intenções) corretas. Portanto, é importante lembrar os três pontos principais da Mitzvá de contar a Saída do Egito na noite do Seder para que possamos cumpri-la da maneira correta. O Rambam (Maimônides), em seu livro de Halachót “Mishne Torá” (Halachót Chametz Umatzá capítulo 7), além de explicitar que estas três diferenças devem ser aplicadas na noite do Seder para que se cumpra a Mitzvá da maneira correta, também acrescenta a importância de cada pai ensinar ao seu filho no Seder de uma forma que ele entenda e consiga internalizar os ensinamentos. Se o filho for pequeno ou tolo, deve ser ensinado de certa maneira, mas se ele for grande ou sábio, deve ser ensinado de outra maneira, cada um de acordo com sua capacidade de entendimento, pois o ponto principal da noite é deixar uma marca nos nossos corações e nos corações dos nossos filhos que dure o ano todo.

Quando nossos sábios fixaram na Hagadá de Pessach a Mishná que traz o ensinamento do Rav Elazar ben Azaria, eles queriam ressaltar que, apesar de termos no ano inteiro a Mitzvá diária de recordar a saída do Egito, na noite do Seder não é suficiente apenas mencionar para si mesmo, devemos acrescentar outros detalhes para o cumprimento da Mitzvá. E a própria Hagadá dá a dica na continuação, como está escrito: “Bendito seja D’us... em relação aos 4 filhos disse a Torá”, para acrescentar que devemos cumprir a Mitzvá de contar a saída do Egito aos filhos através de perguntas e respostas, e para cada filho de acordo com o seu entendimento. Logo depois a Hagadá escreve: “No princípio éramos idólatras”, para acrescentar que devemos cumprir a Mitzvá incluindo também os eventos anteriores que levaram à salvação do povo judeu, começando pela desonra e terminando com o louvor. E um pouco depois vem a citação do Raban Gamiel, “Pessach, Matzá e Maror”, para acrescentar que devemos cumprir a Mitzvá mencionando a motivação das Mitzvót realizadas nesta noite.

A noite do Seder é o momento reunir nossas família e contar aos nossos filhos a história do nosso povo, desde a assimilação e escravidão até a nossa liberdade, colocando nos corações de cada geração o agradecimento a D’us e a Emuná (fé) de que tudo está sob o controle Dele. Se cumprirmos esta Mitzvá com alegria e de forma minuciosa, cuidando de todos os detalhes da Halachá, certamente levaremos estas certezas gravadas em nosso coração durante o ano todo, e apenas a menção diária já será suficiente para manter as bases que construímos nesta noite tão fundamental para a continuidade do povo judeu.

SHABAT SHALOM e PESSACH KASHER VE SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 16:1-18:30, Am 9:7-15 (Ash.), Ez. 22:1- 16 (Sef.), Hb. 9:11-28 (Shabat Hagadol)

sábado, 5 de abril de 2014

VOLTANDO PARA CASA - PARASHÁ METZORÁ 5774

“Um rabino estava construindo uma Yeshivá (Centro de Estudos Judaicos) nos Estados Unidos. Ele contratou um arquiteto e explicou tudo o que seria necessário para a Yeshivá: dormitórios, salas de estudo, refeitório, etc. Quando chegaram à discussão sobre os acabamentos, o arquiteto perguntou:

- Rabino, para o acabamento existem duas opções. Podemos usar uma madeira comum, que tem um custo mais baixo, porém dura no máximo 90 anos até começar a se deteriorar, ou podemos utilizar uma madeira mais resistente, que é um pouco mais cara mas pode durar mais de 150 anos sem apodrecer. O que você prefere?

O rabino, após refletir um pouco, abriu um sorriso e respondeu:

- Meu querido, use a madeira comum. Não é por causa do preço, mas é porque não precisa durar tanto. Nós não pretendemos ficar fora de Israel por tanto tempo...”

Apesar de vivermos no exílio, rezamos três vezes por dia para que chegue rapidamente o momento em que voltaremos para nossa casa. Pois somente na Terra de Israel conseguiremos crescer e florescer espiritualmente com todo o nosso potencial.


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Na Parashá da semana passada, Tazria, a Torá nos ensinou sobre a Tzaráat, a doença espiritual que atacava as pessoas que haviam cometido certas transgressões, entre elas o Lashon Hará (denegrir ou caluniar o próximo), e descreveu sobre sua manifestação física através de manchas na pele e nas roupas do transgressor. E a Parashá desta semana, Metzorá, começa descrevendo o processo de cura para aqueles que estavam contaminados com a Tzaráat. Na sequência a Parashá fala sobre mais uma forma de manifestação física da Tzaráat, através de manchas que surgiam nas paredes da casa do transgressor.

Porém, a ordem segundo a qual a Torá trouxe os ensinamentos sobre a Tzaráat desperta uma dúvida. Por que primeiro a Torá ensinou sobre a contaminação na pele e nas roupas, interrompeu com a explicação da cura, e somente depois falou sobre a Tzaráat nas paredes? Por acaso existe na Tzaráat das paredes algo diferente da Tzaráat da pele e das roupas?

A resposta está em um interessante ensinamento do Talmud (Negaim 12:4), que afirma que a contaminação da Tzaráat nas paredes ocorria apenas nas casas localizadas na Terra de Israel, diferente da Tzaráat que atingia a pele e as roupas, que contaminava as pessoas independentemente de onde estivessem. Mas qual o motivo desta diferença? Se a Tzaráat era uma punição pela transgressão do Lashon Hará, qual a diferença se a casa estava em Israel ou na Diáspora?

Para entender, antes de tudo precisamos saber que não foi por acaso que D’us decretou a Tzaráat como punição pela transgressão de Lashon Hará. Ele também não foi arbitrário ao fazer com que a Tzaráat atingisse apenas a pele, as roupas e as paredes das casas. D’us poderia ter feito com que a Tzaráat também atingisse os utensílios de prata, os livros e os animais, mas Ele não fez. Portanto, deve haver alguma relação forte entre o Lashon Hará e a Tzaráat que atinge especificamente o corpo, as roupas e as paredes de casa.

D’us nos pune “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), isto é, da maneira que transgredimos, assim também é a forma como somos castigados. Da mesma maneira que o Lashon Hará invadiu a intimidade da vítima e a expôs a uma humilhação pública, assim também a Tzaráat na pele invade a intimidade do transgressor e o força a uma humilhação pública. As roupas nos vestem e nos dão dignidade. Da mesma forma que o Lashon Hará invadiu a dignidade da vítima, assim também o transgressor perde suas roupas e a sua dignidade através da Tzaráat nas roupas. E finalmente, por causa do Lashon Hará a vítima perde até mesmo o conforto e a privacidade em sua própria casa, pois ela não se sente mais tão segura e relaxada nem mesmo dentro do seu próprio lar, passando a viver suspeitando o tempo inteiro de que podem estar falando mal dela. Em muitos casos a vítima precisa até mesmo sair da sua casa e mudar-se para outro lugar por causa da vergonha que o Lashon Hará causou a ela. Da mesma maneira, a Tzaráat nas paredes de casa obrigava o transgressor a abandonar o conforto e a privacidade de sua casa.

Porém, explica o Rav Yaacov Weinberg (EUA, 1923 - 1999) que somente o que é realmente nosso para sempre é atingido pela Tzaráat. Nós somos donos do nosso próprio corpo e somos donos das nossas próprias roupas. Porém, não somos donos de nenhuma construção feita fora da Terra de Israel, pois quando estamos na Diáspora, não estamos no nosso local verdadeiro e definitivo. A pessoa quando volta para casa pode levar seu corpo e suas roupas, mas não a sua casa. Por isso, por mais que possamos ser proprietários temporários de construções fora de Israel, não temos a posse verdadeira, pois quando voltarmos para casa, não poderemos levá-las conosco.

Isto explica a diferença da Tzaráat das paredes, que não atingia as casas que estavam fora de Israel. Se o Lashon Hará tirou a dignidade e a privacidade, que são coisas que realmente pertencem à vítima, então a punição vinha na mesma moeda, através da Tzaráat na pele e nas roupas. Mas quando alguém perde o conforto de sua casa fora de Israel, esta não é uma perda real, pois não era verdadeiramente sua casa definitiva, era apenas algo temporário. Como o transgressor não havia causado uma perda real, então ele também não era castigado com a obrigação de sair da sua casa.

Aprendemos desta Parashá um fundamento importante: temos uma conexão espiritual muito forte com a terra de Israel, a ponto de ser o único lugar onde um judeu verdadeiramente adquire uma terra. Este deveria ser o nosso sentimento em relação à nossa vida na terra de Israel. Porém, infelizmente, estamos muito longe desta realidade. A grande maioria dos judeus que vive na Diáspora não considera suas casas como sendo apenas temporárias, e poucos são os que abandonariam o conforto do exílio para voltar para Israel. Isto não é algo novo, podemos aprender com a nossa história. Em Pessach, comemoramos a saída do povo judeu do Egito. Mas não foi o povo inteiro que saiu, foi apenas 20% do povo, enquanto a grande maioria decidiu ficar. Apesar de serem escravos, apesar das dificuldades que passavam no Egito, o comodismo venceu.

Uma das primeiras perguntas que nos farão quando chegarmos ao nosso Julgamento Celestial será: “Você esperou todos os dias pela redenção?”. O que significa “esperar todos os dias”? Quando alguém faz uma entrevista de emprego e está esperando uma resposta, cada dia de espera parece uma eternidade, e cada vez que o telefone toca, o coração dispara. Assim devemos esperar, ansiosamente, pelo Mashiach e pela nossa volta para casa.

Um dos maiores sinais de desconexão espiritual de um judeu é quando ele deixa de sentir a amargura do exílio e perde a vontade de voltar para casa. Estamos há mais de dois mil anos no exílio, cumprindo a profecia de que o povo judeu seria espalhado pelos quatro cantos do mundo e viveria entre todas as nações. Mas mesmo assim nós não perdemos a esperança de voltar para a nossa terra depois da vinda do Mashiach. Rezamos todos os dias pela nossa redenção, com a certeza de que, o mais breve possível, definitivamente voltaremos para nosso verdadeiro lugar, para a nossa casa.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv14:1-15:33, 2 Rs. 7:3-20