sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

COM O QUE UM LÍDER SE PREOCUPA - PARASHAT KI TISSÁ 5776

"O Rav Elazar Man Shach zt"l (Lituânia, 1899 - Israel, 2001), o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) de Ponovitch, em Bnei Brak, foi um dos maiores rabinos da geração passada. Além de ser um gigante em termos de conhecimento da Torá, estudando incessantemente e com muito fervor, ele era também uma pessoa extremamente preocupada com o bem estar do povo judeu.

Quando sua saúde começou a ficar fragilizada por causa da idade avançada, o Rav Shach se viu forçado a interromper as aulas que, por tantos e tantos anos, ele havia dado na Yeshivá. Porém, além da tristeza de não conseguir mais transmitir seus conhecimentos aos alunos, havia algo que começou a deixar o Rav Shach extremamente incomodado. Ele começou a ter dúvidas se poderia continuar recebendo seu salário e morando no apartamento que pertencia à Yeshivá, já que não estava mais conseguindo exercer as suas funções de Rosh Yeshivá. Extremamente preocupado com a situação, ele foi procurar o Rav Yossef Shalom Elyashiv zt"l (Lituânia, 1910 – Israel, 2012), que na época já era um dos maiores "Poskim" (legisladores) da geração. O Rav Shach contou ao Rav Eliashiv suas preocupações e acrescentou:

- Logo eu terei que me apresentar diante do Tribunal Celestial. Eu não quero receber nada que não me pertence, pois sei que serei severamente cobrado por isso.

- Não se preocupe – respondeu o Rav Eliashiv, após pensar por alguns instantes – A Yeshivá ainda precisa muito de você. O simples fato de você ainda estar aqui, de ser visto pelos alunos e pelos rabinos da Yeshivá, já é uma enorme fonte de inspiração para eles.

O Rav Shach ainda não estava satisfeito com a resposta do Rav Eliashiv. Ele questionou novamente:

- Desculpe, mas você está me dando sua opinião ou isto é um "Psak Halachá" (uma determinação legal)?

- É um "Psak Halachá" – respondeu o Rav Eliashiv - Você não pode ir embora. A Yeshivá e o povo judeu ainda precisam muito de você e de seus exemplos"

O mais impressionante é perceber que o Rav Shach não estava preocupado se seria despejado do seu apartamento em uma idade avançada ou se ficaria sem seu salário e não teria como se sustentar em sua velhice. Ele estava preocupado apenas com o bem estar do povo judeu. Após servir a Yeshivá por décadas, entregando-se de corpo e alma ao seu trabalho, ele achava que caso não pudesse mais contribuir com nada, que seria melhor para a Yeshivá que ele fosse embora. Estes são os verdadeiros líderes do povo judeu, cujo bem estar do povo vem antes de suas próprias necessidades pessoais. 
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Nesta semana lemos a Parashat Ki Tissá (que literalmente significa "Quando você fizer o levantamento"). A Parashat começa com a contagem do povo judeu através da doação de meio Shekel de prata cada um. A Parashat também descreve alguns utensílios e serviços feitos no Mishkan, como o "Ketoret", o incenso que era queimado no Mizbeach Hazahav (Altar de ouro), como está escrito: "E disse D'us para Moshé: Pegue para você especiarias..." (Shemot 30:34).

Mas se prestarmos atenção nestas palavras do versículo que descrevem o Ketoret, surge um grande questionamento. Por que a Torá utiliza a linguagem "pegue para você"? Por acaso o Ketoret era algo pessoal para Moshé? Ele era alguém egoísta, que buscava honras, prestígio e benefícios pessoais através da sua liderança sobre o povo?

Para entendermos estas palavras do versículo, precisamos nos aprofundar um pouco mais na Parashat Korach. Korach, movido pela inveja, conseguiu convencer um grupo de pessoas da tribo de Levi a participar de uma rebelião contra seu primo Moshé, para tentar derrubá-lo do poder. Korach tentou diminuir Moshé aos olhos do povo ridicularizando seus ensinamentos. D'us castigou todo aquele grupo de rebeldes, fazendo com que alguns fossem engolidos pela terra de uma maneira completamente sobrenatural, enquanto outros fossem consumidos por um fogo Divino. Porém, a morte de Korach e seus seguidores, ao invés de tranquilizar o povo, deixou as pessoas ainda mais irritadas, por acharem que Moshé era o culpado pelas mortes. D'us então mandou uma praga que começou a dizimar o povo, como está escrito: "E Moshé disse para Aharon: "Pegue a pá de incenso, e ponha fogo do altar, e coloque nela o Ketoret, e carregue ela rapidamente para a congregação, para trazer expiação para eles, pois a fúria saiu de D'us e a praga começou. E Aharon levou, conforme Moshé disse, e correu para o meio da congregação... e a praga foi interrompida" (Bamidbar 17:11-13).

Nestes versículos há algo interessante. Não foi D'us que ordenou Moshé a utilizar o Ketoret para salvar o povo, aparentemente Moshé já tinha este conhecimento. De onde Moshé sabia que o Ketoret poderia fazer a praga parar? A resposta está em um incrível ensinamento do Talmud (Shabat 89a), que afirma que quando Moshé subiu no Monte Sinai para receber a Torá, cada anjo deu a ele um presente. Entre eles estava o anjo da morte, que presenteou Moshé Rabeinu com o segredo de como interromper uma praga mortal. E o segredo era justamente a utilização do Ketoret, o incenso que Moshé utilizou para interromper aquela praga que devastava o povo judeu.

Mas como isto explica as palavras "pegue para você" em relação ao Ketoret, como se fosse algo entregue especialmente para Moshé? Explica o Rav Arie Leib Tzintz zt"l (Polônia1833), mais conhecido como Maharal Tzintz, que Moshé vivia pelo povo judeu. A honra de ter recebido segredos diretamente dos anjos não o preenchia tanto quanto poder servir e ajudar o seu povo. Ele não estava preocupado com a sua honra nem com os presentes que havia recebido dos anjos, e sim em como ele poderia utilizar tudo em prol do povo.

De todos os presentes que Moshé recebeu dos anjos, certamente para ele o mais precioso era o presente dado pelo anjo da morte. Salvar a vida de cada judeu era o motivo de sua existência. Mesmo quando ele estava no conforto do palácio do Faraó, ele saiu de casa para sentir junto com seus irmãos os sofrimentos da escravidão. Quando viu um egípcio golpeando um judeu, imediatamente arriscou sua posição, e até mesmo sua vida, para salvar o judeu. Não havia na vida de Moshé nada mais importante do que o seu povo. Porém, o Ketoret ensinado pelo anjo da morte era um presente ainda incompleto. Embora Moshé já sabia do segredo do Ketoret, este segredo não tinha nenhum valor para ele, pois era proibido fazer o Ketoret de maneira privada.

Por isso, somente quando D'us comandou Moshé a fazer o Ketoret é que o presente ficou completo. A partir daquele momento havia permissão de usar o Ketóret e, se necessário, salvar vidas com ele. É por isso que o versículo enfatiza "Pegue para você especiarias", pois somente a partir daquele momento Moshé realmente recebeu seu maior presente: a possibilidade de salvar a vida de um judeu.

Podemos aprender dois grandes ensinamentos desta Parashat. Em primeiro lugar, o quanto os bens materiais somente nos preenchem de verdade quando utilizamos para também ajudar o próximo. Um presente recebido de maneira egoísta pode até preencher em um primeiro momento, mas depois traz um grande vazio, enquanto saber dividir o que temos com os outros traz um preenchimento verdadeiro e duradouro. Em segundo lugar, aprendemos o que é ser um líder de verdade. Infelizmente estamos acostumados com líderes egoístas, que apenas querem chegar ao poder para obter benefícios pessoais. Mesmo aqueles com boas intenções acabam se corrompendo quando alcançam o poder e o acesso à grandes quantidades de dinheiro. Mas aprendemos de Moshé o que é ser um líder verdadeiro. Alguém cuja única preocupação, acima até mesmo das preocupações pessoais, era com o bem estar do seu povo. Que Moshé seja o nosso modelo, em um mundo onde os modelos verdadeiros de honestidade e preocupação com o próximo estão cada vez mais raros.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 30:11-34:35, 1Re. 18:1-39

sábado, 20 de fevereiro de 2016

AUTOESTIMA EM ALTA - PARASHAT TETZAVÊ 5776

"A abelha estava sempre contente, voando de flor em flor e produzindo seu delicioso mel. Certa vez um grilo encontrou-a e começaram a conversar. Em certo momento, não contendo a curiosidade, o grilo perguntou:

- Senhora abelha, desculpe a invasão de privacidade, mas há algo que sempre me intrigou e eu gostaria de saber. Como você consegue ser tão feliz e estar sempre de bem com a vida? Afinal, você trabalha muito, do momento em que o sol nasce até o momento em que o sol se põe. Você voa de flor em flor, em um incansável trabalho de recolher o pólen. Você se esforça no limite das suas forças para todos os dias fabricar seu delicioso mel. Porém, depois de todo este esforço, vem o ser humano, pega o seu mel e vai embora sem nem mesmo dar satisfação. Como pode ser que, mesmo assim, você nunca tira esse sorriso do rosto?

- Vou te contar qual é a fonte da minha felicidade - respondeu a abelha, sorrindo - É verdade que eu me esforço e, depois de dias de trabalho, vêm o ser humano e leva todo o meu mel embora. Porém, há algo que ele nunca vai conseguir tirar de mim: o segredo de como se faz o delicioso mel. É por isso que eu sou tão feliz." 

Não são as circunstância da vida que determinam se vamos ser felizes ou não, e sim a consciência de como somos especiais. Ninguém pode levar embora a alegria daquele que sabe seu verdadeiro valor. 
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Nesta semana lemos a Parashat Tetzavê (que literalmente significa "Comande"), que descreve detalhes das roupas utilizadas pelos Cohanim (sacerdotes) e pelo Cohen Gadol (Sumo sacerdote). No final da Parashat também estão descritos alguns dos serviços feitos no Mishkan (Templo Móvel) como, por exemplo, o sacrifício do "Korban Tamid", que era oferecido duas vezes por dia, como está escrito: "Você deve oferecer um cordeiro de manhã, e o segundo cordeiro você deve oferecer no final da tarde" (Shemot 29:39).

Este versículo, que parece apenas um ensinamento "técnico", na verdade contém uma lição muito preciosa. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que discute qual é o ensinamento mais importante da Torá. De acordo com o Rabi Akiva, o principal ensinamento da Torá é "Ame ao próximo como a ti mesmo" (Vayikrá 19:18). Já de acordo com outro sábio, Ben Azai, o ensinamento mais importante está contido no seguinte versículo: "Esta é a conta dos descendentes de Adam: no dia em que D'us criou o ser humano, Ele o fez à semelhança de D'us" (Bereshit 5:1). Há outro Midrash que traz uma terceira opinião, de Rabi Shimon ben Pazi, que afirma que o ensinamento mais importante da Torá é justamente o versículo trazido na nossa Parashá: "Você deve oferecer um cordeiro de manhã, e o segundo cordeiro você deve oferecer no final da tarde". Mas afinal, qual é o motivo da discussão entre os sábios da Torá? E o que cada um destes versículos têm de tão especial?

Há três tipos de relacionamentos nos quais cada ser humano deve buscar atingir a perfeição: "Bein Adam Lehaveiró" (entre a pessoa e seu companheiro), "Bein Adam LaMakom" (entre a pessoa e D'us) e "Bein Adam LeAtzmó" (entre a pessoa e ela mesma). E estas três áreas de relacionamento são tão interdependentes que, se houver deficiência em uma delas, as três acabam ficando deficientes. Mas como fazer para conseguir ser completo nestas três áreas?

Explica o Rav Yohanan Zweig que uma das características mais importantes na capacidade humana de fazer realizações e ter sucesso em qualquer empreendimento na vida é o seu grau de autoestima. A pessoa com baixa autoestima não se sente motivada a realizar nada, e acaba ficando acomodada. Portanto, a discussão que existe entre os sábios sobre qual é o ensinamento mais importante da Torá é justamente para definir no que a pessoa deve focar para que consiga desenvolver uma definição positiva de si mesma, isto é, se deve ser no seu relacionamento com o próximo, com D'us ou consigo mesma.

De acordo com o Rabi Akiva, quando a pessoa faz atos de bondade e demonstra seu amor ao próximo, ela constrói uma percepção positiva de si mesma. Quando a pessoa aprende a amar os outros, a olhar os outros de maneira positiva, a buscar sempre no outro o que ele tem de melhor, ela também acaba amando e respeitando a si mesma. Por isso ele ensina que o versículo mais importante é "Ame ao próximo como a ti mesmo"

Ben Azai discorda de Rabi Akiva, pois opina que a pessoa que tem baixa autoestima, isto é, que não ama nem a si mesma, certamente não conseguirá amar os outros. Então o que a pessoa deve fazer para apreciar a si mesma? A Torá nos ensina que D'us criou o ser humano à Sua imagem e semelhança. Um exemplo impressionante deste conceito espiritual pode ser visto no caso de uma pessoa que recebe pena de morte por alguma grave transgressão, como aquele que blasfema o nome de D'us em público. Mesmo sendo uma transgressão abominável, a Torá ordena que o corpo do blasfemador morto pelo Beit Din (Tribunal Rabínico) seja enterrado no mesmo dia em que foi executado, como está escrito: "Seu corpo não deve permanecer pendurado na forca durante a noite, ele deve ser enterrado naquele dia, pois uma pessoa pendurada é uma maldição para D'us" (Devarim 21:23). Mas o que significa que manter aquele corpo sem ser enterrado é uma maldição para D'us? Rashi (França, 1040 - 1105) explica que deixar o corpo daquele transgressor exposto durante a noite seria depreciativo com D'us, em cuja imagem e semelhança aquele homem foi criado. Isto significa que mesmo alguém tão baixo e abominável quanto um blasfemador ainda mantém em seu corpo o "selo" da imagem e semelhança com D'us. Portanto, a consciência de que o ser humano é uma criatura Divina é suficiente para que ele receba uma definição positiva de si mesmo, possibilitando que ele consiga aperfeiçoar também o seu relacionamento com as outras pessoas.

Rabi Shimon ben Pazi acha que a resposta de Ben Azai não é satisfatória, pois saber que o homem foi criado à imagem e semelhança de D'us é apenas um indicativo do potencial do ser humano. A simples consciência deste potencial não pode ser a fonte de autoestima do ser humano, pois o efeito contrário pode acontecer caso a pessoa entenda que tem um tremendo potencial, mas que na realidade ela não o está alcançando. Por isso, o Rabi Shimon ben Pazi ensina que a nossa fonte de autoestima vem de outro tipo de entendimento. Na Parashat desta semana vimos que D'us exige que O sirvamos oferecendo Korbanót duas vezes por dia. Isto significa que, apesar de D'us ser Onipotente, Ele criou um relacionamento com o povo judeu no qual nós podemos dar algo para Ele, como se pudéssemos oferecer algo que preenchesse as "necessidades" de D'us. A consciência de que a pessoa é necessária em um relacionamento é um enorme construtor de autoestima. E o impulso final na nossa autoestima vem do reconhecimento de que Aquele que "necessita" de nós é D'us. O entendimento de que temos um relacionamento com D'us e que Ele deseja que O sirvamos dá ao ser humano autoestima.

Para que o ser humano possa perceber seu incrível potencial, ele deve antes de tudo desenvolver sua autoestima. De acordo com Rabi Akiva, isto pode ser alcançado focando no relacionamento com o próximo. Ben Azai opina que o relacionamento do ser humano consigo mesmo é a chave para uma autodefinição positiva. E finalmente Rabi Shimon ben Pazi opina que a consciência do ser humano de seu relacionamento com D'us é a fundação para obter sucesso em todos os tipos de relacionamento.

Portanto, a conclusão da discussão dos nossos sábios é que na verdade os três têm razão, somente cada um deles focou em uma das nossas três áreas de relacionamento. Para chegar à perfeição não basta trabalhar em apenas uma delas, é necessário trabalhar nas três, e a chave do sucesso é ter uma boa autoestima. A pessoa que não tem uma boa autoestima não está bem com ela mesma, com os outros e nem mesmo com D'us. Acaba tornando-se alguém triste, mal humorado e acomodado espiritualmente. Já aquele que trabalha sua autoestima, que se esforça para olhar para si mesmo de uma maneira positiva, de procurar o que tem de melhor dentro de si, consegue estar bem consigo mesma, com os outros e com D'us, pois vai se transformar em uma pessoa positiva, alegre, bem humorada e com muita energia para fazer o seu trabalho espiritual.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 27:20-30:10, Ez.43:10-27

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

PRINCIPAL E SECUNDÁRIO - PARASHAT TERUMÁ 5776

"Em uma época em que as Yeshivót (Centros de estudo de Torá) da Lituânia estavam passando por uma situação econômica muito delicada, o Rav Zalman Sorotzkin zt"l (Lituânia, 1881 - Israel, 1966) e uma delegação enviada pelos grandes rabinos da geração fizeram um evento em Varsóvia, na Polônia, com o objetivo de tentar encontrar formas de salvar as Yeshivót. Algumas delas não tinham nem mesmo dinheiro para alimentar os estudantes e corriam o risco de fechar suas portas, deixando centenas de alunos sem um local para se dedicar dia e noite ao estudo da Torá. Entre os participantes do evento estavam vários editores de jornais judaicos, que foram convidados justamente para que a iniciativa desta delegação de tentar ajudar as Yeshivót fosse amplamente divulgada. Um dos editores, ao escutar os detalhes da difícil situação das Yeshivót, perguntou ao Rav Zalman:

- Desculpe a sinceridade, mas escutei que o Rav Meir Shapira (Império Austro-Húngaro, 1887 - Polônia, 1933) está construindo uma bela Yeshivá em Lublin, na Polônia, e teve êxito em juntar muito dinheiro para a construção. Não seria melhor ele utilizar este dinheiro para ajudar as outras Yeshivót já existentes? Por que ele não dedicou seu tempo e esforço para juntar comida para os alunos que mal tem o que comer?

- Sua pergunta é muito boa - respondeu o Rav Zalman - mas a resposta é muito simples. Mesmo que ele tentasse juntar dinheiro para as outras Yeshivót, ele não teria sucesso. As pessoas gostam de fazer generosas doações para a construção de Yeshivót bonitas e luxuosas, mas para manter o dia a dia das Yeshivót depois de prontas infelizmente são poucos os que querem participar. Tenho certeza de que quando a Yeshivá do Rav Meir Shapira estiver pronta, ele terá as mesmas dificuldades das outras Yeshivót da Europa para se manter.

E infelizmente foi exatamente o que aconteceu. Apesar da facilidade que o Rav Meir Shapira teve para construir a "Yeshivá Chochmei Lublin", depois de pronta ele passou muitas dificuldades e contraiu enormes dívidas para poder mantê-la funcionando".

Assim é a natureza do ser humano. Fazemos grandes doações para prédios e construções faraônicas, mas são poucos os que estão dispostos a ajudar a manter os lugares de Torá depois de prontos. 
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Nesta semana lemos a Parashat Terumá (que literalmente significa "doação"), que descreve a construção do Mishkan (Templo Móvel), o local onde D'us escolheu para repousar a Sua presença junto ao povo judeu. O Mishkan e seus utensílios, como a Menorá e o Mizbeach (Altar de sacrifícios), foram construídos com madeiras nobres e metais preciosos, como ouro e prata. De onde vieram estes materiais? De doações do povo, como está escrito: "Fale com os Filhos de Israel e peguem para Mim uma Terumá (doação ou porção), de cada pessoa cujo coração for generoso peguem a Minha Terumá. E esta é a Terumá que vocês pegarão deles..." (Shemot 25:2,3).

Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que nestes versículos aparece três vezes a palavra Terumá, referindo-se aos três tipos diferentes de doações feitas pelo povo judeu. A primeira era uma doação obrigatória, no valor de meio Shekel de prata por pessoa, destinado à construção das bases do Mishkan. A segunda era uma doação anual obrigatória, no valor de meio Shekel de prata por pessoa, destinada a um fundo para a compra dos Korbanót (sacrifícios) comunitários oferecidos diariamente no Mishkan. E a terceira era uma doação voluntária, sem valor definido, cujo objetivo era reunir os materiais necessários para a construção do Mishkan e seus utensílios.

Mas desta explicação trazida por Rashi surge um grande questionamento. Para a construção das bases do Mishkan e para o fundo dos Korbanót comunitários, D'us decretou que as doações do povo fossem obrigatórias, com um valor fixo por pessoa, e esta obrigatoriedade incluía até mesmo os pobres, enquanto na construção do Mishkan, que tinha uma importância fundamental para o povo judeu, D'us deixou para que cada um doasse de forma voluntária, apenas quem quisesse e o valor que quisesse. Não deveria ter sido o contrário?

Responde o Rav Zalman Sorotzkin zt"l que a Torá está se aprofundando na psicologia do ser humano e nos ensinando uma incrível lição. Normalmente somos muito ágeis para fazer doações para projetos que envolvem a construção de salas e prédios, mas temos mais dificuldade em doar para manter o propósito do prédio após ele estar pronto. Mas será que isto é correto? Por exemplo, o que é mais importante e querido aos olhos de D'us, a construção do Mizbeach ou a manutenção dos Korbanót que eram oferecidos ali diariamente? Obviamente que o propósito é mais importante do que os meios, isto é, a oferenda dos Korbanót é muito mais importante do que o Mizbeach, que é apenas um meio para que a oferenda seja realizada.

Há uma prova interessante que demonstra como nos enganamos ao achar que as construções são mais importantes do que seus propósitos posteriores. Apesar de ser proibido fazer Shechitá (abate Kasher) em um animal no Shabat, por ser uma das 39 Melachót (trabalhos criativos proibidos), há uma exceção em relação à Shechitá dos Korbanót oferecidos no Shabat, que é permitida. Já a construção do Mishkan, apesar de sua importância e santidade, não fazia parte de nenhuma exceção e deveria parar completamente durante o Shabat. Portanto, enquanto a oferenda dos Korbanót tinha uma permissão especial para ocorrer no Shabat, a construção do Mizbeach era proibida, demonstrando que aos olhos de D'us os Korbanót eram ainda mais importantes do que o próprio Mizbeach.

Porém, apesar de ser mais querido para D'us a oferenda diária dos Korbanót do que a construção do Mishkan, e apesar das doações para a construção do Mishkan serem voluntárias, em um único dia o povo doou até mais do que era necessário para a construção do Mishkan, e as pessoas somente pararam de doar quando foi dado um aviso para que parassem de trazer materiais. Como D'us conhece as inclinações do coração de Suas criaturas, Ele sabia que para a construção do Mishkan todas as pessoas correriam para trazer sua doação, o que é bastante compreensível, pois todos querem deixar sua marca para a posteridade. Por isso não foi necessário que esta doação tivesse um caráter obrigatório, pois as pessoas naturalmente trariam até mais do que era necessário, como ocorreu. Mas para o objetivo final da construção, isto é, a oferenda dos Korbanót propriamente dita, as pessoas não teriam doado a não ser que fosse uma obrigação. D'us, que conhece a natureza humana, sabe que esta doação é difícil, e por isso quis incentivar as doações garantindo que doar para a compra dos Korbanót traria expiação espiritual para o doador.

Infelizmente também podemos observar este fenômeno atualmente. O propósito da construção de uma Yeshivá ou de uma sinagoga é o estudo de Torá e a Avodat Hashem (Serviço Divino) que ocorrerão lá dentro depois de pronta e que trarão méritos para todo o povo judeu, enquanto a construção do prédio da Yeshivá e da sinagoga é apenas um meio. Apesar disso, vemos que muitas pessoas são extremamente generosas na construção dos prédios, doando fortunas para as paredes, portas, janelas, e tijolos, mas são poucos os que são generosos para manter as Yeshivót e sinagogas funcionando. Poucos se preocupam que na mesa dos estudantes de Torá haja comida e bebida suficiente para que possam ter força para estudar, ou que as contas de luz e de água da sinagoga sejam pagas.

Por que isto acontece? Normalmente as pessoas querem investir seu dinheiro em coisas duráveis. Quando alguém doa para a construção de uma sinagoga, sabe que daqui a muitos anos seu investimento ainda estará de pé e seu esforço estará presente naquelas paredes, enquanto aquele que doa para comprar comida está doando para coisas não duráveis, pois as comidas são imediatamente consumidas. Mas este é um grande equívoco, pois o alimento é o que mantém os estudantes saudáveis e fortes para poderem estudar com concentração e alegria, e toda a Avodat Hashem realizada nestes prédios certamente é eterna, muito mais duradoura do que as construções de tijolo e cimento, apesar de não percebermos isto com os nossos olhos. Nas sinagogas, a luz, a água e outros gastos, apesar de também serem investimentos não duráveis, é o que mantém o propósito do lugar. Os tijolos, cimento, móveis, pintura e acabamentos são apenas meios para que as pessoas tenham um lugar físico para sua Avodat Hashem, mas o principal, a meta, é o estudo diário da Torá e as Tefilót, que são tão queridos aos olhos de D'us e são eternos.

Mas se este conceito é verdadeiro, então por que a doação das bases do Mishkan também era obrigatória? Apesar das pessoas se interessarem em doar para a construção de prédios, isto ocorre apenas depois que já se iniciaram as fundações, isto é, depois que as pessoas já viram que o projeto realmente vai acontecer. Antes das fundações as pessoas ainda não acreditam que o projeto realmente sairá do papel, e ainda não se interessam em doar. Por isso D'us teve que obrigar a doação da prata para as bases de sustentação do Mishkan, enquanto para o restante das estruturas o povo correu para doar até mais do que era necessário.

Da Parashat aprendemos que doar para a construção de Yeshivót e sinagogas é algo muito grandioso e valoroso, porém mais valoroso ainda para D'us é a manutenção dos lugares de Torá já existentes. Ao manter uma sinagoga ou uma Yeshivá, apesar de não estarmos construindo paredes físicas, certamente estamos construindo paredes espirituais eternas.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 25:1-27:19, 1 Re. 5:12 -6:13

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

SABENDO PEDIR PERDÃO - PARASHAT MISHPATIM 5776

"Michel ganhou de presente um papagaio. Mas o que poderia ser uma diversão para a família acabou se tornando um verdadeiro "presente de grego". O papagaio se comportava mal e tinha um péssimo vocabulário. De cada dez palavras que ele falava, oito eram palavrões.

Michel se esforçou para reeducar o pássaro. Ele ficava constantemente dizendo palavras educadas e tocando músicas suaves, mas nada funcionava. Então ele mudou a tática e tentou reeducá-lo através de castigos. Ele gritou, ameaçou, chacoalhou o pássaro, mas o papagaio ficou ainda mais irritado e rude.

Certo dia, quando Michel estava com convidados importantes em casa, o papagaio começou a falar palavrões. Desesperado, Michel pegou o papagaio, colocou-o no congelador e fechou a porta. Por alguns momentos ele ouviu o pássaro gritando e bicando a porta, mas de repente tudo ficou quieto. Michel ficou com medo de ter machucado o pássaro e rapidamente abriu a porta do congelador. O papagaio estava com os olhos esbugalhados, visivelmente assustado. Ele subiu no braço estendido de Michel e disse:

- Por favor, eu sinto muito por ter te ofendido com a minha linguagem baixa e meus maus atos. Eu peço perdão e vou me esforçar para corrigir meu comportamento.

Michel ficou espantado com a drástica mudança de atitude do pássaro. De repente ele havia ficado educado, tranquilo, e havia até pedido perdão! Mas Michel não entendia como um castigo de apenas um minuto havia feito algo tão milagroso. Anteriormente ele já havia tentado trancar o papagaio em uma caixa, sem nenhum resultado. Por que no congelador havia funcionado? Então o papagaio fez uma pergunta que esclareceu tudo:

- Desculpe a curiosidade, mas posso saber quais palavras feias aquele frango que está no congelador falou para você?"

A piada pode ser engraçada, mas não é engraçado causar mal aos outros e não ter a dignidade de pedir perdão. Assumir um erro e pedir perdão é uma demonstração de grandeza. Como no caso do papagaio, saber pedir perdão pode nos ajudar a não entrar em muitas frias na vida... 
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Nesta semana lemos a Parashat Mishpatim (que literalmente significa "juízos"). A Parashat traz diversas leis "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante), que visam manter uma convivência harmoniosa entre as pessoas. Entre os ensinamentos da Parashat estão as leis de compensação por qualquer tipo de dano causado. A Torá traz como exemplo o caso de dois homens brigando, e um deles causa acidentalmente lesões corporais a uma terceira pessoa. Neste caso, aquele que causou o dano é considerado completamente responsável pelas consequências do seu ato. A Torá, ao descrever a compensação exigida do agressor, utiliza uma famosa expressão: "Olho por olho, dente por dente" (Shemot 21:24).

Os babilônios se basearam neste versículo da Torá para criar a famosa "Pena de Talião", que consta no Código de Hamurabi. De acordo com a Pena de Talião (que vem do latim "talis", que significa "idêntico"), o "olho por olho, dente por dente" deveria ser aplicado ao pé da letra, isto é, aquele que quebrasse o dente de outra pessoa era castigado com a quebra do seu dente. Porém, esta aplicação prática feita pelos babilônios demonstra que eles entenderam o versículo da Torá de uma forma completamente equivocada. De acordo com a transmissão oral dos nossos sábios, o "olho por olho, dente por dente" significa que a pessoa que causou uma lesão corporal ao outro deve pagar como indenização o valor monetário do membro que foi atingido. O Talmud (Baba Kama 84a) comprova esta declaração ao afirmar que seria impossível infligir ao agressor uma lesão física exatamente igual à que ele causou em sua vítima, pois não existem duas pessoas fisicamente ou emocionalmente idênticas.

Porém, se pararmos para refletir, surge uma grande dúvida. Se toda a intenção do versículo é apenas ensinar que a vítima pode cobrar do agressor uma compensação monetária, então por que a Torá se expressa com uma linguagem que, se tomada literalmente, indica que o agressor estaria sujeito a uma punição física? A Torá não deveria ter explicitado que se trata apenas de uma compensação monetária, escrevendo literalmente "pagamento de um olho por olho", para evitar uma interpretação tão equivocada quanto à dos legisladores do Código de Hamurabi?

Além disso, o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), em seu livro de Halachót (Leis), na seção "Leis de Lesões e Danos", nos ensina as diversas exigências legais na compensação de danos causados a outra pessoa. Ele ressalta o grande contraste que existe entre a restituição exigida em casos de danos à propriedades e em casos envolvendo lesões corporais. O Rambam afirma que quando alguém causa uma lesão corporal, o pedido de perdão à vítima é obrigatório para que ocorra uma restituição completa.

Porém, este comentário do Rambam é um pouco difícil de ser entendido. Por que ele incluiu a exigência de pedir perdão no meio de leis que falam sobre a compensação monetária de um dano? Além disso, o Rambam também inclui esta exigência na seção "Leis de Teshuvá (arrependimento)". Ele afirma que mesmo que a pessoa tenha feito uma restituição monetária completa pelo dano que causou, seu erro não é expiado até que ele peça perdão e consiga apaziguar a pessoa que sofreu o dano. Mas por que a necessidade do pedido de perdão se a pessoa já foi completamente compensada por sua perda monetária? Já não foi devolvido à vítima tudo o que foi retirado dela?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em um interessante ensinamento do Talmud (Brachót 33a), que afirma que apesar da vingança normalmente ser uma forma de comportamento inaceitável, há algumas poucas exceções, em situações muito específicas, na qual ela é permitida. A palavra "vingança" em hebraico é "Nekamá", que vem da mesma raiz de "Kam", que significa "reestabelecer". Quando uma pessoa sofre um dano, não apenas suas posses ou seu corpo são atingidos, mas também a sua dignidade. Isto é ainda mais acentuado quando a pessoa sofre lesões corporais, pois o agressor exerceu sobre a vítima uma dominação física, diminuindo sua autoestima. Portanto, a vingança, quando permitida, é uma forma de reestabelecer a dignidade da pessoa insultada.

Foi justamente por este motivo que a Torá escreveu que a restituição de uma lesão corporal deve ser "olho por olho, dente por dente". Esta expressão tem um significado de castigo físico ao agressor, e nos ensina que a única maneira de realmente restaurar a autoestima da vítima seria aplicando ao agressor exatamente o mesmo dano que ele causou. Porém, nossos sábios explicam que na prática este tipo de restituição seria impossível, pois de qualquer maneira a consequência não seria idêntica para o agressor e o agredido e, portanto, acabaria sendo injusta. Por este motivo a punição física foi substituída por uma compensação monetária. Mas por outro lado, o dinheiro também não é capaz de restaurar a autoestima destruída da pessoa. Então o que fazer para que a justiça seja feita? Além da compensação monetária, o agressor também deve implorar pelo perdão de sua vítima, pois no momento em que o agressor busca apaziguar sua vítima, um pouco de sua dignidade danificada é restaurada.

Aprendemos daqui que pedir perdão e apaziguar uma pessoa que possamos ter ofendido através de algum dano ou agressão é um componente integral da restituição dos prejuízos causados. É por isso que o Rambam inclui o pedido de perdão no meio das leis que discutem a compensação monetária dos danos causados. Além disso, espiritualmente a pessoa não consegue alcançar a expiação do seu erro até que devolva o que foi retirado do seu companheiro. Isto vale para a parte material do dano, mas também se aplica para a parte psicológica. Portanto, o pedido de perdão e o apaziguamento é um dos pré-requisitos para receber expiação pelo erro cometido, pois ajuda a devolver a dignidade que havia sido retirada da vítima. E é por isso que o Rambam inclui também a necessidade de pedir perdão em suas "Leis de Teshuvá".
 
Diz o ditado que errar é humano. E realmente é impossível que um ser humano nunca erre, magoe ou cause danos aos outros, mesmo que seja sem intenção. Porém, está em nossas mãos consertar os erros que cometemos, tanto materialmente quanto psicologicamente. Um simples "me desculpe, eu errei" pode derrubar muitas barreiras criadas por brigas e discussões. Assumir o erro e pedir perdão é uma demonstração de maturidade e grandeza espiritual. Por isso, apesar de errar ser humano, saber pedir perdão é Divino.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 21:1-24:18, Je 34:8-22, 33:25-26