sexta-feira, 27 de novembro de 2015

APRENDENDO COM O MAL - PARASHAT VAISHLACH 5776

"Um grupo de doze alunos americanos que estudavam em uma Yeshivá em Israel estava certo dia reunido durante o almoço relembrando sobre as delícias da gastronomia americana. Eles queriam muito comer uma boa refeição e sentiam saudades da boa comida americana, mas não encontravam em Israel um lugar que saciasse essa vontade.

Durante o período de férias eles tiveram uma incrível ideia. Coletaram cerca de cinquenta dólares de cada um dos alunos, o suficiente para comprar uma passagem aérea de ida e volta aos Estados Unidos. Um dos alunos então embarcou, em uma jornada de um dia e meio de viagem, com o único propósito de trazer comida de um restaurante famoso dos Estados Unidos. O rapaz foi em um dia e voltou, triunfante, no dia seguinte, com a deliciosa comida dentro de sua mala" (História Real, retirada do livro "Impact!", de autoria de Dovid Kaplan).

Aprendemos dos nossos desejos que, quando consideramos algo realmente importante, nos esforçamos no limite para alcança-lo. Por que não fazemos o mesmo em relação ao nosso crescimento espiritual? Estaríamos dispostos a fazer os mesmos esforços se fosse para ir aos Estados Unidos comprar um livro ou escutar uma aula de Torá? 

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A Parashat desta semana, Vaishlach, começa com a volta de Yaacov Avinu depois de mais de 30 anos longe de casa, dos quais 20 anos foram passados na casa de seu tio Lavan, trabalhando para ele. Como o principal motivo da viagem de Yaacov havia sido para fugir da fúria de seu irmão Essav, que queria matá-lo, a primeira providência de Yaacov foi enviar mensagens apaziguadoras para seu irmão, na tentativa de promover um reencontro amigável. Ele começou com a seguinte mensagem: "Com Lavan eu vivi, e permaneci até agora" (Bereshit 32:5). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que as palavras de Yaacov tinham um duplo sentido, pois a palavra "vivi" em hebraico é "גרתי", que de maneira rearranjada forma a palavra "תריג", equivalente ao valor númerico 613, o número de Mitzvót da Torá. De acordo com Rashi, Yaacov estava dizendo para seu irmão Essav: "Apesar de ter passado tanto tempo com Lavan, uma pessoa completamente desonesta e trapaceira, mesmo assim eu cumpri as 613 Mitzvót da Torá e não aprendi com os maus atos dele".

Porém, esta explicação do Rashi é difícil de ser entendida, pois esta não parece ser uma mensagem de conciliação. Ao contrário, aparentemente a intenção de Yaacov era intimidar seu irmão Essav, mostrando que ele era uma pessoa íntegra e, por isso, certamente D'us o protegeria em um possível confronto. Portanto, se o propósito era uma tentativa de apaziguar seu irmão, como entender as palavras aparentemente intimidadoras de Yaacov?

O Rav Isroel Meir HaCohen zt"l (Bielorússia, 1838 - Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, explica as palavras de Yaacov de uma maneira interessante. Ele afirma que Yaacov não estava atacando Essav com esta afirmação, ao contrário, estava tranquilizando-o. Quando Yaacov disse que cumpriu as Mitzvót e não havia aprendido com os atos de Lavan, ele estava fazendo uma grande autocrítica, e por isso estava comunicando a Essav que não havia nada a temer.

Mas qual foi exatamente a autocrítica de Yaacov? Nossos sábios explicam que Lavan era uma pessoa extremamente ágil em cometer maldades e trapaças. Quando permitiu que suas filhas se casassem com Yaacov, cobrou muito caro pelo dote, fazendo com que Yaacov tivesse que trabalhar 7 anos por cada filha, um tempo absurdo. Além disso, ele trocou as filhas no momento do casamento, não cumprindo sua palavra. E para completar, Lavan trocava as condições do salário de Yaacov a todo instante, sempre buscando formas de levar vantagem. Yaacov estava dizendo para Essav que, apesar de ter cumprido as 613 Mitzvót durante todos aqueles anos, ele não havia feito com o mesmo fervor que Lavan cometia as suas transgressões. Yaacov estava reconhecendo que não havia aprendido a ter agilidade nos seus bons atos no mesmo nível que Lavan tinha nos seus maus atos.

Desta explicação do Chafetz Chaim aprendemos uma incrível lição: nosso cumprimento de bons atos é julgado em comparação com a forma como os Reshaim (malvados) cometem suas transgressões. Se os Reshaim fazem seus maus atos com mais entusiasmo do que nós cumprimos nossos bons atos, isto se transforma em uma grande acusação espiritual contra nós. Por isso temos que tomar muito cuidado para sempre fazermos as Mitzvót com agilidade, alegria e fervor, pois é assim que infelizmente os Rashaim cometem as suas inúmeras transgressões.

Este conceito também é trazido pela Torá em outro episódio que teve grande importância para o povo judeu. Quando Bilaam, o grande profeta dos outros povos, partiu para amaldiçoar o povo judeu, a Torá descreve que ele se levantou cedo de manhã, utilizando a linguagem "Vaiakam" (se levantou). O Midrash (parte da Torá Oral) nos descreve que quando D'us viu esta agilidade de Bilaam para fazer a enorme transgressão de amaldiçoar um povo inteiro, Ele exclamou: "Seu Rashá (malvado)! Avraham, o patriarca deles, já te superou!", pois está escrito (em relação ao episódio do sacrifício de Ytzchak): "E (Avraham) madrugou ("Vaiashkem")" (Bamidbar 22:21). Apesar de a linguagem "Vaiakam", que está escrita em relação a Bilaam, se referir a acordar cedo, a linguagem "Vaiashkem", que está escrita em relação a Avraham, se refere a acordar ainda mais cedo. Portanto, D'us estava informando a Bilaam que Avraham, em sua vontade de cumprir a vontade de D'us e sacrificar seu filho, havia se levantado mais cedo do que Bilaam se levantou quando tentou amaldiçoar o povo judeu. Mas que mensagem o Midrash está nos ensinando? Na prática o que importa qual dos dois acordou mais cedo?

Explica o Rav Yehonasan Gefen que a grande força de maldição de Bilaam era mostrar para D'us falhas nas pessoas ou povos, e com isso despertar um Julgamento Celestial mais rigoroso sobre seus inimigos. Foi justamente isto que ele tentou fazer contra o povo judeu. Bilaam queria retratar o povo judeu de uma maneira negativa ao mostrar que ele fazia seus atos de maldade com muito mais agilidade e fervor do que o povo judeu cumpria suas Mitzvót. Isto realmente teria se transformado em uma grande acusação espiritual contra o povo judeu e teria trazido consequências trágicas. Porém, D'us respondeu para Bilaam que o patriarca do povo judeu, Avraham, já havia demonstrado um nível ainda maior de agilidade e fervor no cumprimento das Mitzvót do que Bilaam havia demonstrado quando cometeu suas maldades. O que protegeu o povo judeu da enorme acusação espiritual que surgiria naquele momento foi que os descendentes de Avraham herdaram dele esta característica de agilidade nas Mitzvót, e por isso possuíam suficientes méritos para vencer a acusação de Bilaam.

No "Shemá Israel", que nós repetimos duas vezes todos os dias, dizemos: "E amarás a Hashem, teu D'us, com todo teu coração" (Devarim 6:5). A palavra "coração" está escrita de uma maneira diferente, "לבבך", e não como seria esperado, "לבך". O Talmud (Brachót 54a) aprende do fato de a letra "ב" estar escrita duas vezes que devemos amar a D'us com nossos dois "Yetzer", com o nosso "Yetzer Hatov" (boa inclinação) e também com o nosso "Yetzer Hará" (má inclinação). Mas como podemos utilizar nossa má inclinação para servir a D'us?

Uma das maneiras é observando a agilidade e fervor que utilizamos para ir atrás dos nossos desejos e tentar aplicar esta mesma agilidade em relação ao nosso Yetzer Hatov. Para preencher nosso desejo de comer algo ou de obter algum outro prazer material nós estamos dispostos a incríveis esforços e sacrifícios. Se aprendermos com a força da nossa má inclinação, poderemos utilizá-la como modelo e canalizá-la para o nosso lado espiritual. Atualmente as pessoas dedicam incontáveis horas para satisfazer seus desejos por dinheiro e honra. Muitos chegam a passar noites sem dormir para atingir seus objetivos. Algumas empresas mantêm turnos de madrugada para aqueles que passam a noite trabalhando no escritório. Por que não utilizar este mesmo potencial para manter a quantidade de horas de estudo de Torá diária que definimos para nós, ao invés de estarmos sempre procurando desculpas para justificar a nossa "falta de tempo" com os nossos compromissos espirituais?

O Rav Noach Weinberg zt"l, que dedicou a vida a trazer judeus afastados de volta ao judaísmo, dizia que aprendia muito com a forma de atuação dos nazistas, e incentivava que fosse utilizada como modelo para nosso Serviço Divino. Os nazistas matavam os judeus de forma metódica e sistemática. Investiam muito tempo e pensamento para desenvolver técnicas para matar cada vez mais judeus utilizando cada vez menos dinheiro. Desta maneira eles conseguiram exterminar 6 milhões de judeu na Europa. Será quer nos organizamos e nos motivamos como os nazistas em nossos esforços para trazer os judeus afastados de volta ao judaísmo? Investimos em maneiras de trazer cada vez mais judeus? Se indo contra D'us os nazistas mataram 6 milhões de pessoas, certamente poderíamos salvar muito mais do que 6 milhões de judeus se se nos esforçássemos e nos organizássemos para fazer o bem da mesma maneira que os nazistas se esforçaram para fazer o mal. Se utilizarmos como modelo aqueles que fazem o mal, para aprender suas estratégias e ferramentas, além do seu nível de comprometimento e dedicação, certamente venceremos os atuais desafios do povo judeu.

Não é necessário nem mesmo procurar nos atos dos Reshaim inspiração para o nosso crescimento espiritual. Se procurarmos em nossos próprios atos, certamente encontraremos áreas nas quais sentimos mais entusiasmo e fervor do que no nosso Serviço Divino. Pode ser com comida, com trabalho, com esporte ou qualquer outra área. Então temos que tentar internalizar que racionalmente o cumprimento das Mitzvót certamente traz muito mais satisfação do que qualquer outro prazer material, e com isso poderemos tentar atingir em nossa espiritualidade a mesma alegria e entusiasmo. Pois se os Reshaim podem fazer muito, mesmo indo contra D'us, imagine o verdadeiro potencial dos que caminham junto com Ele.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn. 32:3 -36:43, Ob.1:1-21

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

BONDADE E SENSIBILIDADE - PARASHAT VAIETZE 5776

Shifra era a filha mais velha da família Greenbaum (nome fictício). Quando chegou a hora de começar a "sair de Shiduch" (procurar um noivo), ela recusou todas as propostas que surgiram, mesmo após a insistência dos pais. Com o passar do tempo sua mãe começou a ficar extremamente preocupada, pois os irmãos mais novos de Shifra também já haviam chegado à  idade de se casar e ela não queria que seus filhos mais novos se casassem antes de Shifra. Mas Shifra incentivou que os irmãos saíssem de Shiduch e afirmou que não se importaria se eles se casassem antes dela.

Anos se passaram. Todos os irmãos mais novos de Shifra já haviam casado e ela já estava com trinta e dois anos de idade. Então um dia a mãe de Shifra falou para ela, com muita dor e sofrimento:

- Não entendo sua atitude. Por que você despreza todos os bons pretendentes que são apresentados para você? Quero te dizer uma coisa: você está me causando tanta dor que eu preferia estar morta!

Ao ouvir isso, Shifra decidiu começar imediatamente a procurar alguém para casar. Dentro de pouco tempo ela já estava noiva de um excelente rapaz, um estudioso de Torá. No dia do casamento todos estavam muito felizes. Assim que a "Chupá" terminou, a mãe de Shifra virou-se para um familiar e disse: "Este é o dia mais feliz da minha vida". Essas foram suas últimas palavras, pois logo depois ela teve um colapso, caiu e faleceu.

Nos dias de "Shiva" (7 dias de luto após o falecimento) todos procuraram Shifra para pedir explicações sobre o que havia acontecido. Ela então contou, muito emocionada:

- Há alguns anos minha mãe estava muito doente. Ela procurou um Tzadik (Justo), que deu a ela uma grande Brachá: ela viveria para casar todos os filhos. Eu entendi que isso significava que, enquanto todos os filhos não estivessem casados, ela ainda estaria viva. Foi por isso que eu decidi que não iria me casar, e assim poderia dar a ela muitos anos de vida. Mas no dia em que ela me disse que preferia estar morta a me ver solteira, eu percebi que naquele momento eu estava fazendo a ela mais mal do que bem ao recusar as propostas de casamento. Então eu imediatamente concordei em me casar, e foi isso o que aconteceu. (História Real, retirada do livro "Major Impact!", de autoria de Dovid Kaplan).
 

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A Parashat desta semana, Vaietze, começa contando sobre a viagem de Yaacov para a casa de seu tio Lavan, que ocorreu por dois motivos: para fugir da fúria de seu irmão Essav, que queria matá-lo, e para procurar uma esposa entre os familiares de sua mãe, Rivka. A Torá então descreve um estranho incidente que ocorreu quando Yaacov chegou em Haran, a cidade dos arameus onde sua mãe havia nascido. Ele foi diretamente para o poço de água da cidade e viu que, apesar de ainda ser início da tarde, os pastores já haviam parado de trabalhar. Yaacov então deu uma grande bronca neles em relação à falta de ética no trabalho: "Ele disse: 'Vejam, o dia ainda é longo; ainda não é hora de juntar o rebanho; deem água ao rebanho e voltem a pastorear'" (Bereshit 29:7). Em outras palavras, Yaacov disse: "Se as ovelhas não são de vocês, então vocês estão sendo negligentes na sua responsabilidade com seus patrões. E se são de vocês, então vocês são preguiçosos".

Este incidente relatado pela Torá levanta dois questionamentos. Em primeiro lugar, sabemos que a Torá é muito concisa e somente escreve eventos que são realmente relevantes. Então por que escrever este incidente aparentemente sem nenhuma importância? Além disso, o ato de Yaacov de censurar os pastores da cidade parece uma atitude um pouco arrogante, por se tratar de um estranho recém-chegado à cidade. Por que ele achou importante dar esta bronca nos pastores de Haran?

A Torá, quando fala sobre Lavan, o descreve como um "Ramai", que significa "trapaceiro", e não como um ladrão. Um ladrão não demonstra gostar da sua vítima, ele mostra abertamente que sua única intenção é prejudica-la. Ao contrário do ladrão, o Ramai se apresenta como alguém confiável, demonstrando querer o bem estar da vítima, e somente depois acaba causando danos sem que ela perceba. É isto o que percebemos quando observamos atentamente os atos de Lavan. Ele prometeu que Yaacov se casaria com sua filha Rachel após trabalhar sete anos por ela, mas no dia do casamento Lavan trocou Rachel por sua outra filha, Lea, e ainda justificou seu ato indecente dizendo que naquela região ninguém casava a filha mais nova antes da mais velha. Seu nome Lavan, que literalmente significa "branco", demonstra que por fora ele transmitia ser alguém puro e correto, alguém de confiança, mas por dentro era uma pessoa egoísta e desonesta.

Na realidade, esta era uma característica não apenas de Lavan, mas de todos os arameus, pois a palavra "Arami" (arameu) tem exatamente as mesmas letras de "Ramai", demonstrando que esta era uma característica presente em todos os moradores daquela região. Porém, esta informação desperta um grande questionamento. Não podemos esquecer que muitos dos nossos patriarcas vieram justamente daquela região. Avraham, Sara, Rivka, Rachel e Lea eram descendentes dos arameus. Então por que nós não vemos neles este traço de caráter tão negativo, se era algo inerente daquela região?

Explicam os nossos sábios que a palavra "Midót", que significa "traços de caráter", também significa "medidas". Se perguntarmos a um cozinheiro se o sal é algo bom ou ruim na comida, ele nos responderá que depende, pois se for utilizado sal demais isto certamente estragará a comida, mas se for utilizado pouco sal a comida ficará sem gosto. Para o sal ser algo bom, deve ser utilizado na medida certa. Ensina o Rav Yohanan Zweig que o mesmo ocorre em relação aos nossos traços de caráter, pois nenhum deles é essencialmente positivo ou negativo, dependem da maneira como são utilizados. Mesmo os melhores traços de caráter podem ser mal utilizados, e mesmo os piores traços de caráter podem ser canalizados e utilizados de maneira produtiva.

O traço de caráter de ser um "Ramai", apesar de normalmente ser utilizado para enganar e levar vantagem sobre os outros, não é necessariamente algo negativo. O Ramai atua baseado no desejo natural do ser humano de querer sempre levar vantagem sobre os outros. O trapaceiro engana suas vítimas fazendo-as acreditar que elas estão levando a melhor na negociação, e quando as vítimas percebem que foram enganadas já é tarde demais. Mas apesar de ser algo negativo, o que está por trás desta característica é um grau muito elevado de sensibilidade. Para ser um trapaceiro de sucesso a pessoa precisa perceber as necessidades e desejos de seu companheiro. O trapaceiro usa sua sensibilidade aguçada para deixar sua vítima em desvantagem. Mas se ele conseguir utilizar esta sensibilidade de maneira positiva, pode trazer muitos benefícios ao mundo. Nossos patriarcas que vieram de Haran se destacaram muito no atributo de Chessed (bondade) justamente pois canalizaram o lado negativo da trapaça para algo positivo. Eles aproveitaram a enorme sensibilidade, a capacidade de sentir o que o outro realmente precisa, para fazer o bem. Normalmente fazer Chessed, para a maioria das pessoas, significa dar ao próximo o que nós achamos que ele precisa. Mas o Chessed verdadeiro é tentar realmente perceber o que o outro está sentindo e o que ele necessita.

Por outro lado, esta sensibilidade aguçada pode ser um grande desafio. Um dos nossos maiores testes na vida é termos ética no trabalho. Normalmente nos comportamos muito diferente quando nosso chefe não está olhando. É muito tentador encontrar maneiras de enganar o chefe e fingir que estamos trabalhando enquanto na verdade estamos cuidando das nossas próprias necessidades, como aquele que finge estar digitando no computador um relatório do escritório enquanto está na realidade navegando nas redes sociais. Quanto mais sensibilidade alguém tem, quanto mais consegue entender a cabeça do outro, mais consegue enganar e manipular, fazendo com que o outro pense que ele é um funcionário exemplar.

Somos descendentes daqueles que conseguiram se sobressair justamente na característica de sensibilidade. Isto significa que precisamos nos proteger do tropeço de querer utilizar negativamente esta sensibilidade. Uma das maneiras é criar uma forte ética no trabalho, tentando fazer jus a tudo o que recebemos e trabalhando o tempo inteiro como se o chefe estivesse ao nosso lado acompanhando cada atitude. Devemos enraizar em nossa essência que somente aceitaremos os ganhos pelos quais nós trabalhamos e merecemos de verdade, e devemos sentir repulsa de querer tirar proveito de algo que nós não merecemos. Somente assim estaremos garantindo que nunca nos tornaremos pessoas desonestas e trapaceiras.

Yaacov tinha total consciência de que os arameus tinham o traço de caráter de serem "Ramaim". Ao ver os pastores descansando ao lado do poço de água no meio do dia, ficou evidente que eles estavam utilizando este traço de caráter de maneira negativa, pois uma das consequências deste traço de caráter mal utilizado é a preguiça e a busca de caminhos mais curtos e fáceis na vida. Quando Yaacov viu isso, censurou-os com a intenção de despertá-los, para ensinar que se eles fossem mais éticos no trabalho, poderiam canalizar este traço de caráter para fazer bondades e ter mais sensibilidade com as necessidades dos outros.

Este é um grande teste que temos na vida. Mas se nos esforçarmos, conseguiremos usar nossa herança espiritual da maneira correta. O importante é sermos muito honestos em qualquer situação, cada um começando consigo mesmo, pois é negativo enganar os outros, mas pior ainda é enganar a si mesmo. 

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn. 28:10-32:2, Os.11:7-14:9

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O PARADOXO DO NOSSO TEMPO - PARASHAT TOLDOT 5776

"O paradoxo do nosso tempo é que temos edifícios mais altos, mas pavios mais curtos; estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos; gastamos mais, mas temos menos; compramos mais, mas desfrutamos menos; temos casas maiores e famílias menores; mais graus acadêmicos, mas menos bom senso; mais conhecimento e menos poder de julgamento; mais medicina, mas menos saúde.
 Bebemos demais, fumamos demais, gastamos demais e dirigimos rápido demais. Multiplicamos nossas posses, mas reduzimos nossos valores; adicionamos anos à extensão de nossas vidas, mas não vida à extensão dos nossos anos; já fomos à Lua procurar vida, mas não conseguimos enxergar a vida que existe na Terra; enxergamos outras galáxias, mas não vemos o mendigo que dorme na rua em que caminhamos.
 Conquistamos o espaço exterior, mas não nosso espaço interior; nos preocupamos com a limpeza do ar, mas não com a poluição da nossa alma; quebramos o átomo, mas não nossos preconceitos; temos maiores rendimentos, mas menor padrão moral; as pessoas estão cada vez mais altas, mas o caráter cada vez mais baixo; almejamos a paz mundial, mas não superamos as discórdias nem dentro dos nossos lares; temos maior variedade de comidas, mas menos nutrição; temos residências mais belas, mas lares quebrados.
 É um tempo no qual as fraldas e a moralidade são descartáveis; em que há muito na vitrine e nada no estoque. Um tempo em que sabemos de cor o objetivo das nossas empresas, mas não sabemos nem mesmo qual é o objetivo da nossa vida. E tudo isso ocorre pois, na nossa ânsia de controlar o mundo, acabamos esquecendo de controlar a nós mesmos"

É um tempo difícil este que nós vivemos. E é justamente nestes momentos de dificuldade e escuridão espiritual que o brilho da nossa Torá se ressalta ainda mais, ao nos ensinar que a maior das nossas conquistas é dominar os nossos próprios desejos e inclinações. 
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Na Parashat desta semana, Toldot, a Torá descreve o nascimento dos irmãos Yaacov e Essav. Mas apesar de serem gêmeos, quando eles cresceram tomaram rumos completamente diferentes na vida. Enquanto Yaacov se dedicou ao estudo da Torá e teve um comportamento exemplar e digno, Essav se dedicou à caça e se desviou completamente do caminho correto, chegando ao nível de cometer as piores transgressões.

Apesar de Essav ter se desviado tanto do caminho, há um versículo que descreve seu relacionamento com seu pai, Ytzchak, e que nos chama a atenção: "Ytzchak amava Essav por causa da caça que estava na sua boca, e Rivka amava Yaacov" (Bereshit 25:28). Aparentemente o versículo descreve que Ytzchak tinha uma preferência por seu filho Essav em relação ao seu filho Yaacov. Porém, como alguém tão reto e íntegro como Ytzchak pôde se enganar tanto a ponto de pensar que Essav era alguém virtuoso? Será que Ytzchak não enxergava a diferença entre a má indole de Essav e a boa índole de Yaacov?

Responde o Rav Yosef Tzvi Salant zt"l (1885 - 1981) que há dois tipos de Tzadikim (Justos): um é aquele cujos traços de caráter já são naturalmente refinados e puros, enquanto o outro é aquele cujas tendências naturais são negativas e ele precisa trabalhar muito para derrotar seu Yetzer Hará (má inclinação). Certamente o segundo tipo de Tzadik tem muito mais méritos do que o primeiro, pois alcançar o nível de retidão exigiu dele um esforço muito maior.

Ytzchak acreditava que seus dois filhos eram Tzadikim. Entretanto, ele pensava que cada um era Tzadik de um tipo diferente. Ele imaginava que Yaacov era aquele tipo de Tzadik que nasceu com inclinações naturais para ter bons traços de caráter, enquanto Essav era um exemplo de Tzadik que havia superado através de muito esforço seu Yetzer Hará. O engano de Ytzchak foi ter pensado que Essav havia dominado seus maus instintos, enquanto a verdade era justamente o contrário, isto é, seus maus instintos o haviam dominado e o levaram à sua destruição espiritual.

Mas qual foi a fonte do erro no julgamento de Ytzchak? Ele reconheceu em Essav as características de "vermelhidão" (Essav tinha todos os pelos do corpo ruivos), o que de acordo com o Talmud (Shabat 156a) é indicação de uma natureza sanguinária. O Talmud ensina que quem nasce com este tipo de influência normalmente canaliza suas energias para alguma atividade relacionada com o derramamento de sangue. Se ele utilizar suas energias de forma positiva, pode se tornar um Shochet (pessoa que faz o abate Kasher dos animais) ou um Mohel (pessoa que faz o Brit Milá), mas se utilizar suas energias de maneira negativa, poderá se tornar um assassino.

Quando Ytzchak viu que Essav havia escolhido ser caçador, o que seria comparado com a função de um Shochet, ele pensou que esta havia sido a forma escolhida por Essav para canalizar de forma positiva suas tendências violentas. Além disso, Essav usava suas habilidades de caça para cumprir a Mitzvá de "Kibud Av ve Em" (Honrar os pais), pois ele sempre servia a comida caçada ao seu pai. Desta maneira, Ytzchak acreditou que Essav havia atingido o status de Tzadik, e em um nível ainda mais alto do que Yaacov.

É possível desenvolver um pouco mais o conceito de Ytzchak ter dado preferência a Essav. Explicam os nossos sábios que cada um dos patriarcas se sobressaiu em um traço de caráter específico. Avraham se sobressaiu em "Chessed" (bondade), Ytzchak em "Guevurá" (força) e Yaacov em "Emet" (verdade). Quando Ytzchak viu que Essav também tinha inclinações para a Guevurá, achou que ele utilizaria este traço de caráter para vencer seus maus instintos. Porém, o erro de Ytzchak foi não perceber que realmente Essav tinha o traço de caráter de Guevurá, mas estava utilizando esta característica de maneira completamente equivocada.

Antes de tudo precisamos entender o que significa o conceito de "Guevurá". O primeiro pensamento que nos vem à cabeça está relacionado com o uso da força física. Mas nos atos de Ytzchak descritos pela Torá não vemos que ele participou de sangrentas batalhas, conquistou reinados ou derrotou fortes oponentes. Então onde estava a Guevurá de Ytzchak? Sua grande força estava em sua habilidade de conquistar qualquer inclinação negativa que surgisse e de anular seus desejos e necessidades egoístas. Isto resultou em um alto nível de autodisciplina e pureza, através do qual ele conseguiu que toda sua essência se transformasse em cumprir a vontade de D'us. Ytzchak viu em Essav o potencial de também se sobressair neste traço de caráter e atingir níveis até mesmo maiores do que o seu próprio nível. Apesar de estar claro para Ytzchak que Essav era puxado por fortes inclinações negativas, ele acreditava que se Essav utilizasse sua Guevurá da maneira correta, poderia vencer suas inclinações.

Mas Essav acabou direcionando sua Guevurá para propósitos egoístas. Ao invés de usar sua enorme força para controlar a si mesmo, Essav usou para controlar os outros. Ao invés de buscar a autodisciplina, ele canalizou sua força para dominar e subjugar outras pessoas. Isto fica claro através da profissão que ele escolheu: ser um caçador, atividade que envolvia dominar poderosos animais. Mas Essav não se limitou a usar sua força apenas contra os animais, ele também direcionou suas forças contra os seres humanos e tornou-se um assassino. Ao invés de investir em seu autocontrole, ele se deixou levar por todos os seus desejos, a ponto de se tornar uma pessoa extremamente imoral.

Percebemos que estes traços negativos de Essav foram transmitidos aos seus descendentes. Os romanos, por exemplo, deram continuidade ao mau uso que Essav fez da Guevurá. Eles se tornaram uma nação empenhada em conquistar o mundo apenas com o propósito de obter poder. Além disso, eles também não se importaram em se esforçar para ter autocontrole, preferindo adotar um estilo de vida imoral. E a nossa Cultura Ocidental, que também faz parte da descendência espiritual de Essav, atribui grande importância ao uso externo da força, ao invés do seu uso interno. Não apenas o uso da força física, mas também o uso da força do dinheiro para influenciar e dominar outras pessoas. Ao invés de investir no autocontrole, atualmente o objetivo de vida das pessoas tornou-se obter o máximo de poder e prazer pessoal.

A visão da Torá sobre o uso correto da Guevurá é exatamente o oposto da forma como Essav a utilizou. A ênfase da força é em seu uso interno, na busca de autocontrole, e não no seu uso externo, como ensinam nossos sábios: "Quem é forte? Aquele que domina suas inclinações, como está escrito: "Aquele que é devagar em se irritar é melhor do que o homem forte, e aquele que domina seus desejos é melhor do que aquele que conquista uma cidade" (Pirkei Avót 4:1). Quando a Torá nos ensina que Ytzchak se sobressaiu na Guevurá, significa a Guevurá interna, o poder de controlar as suas inclinações naturais, para cumprir sempre a vontade de D'us. É esta forma de poder, e não a exercida por Essav, que nós devemos aspirar. Aquele que domina os outros ainda assim continua escravo dos seus próprios desejos, e satisfazer seus desejos nunca trará um preenchimento verdadeiro. Por outro lado, aquele que adquiriu o autocontrole é a pessoa verdadeiramente livre e, portanto, a que detêm o verdadeiro poder. 
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 25:19-28:9, Ml. 1:1-2:7

sábado, 7 de novembro de 2015

RESPEITO AOS IDOSOS - PARASHAT CHAIEI SARA 5776

"Um frágil e velho senhor ficou viúvo e foi viver com seu filho, sua nora e seu neto de quatro anos. A família se reunia todos os dias para comer em uma bela mesa na sala de jantar. Porém, as mãos do velhinho tremiam e a vista dele já estava um pouco embaçada, o que tornava difícil o simples ato de comer. A todo instante a comida caía da sua colher, sujando todo o chão, e o leite derramava na toalha. A sujeira começou a irritar muito seu filho e sua nora:


- Nós precisamos fazer algo em relação ao meu pai - disse o filho, irritado - Já estou cheio do tanto leite derramado, de ouvir os ruídos que ele faz quando come e de toda a comida que ele derruba no chão.

O marido e a esposa decidiram preparar uma mesa pequena no canto da área de serviço. Lá o velhinho comia sozinho, abandonado, enquanto o resto da família continuava comendo na sala de jantar. Além disso, depois do velhinho ter quebrado um ou dois pratos, a comida dele passou a ser servida em uma tigela de madeira. Quando eles olhavam de relance na direção do velhinho, às vezes percebiam uma lágrima nos olhos dele. Ainda assim, as únicas palavras que o casal dirigia a ele eram duras broncas quando a colher caía com comida ou ele derramava o leite. O neto de quatro anos assistia tudo em silêncio. Uma noite, antes do jantar, o pai notou que a criança estava brincando no chão com sucatas de madeira. Perguntou docemente ao filho o que ele estava fazendo, e com um enorme sorriso o menino respondeu:

- Eu estou fabricando duas pequenas tigelas de madeira, para você e a mamãe poderem comer sua comida quando estiverem velhinhos.

As palavras do menino penetraram como uma faca afiada no coração dos pais. Lágrimas rolaram dos rostos deles. Não era preciso falar nada, eles sabiam o que precisava ser feito. Naquela noite o marido pegou a mão do pai e, com suavidade, conduziu-o de volta para a mesa da família. E daquele dia em diante, nem o marido nem a esposa pareciam se preocupar quando uma colher caia no chão, o leite era derramado ou quando a toalha da mesa tinha se sujado". 

A Torá nos ordena tratar os idosos com muito respeito. Acima de tudo é um reconhecimento pelo que eles já contribuíram, e certamente continuam contribuindo, com enorme sabedoria, na construção de um mundo melhor. 

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A Parashá desta semana, Chaiei Sara, fala sobre o final das vidas de Avraham e Sara. Avraham viveu muitos anos, como está escrito: "Avraham estava velho, com idade avançada, e D'us abençoou Avraham com tudo" (Bereshit 24:1). Apesar de muitos problemas e desafios que Avraham enfrentou durante sua longa vida, ele sempre soube olhar as situações de maneira positiva. E, acima de tudo, ele confiava plenamente em D'us.

Em relação a este versículo, o Talmud (Sanhedrin 107b) traz um incrível ensinamento. Até a época de Avraham não havia o conceito de envelhecimento. Como Ytzchak era muito parecido com Avraham, quando as pessoas iam falar com Avraham, acabavam falando por engano com Ytzchak, e quando iam falar com Ytzchak acabavam falando por engano com Avraham. Avraham então rezou e pediu para que D'us incluísse o envelhecimento no ciclo de vida do ser humano, para evitar este tipo de confusão, e D'us concordou com o pedido de Avraham.

Os comentaristas da Torá perguntam qual é o ensinamento presente nesta passagem do Talmud, pois desperta um grande questionamento. O Rav Ishaia MiTrani (Itália, 1180 - 1250), mais conhecido como Tossafot Rid, argumenta que existem diversas fontes que comprovam que o envelhecimento já existia até mesmo antes do nascimento de Ytzchak, tais como os versículo "Avraham e Sara estavam velhos" (Bereshit 18:11) e "Eu realmente terei um filho, agora que eu estou velha?" (Bereshit 18:13). Poderíamos explicar que os versículos se referem a um envelhecimento que não era fisicamente perceptível, e o pedido de Avraham foi justamente para que o envelhecimento se tornasse algo visivelmente reconhecido pelas pessoas, evitando confusões.

Porém, esta explicação apresenta algumas dificuldades. Em primeiro lugar, após o erro de Adam Harishon, a existência física do ser humano tornou-se finita e seu corpo foi fadado a um estado de decadência física. Por que D'us decretaria a morte do ser humano e não faria com que a proximidade do seu fim fosse visivelmente perceptível? Além disso, há versículos que comprovam que o ser humano já apresentava sinais de envelhecimento em seu corpo mesmo antes do nascimento de Ytzchak. Sara, quando escutou os anjos anunciando que ela ficaria grávida aos 90 anos, comentou: "Depois de estar tão enrugada, eu voltarei a ter uma pele delicada?" (Bereshit 18:12). Deste versículo fica claro que já havia sinais físicos de envelhecimento antes mesmo do pedido de Avraham. Então o que ele exatamente pediu para D'us em sua reza? E o que D'us concedeu à humanidade ao concordar com o pedido de Avraham?

Responde o Rav Yohanan Zweig que talvez o pedido de Avraham realmente não estava relacionado com o estado físico das pessoas. O que chamou a atenção de Avraham foi que as pessoas falavam com ele, um ancião com mais de 100 anos, exatamente da mesma maneira como falavam com seu filho Ytzchak, um rapaz ainda extremamente jovem. Isto significa que as pessoas não tinham nenhuma apreciação pela sabedoria dos idosos e não demonstravam o devido respeito a eles. Avraham queria que os idosos fossem respeitados e honrados pelos seus conhecimentos e por suas experiências de vida. Foi este tipo de apreciação pelos idosos que Avraham pediu para que D'us incutisse na humanidade, e D'us atendeu o seu pedido, como confirmam as palavras finais do versículo: "D'us abençoou Avraham com tudo".

Infelizmente, se olharmos o comportamento da nossa sociedade, perceberemos que esta apreciação dos idosos novamente está ausente. De acordo com a Cultura Ocidental, a velhice é uma deficiência do ser humano. A juventude é vista como referência nas mais diversas áreas: nos negócios, na medicina, nas tecnologias e até mesmo nos governos. As novas gerações insistem em "inovar e aprender com seus próprios erros", ao invés de construir a partir da experiência adquirida pelos mais velhos. Aos 50 anos uma pessoa é considerada alguém "no limite" de sua produtividade, e já começa a receber os primeiros avisos de que seu cargo estaria melhor preenchido por alguém 20 anos mais jovem. Em muitas empresas multinacionais a aposentadoria é obrigatória aos 60 anos, para que alguém de "sangue novo" possa assumir os novos desafios.

Portanto, nossa sociedade acaba forçando com que os últimos anos de vida de uma pessoa sejam de inatividade e decadência. Os mais velhos são tratados como se fossem inúteis, como se fossem um peso para a sociedade. A mensagem transmitida aos idosos é que o ideal seria se estivessem confinados em um asilo. Depois de décadas de conquistas e realizações, seus conhecimentos e talentos se tornam repentinamente sem valor. Depois de muitos anos de importantes contribuições, os idosos se tornam peças indesejáveis no jogo da vida.

Não podemos escapar da realidade de que a natureza do corpo humano aos 70 anos não é a mesma do que aos 30 anos. Mas o valor de uma pessoa é definido por suas proezas físicas? Se a força física de alguém diminuiu, mas suas capacidades intelectuais e sua sabedoria aumentaram, isto é considerado uma melhoria ou um declínio? Se o rendimento de uma pessoa diminui em quantidade, mas melhorou em qualidade, então seu valor aumentou ou diminuiu? A atitude da Cultura Ocidental em relação aos idosos reflete bem a noção dos seus valores: a ênfase está apenas na força física, enquanto a força intelectual é completamente desprezada.

Um jovem de 20 anos pode dançar por horas sem se cansar, enquanto um senhor de 75 anos provavelmente se cansará em poucos minutos. Mas o ser humano não foi criado para dançar. Ele foi criado para transformar a vida na Terra em algo mais puro, mais brilhante e mais sagrado do que era antes do seu aparecimento. Deste ponto de vista, a maturidade espiritual dos anciãos certamente compensa, e muito, sua diminuição física.

Esta é a visão da Torá. A velhice é uma virtude, é uma Brachá (benção). Em toda a Torá o conceito de "ancião" é sinônimo de sabedoria. O Talmud (Kidushin 33a) nos ordena respeitar os anciãos, independente de sua escolaridade, pois os vários desafios e experiências pelos quais eles passaram na vida resultam em uma sabedoria que até mesmo os mais talentosos entre os jovens não podem alcançar. Um dos segredos da imortalidade do judaísmo é justamente o respeito aos idosos. Pois uma sociedade que não sabe respeitar o passado é certamente uma sociedade que não terá futuro.
  

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm

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Gn.23:1-25:18, 1Rs.1:1-31