sexta-feira, 27 de maio de 2016

ENGANANDO A SI MESMO - PARASHAT BEHAR 5776

Este é o "testamento ético" que um médico escreveu antes do seu falecimento, na expectativa de transmitir aos seus filhos os ensinamentos que ele aprendeu na vida:

"Meus queridos filhos, quando eu me formei na faculdade de Medicina, a minha grande ambição era me dedicar à pesquisa na área médica e descobrir a cura para uma grande enfermidade. Eu sentia que tinha o talento e as habilidades necessárias para fazê-l,o e queria fazer algo grandioso, algo importante, que melhoraria a saúde de inúmeras pessoas e prolongaria suas vidas. Eu queria ser médico no sentido literal da palavra. Mas eu também queria ter segurança financeira. Eu não queria me preocupar com as contas e com o financiamento de uma casa. Eu queria dar um padrão de vida confortável para a sua mãe. Então eu decidi abrir um consultório em um bairro de classe alta e praticar aí medicina durante dez ou quinze anos. Eu ganharia muito dinheiro e me aposentaria. Depois, eu estaria livre para dedicar a minha vida à pesquisa.

O que eu posso lhes dizer, meus filhos queridos? Vocês sabem o resto da história. A minha clínica foi muito bem-sucedida e eu ganhei muito dinheiro. Eu sempre adiava a minha aposentadoria para ganhar ainda mais dinheiro. Um ano se passou, depois outro e outro. Antes que eu me desse conta, eu passei os melhores anos da minha vida acumulando uma grande fortuna. E o meu sonho de encontrar uma cura? Eu sinto dizer que ele simplesmente continuou sendo isto: um sonho não realizado. Eu desperdicei os melhores anos da minha vida. Eu desperdicei os meus melhores talentos. Eu desperdicei uma oportunidade de ganhar a imortalidade. E tudo isto pelo quê? Por um pote de ouro.

O pior de tudo é que, olhando para trás, a sua mãe teria me apoiado na minha decisão de fazer pesquisa. Eu dizia para mim mesmo que eu fazia isto para dar a ela o padrão de vida que ela merecia, mas eu sabia que ela teria concordado em ter um padrão de vida mais simples, que ela teria me estimulado a perseguir os meus objetivos se eu tivesse pedido a ela.

Meus filhos queridos, o que eu posso dizer? O pote de ouro eu deixo para vocês. Deve ser suficiente para lhes libertar das preocupações financeiras. Não cometam o meu erro. Não passem as suas vidas preciosas enchendo o pote de ouro".

Explica o Rav Yssocher Frand que, após muitos anos de trabalho árduo, este médico compreendeu que desperdiçou décadas da sua vida na busca por riqueza material. Um tempo que poderia ter sido passado com a família ou na busca de ideais nobres foi direcionado na busca interminável por dinheiro. E este tempo nunca voltará...
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Nesta semana lemos a Parashat Behar (que literalmente significa "No Monte"). A Parashat começa descrevendo uma Mitzvá difícil de ser cumprida, e que tem um grande impacto na forma como nos relacionamos com D'us e como enxergamos o nosso trabalho neste mundo: a Mitzvá de "Shemitá" (Ano Sabático), que se aplica apenas às terras de Israel. Durante seis anos o povo judeu pode arar o campo, semear, irrigar e colher o produto do seu esforço. Porém, no sétimo ano, o ano de Shemitá, o povo judeu não pode arar, plantar e nem mesmo ter proveito financeiro dos frutos do seu campo. As portas de todos os campos devem ser abertas, para que os pobres e todos que tiverem vontade possam comer livremente das frutas. Isto nos ensina que o verdadeiro provedor de tudo o que temos é D'us, pois apesar de passarmos um ano inteiro sem cultivar o campo e sem vender as frutas, nunca faltou sustento ao povo judeu no ano de Shemitá em mais de 3.000 anos. A Torá inclusive nos garante que não apenas não haverá fome, mas também haverá uma grande abundância, como está escrito: "E Eu comandarei a Minha Benção para vocês no sexto ano, e a produção será equivalente a três anos" (Vayikrá 25:21).

Porém, o Talmud (Kidushin 20a) descreve as terríveis consequências àquele que não cumpre a Mitzvá de Shmitá e busca lucros com a venda de produtos agrícolas durante o sétimo ano. O Talmud também ressalta que a severidade dos castigos vai aumentando progressivamente caso a pessoa persista na transgressão. Por exemplo, aquele que desrespeitou as leis de Shmitá inicialmente começará a perder seus lucros, precisando vender seus móveis e outros objetos de sua casa para se sustentar. Posteriormente ela acabará sendo obrigada a vender até mesmo a terra que herdou de seus antepassados. As consequências dos seus atos vão aumentando em severidade, até que a pessoa se vê obrigada a se vender como escrava para fazer serviços em um templo de idolatria.

O Talmud ressalta que a razão pela qual as consequências se tornam mais severas é porque a pessoa não abandona a transgressão nem ao perceber os castigos que está recebendo. Por que a pessoa não se arrepende? Pois quanto mais a transgressão fica profundamente enraizada dentro do transgressor, é menos provável que ele sinta remorso por seus erros, como afirma o Talmud: "Quando uma pessoa repete o seu delito, ele torna-se permitido aos seus olhos".

Mas por que o Talmud resolveu transmitir este ensinamento justamente associado à Mitzvá de Shemitá, se isto se aplica a qualquer transgressão da Torá? Explica o Rav Yohanan Zweig que, para responder esta pergunta, antes precisamos entender o que leva alguém a desrespeitar a Mitzvá de Shemitá. A motivação mais óbvia seria o medo de não conseguir sustento no sétimo ano. Mas esta é uma motivação sem sentido, pois D'us prometeu abundância para todos aqueles que cumprirem a Mitzvá de Shemitá, garantindo que nada faltará para eles. E isto pôde ser verificado nos últimos três mil anos, quando o povo judeu cumpriu a Mitzvá e nada faltou. Então qual é a motivação verdadeira que leva alguém a transgredir esta Mitzvá?

A Torá nos ensina que "o ser humano foi criado para trabalhar" (Yov 5:7). Isto significa que o ser humano somente consegue se preencher através do seu esforço e de suas realizações. Por isso, o ser humano acaba se definindo justamente pelas ações através das quais ele busca seu preenchimento. Em condições ideais, o ser humano deveria receber esta sensação de preenchimento através dos seus esforços no serviço Divino. Porém, na maioria das vezes, a pessoa acaba se definindo de maneira completamente equivocada, através do produto do seu trabalho profissional. É por isso que uma das depressões que mais atingem a humanidade está relacionada justamente com a época em que as pessoas se aposentam. Como elas sentem que seu valor está diretamente ligado à sua produção profissional, a aposentadoria representa o fim do valor da pessoa e, por isso, muitos passam por sofrimentos psicológicos profundos quando param de trabalhar.

Com este conceito fica mais fácil entender a motivação por trás de quem transgride a Mitzvá de Shemitá. Aquele que trabalha com agricultura acaba se identificando com este trabalho da terra como se fosse parte da sua própria essência. Por isso, não é uma opção desejável ficar um ano inteiro parado, sem produzir nada, pois isto traz para a pessoa uma sensação de vazio existencial. Por outro lado, como a pessoa vê sua essência como uma consequência de seus atos, então fazer uma transgressão de maneira aberta e descarada também causaria na pessoa a mesma sensação de vazio, pois o definiria como sendo um transgressor. A única forma de fugir deste paradoxo é a pessoa racionalizar seus atos e procurar desculpas para encobrir sua transgressão, como assumir que está trabalhando por causa do medo de não ter sustento. Desta maneira, a pessoa pode se sentir tranquila, trabalhando na terra durante o sétimo ano, que é o que define a sua essência, e ao mesmo tempo sentindo que não está fazendo nada de errado.

Quando a pessoa se esforça para encobrir seus erros buscando racionalizações, normalmente ela entra na regra de "quando uma pessoa repete o seu delito, ele torna-se permitido aos seus olhos". Com isso a pessoa acaba se afundando cada vez mais na transgressão e se tornando cada vez mais insensível às consequências espirituais negativas. É por isso que a Shemitá é o cenário ideal para ensinar este conceito, pois justamente a racionalização dos erros é o que está por trás da transgressão da Shemitá. O medo de não ter sustento, apesar de D'us ter garantido que nada faltará, é apenas uma "justificativa racional" para tirar o peso na consciência da pessoa.

Desta Parashat ficam dois ensinamentos muito importantes. Em primeiro lugar, aprendemos que o nosso verdadeiro valor não deve ser definido através de nossos empregos e formação profissional. Não somos engenheiros, advogados ou médicos, somos seres humano, e temos dentro de nós uma alma eterna, que deseja cumprir sua missão e se conectar com D'us. Podemos gostar do que fazemos, mas nossas profissões devem ser vistas apenas como uma forma de termos o nosso sustento, de podermos ter a tranquilidade material suficiente para nos permitir fazermos o nosso serviço espiritual, e não como nossa meta na vida. Nosso valor verdadeiro é medido de acordo com o quanto estamos próximos do nosso preenchimento espiritual, que é o verdadeiro motivo pelo qual D'us nos colocou neste mundo. Os lucros que tivemos na empresa e o sucesso profissional não servirão para nada quando terminar o nosso tempo neste mundo. O que ficará para sempre serão as nossas bondades, as nossas contribuições para a humanidade. Não precisam ser atos grandiosos, pois mesmo pequenos bons atos ajudam a iluminar o mundo, e cada luz acesa com uma Mitzvá nunca mais se apagará.

Em segundo lugar, aprendemos o quanto precisamos ser sinceros com nossas atitudes na vida. D'us sabe quais são as nossas verdadeiras intenções, e Ele sabe quando estamos apenas buscando racionalizações e justificativas para os nossos erros. Na vida podemos enganar as outras pessoas, podemos até mesmo conseguir enganar a nós mesmos, mas nunca conseguiremos enganar a D'us, que enxerga até cada pequena vontade do nosso coração.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 25:1-26:2, Je 32:6-27

sexta-feira, 20 de maio de 2016

RENOVANDO AS FORÇAS - PARASHA EMOR 5776

"Mark, um homem de negócios dos EUA, estava passando por muitas dificuldades financeiras na sua empresa. Parecia que nada mais dava certo: as vendas pararam, os fornecedores dificultavam cada vez mais as condições de pagamento e os funcionários, cansados dos atrasos salariais, começaram a pedir demissão um após o outro. Parecia que a empresa de Mark estava realmente fadada à falência. Certa manhã, em depressão e precisando espairecer um pouco, Mark foi dar uma volta no Central Park. Depois de caminhar um pouco, sentou-se em um dos bancos do parque, ao lado de um senhor de idade. Eles começaram a conversar e Mark acabou desabafando sobre a situação da sua empresa, contando sobre as dificuldades e o provável encerramento das atividades. Depois de ouvir aquele desabafo, o senhor tirou um talão de cheques da carteira, arrancou uma folha, escreveu algo e entregou a Mark. Quando ele olhou para o cheque, quase desmaiou: eram U$ 500.000! O senhor disse para Mark:

- É um empréstimo, para te ajudar a reerguer sua empresa. Eu confio em você. Você pode me devolver este dinheiro dentro de um ano, sem pressão. Sua empresa vai ficar bem, não se preocupe.

Mark não sabia nem como agradecer. Foi quando prestou atenção à assinatura do cheque. Aquele homem era Warren Buffett, um dos maiores milionários dos EUA. Parecia que a Providência Divina o havia colocado justamente ao lado daquele homem, e no momento em que ele mais precisava!

Mark sentiu seu espírito se renovando. A depressão desapareceu, e no lugar veio uma incrível vontade de lutar. Ao invés de depositar o cheque no banco, Mark foi para casa e guardou o cheque em um cofre. Recomeçou o trabalho na empresa com as forças renovadas, pois sentia que havia um leão dentro dele. Contratou uma nova equipe, trabalhou até de madrugada e se esforçou no limite. Após um ano a empresa já havia se recuperado, sem a necessidade de usar aquele cheque. Mark havia descoberto um novo potencial dentro de si.

Quando chegou o dia do pagamento, Mark foi ao parque devolver o cheque. Ele viu de longe o senhor que havia emprestado o dinheiro e caminhou em sua direção. Abraçou aquele senhor e devolveu o cheque, explicando que não havia sido necessário utilizá-lo. Enquanto conversavam, uma enfermeira aproximou-se e perguntou a Mark se aquele senhor o estava importunando. Mark, com um enorme sorriso, disse que aquele senhor o havia ajudado muito na vida. A enfermeira então cochichou no ouvido de Mark:

- Tome cuidado com este senhor. Ele vive em uma casa de repouso há anos, desde que perdeu a esposa. O pior é que, de alguns anos para cá, ele tem vivido em um mundo de fantasia. Ele finge que é Warren Buffet, diz isto para todos que encontra e chega até mesmo a se vestir como ele. Mas ele não tem nem onde cair morto..."

O maior presente que D'us nos dá não é quando Ele nos manda pronto o que precisamos, e sim quando Ele nos dá a oportunidade de descobrir as forças que temos dentro de nós mesmos.
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Nesta semana lemos a Parashat Emor (que literalmente significa "Diga"). Entre outros assuntos, a Parashat fala sobre a santidade dos Cohanim (sacerdotes), e ressalta que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) deveria ser uma pessoa ainda mais elevada. De acordo com o Talmud (Yoma 18a), o Cohen Gadol deveria ser superior aos outros Cohanim em quatro atributos: força, beleza, intelecto e dinheiro. Há um Midrash que cita versículos que comprovam a necessidade do Cohen Gadol se destacar em cada um destes quatro atributos. Por exemplo, o Midrash traz o seguinte versículo como fonte da necessidade do Cohen Gadol ser mais forte do que os outros Cohanim: "E Aharon deverá balançar os Leviim" (Bamidbar 8:11). O versículo refere-se à cerimônia de consagração dos Leviim, no qual parte do processo consistia em Aharon HaCohen levantar vinte e dois mil Leviim sobre sua cabeça em um único dia.

O Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) explica que a façanha de erguer em um único dia vinte e duas mil pessoas somente pôde ocorrer com a intervenção Divina. Por mais forte que fosse Aharon, não seria possível um ser humano realizar algo assim. Porém, de acordo com esta explicação, surge um grande questionamento: se o ato de Aharon foi algo sobrenatural, que somente ocorreu com intervenção Divina, então por que este versículo foi trazido pelo Midrash como a fonte da grande força de Aharon se, na verdade, esta grande força foi consequência de um evento milagroso?

O Midrash acrescenta ainda que esta exigência de uma força superior também era um pré-requisito para os reis. Como prova disto, o Midrash cita um interessante diálogo que ocorreu entre David HaMelech e Shaul HaMelech, relatado no "Sefer Shmuel" (um dos livros do Tanach). Goliat (Golias), um guerreiro dos Pelishtim (Filisteus), havia desafiado o povo judeu a mandar seu maior guerreiro para lutar contra ele, e David se voluntariou para representar o povo judeu nesta luta. Quando Shaul perguntou a David porque ele se achava capaz de derrotar Goliat, David respondeu que quando ele era um pastor, certa vez seus rebanhos foram ameaçados por um leão e um urso. Apesar da dificuldade e do perigo da situação, David conseguiu se levantar e matar os dois animais. Mas Shaul não se convenceu com as palavras de David e argumentou que matar animais selvagens ainda não indicava que ele seria capaz de matar um guerreiro tão experiente quanto Goliat. David então explicou que, da mesma maneira que D'us o havia ajudado a matar os animais selvagens, Ele também o ajudaria a matar Goliat (Shemuel I 17:32-38).

Esta conversa de Shaul com David não é fácil de entendida. Por que David, em seu primeiro argumento, mencionou apenas o fato de ter conseguido matar os animais, ao invés de já ter dito desde o início que, da mesma forma que D'us o havia ajudado a matar os animais, Ele também o ajudaria a matar Goliat? Por que ele quis inicialmente demonstrar a sua própria força, ao invés de ressaltar que é D'us que faz tudo?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em um interessante ensinamento do Talmud Yerushalmi (Bikurim 3:3), que afirma que quando uma pessoa é elevada a um novo cargo, com um nível de responsabilidade maior, então é concedido a ela o perdão por suas transgressões. Mas qual é a relação entre assumir um novo cargo e o perdão? Quando uma pessoa assume um novo cargo, a posição por si só já desperta nela novos talentos e habilidades que ela não possuía anteriormente. Por causa desta transformação, ela é considerada como se fosse uma nova pessoa e, portanto, é concedido a ela o perdão por seus erros anteriores.

É justamente isto que o Midrash vem nos ensinar. As novas habilidades e talentos que a intervenção Divina desperta na pessoa é apenas uma amplificação e um aprimoramento de um potencial já pré-existente. D'us ajuda a pessoa, em uma certa área na qual ela já tem uma propensão natural, a se desenvolver ainda mais. Quando David mencionou para Shaul que ele havia matado o leão e o urso, ele estava transmitindo que D'us já havia dado a ele a habilidade natural de ser um guerreiro. E David também sabia que, quando fosse colocado em uma circunstância que exigia maiores habilidades, D'us então aprimoraria seus talentos naturais para assegurar que ele saísse vitorioso. Por isso ele ressaltou inicialmente sua própria força, isto é, sua tendência natural, e somente depois ressaltou a ajuda Divina na batalha contra Goliat.

Este conceito de crescimento e adequação às novas responsabilidades é ressaltado nas palavras finais do Midrash, que nos ensina que, apesar de Shaul ser um dos homens mais altos do povo judeu, quando ele retirou sua armadura e colocou-a sobre David, ela coube perfeitamente. A ajuda Divina que veio com as novas responsabilidades de David fez com que ele aumentasse sua estatura física, a ponto dele caber perfeitamente na armadura de Shaul.

Ao entender as palavras de David no seu diálogo com Shaul, podemos entender também porque que o Midrash cita a consagração dos Cohanim como sendo a fonte para a força física do Cohen Gadol. Embora a façanha de levantar vinte e dois mil homens em um dia somente pode ser realizada através da ajuda Divina, Aharon foi escolhido justamente por já possuir a habilidade natural da força física, que pôde ser aprimorada através da intervenção milagrosa de D'us. Se ele não tivesse esse potencial, então não teria sido o escolhido para esta função. Por isso o versículo serve como prova da força do Cohen Gadol, pois apesar de não ter a força sobre-humana de levantar milhares de pessoas, Aharon já tinha o talento natural, o suficiente para que a intervenção Divina tornasse a façanha de consagrar os Leviim algo possível.

Este ensinamento pode ser aplicado em nossas vidas. Muitas vezes temos medo de arriscar, de assumir novas responsabilidades e enfrentar novos desafios na vida. Da Parashat aprendemos que, quando queremos fazer o que é correto, D'us nos ajuda e revela novas habilidades que nem imaginávamos ter dentro de nós. Devemos sempre almejar crescer mais e alcançar novos patamares, andando sempre no caminho correto e de acordo com as nossas inclinações e aptidões naturais. Devemos fazer a nossa parte e descobrir as nossas forças, mas sem esquecer que, em última instância, quem realmente faz tudo acontecer é D'us.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Lv 21:1-24:23, Ez 44:15-31

sábado, 14 de maio de 2016

ESFRIANDO OS ÂNIMOS - PARASHAT KEDOSHIM 5776

"Nachum e Chani eram dois jovens judeus que haviam chegado à idade de se casar. Eles foram apresentados um ao outro por um "Shadchan" (profissional que apresenta pessoas com o propósito de casamento) e, após alguns encontros, perceberam que tinham muito em comum. Os encontros estavam indo tão bem que chegaram a pensar em ficarem noivos.

Porém, antes do noivado se concretizar, o Shadchan recebeu uma grande soma de dinheiro para procurar um bom rapaz para uma garota americana que estava estudando em Israel. Pensando em todos os rapazes que conhecia, o Shadchan chegou à conclusão de que Nachum seria perfeito para aquela menina americana. Completamente cego pelo dinheiro, ele bolou um plano perverso para terminar o relacionamento de Nachum e Chani. Em primeiro lugar, ele contatou os pais de Nachum e disse a eles: "Ouçam, estou feliz com este belo Shiduch do Nachum com a Chani, mas eu gostaria de dizer algo a vocês, para que não surjam queixas contra mim após o casamento: os pais da Chani estão espalhando maus rumores sobre vocês". Os pais de Nachum ficaram arrasados com aquela notícia, e imediatamente decidiram interromper o Shiduch.

Não querendo correr riscos, o Shadchan ainda foi falar com os pais de Chani: "Escutem bem, eu não quero que vocês tenham problemas depois do casamento. Eu sei que parece um belo Shiduch da Chani com o Nachum e que tudo está indo bem, mas quero que vocês saibam que a família de Nachum está espalhando rumores desagradáveis ​​sobre vocês". Ao escutar isso, os pais de Chani também prontamente decidiram interromper o Shiduch. Nachum, que agora estava livre para conhecer outras moças, foi apresentado à garota americana, mas o Shiduch acabou não dando certo.

Três meses depois, Nechemia, o pai de Nachum, pensando sobre todo o incidente, não conseguia entender por que Efraim, o pai de Chani, teria espalhado rumores sobre eles. Ele o conhecia desde os tempos em que ainda eram jovens estudantes da Yeshivá e sabia que Efraim não era este tipo de pessoa. Ele decidiu conversar com Efraim pessoalmente para esclarecer a história.

- Por que você fez isso, de espalhar maus rumores sobre nós? - perguntou Efraim, muito chateado - Nós te fizemos algo?

- Eu? - perguntou confuso Efraim - Fomos informados de que vocês fizeram isso, Nechemia! Estávamos muito chateados, pois escutamos que vocês estavam espalhando maus rumores sobre nossa família!

Após alguns instantes de confusão, Efraim e Nechemia entenderam que tudo havia sido um plano do Shadchan que, por ganância, havia causado toda aquela confusão. Chamaram os filhos, conversaram com eles e, naquela mesma noite, um prato foi quebrado e o noivado de dois jovens que não cabiam em si de tanta alegria foi realizado".

Quantos aborrecimentos e sofrimentos poderiam ter sido evitados se, ao invés de guardarmos rancor no coração, tivéssemos a grandeza de julgar as pessoas para o bem e tentássemos esclarecer a situação antes de tomarmos decisões precipitadas? (História real, retirada do livro "Impact!", de autoria de Dovid Kaplan).
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Nesta semana lemos a Parashat Kedoshim (que literalmente significa "Sagrados"), que está repleta de Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" (entre a pessoa e seu companheiro), nos ensinando que, para atingirmos um nível de santidade elevado, não é suficiente apenas nos preocuparmos com o nosso relacionamento "Bein Adam LaMakom" (entre o homem e D'us), também é fundamental sermos muito cuidadosos nos nossos relacionamentos interpessoais. E entre as Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" trazidas na Parashat, há uma que é extremamente importante para o nosso cotidiano: "Não odeie seu companheiro em seu coração; advirta seu companheiro e não carregue sobre ele a transgressão" (Vayikrá 19:17).

É importante lembrar que, quando a Torá utiliza a palavra "ódio", não se refere apenas a um nível de ódio venenoso e prejudicial, mas inclui também níveis muito menores de descontentamento com o próximo. Por isso, precisamos ser muito cuidadosos nos nossos relacionamentos e com os nossos sentimentos em relação às outras pessoas. Porém, este versículo desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, a Torá está ressaltando que é proibido odiar outra pessoa no coração, o que aparentemente nos ensina que o problema é apenas quando o ódio fica guardado no coração. Pode ser que o ódio expressado externamente não está proibido pela Torá? Isto parece estranho, em especial por sabermos que o sentimento de ódio gratuito é tão grave que causou a destruição espiritual do nosso Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Além disso, qual é a conexão entre as diferentes partes do versículo, que aparentemente não tem nenhuma relação entre si? E, finalmente, o que significam as palavras "e não carregue sobre ele a transgressão"?

De acordo com o Talmud (Erchin 17b), realmente a proibição descrita no versículo se refere apenas ao ódio que fica guardado no coração da pessoa e não inclui, por exemplo, o ódio expressado externamente. Obviamente que é proibido expressar o descontentamento com outra pessoa de uma maneira hostil, que causa sofrimentos, e caso a pessoa faça isso, pode transgredir uma série de outras graves transgressões, como "não se vingar" e "não guardar rancor". Porém, aquele que expressa seu rancor e seu descontentamento não transgride a Mitzvá de "Não odeie seu companheiro em seu coração", pois neste caso o ódio não ficou guardado no coração. De acordo com o Sefer HaChinuch (Mitzvá 238), apenas transgride esta Mitzvá aquele que, ao ser machucado por alguém, guarda o ódio dentro de si e não tenta expressar seus sentimentos para a pessoa que o machucou. Mas por que a Torá focou, nesta Mitzvá, apenas o ódio do coração?

Quando a pessoa machucada discute com o agressor e vai tirar satisfações, normalmente o ódio diminui. Porém, quando a pessoa não toma nenhuma atitude, ela faz com que o ódio cresça dentro dela, causando consequências ainda mais graves. Um exemplo disso é o incidente descrito no Tanach sobre os filhos de David HaMelech (Rei David), Amnon, Tamar e Avshalom. Amnon cometeu um erro gravíssimo com sua meia-irmã Tamar, causando em Avshalom, irmão de Tamar, um ódio enorme. Nossos sábios afirmam que se Avshalom tivesse ido falar com Amnon sobre o que aconteceu, seu ódio teria se dissipado. Mas, ao invés disso, Avshalom guardou o ódio em seu coração, causando com que este ódio fosse crescendo e se tornando doentio, até o ponto em que ele se levantou e, dois anos depois, assassinou Amnon. Apesar do ato de Amnon ter sido abominável e de Avshalom ter aparentemente o direito de estar furioso com o que aconteceu, no entanto o grande erro de Avshalom foi não ter ido falar com Amnon, e assim ter deixado o ódio crescer até chegar ao ponto de causar, além do assassinato, outras terríveis consequências futuras descritas no Tanach.

Foi por isso que nesta Mitzvá a Torá focou justamente no ódio guardado dentro do coração, pois é um ódio que tem um agravante não encontrado no ódio expressado externamente. Guardar no coração pode resultar em uma intensificação do ódio e pode trazer consequências ainda mais desastrosas, o que poderia ter sido evitado se tivesse sido colocado para fora. O Sefer HaChinuch explica que esta diferença faz com que o ódio no coração seja ainda pior do que o ódio expressado, pois causa um enorme mal entre as pessoas, além de conflitos permanentes entre irmãos e amigos.

Com este conceito podemos entender a continuação do versículo: "Advirta seu companheiro". Em um entendimento mais simples, estas palavras referem-se à Mitzvá de repreender o próximo quando o vemos cometendo alguma transgressão. Da mesma maneira que existe o crime de "omissão de socorro", quando alguém não faz nada para salvar uma pessoa que está em risco de vida, também existe a "omissão de socorro espiritual", quando alguém vê seu companheiro fazendo uma transgressão, isto é, manchando sua própria alma e colocando seu futuro espiritual em risco, e não faz nada para salvá-la. Porém, estas palavras do versículo também têm outro significado, e inclui uma situação na qual a pessoa foi ferida verbalmente por seu companheiro. Neste caso, a pessoa não deve guardar a mágoa para si, em seu coração, ao contrário, ela deve falar com quem a agrediu. "Advirta seu companheiro" significa que, ao invés de guardar no coração, coloque o que está incomodando para fora, de uma maneira educada e controlada, advertindo quem lhe agrediu.

De acordo com o Rav Chaim ben Atar zt"l (Marrocos, 1696 - Israel, 1743), mais conhecido como Or HaChaim, há dois possíveis resultados de expor para a pessoa que nos agrediu, de forma equilibrada, a dor que ela nos causou: a pessoa pode explicar o seu lado da situação, mostrando que, na realidade, tudo não passou de um grande mau entendido, ou ela pode admitir que se comportou de maneira inadequada e, agora que percebeu o dano que causou, pedirá desculpas e se comprometerá a não errar novamente. Isto explica as palavras finais do versículo: "Não carregue sobre ele a transgressão", isto é, mesmo que alguém te machuque, você não deve imediatamente assumir que a pessoa fez uma transgressão intencional. Ao contrário, não jogue sobre ela a culpa, julgue-a de maneira favorável e dê a ela uma chance de se explicar. Dê o benefício da dúvida a todas as pessoas, pois mesmo que alguém tenha errado, ao conversarmos com ela sobre o seu erro, ela poderá se arrepender de coração ao perceber os danos que causou.

Explica o Rav Yehonasan Gefen que desta Mitzvá aprendemos o quanto é grave e condenável guardar ódio em nossos corações, e o quanto uma simples conversa pode ser importante para dissipar o ódio acumulado. A experiência demonstra que, quando seguimos as instruções da Torá nesta área, o resultado quase sempre é que a pessoa se explica ou pede desculpas pelos danos não intencionais causados. A grande maioria das pessoas não é ruim e não tem intenção de causar danos e machucar. Por isso, quando a pessoa que foi agredida com duras palavras explica ao agressor como ela está se sentindo mal, o resultado é quase sempre positivo, evitando uma desnecessária intensificação do ódio e acabando com futuras dores e sofrimentos.

Não é fácil abordar alguém que nos machucou, ainda mais de uma maneira calma e educada. Porém, o medo de que não dará certo não nos isenta da obrigação da Torá de tentarmos esclarecer a situação. Existe uma importante Mitzvá de julgar para o bem e nunca acreditar nas primeiras impressões. Esta Mitzvá pode nos salvar da transgressão de "Não odeie seu companheiro em seu coração" e suas terríveis consequências. Muito sofrimento e dor são causados por problemas que nem mesmo existem na realidade, e tudo poderia ser resolvido com uma conversa franca e aberta.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 19:1-20:27, Ez. 22:1-l9

sábado, 7 de maio de 2016

DO FUNDO DO POÇO PARA O CÉU - PARASHAT ACHAREI MÓT 5776

"Por volta do ano de 1900 havia um judeu em Jerusalém muito pobre, chamado Sr. Pessach, que se mudou para a cidade de Tzefat. Tudo o que ele tinha era um volume do Talmud com dois Tratados, Beitzá e Rosh Hashaná, que ele revisou três mil vezes. Depois que ele faleceu, sua família decidiu escrever este fato em sua lápide, para que as pessoas que visitassem seu túmulo vissem o que é o amor verdadeiro pelo estudo da Torá.

Mais de cem anos depois, um garoto de dezesseis anos chamado David (nome fictício) estava tendo problemas na Yeshivá. Ele simplesmente não conseguia entender o Talmud e não conseguia se concentrar nas aulas. Sem se aconselhar com ninguém, David decidiu abandonar a Yeshivá. Infelizmente, depois disso ele começou a andar com um grupo de rapazes de má índole, e os amigos da Yeshivá ficaram sem escutar notícias dele por um bom tempo.

Porém, certo dia, cerca de seis meses depois, David ressurgiu de repente na Yeshivá. Sentou-se na sua mesa, abriu seu livro do Talmud e começou a estudar com fervor, como se houvesse fogo dentro dele. O Rosh Yeshivá (Diretor espiritual), curioso, aproximou-se dele e perguntou:

- David, o que aconteceu com você? Sinceramente, eu achei que não te veria nunca mais na Yeshivá. O que te fez voltar, e com tanto fervor?

- Rav, eu vou te contar - respondeu David - Quando eu saí da Yeshivá, me envolvi com um grupo de amigos que eram uma péssima influência. Eles não levavam a vida a sério, estavam sempre com bebidas e drogas, se envolviam em pequenos furtos e ficavam vagando sem destino. Nós saímos de Jerusalém e fomos para Tel Aviv, depois para Netanya, e para várias outras cidades, dormindo em bancos de praça e em albergues. Nossa vida era completamente vazia e sem sentido, ninguém naquele grupo tinha qualquer objetivo na vida. Um dia chegamos à cidade de Tzefat e, quando estávamos vagando por um velho cemitério, uma das lápides chamou minha atenção. A inscrição dizia: "Aqui jaz o Sr. Pessach, que revisou os Tratados de Beitzá e Rosh Hashaná três mil vezes". Foi um grande choque para mim, pois pensei: "Enquanto eu estou vivendo uma vida completamente vazia e sem sentido, há pessoas que realmente levam a vida a sério". Eu odiei tanto continuar naquela vida vazia e sem sentido que decidi voltar para a Yeshivá, com uma vontade renovada, e desta vez eu garanto que não vou mais embora" (História Real)

Muitas pessoas acabam, em algum momento da vida, se questionando sobre viver sem sentido. Algumas tomam atitudes e mudam, outras infelizmente ficam apenas nos questionamentos.
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A Parashat desta semana, Acharei Mót (que literalmente significa "Depois da morte"), descreve todos os serviços que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) fazia no Beit Hamikdash (Templo Sagrado) no dia mais sagrado do ano, Yom Kipur, o "Dia da Expiação" do povo judeu. Além disso, a Parashat também traz uma lista de vários tipos de relacionamentos íntimos proibidos, muitos que implicavam até mesmo em pena de morte. Porém, antes de listar os relacionamentos proibidos, a Torá faz uma interessante introdução: "Não façam as práticas da terra do Egito, na qual vocês moraram; e não façam as práticas da terra de Knaan, para onde Eu trago vocês" (Vayikrá 18:3). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que os egípcios e os habitantes de Knaan eram as nações moralmente mais decadentes da face da Terra. E, em especial, as regiões onde os judeus moravam eram as piores e mais corrompidas de todas. Sabemos que não existem coincidências, então por que D'us intencionalmente colocou o povo judeu em lugares tão corrompidos e moralmente degradados?

Responde o Rav Eliyahu Dessler zt"l (Império Russo, 1892 - Israel, 1953) que deste ensinamento podemos aprender algo muito importante sobre como reagir às más influências dos ambientes onde vivemos. Normalmente somos fortemente influenciados pela sociedade na qual vivemos, e quando esta sociedade fica repleta de pessoas com má índole, mesmo as boas pessoas acabam recebendo influências negativas. Porém, se a pessoa é forte o suficiente para superar estas más influências, não permitindo que elas afetem seus valores morais, então acontece algo incrível: estas más influências podem até mesmo ajudá-la a fortalecer sua espiritualidade e seu serviço Divino. Mas como pode ser que más influências podem nos deixar espiritualmente mais fortes?

Tudo o que D'us faz no mundo material nos ensina algo sobre o mundo espiritual. Por exemplo, como funcionam as vacinas, que nos protegem de vários tipos de doenças? No processo de imunização, a vacina injeta no corpo da pessoa os próprios vírus e bactérias que causam certas doenças, mas já mortos ou enfraquecidos. O nosso sistema imunológico, ao perceber a presença destes "corpos estranhos", produz anticorpos, um verdadeiro "exército de proteção" contra estes vírus e bactérias. A partir do momento em que o corpo produziu os anticorpos, mesmo que o vírus e a bactéria entrem na pessoa, são facilmente combatidos e não conseguem infectá-la. Isto quer dizer que o princípio ativo da vacina é justamente utilizar a doença para produzir uma pessoa mais forte e saudável.

Este mesmo princípio pode se aplicar em nossa espiritualidade. Explica o Rav Dessler que quando a pessoa vê em volta de si um ambiente negativo e consegue vencer as más-influências, o mal se torna ainda mais repugnante aos seus olhos, pois ela consegue alcançar um reconhecimento mais profundo das falhas e defeitos da sociedade onde vive, permitindo que ela se fortaleça ainda mais em sua apreciação do bem. Isto explica o movimento tão forte dos "Baalei Teshuvá", pessoas que abandonaram vidas seculares e se conectaram aos valores milenares da Torá. Normalmente os "Baalei Teshuvá" são pessoas que enxergaram que estavam vivendo em sociedades sem objetivos e sem sentido, e cuja moralidade se degradava diante dos seus olhos em uma velocidade impressionante. E é justamente por terem enxergado este lado tão baixo da sociedade que os "Baalei Teshuvá" acabam se tornando "militantes" na tentativa de ajudar outras pessoas a despertarem do sono espiritual e começarem a viver uma vida com mais sentido e moralidade.

Isto quer dizer que D'us intencionalmente colocou o povo judeu no Egito, um lugar moralmente degradado e baixo, para que os judeus pudessem desenvolver um profundo ódio por toda aquela impureza. De acordo com o Rav Dessler, a repugnância que eles desenvolveram pela impureza espiritual do Egito, mais do que os sofrimentos físicos, foi o que verdadeiramente motivou os judeus a gritarem para que D'us os libertasse daquele lugar terrível. E foi justamente esta repugnância que permitiu que eles crescessem espiritualmente de maneira tão intensa e rápida, saindo do nível 49 de impureza e atingindo, em pouco tempo, o nível de santidade necessária para poderem receber a Torá no Monte Sinai. Se eles estivessem em um ambiente menos imoral, não teriam sido capazes de crescer tanto e de maneira tão rápida.

Isto também explica por que o povo judeu teve que ir para uma terra igualmente repugnante. Parte do plano de D'us era que o povo judeu visse o comportamento completamente imoral dos habitantes da terra de Knaan e desenvolvesse uma aversão ao mal, o que elevaria sua apreciação pela moralidade contida na Torá. Obviamente os judeus tinham o livre arbítrio, isto é, podiam tanto rejeitar completamente os maus hábitos dos habitantes de Knaan quanto aceitá-los como vizinhos e, com isso, serem influenciados de forma negativa. Infelizmente a história nos ensina que eles não destruíram completamente seus vizinhos e, com o tempo, acabaram sendo influenciados de forma negativa por eles. É justamente o mesmo teste que cada um de nós passa na vida: aceitar os valores imorais da sociedade e, infelizmente e sem perceber, acabar vivendo de acordo com eles, ou refutá-los completamente e enxergá-los como sendo hábitos ruins e repugnantes.

É por isso que vemos que, durante toda a história do povo judeu, fomos colocados por D'us em ambientes muito negativos e corrompidos, desde a época dos nossos patriarcas. Na verdade, todas as vezes que D'us queria que alguém alcançasse níveis espirituais extremamente elevados, Ele lançava esta pessoa nos ambientes mais baixos e corrompidos, para que esta pessoa pudesse aprender o quanto o mal pode ser algo baixo e negativo, e assim se fortalecer para buscar o extremo oposto, o bem absoluto.

Este conceito do Rav Dessler nos ajuda a entender uma passagem interessante da Hagadá de Pessach, que descreve o processo de libertação do povo judeu da terrível escravidão do Egito. No início da Hagadá mencionamos que nossos antepassados foram idólatras. Porém, como isto se conecta com a história da saída do Egito? A resposta é que justamente pelo fato de Avraham Avinu estar rodeado por tanta negatividade é que ele conseguiu chegar a um nível tão alto de santidade, a ponto de sua força espiritual nunca mais ser anulada. A redenção do Egito brotou diretamente da santidade alcançada por Avraham. Por isso mencionamos na Hagadá que nossos antepassados foram idólatras, justamente para ressaltar que o crescimento de Avraham e o incrível nível espiritual que ele chegou foi consequência direta da impureza do ambiente no qual ele vivia, e foi esta grandeza que plantou a semente da saída do Egito.

Ensina o Rav Yehonasan Gefen que é por isso também que a Hagadá menciona muitas más influências, que incluem nossos ancestrais idólatras, os egípcios malvados e Lavan, o arameu, conhecido por sua maldade e malandragem. Talvez a intenção dos nossos sábios que compilaram a Hagadá era despertar o nosso desgosto e aversão por comportamentos tão imorais, elevando assim nossa apreciação de D'us por ter nos salvado deles, fisicamente e espiritualmente, e por ter nos dado a Torá, nosso "Manual" de boas condutas.

No mundo de hoje é quase inevitável sermos "contaminados" pelas más influências. Somos bombardeados diariamente, através das notícias, dos filmes e das pessoas à nossa volta, com mensagens negativas. Comportamentos promíscuos, enganação, roubo e todos os tipos de desonestidade se banalizaram. Atualmente a exceção é ser correto e honesto. Obviamente que o mais aconselhável é nos esforçarmos para reduzir ao máximo estes tipos de influências negativas em nossas vidas. Apesar disso, devemos estar conscientes de que é impossível estarmos completamente "blindados". O ensinamento do Rav Dessler nos ajuda a ver nossa realidade de uma maneira diferente, para aprendermos a lidar com estas influências negativas, e talvez até mesmo utilizá-las para o bem. Quando observamos a decadência da sociedade ocidental, e para onde a falta de moralidade está levando a vida das pessoas, podemos melhorar nossa apreciação da beleza do estilo de vida equilibrado ensinado pela Torá. Pois quanto mais escuro, mais apreciamos o brilho de uma luz.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 16:1-18:30, Am 9:7-15 (Ash.), Ez. 22:1- 16