sexta-feira, 28 de setembro de 2012

PEQUENOS VASOS VALIOSOS - PARASHÁ HAAZINU E SUCÓT 5773

"Gabriel era um homem muito piedoso e cuidadoso com a observância das Mitzvót. Mas ele era tão pobre que não tinha dinheiro nem mesmo para comprar uma bacia e uma caneca para lavar suas mãos quando acordava de manhã. Certa noite, Gabriel sonhou que D'us havia se comovido com a sua pobreza extrema e o havia presenteado com uma bacia e uma caneca. Quando Gabriel acordou de manhã, viu que no chão, ao lado de sua cama, estavam a bacia e a caneca com os quais ele havia sonhado. Não tinha sido um sonho, D'us realmente havia lhe dado um presente, e ele apreciou muito.
Então algo incrível aconteceu, pois a partir daquele dia a sorte de Gabriel mudou. Ele enriqueceu e logo decidiu fazer uma enorme reforma em sua casa. Quando o serviço estava terminando, Gabriel foi supervisionar o trabalho e percebeu que a caneca e a bacia haviam desaparecido. Ele ordenou aos trabalhadores que parassem tudo e não continuassem até que aqueles objetos fossem encontrados. Após muita procura, eles finalmente encontraram, mas ficaram perplexos. Eles acharam que se tratava de algo muito valioso, feito de ouro ou prata, de valor inestimável. Mas quando encontraram a caneca e a bacia, e viram que eram feitas de um metal barato, algo que poderia ser encontrado em qualquer camelô, não entenderam por que o homem havia ficado tão angustiado com a perda. Gabriel então explicou:
- Se D'us pessoalmente tivesse dado algo a vocês de presente, vocês não considerariam este o objeto mais valioso de suas casas?"
Assim se comportam os Tzadikim (Justos). Eles valorizam tudo o que possuem, pois sabem que cada coisa que têm na vida é um presente que receberam diretamente de D'us. Por isso não desprezam nada.
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Neste Shabat lemos a Parashá Haazinu, um cântico entoado por Moshé que expressa o reconhecimento da harmonia da Criação. E no domingo de noite (30/09) começa a festa de Sucót, também conhecida como "Zman Simchateinu" (O tempo da nossa alegria). Por uma semana comemos e dormimos na Sucá, uma habitação temporária e desprotegida até mesmo das intempéries, coberta apenas por bambus, galhos e folhas. Qual é a essência desta festa tão especial que, como o nome já indica, nos ensina a verdadeira fonte da felicidade?

Explica o Tur Shulchan Aruch (Orach Chaim 417) que os "Shalosh Regalim" (Pessach, Shavuót e Sucót) correspondem aos nossos três patriarcas, Avraham, Yitzchak e Yaacov. O Tur continua e explica que a festa de Sucót corresponde ao patriarca Yaacov, pois assim está escrito no versículo: "E para o seu gado ele (Yaacov) construiu "Sucót" (cabanas)" (Bereshit 33:17). Mas será que esta é a única conexão entre Yaacov e a festa de Sucót?

Para enxergar a verdadeira conexão, é preciso entender o contexto do versículo trazido pelo Tur Shulchan Aruch. No primeiro livro da Torá, Bereshit, está descrito o difícil relacionamento de Yaacov com seu irmão Essav. Embora Essav tivesse vendido a sua primogenitura para Yaacov, ele ficou furioso ao saber que Yaacov havia recebida a Brachá (Benção) de primogenitura em seu lugar, obrigando Yaacov a fugir para salvar sua vida. Mais de 30 anos depois, no caminho de volta para casa, Yaacov foi atacado pelo anjo da guarda de Essav. Apesar de sair ferido, Yaacov venceu a luta com o anjo. Depois disso, com muita apreensão, Yaacov encontrou-se com Essav, mas saiu deste encontro ileso. Então cada irmão seguiu seu caminho, e assim diz o versículo sobre Yaacov: "E Yaacov viajou para Sucót, e construiu para ele uma casa, e para o seu gado ele fez cabanas (Sucót). E por isso chamou o nome do lugar de 'Sucót' " (Bereshit 33:17).

O Talmud (Chulin 91a) descreve que Yaacov estava sozinho quando foi atacado pelo anjo da guarda de Essav. Por que, se ele estava viajando com toda a família? Pois ele lembrou-se que havia esquecido no local do acampamento anterior alguns pequenos utensílios e voltou sozinho para buscar. Eram pequenos vasos, de pouco valor monetário, mas Yaacov dava muito valor às suas posses. O Talmud aprende do ato de Yaacov que para os Tzadikim (Justos), seu dinheiro é mais querido do que seu corpo. Mas este ensinamento do Talmud nos deixa um grande questionamento: por que Yaacov, e todos os Tzadikim, acham suas posses tão preciosas? Eles não deveriam dar mais valor à espiritualidade do que aos bens materiais?

A resposta está na continuação da explicação do Talmud: "Eles (os Tzadikim) não estendem sua mão para roubar". Explica o Rav Chaim Vital que os Tzadikim apreciam cada pequeno objeto que possuem, cada centavo que ganham, não pelo valor intrínseco dos objetos e do dinheiro, mas porque sabem que foi D'us quem deu para eles, para que possam utilizar para cumprir seu trabalho espiritual no mundo. Os Tzadikim não roubam, eles não querem utilizar nada do que D'us não deu para eles. Por isso eles valorizam cada pequena coisa com as quais D'us os abençoou, pois eles sabem que podem utilizá-las para cumprir as Mitzvót da Torá. Eles valorizam cada centavo que recebem, pois sabem que é um verdadeiro presente entregue pessoalmente por D'us.

Sucót é a festa na qual nós abandonamos o conforto de nossas casas e passamos a semana na Sucá, uma moradia temporária. E da mesma forma que a Sucá é uma moradia temporária, devemos nos lembrar que nossa vida neste mundo material é apenas temporária e provisória. E mais do que isso, da mesma maneira que D'us nos fez habitar em Sucót no deserto e nos proveu de tudo o que necessitávamos, assim também Ele provê tudo o que é necessário para nossas vidas.

Mas por que o versículo diz que Yaacov construiu Sucót (cabanas) para seu gado, isto é, suas posses, mas para si ele construiu uma casa? Explica o Targum Yonatan que o versículo não está falando literalmente sobre uma casa, e sim sobre uma "casa de estudos" (Beit Midrash). Isto demonstra que Yaacov tinha muita claridade de seu papel no mundo. Ele valorizava suas posses pelos motivos corretos, não utilizava seu dinheiro em coisas passageiras, investia em coisas permanentes, como na construção de uma casa de estudo de Torá. Já as suas posses temporárias ele guardava em Sucót, cabanas temporárias.

Este é o propósito da nossa Sucá. Ela deve nos ensinar a mesma lição que aprendemos com Yaacov. Nós devemos ter claridade sobre nosso propósito neste mundo material passageiro. Nós devemos ter claridade sobre quais são as nossas prioridades na vida. Devemos ter apreço por nossos bens, cuidar do que é nosso, mas não pelo que eles representam e sim pela forma como eles podem ser investidos no nosso crescimento espiritual. Devemos entender que o roubo e a inveja são tolices, pois recebemos de D'us tudo o que necessitamos para o nosso trabalho, não precisamos de nada que pertence aos outros.

Somente quando tivermos esta claridade, de que cada centavo e cada pequeno objeto que temos na vida é um presente vindo de D'us, então chegaremos à felicidade de Sucót, a felicidade de saber que somos milionários com cada um dos bens que possuímos.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH.

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 32:1-52, II Sm.22:1-51, Rm.10:17-11:12, 12:19, 15:9-10

sábado, 22 de setembro de 2012

NÃO SE DEIXE ENGANAR – PARASHÁ VEYELECH E YOM KIPUR 5773

"Rogério, um homem muito pobre e ingênuo, vivia em uma pequena cidade do interior. Cansado de sua vida medíocre, ele decidiu tentar a sorte na cidade grande. Colocou seus poucos pertences em uma mochila e, de carona em carona, chegou à cidade grande. Para o seu azar, a primeira pessoa que ele encontrou foi Alberto, um homem que gostava de se divertir às custas dos outros. Alberto, vendo que aquele pobre era muito ingênuo, decidiu se divertir um pouco. Perguntou se estava tudo bem e Rogério, dando um longo suspiro, respondeu que estava tudo péssimo, pois há dias ele não comia uma refeição decente e não dormia em uma cama. Alberto convidou-o para ficar em sua casa, oferecendo um quarto só para ele e refeições abundantes. Rogério ficou feliz e aceitou, acreditando que sua sorte tinha mudado.

Sem que Rogério percebesse, Alberto levou-o ao hotel mais chique da cidade. Rogério, em sua ingenuidade, comeu e dormiu como um rei durante dias. Quando decidiu ir embora, arrumou suas coisas e saiu. Mas quando o gerente do hotel viu que ele estava saindo sem pagar a conta, correu e segurou-o pela camisa. Avisou que ele só sairia dali depois de pagar a enorme conta de sua estadia. Só então Rogério percebeu que havia sido enganado, e ele não tinha como pagar aquela conta. O gerente pegou o pouco dinheiro que ele tinha, apreendeu sua mochila como garantia e expulsou-o, deixando-o ainda mais pobre.

Saindo do hotel completamente humilhado, Rogério deparou-se novamente com o brincalhão, que havia mudado as roupas, estava com outro penteado e óculos escuros. Alberto estava tão diferente que Rogério não o reconheceu. Achando que era outra pessoa, começou a desabafar. Alberto aproveitou então para divertir-se mais ainda. Fingindo estar realmente preocupado com Rogério, ele falou:

- Puxa, que história triste. Esta pessoa realmente te enganou e te deixou sem nada. Mas confie em mim, eu vou te dar um belo conselho. Já que você terá que pagar a conta do hotel de qualquer maneira, e suas coisas estão com o gerente do hotel, volte para lá e continue comendo do bom e do melhor e dormindo em uma boa cama por mais alguns dias. Aproveite agora, e depois você se preocupa com a conta..."

Explica o Maguid Mi Duvno que é assim que o Yetzer Hará (má inclinação) nos engana. Quando somos jovens, ele nos convence a mergulhar em uma vida de materialismo, sem limites. Quando a pessoa então amadurece, percebe que terá que "pagar" por todos esses prazeres adquiridos às custas de sua espiritualidade. Então o Yetzer Hará volta novamente e diz: "Você já errou tanto e a dívida já é tão grande que não há mais o que fazer. Então continue aproveitando os prazeres materiais e depois você se preocupa com isso...

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Na próxima terça-feira de noite (25/09) é Yom Kipur, o Dia do Perdão, como nos ensina a Torá: "Pois neste dia vocês serão perdoados, para purificar vocês de todos os seus pecados. Diante de D'us vocês se purificarão" (Vayikrá 16:30). Em Yom Kipur há um perdão Divino especial, e é um dia tão sagrado que podemos chegar ao nível dos anjos. Neste dia nós jejuamos e nos abstemos de vários tipos de prazeres materiais, como relações maritais, usar sapatos de couro, tomar banho ou passar óleo no corpo.

Uma das partes centrais do serviço de Yom Kipur é o "Vidui", a confissão dos nossos pecados. Pronunciamos o Vidui com Cavaná (intenção), batendo no nosso peito ao mencionar cada transgressão que cometemos durante o ano. Sentimos vergonha dos nossos erros e tropeços, e muitos chegam ao choro sincero. Nos arrependemos e nos comprometemos a não voltar a cometer os erros novamente. Mas o que acontece na prática? Poucos dias após Yom Kipur acabamos fazendo exatamente os mesmos erros e caindo nas mesmas transgressões. Por que é tão difícil não cair novamente?

A Parashá lida nesta semana, Vayelech, traz um versículo que nos ajuda a entender um pouco melhor o motivo de cometermos tantas transgressões durante o ano. Assim diz o versículo: "Pois Eu conheço o Yetzer (má inclinação) deles" (Devarim 31:21). Explica o Rav Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que D'us criou o Yetzer Hará para nos testar e nos dar méritos cada vez que o vencemos. Para que a luta seja realmente meritória, D'us criou o Yetzer com muitas armas, versado em diversos tipos de luta. Ele tem a capacidade de utilizar as mais variadas artimanhas para nos testar e tentar nos desviar dos caminhos corretos.

Mas apesar da Torá afirmar que o Yetzer é um inimigo muito poderoso, o mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech (Rei Salomão), aparentemente diz justamente o contrário. Ele define o Yetzer Hará como sendo "um rei velho e tolo" (Kohelet 4:13). Se mesmo D'us atesta a força do Yetzer, como pode ser que o mais sábio de todos os homens chama o Yetzer de "tolo"? A força do Yetzer Hará não é algo apenas teórico, vemos na prática que ele consegue derrubar até mesmo as pessoas mais elevadas. Muitos dos graves erros descritos na Torá foram cometidos por pessoas com um elevado nível espiritual, como a rebelião de Corach e o erro dos espiões que falaram mal da terra de Israel. O que Shlomo Hamelech quis dizer ao afirmar que o Yetzer Hará é tolo?

Explica o Chafetz Chaim que uma pessoa que trabalha com vendas é chamada de "vendedor". Já uma pessoa que trabalha com construção é chamada de "construtor". Assim também o Yetzer Hará é chamado de "tolo" por causa de sua "profissão". A especialidade do Yetzer Hará é iludir as pessoas com tolices, como ensinam nossos sábios: "Não há ninguém que peca a não ser que entre nele um espírito de tolice". Algumas vezes o Yetzer Hará tenta nos convencer que nossos maus atos não são transgressões. Outras vezes ele nos convence que o culpado de todos os nossos erros são os outros. Também ele tenta nos convencer que viemos para este mundo apenas para curtir os prazeres mundanos e que tudo aqui é gratuito. E finalmente, quando amadurecemos e nos damos conta de que erramos muito e nos desviamos do caminho correto, o Yetzer nos convence que já estamos tão "sujos" que não vale a pena tentar limpar.

Um dos principais trabalhos de Yom Kipur é derrotar o Yetzer Hará e derrubar todos os argumentos e tolices que ele utiliza para nos convencer a pecar. Por exemplo, o texto do Vidui nos ajuda a derrubar a falsa impressão de que somos Tzadikim (justos) e não pecamos. O Vidui, escrito na ordem do "Alef Beit", nos demonstra que pecamos do Alef (primeira letra) até o Taf (última letra). E cada erro é muito grave, pois não apenas causou a nossa queda espiritual, mas a queda do mundo inteiro. Ao batermos no nosso peito a cada declaração de culpa, estamos assumindo para nós mesmos que nós somos os verdadeiros culpados e responsáveis pelos nossos erros, e não os outros. Os golpes dados na altura do coração simbolizam que estamos golpeando o verdadeiro culpado das nossas transgressões: o nosso coração, que nos puxou atrás dos prazeres instantâneos e nos afastou da espiritualidade.

Apesar de ser um dia em que jejuamos e nos abstemos de prazeres, o Talmud (Taanit 26b) afirma que Yom Kipur é um dos dias mais felizes do ano. Por que? Pois não há vitória maior contra o Yetzer Hará do que a possibilidade de limpar completamente as nossas transgressões em Yom Kipur. Mesmo se erramos durante todo o ano, mesmo quando parece que não há mais conserto, Yom Kipur surge para nos purificar completamente. Podemos recomeçar com uma alma limpa e renovada, sem estar presos aos erros e remorsos do passado. Podemos dar uma nova chance à nossa espiritualidade neste ano que está começando.

A Torá nos ensinou que D'us nos perdoa e nos purifica em Yom Kipur. Mas a linguagem "diante de D'us vocês se purificarão" nos ensina que Yom Kipur não é um dia mágico. Para nos purificarmos, temos que fazer a nossa parte, como afirma o Talmud (Yomá 85b) que sem Teshuvá (retorno aos caminhos corretos) não existe purificação em Yom Kipur. Apesar da parte central do serviço de Yom Kipur ser o Vidui, não é suficiente apenas confessar os erros passados. A Teshuvá verdadeira deve vir acompanhada de um sincero arrependimento e um comprometimento com o futuro.

Podemos sair de Yom Kipur purificados, mas não devemos ter a ilusão que isto é suficiente para nos manter o ano inteiro livres de transgressões. Nossa meta na vida é crescer espiritualmente, de maneira constante, mas com a consciência de que nenhum crescimento ocorre da noite para o dia. É necessário um processo gradual, programado, que utiliza o tempo como um grande aliado. Segundo o judaísmo a pessoa que está em um caminho de crescimento, apesar de não ter ainda atingido o objetivo final, já está cumprindo a vontade de D'us, pois o caminho é parte do objetivo.

Em Yom Kipur devemos traçar uma estratégia para nosso crescimento durante o ano. Devemos mostrar para D'us que temos uma proposta de crescimento, que estamos nos preparando para abandonar aos poucos os nossos erros e superar as ilusões e obstáculos que nos derrubaram no último ano. Não devemos apresentar sonhos ou expectativas irreais, e sim planos concretos para um crescimento verdadeiro e sustentável. Se formos sinceros, conosco e com D'us, Ele certamente aceitará nossos planos, nos perdoará e nos selará para um ano de Brachót e realizações.

SHABAT SHALOM, GMAR CHATIMÁ TOVÁ e TZOM KAL (que seja um jejum leve).

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A engenharia da desordem


Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 12 de setembro de 2012 

Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.
            No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.
            O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do “Padim”, um profissional do beija-mão.
            O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.
            Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia.
            Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido. Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca se viu no mundo. Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. --, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e na criminalidade. Por fim, à dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos crimes, consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.
            Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia. Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma “ditadura” às claras. Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim, “A estratégia do grupo nazista” (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed. brasileira da Zahar). A fórmula é bem simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo. A ascensão dos partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político, praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de destruição da ordem na sociedade e nas almas.
Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da demolição geral. Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça. 


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PEQUENO DEMAIS PARA NOSSA GRANDEZA – PARASHÁ NITZAVIM E ROSH HASHANÁ 5773

“Arnaldo era um bom menino, mas as más influências de garotos encrenqueiros da escola fizeram com que ele também começasse a fazer coisas feias, tanto na escola quanto em casa. O pai tentou conversar, passou a gritar e chegou até mesmo a deixá-lo de castigo, mas nada adiantava. Parecia que aquela má conduta tinha virado a essência dele. Mesmo com 8 anos, ninguém mais podia com ele.
Certo dia, o pai teve uma ideia para tentar despertá-lo. No momento em que o viu fazendo algo errado, imediatamente chamou-o. Arnaldo ficou assustado com o flagrante e já se preparou para o pior. Mas ao invés da esperada bronca ou castigo, o pai calmamente pediu para que ele fosse ao seu quarto e trouxesse o chinelinho que usava quando tinha 4 anos. Arnaldo, mesmo sem entender o pedido do pai, fez o que ele mandou e trouxe o chinelinho. O pai então pediu que ele vestisse o chinelinho, mas Arnaldo deu risada, achando que o pai estava brincando. Mas ao olhar para o rosto do pai, viu que ele estava sério. O pai então repetiu mais uma vez para ele calçar o chinelinho, e desta vez Arnaldo fez o que o pai mandou. Ou melhor, tentou fazer, pois obviamente o chinelo não entrou no seu pé. Naqueles últimos 4 anos ele havia crescido muito e seu pé não cabia mais dentro daquele pequeno chinelinho. Então ele falou:
- Pai, você não percebeu que meu pé cresceu? Como vou calçar este chinelinho tão pequeno, que eu usava quando tinha apenas 4 anos, se meu pé hoje em dia é tão grande?
O pai então respondeu:
- Preste atenção no que você mesmo disse agora. Este chinelo representa as suas más ações. O seu pé representa o seu potencial espiritual. Você não percebe que estes atos feios que você anda fazendo não cabem em uma pessoa tão grande e boa como você? Você não percebe que transgressões não combinam com o seu coração bondoso? Você pode até forçar o pé dentro do chinelo, mas ele nunca vai entrar. Assim também é você, filho. Você é um bom menino, tenho certeza de que estes atos pequenos e feios que você tem feito não cabem em alguém tão grande quanto você. Só falta você perceber isto.
Arnaldo foi pego de surpresa. Se viesse uma bronca ou um castigo, ele teria se rebelado ainda mais. Mas o pai foi tão doce, e mostrou de forma tão clara que ele estava errado, que decidiu mudar. Ele entendeu que podia ser uma boa pessoa, fazer coisas positivas para o mundo, ao invés de ficar se comportando de forma tão pequena e mesquinha. Ele decidiu que nunca mais deixaria aqueles maus atos, tão pequenos, entrarem dentro de seu enorme coração”
No dia em que percebermos o quanto somos grandes, então entenderemos que as transgressões não cabem em nossos enormes corações.
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Neste Shabat lemos a Parashá Nitzavim, e no domingo a noite (16 de setembro) é Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, dia em que toda a humanidade passará diante de D’us e todos os nossos atos são julgados. Mas há algo interessante neste dia, pois Rosh Hashaná está incluído nos “Asseret Iemei Teshuvá” (10 dias de Teshuvá). A Teshuvá, o retorno aos caminhos corretos, inclui o arrependimento pelos maus atos e a decisão de não voltar mais a cometê-los. Mas diferente de Yom Kipur, em nenhum momento de Rosh Hashaná nós pedimos perdão a D’us pelos nossos pecados. Na verdade, em Rosh Hashaná nós nem mesmo mencionamos que pecamos. Então onde está a Teshuvá de Rosh Hashaná?
A resposta começa na Parashá Nitzavim, que traz alguns versículos enigmáticos: “Esta Mitzvá que Eu os comando hoje, não está escondida de vocês e nem distante... Pois a coisa está muito próxima de vocês, na sua boca e no seu coração, para cumpri-la” (Devarim 30:11,14). Sobre qual Mitzvá o versículo está falando?
Explica o Ramban (Nachmânides) que o assunto trazido nestes versículos é justamente a Mitzvá de Teshuvá. E a Torá está nos ensinando, ao afirmar que a Mitzvá de Teshuvá “está muito próxima de vocês”, que é algo acessível a qualquer pessoa e algo fácil de ser cumprido. Mas se a Teshuvá inclui um arrependimento sincero, abandonar completamente o pecado e a decisão de não voltar a errar, fazer isto de maneira sincera não é nada simples. Mesmo quando estamos convictos de que queremos mudar, isto não é feito sem dificuldade e esforço. Então como pode ser que o Ramban explica que o versículo, que descreve uma Mitzvá fácil de ser cumprida, se refere à Mitzvá de Teshuvá?
A pergunta fica ainda mais difícil quando olhamos a definição do Rambam (Maimônides) sobre o que é Teshuvá. Ele ensina (Hilchót Teshuvá 2:2) que a Teshuvá verdadeira e sincera somente ocorre quando a pessoa que pecou está convicta de que nunca mais voltará aos seus maus caminhos e está confiante a ponto de até mesmo D’us atestar que ela nunca mais voltará aos erros do passado. Mas como um ser humano pode garantir que nunca mais voltará aos erros do passado? O ser humano é feito de carne e osso, isto é, está sempre suscetível a erros e constantemente sendo testado pelo seu mau instinto. Ensinam os nossos sábios que “não há nenhum homem no mundo que faz o bem e não comete transgressões”. Quem pode chegar ao nível de colocar D’us como testemunha de que nunca mais na vida vai voltar a cometer o mesmo erro?
O Rambam continua e diz que a Teshuvá somente é perfeita quando, depois do arrependimento, a pessoa se vê diante da oportunidade de novamente cometer o mesmo pecado, mas desta vez consegue vencer a tentação e não cai novamente. Ele cita como exemplo de Teshuvá perfeita uma pessoa que transgrediu através de relações ilícitas e novamente se vê fechado com a mesma mulher, no mesmo local e sentindo a mesma atração física que sentiu anteriormente, mas desta vez consegue se libertar do desejo e vencer o teste.
Mas há algo muito estranho no exemplo trazido pelo Rambam. A Torá proíbe uma pessoa de se colocar intencionalmente em uma situação de teste. Ao contrário, devemos fazer de tudo para diminuir os nossos testes. Por exemplo, uma pessoa que fez Teshuvá e deixou de comer carne com leite não deve passar pela porta do McDonald’s, para não se colocar em uma situação de desejo desnecessário. Então como o Rambam fala que a Teshuvá verdadeira é apenas quando a pessoa passa exatamente pela mesma situação em que caiu anteriormente? Não é até mais louvável que a pessoa, por seu cuidado e temor a D’us, nunca mais chegue nem perto do mesmo teste que a fez cair anteriormente?
O Talmud (Iomá 86b) ajuda a responder estas perguntas ao nos ensinar um fundamento espiritual muito importante. Quando uma pessoa repete muitas vezes o mesmo pecado, ele se torna permitido aos seus olhos. O Talmud está nos ensinando que um dos principais motivos pelo qual nós pecamos é nos enxergarmos como seres compostos pelos nossos atos do passado. Portanto, quando uma pessoa comete muitas vezes determinado erro e está diante de uma nova oportunidade de pecar, ela pensa que não é possível que o pecado a impacte mais do que já fez. A pessoa sente que o pecado já faz parte de sua própria essência e por isso não consegue se desconectar dele. Ela não consegue se comprometer a não voltar a cometer o mesmo pecado, e mesmo que se comprometa, será uma frustração quando ela certamente cair novamente, pois a pessoa que não se liberta dos seus pecados certamente voltará a cair, é apenas questão de tempo.
Explica o Rav Yohanan Zweig que o Rambam não está dizendo que existe alguém que pode chegar ao nível de garantir que nunca mais repetirá um erro, e muito menos que uma pessoa deve se colocar em teste para provar que fez uma Teshuvá verdadeira. O Rambam está ensinando qual é a atitude correta requerida para uma Teshuvá verdadeira. O primeiro passo é a pessoa se desconectar das suas atitudes passadas. Ela deve sentir que os maus atos cometidos no passado não refletem sua natureza verdadeira e, portanto, mesmo nas mesmas circunstâncias, ela não voltaria a cometer o mesmo pecado. A Teshuvá verdadeira somente é possível quando a pessoa se desconecta completamente de seus comportamentos negativos do passado e entende que eles não são parte de sua essência verdadeira. A pessoa pode até mesmo voltar a cometer o mesmo erro no futuro, mas por ter sido puxada por seu mau instinto, e não pelo fato do seu comportamento negativo do passado estar enraizado em sua essência.
Ninguém pode garantir que nunca mais voltará a pecar. Isto seria até mesmo um sinal de arrogância, como ensina Shlomo Hamelech: “Bem aventurado é aquele que tem medo sempre”, isto é, aquele que constantemente tem medo de pecar. Com a consciência de que nossos erros do passado não são parte do nosso presente e futuro, garantiremos que eles não nos influenciarão a cometer novos pecados.
Esta é a essência de Rosh Hashaná, o dia do julgamento. A Teshuvá de Rosh Hashaná é o entendimento de que o passado não nos controla. Esta é a fonte da Teshuvá verdadeira: se desconectar do que já erramos, entender a nossa grandeza, saber que os erros que cometemos são pequenos demais comparados com o nosso potencial. Isto é algo acessível para todos. Por isso a Torá diz que a Mitzvá de Teshuvá é algo fácil de ser alcançado.
Em Rosh Hashaná devemos fazer de D’us o nosso Rei. Não existe um rei de carne e osso sem súditos. A pessoa pode ter um trono, um manto e um cetro, mas se não tem súditos, ele não é rei. D’us, o Rei dos reis, não depende de ninguém. Em Rosh Hashaná dizemos que D’us é Rei, foi Rei e será Rei, isto é, mesmo antes de nossa existência e depois de nossa existência Ele sempre será Rei. Mas apesar de não precisar de nós, Ele nos escolheu como Seus súditos. Por isso não lembramos nem confessamos nossos pecados em Rosh Hashaná, pois Rosh Hashaná é o entendimento de que somos tão grandes que não “cabemos” mais nos pecados que cometemos no passado.

Esta é a grandeza de cada um de nós que precisamos focar em Rosh Hashaná. Fomos escolhidos por D’us para fazer Dele o nosso Rei. Não apenas os grandes sábios, nem só as pessoas mais puras e elevadas. Cada um de nós foi escolhido, cada um de nós pode ser um súdito do verdadeiro Rei. E quando entendemos a nossa grandeza, a nossa verdadeira conexão com D’us, nos desconectamos dos pecados e nos permitimos começar o novo ano completamente limpos e purificados.

“SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ

R' Efraim Birbojm

domingo, 9 de setembro de 2012

Os Dias Entre Rosh Hashaná e Yom Kipur

Dez Dias para Reflexão, Arrependimento e Retorno


No dia seguinte a Rosh Hashaná, ocorre o Jejum de Guedalyá, em lembrança ao assassinato do governador da Terra de Israel e à dispersão dos judeus remanescentes (no ano 3339 após a Criação).

Shabat Shuvá (entre Rosh Hashaná e Yom Kipur), quando lemos a Haftará Shuvá Yisrael (Retorna, Ó Israel), constitui-se num dos sábados mais importantes do ano. Até a chegada da véspera de Yom Kipur, o dia no qual nosso destino é selado para o ano todo.

O temor a D'us

"Afinal, tudo já foi ouvido: teme a D'us e guarda Seus mandamentos, pois este é o [dever do] homem completo".

Não é de se estranhar que o conselho acima tenha sido dado pelo maior e mais poderoso rei que já existiu: o rei Salomão. Nunca houve um rei mais glorioso e forte, que governou sobre o Reino de Israel. D'us lhe deu grande sabedoria quando, aos doze anos, herdou o trono de seu ilustre pai, o rei David. Todos os segredos da Criação lhe foram revelados. Ele compreendia a linguagem de todas as criaturas: das árvores, dos pássaros, dos insetos e dos animais. Podia dominar o vento e os espíritos; os demônios o serviam conforme a sua vontade. Sua fama espalhou-se pelo mundo. Os mais poderosos reis e chefes dos confins da Terra, vieram oferecer-lhe respeito, ouvir sua sabedoria e pagar-lhe tributos.

Poder-se-ia imaginar um ser humano mais poderoso que o rei Salomão? Normalmente, quanto mais poder e conhecimento, maior é a tendência de sermos orgulhosos e convencidos. Muitas pessoas perdem a cabeça por causa do sucesso e do poder. Frequentemente, esquecem que algum dia terão de prestar contas ao Criador e responder por seus atos perante o Supremo Rei dos reis.

Mas este não foi o caso do rei Salomão. O mais poderoso e o mais sábio de todos os homens era temente a D'us. Ele lembra-nos muito Moshê (Moisés) o mais humilde de todos os homens. Moshê tinha todos os motivos para se orgulhar: D'us o escolheu para libertar Seu povo da escravidão, para receber a Torá e ele se tornou o líder da nação e seu irmão, Aharon (Arão) o Sumo Sacerdote. Mesmo assim, Moshê foi o mais humilde de todos os homens que já viveram.

A modéstia de uma pessoa pobre e simples não impressiona; mas a humildade de Moshê é digna de reverência. Da mesma forma, não ficaríamos impressionados por uma pessoa frágil e humilde pregar a submissão a D'us. Mas é algo maravilhoso ouvir um homem como o rei Salomão dizer que todo seu poder e riqueza não lhe dizem nada e que a única coisa importante é o temor a D'us e somente a Ele.

Como podemos adquirir a grande virtude de temor a D'us? Pensando constantemente na majestade Divina e Seu poder ilimitado e, ao mesmo tempo, reconhecendo nossa insignificância e limitação de poderes.

Achamos que somos grandes arquitetos: podemos construir pontes imensas, arranha-céus altíssimos. Mas o que é isto comparado com o Arquiteto de todo o Universo? Acreditamos ser grandes engenheiros: podemos fazer uma máquina capaz de fornecer luz para toda uma cidade! Mas o que é isto perante a criação do Sol, que fornece luz, calor e energia para o mundo inteiro? Julgamos ser grandes químicos: podemos fazer coisas impressionantes em nossos laboratórios! Mas, como disse certa vez um grande cientista, uma folha de capim nunca poderá ser igualada.

Na realidade, somos ínfimos e insignificantes. Nossos poderes são limitados da mesma forma como nossa vida o é nesta terra. Somente D'us sabe tudo, pode tudo fazer e está em todos os lugares. Tudo o que possuímos é d'Ele. D'us criou todo o Universo e o homem para um determinado propósito. A finalidade é que o ser humano reconheça que D'us é o Criador e o Mestre; portanto, deve ser reverenciado. Isto significa que devemos servi-Lo, cumprindo as leis e mandamentos que Ele nos deu na Torá e fazer tudo o que for possível para sermos justos, honestos e corretos, pois D'us não aprecia iniqüidades. Ele sabe tudo o que fazemos, dizemos e até pensamos. O temor a D'us é a base da vida, é o primeiro passo para um caminho correto.

Os três pilares

A base do serviço a D'us durante estes dias se formam por meio de três pilares: Teshuvá (penitência, arrependimento, retorno), Tefilá (prece) e Tsedacá (caridade). A tradução habitual de "arrependimento, prece e caridade" não expressa, contudo, os verdadeiros conceitos judaicos de Teshuvá, Tefilá e Tsedacá.

Teshuvá é comumente interpretada como arrependimento. No entanto, a palavra exata em hebraico para arrependimento é Charatá. Charatá e Teshuvá são conceitos praticamente opostos. Charatá enfatiza a tomada de uma nova conduta, arrependendo-se por ter cometido uma ação má ou deixado de praticar uma boa ação e desejando se comportar de uma forma nova a partir deste momento.

Teshuvá significa um retorno. Um judeu é essencialmente bom e seu mais profundo desejo é praticar o bem. Porém, devido a várias circunstâncias, completa ou parcialmente fora de seu controle, ele erra. Este é o conceito judaico de Teshuvá - um retorno às raízes, ao seu mais íntimo ser.

Tefilá é geralmente traduzida como prece. No entanto, a palavra correta para prece em hebraico é bacashá. As conotações das duas palavras são contraditórias. O significado de bacashá é solicitação ou pedido e Tefilá quer dizer uma ligação. Bacashá enfatiza o pedido ao Todo Poderoso para que conceda nossas solicitações. Contudo, quando não necessitamos ou não desejamos coisa alguma, então o pedido se torna supérfluo.

Tefilá denota a ligação com D'us; e isto é importante para todos e em todas as ocasiões. Todo judeu tem uma alma ligada e presa a D'us. Entretanto, os laços que atam a alma ao Todo Poderoso podem se enfraquecer. Para corrigir esta debilidade, há durante o dia ocasiões específicas para a Tefilá, para renovar e tornar mais forte o elo com D'us. O conceito da Tefilá, o desejo de chegar mais perto de D'us, existe mesmo para aqueles que não necessitam de nada material. É o modo de fortalecer o apego e os vínculos entre os judeus e seu Criador.

Tsedacá é normalmente interpretada como caridade. Mas a palavra exata para caridade em hebraico é Chessed. Não usamos o termo Chessed e sim Tsedacá porque, novamente, os conceitos são antagônicos. Chessed ressalta a generosidade daquele que dá. Porém, aquele que recebe pode não ser necessariamente merecedor, nem o doador obrigado a dar, praticando o ato de bondade devido a sua generosidade.

Tsedacá, por sua vez, origina-se da palavra hebraica justiça, ressaltando que a justiça exige do judeu o cumprimento da caridade por dois motivos: primeiro, porque não está dando o que é seu e sim o que lhe foi confiado por D'us para dar aos outros; segundo, uma vez que todos dependem do Todo Poderoso para prover suas necessidades - embora D'us certamente não tenha obrigações para com ninguém - somos obrigados a retribuir "medida por medida" e dar aos outros, muito embora não devamos nada a eles.

 
http://www.pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/659928/jewish/Os-Dias-Entre-Rosh-Hashan-e-Yom-Kipur.htm

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O VERDADEIRO DONO DA FORTUNA - PARASHÁ KI TAVÔ 5772

"Desde pequeno, Mayer Anschel Rothschild era uma pessoa esforçada e decidida. Começou trabalhando em um banco judeu de Frankfurt e, mais tarde, abriu um banco em seu próprio nome. Conquistou um bom nome por negociar sempre de forma honesta. O Príncipe Wilhelm o nomeou como seu Conselheiro de Finanças. Apesar de sua fortuna, Mayer, sua esposa e seus cinco filhos viviam em uma casa modesta.
Algum tempo depois começou a guerra. O Imperador Napoleão conseguiu muitas vitórias e seus exércitos chegaram a Frankfurt. Certa noite, o Príncipe Wilhelm veio procurar Mayer Anschel, vestido como um mendigo. Tinha acabado de escapar do campo de batalha e tentaria fugir. Mas antes queria pedir um grande favor ao seu amigo, pois era o único em quem ele realmente confiava. O príncipe havia conseguido salvar o ouro e prata do castelo, e pediu que Mayer guardasse até que pudesse voltar. Mayer Anschel, mesmo sabendo dos riscos, garantiu que faria todo o possível para guardar os tesouros. Havia na casa um porão secreto que Mayer Anschel ocultava sob o piso da sala, e ali ele guardou os tesouros.
Nos dias que se seguiram, os franceses ocuparam a cidade. Anunciaram uma grande recompensa para quem localizasse a fortuna real e um castigo severo se alguém a escondesse. A suspeita logo caiu sobre Mayer, o tesoureiro real. Sua casa foi cercada e uma busca completa foi feita, mas nada foi encontrado. O oficial encarregado, não satisfeito, prendeu Mayer Anschel sob acusação de traição e ameaçou matar todos os líderes da comunidade judaica de Frankfurt. Sob o choro incessante de sua esposa, Mayer Anschel aceitou revelar o esconderijo do tesouro real. Voltou para dentro de casa, dirigiu-se a um quadro grande na parede e tirou-o. Uma porta secreta foi revelada. Ele abriu a porta e um enorme cofre de ferro apareceu. Abriu-o, mostrando diversas prateleiras repletas de ouro. Disse que aquele era o tesouro que estavam procurando. Os soldados franceses, felizes, juntaram tudo e se foram. Mayer Anschel então chamou a mulher e os filhos e disse-lhes:
- Devemos agradecer a D'us por estarmos vivos. Um judeu deve sempre manter sua palavra. Prometi ao príncipe que guardaria sua fortuna, por isso entreguei a minha para salvar a dele. Quero que vocês saibam onde ela está escondida, para devolver. É D'us quem nos dá o dinheiro, e Ele nos ajudará a nos reerguer.
Mayer Anschel mostrou, sob as tábuas, onde ficava o esconderijo secreto. Enquanto isso, espalhou-se a notícia que a fortuna do príncipe havia sido encontrada pelos soldados franceses na casa dos Rothschild. Isso foi considerado um crédito para Mayer, pois o príncipe havia confiado nele a ponto de deixar a fortuna real aos seus cuidados. Assim, a empresa de Rothschild prosperou muito em todo o mundo.
Alguns anos se passaram e Napoleão sofreu pesadas derrotas. Vários países recuperaram a liberdade e os reis voltaram aos seus antigos governos. O Príncipe Wilhelm também voltou, e imediatamente convidou Mayer Anschel para visitá-lo. Mas Mayer Anschel tinha adoecido. Conseguiu jejuar no último Yom Kipur de sua vida e permaneceu na sinagoga durante todo o dia, mas no dia seguinte sentiu-se muito fraco. Faleceu na primeira noite de Sucót, aos 68 anos. Foi o filho mais velho que fez a viagem no lugar de seu querido pai. O príncipe entristeceu-se muito com a notícia da morte de seu grande amigo e disse:
- Não confiei em mais ninguém para cuidar da fortuna real. Sei que não foi culpa dele que encontraram o tesouro. A perda do tesouro não é nada, comparada à perda de meu querido amigo de confiança.
O jovem Rothschild, para a surpresa do príncipe, disse que a fortuna não estava perdida. Os franceses haviam levado a fortuna que pertencia aos Rotschild, pois Mayer tinha cumprido sua palavra até o fim. O príncipe quis dar parte da fortuna real para compensar as perdas financeiras, mas ele não aceitou, dizendo:
- Não se preocupe. D'us já nos compensou por nossa perda financeira"
Mayer Anschel Rothschild deixou aos filhos como herança não somente uma grande fortuna, mas algo muito mais valioso: um nome bom e honesto, e a Emuná (fé) de que D'us está no controle de tudo.
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A  Parashá desta semana, Ki Tavô, começa com um assunto muito interessante: a Mitzvá de Bikurim. As primícias (primeiras frutas) das 7 espécies da Terra de Israel (trigo, cevada, uva, figo, romã, azeitona e tâmara) precisavam ser trazidas ao Beit Hamikdash em uma cesta e entregues ao Cohen. Esta parece ser uma Mitzvá comum, sem uma importância maior. Porém, há um ensinamento surpreendente em um Midrash (Bereshit Rabá 1:6). O Midrash diz que as primeiras palavras da Torá, "Bereshit Bará Elokim" (No princípio D'us criou), têm outro significado, pois "Bereshit" significa "princípio", mas "Reshit" também significa "Primícias". O Midrash nos ensina que o mundo foi criado pelo mérito da Mitzvá de Bikurim. Afinal, o que há de tão especial nesta Mitzvá?
Responde o Rav Yaacov Neiman que um dos fundamentos do judaísmo é a Emuná (fé). Como isto se expressa na prática? Devemos saber que tudo, sem exceção, vem de D'us. Na teoria pode parecer fácil, mas na prática não é tão simples assim. Pode ser algo fácil quando observamos a natureza. Ao refletir um pouco sobre a perfeição de toda a criação, em cada mínimo detalhe, é possível perceber a mão de um exímio "Desenhista". Como um belíssimo por do sol, que se repete todos os dias, pode ser um acaso? Como a perfeição do corpo humano pode ter vindo de uma explosão e mutações aleatórias? Assim, com um pouco de questionamentos lógicos e diretos, conseguimos chegar à certeza de que tudo foi planejado e executado por uma Força superior e perfeita, que tem pleno controle sobre todo o mundo.

Mas há algo mais difícil de internalizar para chegar a uma Emuná completa: que todos os atos que os seres humanos fazem também são direcionados e controlados pelo Criador. Por exemplo, a tendência natural é pensar que "todo meu sucesso é fruto do meu esforço e da minha inteligência". Facilmente tiramos D'us da história e creditamos o sucesso aos nossos próprios esforços. Vivemos com a certeza de que nossos bens foram adquiridos através da nossa inteligência, talento e esforço. Parecem ser pensamentos inocentes, mas segundo a Torá, podem ser considerados até mesmo uma forma de idolatria, pois idolatria não é apenas se curvar diante de um ídolo feito de madeira ou pedra. Idolatria é atribuir forças a qualquer entidade fora D'us. Todas as forças e criaturas que existem no universo são parte Dele, criações Dele, e nenhuma entidade do universo, tanto físicas quanto espirituais, tem força própria. Isto significa que aquele que pensa que "todo meu sucesso é fruto do meu esforço e da minha inteligência" está atribuindo forças a si mesmo e, de certa maneira, está cometendo idolatria.

Para chegar à Emuná verdadeira, a pessoa deve se esforçar para entender e internalizar que todo ato que aparentemente ela está fazendo com a sua própria força, na verdade está sendo feito com a força de D'us. O ser humano não tem nenhuma força própria, ele não pode fazer nada se D'us não estiver constantemente mandando energia para ele. É como se estivéssemos conectados a D'us através de um fio, por onde recebemos, a cada instante, a energia necessária até mesmo para levantar um dedo.

Este conceito pode ser bem enxergado no início da Parashá da semana passada, Ki Tetse, que começa com as seguintes palavras: "Quando você sair para a guerra com os seus inimigos" (Devarim 21:10). Quando pensamos em preparação para a guerra, a primeira coisa que nos vêm à cabeça é a necessidade de uma grande quantidade de soldados, armamentos e equipamentos de apoio. Mas como continua o versículo? "E Hashem, teu D'us, os entregará em tua mão". Esta é a visão correta das coisas. Não são as armas, nem o exército, nem as estratégias que vencem uma guerra, e sim a mão de D'us.

É pela grande importância da Emuná em nossas vidas que o Midrash ressalta tanto a importância da Mitzvá de Bikurim. Quando a pessoa ara seu campo, semeia, colhe e traz para casa sua colheita, qual a primeira impressão que fica? Que todo o sucesso na colheita foi resultado do seu esforço. Então como a Mitzvá de Bikurim ajuda no reforço da Emuná? A pessoa, além de trazer suas primícias ao Cohen, precisava pronunciar um discurso no qual consta a seguinte afirmação: "E agora eu trouxe as primícias da terra que D'us me deu" (Devarim 26:10). Quando a pessoa pronuncia "D'us me deu", ela reconhece e internaliza a ideia de que todo o sucesso que ela teve na sua colheita não foi resultado do seu esforço, e sim uma grande bondade de D'us, o verdadeiro Dono de tudo.

Em menos de 2 semanas será Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico. A essência de Rosh Hashaná é fazer de D'us um Melech (Rei). O Talmud (Rosh Hashaná 17a) enfatiza este ponto com as seguintes palavras: "Digam Malchuiót diante de Mim para que vocês Me coloquem como um Rei sobre vocês". O que significa, na prática, fazer de D'us um Rei sobre nós?

Não é suficiente a pessoa saber que D'us é o Criador do mundo. Fazer de D'us um Rei sobre nós significa tê-Lo como um Rei em nossas vidas, de maneira que isto influencie cada ato que fazemos. D'us declarou Sua vontade através da Torá, e todas as vezes em que desprezamos Suas Mitzvót, é como se estivéssemos nos rebelando contra o Seu reinado. Ao contrário, quando nos comportamos de acordo com os Seus ensinamentos, estamos declarando que Ele é o Rei sobre nossas vidas. E esta é a maneira de passar no julgamento de Rosh Hashaná: mostrar para D'us que queremos que Ele esteja ativamente presente em nossas vidas, em nossas famílias, no nosso trabalho e nos nossos momentos de lazer.

Que possamos canalizar a força que D'us nos dá a cada instante para que possamos fazer apenas o bem, e assim possamos ser inscritos para um ano de muitas Brachót (Bênçãos).

"SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
Dt. 26:1-29:9, Is. 60:1-22, Lc. 24:44-53

sábado, 1 de setembro de 2012

DEVOLVENDO BONDADES – PARASHÁ KI TETSE 5772

O Sr. Ackerman estava desesperado. A situação financeira de sua Yeshivá, localizada na cidade de Bnei-Brak, estava muito difícil, e ele precisava juntar U$ 25 mil para aliviar um pouco a situação, mas não sabia por onde começar. Viajou para Jerusalém, onde pensava ser mais fácil conseguir o dinheiro. Lá ele encontrou, em uma sinagoga, um famoso filantropo americano que estava de férias em Israel. Convidou-o para jantar e, durante a refeição, contou sobre as dificuldades financeiras da Yeshivá. O filantropo se sensibilizou com a causa e fez uma proposta incrível. Ele fez um cheque de U$ 5 mil e disse que se o Sr. Ackerman conseguisse até o dia seguinte mais U$ 10 mil, ele completaria os U$ 10 mil que faltavam.
O Sr. Ackerman ficou empolgado. No dia seguinte de noite já tinha conseguido os U$ 10 mil. O filantropo então tirou o talão de cheques e preencheu com o valor que faltava. Então, olhando emocionado para o Sr Ackerman, o filantropo falou:
- Você deve estar curioso para saber por que eu doei tanto dinheiro para sua Yeshivá. Eu vou lhe contar uma história que aconteceu há 25 anos. Quando eu era jovem, eu era tão pobre que meus pais não tinham dinheiro nem mesmo para me comprar um chapéu para meu casamento. No dia do casamento eu tomei coragem e fui até a loja de chapéus da cidade, cujo dono era judeu, e expliquei que me casaria naquele dia. Pedi que ele me desse um chapéu e me comprometi a pagar no dia seguinte, com o dinheiro que ganharia de presente. O dono da loja confiou em mim e me deu o chapéu. Lembrei então que meus pais também não teriam dinheiro para comprar os vinhos para o casamento. Fui até a loja de bebidas, cujo dono também era judeu, e ele também confiou em me dar as bebidas. Era um milagre, tudo estava dando certo demais naquele dia.
- Foi então que eu vi você na rua, Sr. Ackerman - continuou o filantropo - Naquela época, você era o mais fantástico dançarino das festas judaicas. Você alegrava os casamentos e transformava as festas em algo inesquecível. D'us já havia me ajudado tanto que eu resolvi arriscar mais uma vez. Apresentei-me e te convidei para o casamento. Você não prometeu nada, mas anotou o endereço do salão e falou que tentaria ir. No meio das danças, você entrou correndo na pista e dançou de forma magnífica. Os convidados adoraram, ficaram muito felizes. Você ajudou a tornar aquela a melhor noite da minha vida.
- Quando chegou o fim da noite - concluiu o filantropo - eu jurei para mim mesmo que algum dia eu retribuiria de alguma maneira por sua bondade. Graças a D'us eu tive sucesso na vida e enriqueci muito. E quando você veio falar comigo, mesmo 25 anos depois, eu te reconheci, e percebi que era o momento de retribuir aquele enorme presente que você me deu. Por isto estou te dando esta enorme doação agora.
Os dois se abraçaram, comovidos, e agradeceram um ao outro pelas bondades feitas de coração.
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Na Parashá desta semana, Ki Tetse, a Torá descreve que, por algum tipo de má-índole intrínseca ou algum comportamento oposto à essência do povo judeu, alguns povos podem até mesmo se converter ao judaísmo, mas não podem se casar com os judeus. Para alguns povos a proibição de se casar é apenas temporária, isto é, por algumas gerações, enquanto para outros povos a proibição é eterna. Entre aqueles que a proibição é apenas por algumas gerações estão os egípcios, como está escrito: "Não abominarás o egípcio, pois peregrinos vocês foram na terra dele" (Devarim 23:8). Mas por que receber os egípcios como parte do nosso povo por termos sido peregrinos em sua terra? Qual a conexão entre as duas coisas?
Imagine que você, recém casado, está desesperado em busca de um lugar para morar. Você encontra então uma pessoa que lhe oferece uma casa para alugar. Você gosta da casa e decide aluga-la, e durante muitos anos o convívio com o dono da casa é agradável. Com o tempo, a família cresce e você sente a necessidade de ir para um lugar maior. Você encontra um lugar mais adequado e decide se mudar. Mas no momento de ir embora, o dono da casa não permite sua saída e subitamente se torna uma pessoa perversa. Ele te obriga a pessoalmente fazer melhorias em todo o apartamento, sem pagar nenhum centavo. Para piorar, ele te causa sofrimentos físicos e psicológicos por meses e meses, sem descanso. Será que seria necessário guardar qualquer sentimento de gratidão por este "louco", que no princípio nos forneceu um lugar para morar, mas que depois nos causou tantos sofrimentos?
Diz o Rav Yeruham HaLevi Levovitz que a mesma pergunta se aplica a este ensinamento trazido na Parashá. É verdade que nos hospedamos por muito tempo no Egito, desde que Yaacov desceu para lá com seus filhos e netos, fugindo da seca que assolou a terra de Israel. E é verdade que no início fomos bem recebidos e vivemos no Egito com tranquilidade. Porém, após a morte de Yossef e seus irmãos, o comportamento dos egípcios mudou completamente. Nossa "hospedagem" se transformou em um verdadeiro inferno. Fomos escravizados e castigados com os piores requintes de crueldade. Nossos bebês foram atirados vivos no Rio Nilo e nosso povo foi quebrado pelo jugo do trabalho pesado, pelo qual não receberam um único centavo. Por mais que os egípcios nos fizeram bem no princípio, no final eles nos fizeram muito mal. Então, por que mostrar qualquer tipo de gratidão, recebendo-os como parte do povo judeu, depois de tanto sofrimento que eles nos causaram?
A pergunta fica ainda mais difícil ao observarmos que, poucos versículos antes, a Torá proíbe para sempre os homens dos povos de Amon e Moav de se casarem com mulheres judias, mesmo depois de se converterem. Nos chama a atenção o motivo apresentado pela Torá: "Pelo fato que eles não te receberam com pão e água no caminho, quando vocês estavam saindo do Egito (Amon), e porque eles contrataram contra vocês Bilaam... para amaldiçoar vocês (Moav)" (Devarim 23:5). Mas diferente dos egípcios, Amon e Moav não nos causaram sofrimentos físicos, não nos escravizaram e nem atiraram nossos bebês vivos no rio. Então, por que D'us foi mais rigoroso com os povos de Amon e Moav do que foi com os egípcios?
A resposta é um dos mais importantes fundamentos do judaísmo: o "Akarat Hatóv" (reconhecer as bondades recebidas). Os povos de Amon e Moav eram "parentes" do povo judeu. Eles descendiam das filhas de Lót, o sobrinho de Avraham. Quando Lót foi sequestrado, Avraham arriscou sua própria vida e não mediu esforços para salvá-lo. Mas os povos de Amon e Moav não tiveram Akarat Hatóv. Apesar de deverem suas vidas a Avraham, eles foram incapazes de dar pão e água quando os judeus estavam famintos no deserto. Mas não porque eram pobres, pois apesar da obrigação de retribuir o bem recebido, eles preferiram gastar seu dinheiro para contratar Bilaam, na tentativa de destruir o povo judeu. Portanto, Amon e Moav demonstraram que não possuem entre suas características o Akarat Hatóv. Por isso não podem se casar, para sempre, com mulheres judias, pois o Akarat Hatóv é um dos principais pilares do povo judeu.
Mas até onde vai a obrigação de Akarat Hatóv? Será que se uma pessoa nos faz um bem, mas depois nos faz mal, mesmo assim ainda estamos obrigados a reconhecer e retribuir o bem que recebemos? A Parashá nos ensina que sim. Os egípcios nos fizeram muito mal, eles quase nos destruíram, fisicamente e espiritualmente, mas mesmo assim a Torá nos obriga a aceitá-los. Por que? Pois eles nos receberam como peregrinos em sua terra em um momento em que não tínhamos mais para onde ir. As coisas ruins que eles nos fizeram não apagam as coisas boas que recebemos deles e, portanto, não nos isenta da obrigação de Akarat Hatóv.
Ensina o livro Tomer Dvora, do Rav Moshe Cordovero, que devemos sempre guardar com toda nossa força as coisas boas que recebemos dos outros, enquanto devemos minimizar e esquecer as coisas ruins, pois é assim que D'us se comporta conosco. Ele guarda para sempre cada Mitzvá que fazemos, mas as Aveirót (transgressões) Ele tenta limpar rapidamente. Para que possamos meritar os prazeres eternos do Mundo Vindouro, D'us não "desconta" as Mitzvót com as transgressões. Por isso, não devemos utilizar as coisas ruins para "descontar" as coisas boas que as pessoas nos fizeram.
Muitas vezes não apenas não nos comportamos da maneira que D'us se comporta, mas fazemos justamente o contrário. Por anos recebemos bondades das pessoas, mas na primeira "pisada de bola" jogamos fora todo o sentimento positivo e o nosso Akarat Hatóv. Frequentamos por anos uma instituição, recebendo bondades e atenção, e após um único desentendimento, decidimos nunca mais pisar neste lugar. Pior ainda, muitas vezes deixamos de manter ou ajudar instituições por pequenas falhas cometidas, depois de termos recebido anos e anos de ajuda. Certamente é o oposto de como esperamos que D'us se comporte conosco.
Este ensinamento é particularmente importante para esta época do ano. Estamos no mês de Elul, o último mês do ano, a época de preparação para o julgamento de Rosh Hashaná, onde nossas próprias vidas, e cada detalhe de tudo o que ocorrerá no próximo ano, estarão em jogo. Ensina o Tomer Dvora que da maneira que nos comportamos aqui embaixo, assim D'us se comporta conosco. Se esquecermos as coisas boas que recebemos e guardarmos as coisas ruins, D'us também fará isto no nosso julgamento, e infelizmente não faltam erros e transgressões que fizemos durante o ano. Mas se guardarmos as coisas boas e esquecermos as coisas ruins, então D'us certamente nos ajudará no nosso julgamento.
"SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Dt. 21:10-25:19, Is. 54:1-55:5, I Co.5:1-5
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