sexta-feira, 29 de novembro de 2013

ILUMINANDO A ESCURIDÃO - CHÁNUKA 5774

"No dia do Yortzait (aniversário de falecimento) do pai de Aharon, ele estava especialmente emocionado e queria fazer o máximo para elevar a alma do seu falecido pai. Ele acendeu a vela de Yortzait, que deveria ficar acesa até a próxima noite, e começou a estudar Mishnaiót (parte da Torá Oral). A palavra "Mishná" contém as mesmas letras da palavra "Neshamá", que significa "alma", e por isso se costuma estudar no dia do Yortzait algumas Mishnaiót para elevar a alma da pessoa falecida.

Depois de horas de estudo, Aharon estava cansado e fechou o livro de Mishnaiót para descansar. Seu filho pequeno, que havia visto tudo o que o pai havia feito, estranhou e perguntou:

- Pai, se você fechou o livro, por que você também não apagou a vela?

- Filhão – falou Aharon com carinho – sua pergunta é excelente. E a resposta é um importante ensinamento que você deve levar para toda a sua vida. Mesmo que é permitido momentaneamente fechar o livro de Torá, você nunca deve deixar a chama apagar"

Esta é a essência de Chánuka: fortalecer o estudo e o cumprimento da Torá, que é o que nos dá vida e ilumina o mundo. Nossa responsabilidade, e atualmente nosso desafio, é nunca deixar esta luz se apagar.


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Nesta semana o Shabat coincide com a festa de Chánuka, na qual relembramos grandes milagres que aconteceram ao povo judeu na época do exílio grego. O Império Grego, em seu avanço militar esmagador, havia dominado muitas nações do mundo, entre elas o povo judeu. Mas por que a dominação grega também foi considerada um dos nossos exílios, se durante este período não fomos expulsos de Israel, como ocorreu em outros exílios? Pois os gregos, que inicialmente vieram em paz, com o tempo tentaram nos helenizar à força, proibindo o estudo da Torá e o cumprimento das Mitzvót. O Beit Hamikdash (Templo Sagrado), nosso centro de espiritualidade, foi transformado em um local de idolatrias. Mesmo vivendo em nossa terra, não podíamos cumprir as Mitzvót, e muitos se viram tentados a seguir as ideias gregas, que pregavam a adoração ao corpo e aos prazeres materiais.

E quais são os milagres que nós relembramos? O primeiro é o milagre da guerra. Após a proibição de fazer os serviços do Beit Hamikdash, um pequeno grupo de Cohanim (sacerdotes) iniciou uma rebelião contra os gregos. Era uma luta de muitos contra poucos, do maior exército do mundo, com as melhores técnicas militares e os melhores armamentos, contra um grupo desorganizado, mal armado e sem nenhum treinamento militar. Com a ajuda de D'us, este pequeno grupo conseguiu acumular vitória atrás de vitória, até que os gregos desistiram e abandonaram Israel. E o segundo é o milagre do azeite. Após expulsar os gregos e limpar o Beit Hamikdash de todas as idolatrias, os Cohanim se prepararam para retomar todos os serviços, entre eles o acendimento da Menorá. Porém, os gregos haviam impurificado todos os potes de azeite, e seriam necessários mais 8 dias até que um novo azeite fosse produzido. Apenas um pote de azeite foi encontrado com o lacre do Cohen Gadol, e era suficiente para manter a Menorá acesa por apenas um dia. Um grande milagre aconteceu e aquela pequena quantidade de azeite durou oito dias.

Durante os oito dias de Chánuka, além do acendimento diário da Chanukiá, que nos faz lembrar dos milagres ocorridos, nós agregamos um pequeno trecho nas três Tefilót (rezas) do dia, chamado "Al Hanissim" (sobre os milagres), que é uma declaração de agradecimento a D'us, em especial pela vitória milagrosa na batalha contra os nossos inimigos gregos, como está escrito: "E Você, em Sua grande misericórdia, esteve ao lado deles em sua aflição... Você entregou os fortes nas mãos dos fracos, os numerosos nas mãos de poucos, os impuros nas mãos dos puros, os maus nas mãos dos justos, os frívolos nas mãos dos que cumprem a Sua Torá". Porém, se analisarmos o texto do "Al Hanissim" com cuidado, perceberemos que há uma grande dificuldade no seu entendimento. É fácil enxergar o milagre que há em entregar os fortes nas mãos dos fracos e os numerosos nas mãos de poucos, mas que milagre há em entregar os impuros nas mãos dos puros e os maus nas mãos dos justos? Havia alguma desvantagem na luta pelo fato dos judeus serem justos e puros, enquanto os gregos eram impuros e maus?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está nas palavras de David Hamelech (Rei David): "Você faz a escuridão e é noite, na qual se movem todos os animais da floresta" (Salmos 104:20). Explica o Talmud (Baba Metzia 83b) que este versículo é figurativo, e a linguagem "animais da floresta" é uma alusão às forças do mal que atuam no mundo. Para manter o equilíbrio entre o bem e o mal, D'us permite que as forças do mal prevaleçam durante o período de escuridão, que no versículo é representado pela noite. Durante este período, o equilíbrio entre o bem e o mal pende esmagadoramente para o lado do mal.

Quando a Torá descreve a criação do mundo, assim está escrito: "E a Terra estava sem forma e vazia, e a escuridão pairava sobre a face do abismo" (Bereshit 1:2). Diz o Midrash (parte da Torá Oral) que estas palavras do versículo são uma alusão aos quatro exílios pelos quais o povo judeu passaria durante sua história. "Sem forma" se refere ao exílio da Babilônia, "Vazio" se refere ao exílio da Pérsia-Média, "Escuridão" se refere ao exílio grego e "Abismo" se refere ao exílio de Edom. Mas por que os gregos representam a escuridão? Eles não trouxeram ao mundo muito conhecimento, como nas áreas das ciências e filosofia? Eles não ajudaram a iluminar o mundo? Eles deveriam representar a luz, não a escuridão!

O conceito de escuridão ao qual a Torá se refere é um conceito espiritual, não físico. Segundo o judaísmo, não existe nenhum uso do mundo material que não tenha influência sobre o mundo espiritual. Em cada ato que fazemos, podemos estar acendendo uma luz espiritual ou apagando-a. Através da utilização correta do mundo material podemos criar uma grande luz espiritual, como quando utilizamos objetos físicos para cumprir as Mitzvót. Com madeiras e pedras foi construído o Beit Hamikdash, o lugar onde repousava a "Shechiná" (Presença Divina). Porém, a pessoa que utiliza os objetos do mundo material de maneira negativa, como para agredir outra pessoa ou para se tornar orgulhoso, está apagando a espiritualidade que existe em cada objeto que utiliza.

É verdade que os gregos trouxeram ao mundo muitos avanços, em várias áreas, mas seu único propósito era acabar com a espiritualidade que há no mundo material. Por exemplo, eles propagaram a filosofia do "Carpe Diem", na qual a principal meta da vida deveria ser aproveitar os prazeres sem limites. Eles criaram as olimpíadas, com o objetivo de demonstrar a perfeição e o culto ao corpo material, ofuscando a ideia de que a nossa essência verdadeira é a nossa alma, não o nosso corpo. Após influenciar muitos povos, os gregos encontraram um grande obstáculo para atingir seu objetivo: o povo judeu, que representa a espiritualidade no mundo material. Mas eles tinham um plano para nos derrotar, como está escrito em outro trecho do "Al Hanissim": "Quando se levantou o malévolo Império Grego contra Seu povo Israel, para fazê-lo esquecer Sua Torá". A palavra "Choshech" (escuridão) contém exatamente as mesmas letras da palavra "Shachach", que significa "esquecer". A forma de apagar a espiritualidade do povo judeu, e assim do mundo todo, seria fazê-los esquecer do estudo o do cumprimento da Torá.

A época em que os gregos dominaram o mundo era um momento de escuridão espiritual e, por isso, as forças do mal, e todos aqueles que as representam, estavam em vantagem. A luta era desigual, não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. É por este motivo que agradecemos a vitória dos puros sobre os impuros e dos justos sobre os maus, pois foi um grande milagre naquele momento as forças do bem vencerem as forças do mal. Somente com a ajuda de D'us conseguimos nos levantar e derrotar os gregos, reestabelecendo a Luz da Torá no mundo.

A verdade é que vencemos apenas uma batalha contra os gregos, mas o mal e a escuridão que eles representam ainda precisam ser vencidos em cada geração. Para nos afastar da espiritualidade, os gregos fizeram decretos severos que impediam o estudo e o cumprimento dos ensinamentos da Torá. Nossa luta atual é contra a assimilação e o desinteresse do povo judeu pela sabedoria da Torá. Infelizmente a Torá está sendo esquecida sem nenhuma guerra nem decretos dos nossos inimigos. Portanto, cada um que acende sua Chanukiá está acrescentando um pouco mais de luz para o mundo. Cada um que estuda um pouco mais de Torá, que se conecta com seu lado espiritual, que se esforça para cumprir as Mitzvót, está participando ativamente da batalha contra os gregos, a guerra da luz contra a escuridão.

Os Cohanim não sabiam lutar, mas mesmo assim receberam sobre si a responsabilidade de defender a Torá. Assim também cada um de nós deve receber sobre si a responsabilidade de ser parte desta luta do bem contra o mal. Somente assim conseguiremos vencer, não apenas mais uma batalha, mas a guerra definitiva.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/


Festa da Dedicação Nm. 7:1-11, Zc 2:14-4:7, 1Re 7:40-50, Jo. 9:1-7, 10:22-29


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SAINDO DA PRISÃO DO EGOÍSMO - PARASHÁ VAIESHEV 5774


Um jovem rapaz inglês começou a sentir fortes dores de cabeça. Os exames detectaram um tumor não maligno no cérebro e o jovem foi operado, mas infelizmente o tumor voltou em pouco tempo. Ele procurou muitos médicos, e o consenso foi de que não havia mais nada a fazer a não ser esperar a morte.

Porém, aquele rapaz não queria partir do mundo sem deixar a sua marca. Ele começou a pedir para que as pessoas mandassem para ele cartões de "melhoras", para entrar no livro de recordes do "Guiness Book" como a pessoa que mais recebeu cartões de "melhoras". A história chegou aos jornais e se espalhou pelo mundo inteiro, e muitas pessoas se sensibilizaram e mandaram para ele cartões. Em pouco tempo seu quarto estava completamente lotado de malotes do correio abarrotados de cartas e cartões postais.

Uma das pessoas que também escutou sobre o sofrimento daquele jovem rapaz foi John Kluge, um americano que era um dos homens mais ricos do mundo. Apesar de ser tão rico, ele era uma pessoa simples, com um coração misericordioso e se sensibilizava com o sofrimento dos outros. John Kluge pensou que se mandasse mais um cartão de "melhoras" deixaria o rapaz feliz, mas estaria fazendo muito pouco por ele. John Kluge decidiu que faria muito mais do que isso. Ele daria ao rapaz a chance de escutar uma nova opinião médica, mas desta vez de um grande especialista. Entrou em contato com um famoso médico, um conhecido seu que vivia na Virgínia, e fez todos os acertos necessários para que ele examinasse o rapaz doente.

O especialista também não trouxe boas notícias para o rapaz. Apesar de afirmar que havia uma maneira de operá-lo, ressaltou que o procedimento seria extremamente arriscado, com poucas chances de dar certo. John Kluge ligou para o médico e perguntou:

- Se fosse o seu próprio filho que estivesse com este tumor no cérebro, você o operaria?

O médico pensou um pouco e respondeu que sim. Então John Kluge pediu que ele operasse o rapaz como se estivesse operando seu próprio filho. O garoto e a mãe consentiram, e a operação foi feita. Após muitas horas, o médico saiu da sala de cirurgia com as boas notícias: a operação havia sido um enorme sucesso e o rapaz ficaria bem.

Quando John Kluge e o rapaz se encontraram pessoalmente, eles se abraçaram e choraram muito. Daquele dia em diante, sempre quando John Kluge era questionado em alguma entrevista sobre qual havia sido a maior conquista da sua vida, ele abria um sorriso e respondia: "Ter sido um instrumento de D'us para salvar a vida de um garoto". (História Real)

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A Parashá desta semana, Vaieshev, descreve um pouco da vida de Yossef, o filho preferido de Yaacov, que passou por muitos altos e baixos. Uma das grandes dificuldades de sua vida foi ter ficado muito tempo na prisão, acusado falsamente de ter atacado a mulher do Potifar, um dos ministros do Faraó. Quando Yossef já estava perdendo as esperanças de um dia ser libertado, iniciou-se um processo repentino de libertação e ascensão ao poder. Após tantos anos de completa estagnação, o que desencadeou este processo? A resposta está em uma passagem aparentemente sem muita importância, que descreve que certa manhã Yossef olhou para outros dois prisioneiros e percebeu que seus rostos estavam transtornados. Preocupado, Yossef perguntou: "Madua Pneichem Raim Haiom?" (Por que vocês estão tão abatidos hoje?) (Bereshit 40:7). Estas quatro simples palavras foram responsáveis pela salvação de Yossef. Como?

Aqueles prisioneiros eram o copeiro-chefe e o padeiro-chefe, dois importantes ministros do Faraó. Naquela noite ambos tiveram sonhos estranhos e estavam transtornados por não entenderem seu significado. Quando questionados sobre o motivo de estarem tão abatidos, cada um confidenciou o seu estranho sonho e Yossef soube interpretá-los corretamente. Os sonhos revelavam o que aconteceria com cada um dos ministros e as palavras de Yossef se cumpriram com exatidão. Esta interpretação dos sonhos dos ministros foi o que deu início ao processo de subida meteórica de Yossef, pois dois anos mais tarde ele foi indicado pelo copeiro-chefe para interpretar dois sonhos que haviam deixado o Faraó muito angustiado. O Faraó sabia que seus sonhos tinham um importante significado, mas nenhum dos magos egípcios conseguia decifrá-lo. Não apenas Yossef interpretou os sonhos do Faraó, que revelavam que muitos anos de fome assolariam o Egito, mas também sugeriu como resolver o problema. O Faraó percebeu a grandeza de Yossef e imediatamente nomeou-o vice-rei. Em um piscar de olhos Yossef passou de um prisioneiro sem esperança a vice-rei, o segundo maior cargo em todo o Egito.

Explicam os nossos sábios que cada um dos sofrimentos pelos quais Yossef passou na vida foram mandados por D'us "sob medida", para que expiassem os erros que ele, apesar de seu nível espiritual tão elevado, havia cometido. Os 10 primeiros anos em que ele estava na prisão foram para expiar a transgressão de ter falado mal de seus 10 irmãos, um ano por cada irmão, como está escrito: "E Yossef trazia maus relatos sobre eles (seus irmãos) ao seu pai" (Bereshit 37:2). Depois disso Yossef recebeu o decreto de ficar mais 2 anos preso por ter colocado suas esperanças de libertação no copeiro-chefe, ao invés de ter confiado em D'us. Isto quer dizer que Yossef foi libertado somente quando terminaram os decretos espirituais. Mas no mundo material, como começou a salvação de Yossef? Justamente quando ele se preocupou com os outros prisioneiros. Deste ensinamento aprendemos que, caso Yossef não tivesse se importado com os rostos preocupados dos outros prisioneiros, ele teria perdido sua preciosa chance de salvação, mesmo após o fim dos decretos espirituais. Por que D'us escolheu justamente esta maneira para iniciar o processo de salvação de Yossef? O que havia de tão especial em Yossef ter perguntado aos outros prisioneiros o motivo deles estarem tão angustiados?

Para entender a grandeza do ato de Yossef, temos que refletir sobre suas condições de vida naquele momento. Ele já estava há 10 anos vivendo na prisão, condenado injustamente por algo que nunca fez e sem nenhuma perspectiva de ser libertado. Ele tinha todo o direito de estar totalmente focado apenas nos seus próprios problemas, que não eram poucos, e a tendência natural seria nem perceber as dificuldades pelas quais outras pessoas em volta estavam passando. Além disso, enquanto os outros dois prisioneiros eram importantes ministros do faraó, Yossef era um simples escravo, acusado de ter cometido um ato abominável. Provavelmente Yossef era constantemente desprezado e ignorado pelos ministros do Faraó. Apesar de tudo isso, Yossef conseguiu superar seu egoísmo e, ao invés de se preocupar somente com seus próprios sofrimentos, percebeu que os ministros estavam angustiados e se preocupou com eles também. Esta preocupação com o próximo foi a chave para a sua liberdade.

Este ensinamento da Parashá é muito importante para nós. Vivemos em um mundo onde as pessoas estão imersas em seus próprios problemas e dificuldades, a ponto de não conseguirem perceber as necessidades dos outros. Portanto, uma das principais maneiras de se tornar uma pessoa verdadeira altruísta, que busca sempre o bem do próximo, é conseguir sair desta "prisão", se esforçando continuamente para perceber o próximo. Para fugir deste egoísmo, precisamos até mesmo nos acostumar a abrir mão das nossas próprias necessidades em prol dos outros. Além dos inúmeros modelos de bondade que temos na Torá, mesmo hoje em dia temos grandes sábios que se esforçaram para anular o egoísmo intrínseco ao ser humano. São inúmeras histórias de superação, de se preocupar mais com os outros do que consigo mesmo. O problema é que, quando lemos as biografias destes grandes sábios, pensamos que eles foram pessoas predestinadas à grandeza espiritual. Porém, isto não é verdade, pois cada um deles precisou de muito esforço até começar a colher os frutos. Nenhum deles nasceu já em níveis elevados de bondade, eles foram crescendo aos poucos, investindo no seu lado espiritual, e assim conseguiram atingir o sucesso. Ser uma boa pessoa não é algo que cai do céu, é uma conquista, que depende de muito suor e dedicação.

Às vezes imaginamos que se desenvolver nesta característica de pensar no próximo se aplica apenas às grandes situações de necessidade, como em épocas de terríveis tragédias coletivas. Mas no nosso dia a dia desperdiçamos infinitas oportunidades de ajudar ao próximo. Quando estamos simplesmente caminhando na rua, vale a pena prestar um pouco mais de atenção nas necessidades dos outros, ao invés de estar sempre absortos nas nossas próprias necessidades. Perceberemos que há pessoas idosas carregando pacotes pesados, que agradeceriam profundamente uma pequena mãozinha. Há pessoas perdidas, necessitando de uma dica para encontrar o caminho certo. Há pessoas com dificuldades para estacionar o carro, que precisam de uma simples orientação. E não apenas na rua, mas em qualquer ambiente onde estivermos, sempre há oportunidades de como pensar mais no próximo. Por exemplo, quando vamos a uma aula e percebemos que não há mais cadeiras na sala, ao invés de trazer apenas uma cadeira, devemos trazer duas, pensando já na próxima pessoa que vai chegar.

Para Yossef, a chave para sair da prisão foi se preocupar com o próximo, apesar de seus próprios problemas. Para nós, a chave para sair desta terrível "prisão" chamada egoísmo é lembrar que, da mesma maneira que nós temos problemas, o mundo está cheio de pessoas que também têm problemas e precisam da nossa ajuda. Não apenas nas grandes tragédias, mas principalmente nas pequenas situações do cotidiano. São nestes momentos que podemos descobrir se somos livres ou apenas prisioneiros.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 37:1-40:23, Am. 2:6-3:8, At. 7:9-16

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CUIDE DO QUE VOCÊ TEM - PARASHÁ VAISHLACH 5774

 

"Roberto era um jovem jornalista recém-formado. Ao ser contratado por um famoso jornal, recebeu como primeiro trabalho uma entrevista exclusiva com Arnaldo, um velho fazendeiro que havia se tornado muito rico. Seu desafio era tentar descobrir o segredo de tanto sucesso daquele homem. Roberto viajou muitas horas para chegar ao sitio de Arnaldo, passando inclusive por várias estradas de terra. A fazenda era tão afastada que não tinha nem mesmo energia elétrica. A noite começou a cair quando eles se sentaram para conversar, e então o fazendeiro acendeu uma vela.

Estavam amigavelmente conversando por algum tempo até que Roberto tomou coragem de fazer a verdadeira pergunta que o havia levado até aquele "fim de mundo":

- Sr. Arnaldo, qual é o segredo do seu sucesso? Como você conseguiu juntar tanto dinheiro?

Arnaldo deu uma gargalhada e explicou que era uma longa história, mas que estava disposto a contá-la. Mas como a história era demorada, ele falou:

- Já que você vai somente escutar e não precisa olhar nada, então enquanto eu conto a história de como fiquei rico, vou apagar a vela para economizar.

Foi então a vez de Roberto dar uma gargalhada e dizer:

- Não precisa mais me contar como você ficou tão rico. Eu já entendi..."

Há pessoas que dão valor para cada pequena coisa que tem na vida, e não querem desperdiçar nada. Se esta característica for canalizada da maneira incorreta, a pessoa vira um grande pão-duro e egoísta. Mas se for canalizada da maneira correta, pode ajudar muito no nosso trabalho espiritual neste mundo.

 
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Na Parashá desta semana, Vaishlach, a Torá nos conta sobre a volta de Yaacov para a terra de Israel, após 20 anos vivendo com seu tio Lavan. Yaacov foi solteiro, mas voltava agora com uma enorme família. A Torá então descreve um acontecimento estranho, que levanta muitos questionamentos. Em certo momento Yaacov ficou sozinho e um homem veio lutar com ele, uma luta difícil que durou toda a noite. Mas quem era aquele homem e por que atacou Yaacov? Além disso, por que Yaacov estava sozinho, se até aquele momento ele estava acompanhado de toda a família? E por que a Torá se importou em registrar esta luta?

A resposta está no Talmud (Chulin 91a), que afirma que Yaacov estava sozinho pois havia esquecido pequenos potes no acampamento anterior e, quando se lembrou, voltou para busca-los. Mas por que Yaacov se importou com pequenos potes? Isto não é contraditório com o conceito de que os Tzadikim (Justos) são desapegados das posses materiais?

Para aumentar ainda mais o questionamento, baseado justamente neste fato ocorrido com Yaacov, o Talmud aprende algo difícil de ser entendido: "Daqui aprendemos que para os Tzadikim seu dinheiro é mais querido do que o seu próprio corpo. E por que tanto? Pois eles não estendem sua mão para o roubo". Como pode ser que o Tzadik, espiritualmente tão elevado, ama mais o dinheiro do que seu próprio corpo? E se os Tzadikim têm tanto apego aos bens materiais, então deveriam estar muito mais propensos a roubar do que as outras pessoas. Por que o Talmud afirma que o fato deles amarem mais os seus bens do que seu próprio corpo está conectado com o fato deles não cometerem roubo?

Explica o Gaon Mi Vilna (1720 - 1797, Vilna) que o Talmud não está ensinando que os Tzadikim estão dispostos a colocar a própria vida em risco para juntar mais bens, de maneira esganada e desequilibrada. O ensinamento é que os Tzadikim estão dispostos a qualquer tipo de esforço, mesmo que causem um grande desgaste físico ao corpo, apenas para cuidar dos bens que já têm, como fez Yaacov, que já havia atravessado o rio Yabok com toda a família e voltou apenas para buscar seus pequenos potes.

Mas por que os Tzadikim sentem tanto amor pelos seus bens materiais? De acordo com o Rav Yossef Zundel Salant (1786, Lituânia – 1866, Israel), o valor que os Tzadikim dão aos seus bens, mesmo para as coisas mais simples, não é por causa do seu valor monetário, muito menos pelo apego ao mundo material, e sim por entenderem que existe uma "Hashgachá Pratid" (Supervisão Particular), isto é, tudo é calculado por D'us nos mínimos detalhes. Apesar dos Tzadikim não viverem correndo atrás de bens e de prazeres materiais, eles sabem que tudo o que recebem na vida foi dado diretamente por D'us, sob medida, como ferramenta para ser utilizada no seu crescimento espiritual, e por isso dão muito valor para tudo o que recebem.

Além disso, há outra grande vantagem em saber que tudo depende da Hashgachá Pratid de D'us. Por que as pessoas roubam? Pois a inveja faz com que elas racionalizem que o que os outros têm, na verdade elas próprias que mereciam ter, e consideram que foi apenas um "engano" o outro ter recebido. Já os Tzadikim sabem que D'us manda exatamente tudo o que necessitam e, portanto, o que eles não receberam é porque não era algo necessário para o seu crescimento espiritual. Eles têm a claridade de que D'us controla cada pequeno detalhe do que ocorre em nossas vidas, como ensina o Talmud (Ioma 38b): "Uma pessoa não consegue pegar o que está destinado ao seu companheiro, nem mesmo um fio de cabelo". Os Tzadikim sabem que D'us manda para cada um exatamente o que ele necessita, não há nada faltando, por isso não se envolvem em roubo.

Mas quem era aquele homem com quem Yaacov lutou, e qual foi o motivo da luta? Explica Rashi, comentarista da Torá, que aquele homem era, na verdade, o anjo da guarda de Essav, o próprio Yetser Hará (má inclinação) encarnado. Quando o Yetser Hará percebeu a claridade que Yaacov tinha da importância de cada pequeno objeto como um utensílio mandado por D'us para o seu crescimento espiritual, ele veio pessoalmente para lutar com Yaacov, para tentar tirar sua Emuná (fé). O Yetser queria plantar na cabeça de Yaacov a dúvida e o questionamento. Esta foi a luta que durou toda a noite, a luta filosófica entre Yaacov e o Yetser Hará. Enquanto Yaacov afirmava que D'us controla até mesmo cada pequeno objeto que nós recebemos, e por isso temos obrigação de cuidar deles com o máximo de esforço, o Yetser tentava convencê-lo de que não existe Supervisão Particular a tal ponto, e que nem sempre as pessoas recebem exatamente o que precisam receber. A luta espiritual durou toda a noite, até que o Yetser percebeu que não conseguiria derrotar Yaacov e retirar dele a Emuná perfeita e pura.

Segundo o Talmud, a luta foi tão intensa que a poeira formada subiu até o céu e alcançou o "Kissê HaKavód" (Trono Celestial). O que isto significa? A poeira, que é algo muito fino, simboliza os menores e mais simples objetos. E o Talmud está nos afirmando que mesmo estes utensílios mais simples sobem até o Trono Celestial, isto é, estão sob a Supervisão Particular de D'us. É pelo mesmo motivo que, segundo o Gaon MiVilna, mencionamos o termo "Kissê HaKavod" na Brachá de "Asher Yatsar", que pronunciamos após fazer nossas necessidades no banheiro, pois assim fixamos no nosso coração que não existe nada, absolutamente nada, por mais desprezível que pareça, que não está sob a Supervisão Divina.

A Torá deixou esta luta de Yaacov registrada para nos ensinar que cada um de nós também precisa vencê-la. Muitas vezes desprezamos coisas simples do nosso cotidiano, de pouco valor, pois não percebemos que D'us nos manda com exatidão tudo o que necessitamos, que tudo é calculado de maneira precisa e não existe acaso nem coincidência. Internalizando este conceito da "Hashgachá Pratid" também conseguimos vencer a terrível característica da inveja, ao refletirmos que, se o outro recebeu algo e não nós, é porque aquilo é necessário para o trabalho espiritual dele e não para o nosso.

Por outro lado, precisamos tomar cuidado para que esta característica de cuidar das nossas coisas não nos transforme em pessoas egoístas. Muito do que D'us nos manda é para podermos dividir com os outros e ajudar os necessitados. A Torá proíbe o desperdício e o desprezo com os nossos objetos, mas não proíbe compartilhar com o próximo. Portanto, se conseguirmos atingir o equilíbrio necessário, certamente esta característica nos ajudará a chegar, como Yaacov Avinu, um pouco mais perto da perfeição.

 
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Gn. 32:3 -36:43, Ob.1:1-21, Mt. 26: 36-46

sábado, 9 de novembro de 2013

UMA CASA COM HARMONIA - PARASHÁ VAIETSE 5774


Com paciência e sabedoria, um professor ensinava seu aluno a ler a Torá. Quando chegou a um determinado versículo, vendo que o rapaz não sabia pronunciar uma palavra, o professor explicou:

- Estas duas letras "yud" juntas representam o sagrado nome de D'us, que não deve ser mencionado a não ser em ocasiões especiais. Este nome é tão sagrado que muitas vezes ele não é nem mesmo escrito nos livros, e sim substituído por estas duas letras "yud". Portanto, quando estas letras aparecerem, substitua por "Hashem", que significa literalmente "o Nome de D'us".

Com este novo entendimento, o menino tentou ler sozinho. Mas na conclusão de cada versículo, para a surpresa do professor, o aluno dizia "Hashem".

- Onde você vê o Nome de D'us após cada versículo? - perguntou o professor, curioso.

O menino apontou os dois pontos que apareciam no final de cada versículo. Eram pontos que lembravam duas letras "Yud", mas que ficavam um em cima do outro e separavam os versículos. O professor sorriu e explicou:

- Meu querido, um judeu é representado pela letra "yud". Quando dois "yud" estão lado a lado, unidos, D'us fica feliz e habita ali. Estes são os dois "yud" que são pronunciados como o Nome de D'us. Porém, se um judeu fica acima do outro, significa que eles não estão em harmonia, e então D'us não habita ali. Estes são os dois "yud" do final de cada versículo. Eles representam o fim, não o sagrado Nome de D'us.
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Na Parashá desta semana, Vaietse, a Torá descreve uma experiência sobrenatural pela qual passou nosso terceiro patriarca, Yaacov. Para fugir da fúria de seu irmão Essav, ele partiu para o exílio, para a terra de seu tio Lavan, pai de suas futuras esposas Rachel e Léa. Quando escureceu, Yaacov estava no lugar onde futuramente seria construído o Beit Hamikdash (Templo Sagrado), e ali ele deitou para dormir. Durante a noite, ele sonhou com uma escada que chegava até o céu, de onde desciam e subiam anjos. Neste mesmo sonho D'us se revelou para ele e prometeu protegê-lo durante todo o tempo em que estivesse no exílio. Quando Yaacov acordou, ele disse: "Certamente D'us está neste lugar e eu não sabia... Como é incrível este lugar. Aqui é nada menos do que a Casa de D'us, e este é um portão para o Céu" (Bereshit 28:16,17). Mas o que Yaacov quis dizer quando afirmou que aquele lugar era a "Casa de D'us"?

Esta pergunta se conecta com uma intrigante afirmação do Talmud (Pessachim 88a): "Não como Avraham, que chamou (o Templo) de 'montanha', como está escrito: "Na montanha D'us será visto" (Bereshit 22:14), e não como Itzchak, que chamou (o Templo) de 'campo', como está escrito: "E Itzchak saiu para rezar no campo" (Bereshit 24:63), mas como Yaacov, que chamou (o Templo) de 'casa', como está escrito: "Ele chamou o lugar de 'Bet-El' (Casa de D'us)" (Bereshit 28:19). O que os nossos patriarcas estavam nos ensinando ao se referirem ao Templo como uma montanha, um campo e uma casa?

A resposta está nas palavras do Rambam (Maimônides), que ensina que o Beit Hamikdash tinha três propósitos: ser literalmente uma Casa de D'us, isto é, o local onde repousava a Shechiná (Presença Divina); ser um local para a oferenda de Korbanót (sacrifícios); e ser um local para que o povo judeu pudesse subir, três vezes ao ano, para comemorar as Festas Judaicas (Pessach, Shavuot e Sucót) e se inspirar.

Explica o Rav Zev Leff que Avraham referiu-se ao local do Beit Hamikdash como uma montanha, isto é, um lugar onde a pessoa pode subir e se inspirar. Avraham estava referindo-se ao nosso Primeiro Beit Hamikdash, onde a Presença Divina era mais evidente e aconteciam muitos milagres abertos, como a ausência de moscas no local onde os animais eram sacrificados e a coluna de fumaça que subia do Mizbeach (altar de sacrifícios) e que não se desviava nem mesmo com os ventos mais fortes, causando um enorme reforço espiritual em cada judeu que entrava pelos seus portões.

Já Itzchak referiu-se ao local do Beit Hamikdash como um "campo". O campo é um lugar propício para o crescimento e o desenvolvimento das sementes. Assim também é o Beit Hamikdash, um ambiente que conduz o ser humano ao seu crescimento e desenvolvimento espiritual. Mas o campo não inspira as pessoas como uma montanha alta. Itzchak estava referindo-se ao Segundo Beit Hamikdash, onde a Presença Divina já não era mais tão perceptível e muitos dos milagres que ocorriam no Primeiro Beit Hamikdash já não ocorriam mais no Segundo. Porém, mesmo assim era um lugar incrível para as Tefilót (rezas) e para a oferenda dos Korbanót.

Finalmente Yaacov referiu-se ao local do Beit Hamikdash como a "Casa de D'us". O que ele queria nos ensinar ao fazer este paralelo com uma casa? Para responder, precisamos antes entender qual é a função de uma casa. Ela é composta basicamente por quatro paredes, uma porta e uma janela, e tem principalmente três funções: criar um domínio interno privado, separado do domínio público; formar um ambiente que envolve e une os indivíduos que vivem nesta área interna; e servir como proteção contra as influências externas hostis. Yaacov estava referindo-se ao nosso futuro Terceiro Beit Hamikdash, que será um lugar com muita santidade, harmonia e proteção contra as más influências.

Por que Yaacov percebeu o aspecto daquele local como sendo a "Casa de D'us" justamente quando estava indo para o exílio? Para nos ensinar que durante o nosso exílio, enquanto ainda não temos o nosso Terceiro Beit Hamikdash construído, o conceito da "Casa de D'us" se materializa através de três locais: a "Casa de Rezas" (Beit Haknesset), a "Casa de Estudo de Torá" (Beit Midrash) e a "Casa judaica". Estas três "Casas" são as responsáveis por manter o povo judeu vivo mesmo durante a escuridão espiritual do exílio, e nos darão a força necessária para um dia voltarmos para Israel e meritarmos a verdadeira e definitiva "Casa de D'us": o Terceiro Beit Hamikdash.

Obviamente que não podemos desprezar a santidade necessária nas nossas "Casas de Reza" e nas nossas "Casas de Estudo", mas será que nos preocupamos com a santidade das nossas próprias casas? Será que entendemos que o nível espiritual dos nossos lares é tão importante quanto o nível espiritual das sinagogas e centros de estudo de Torá?

Precisamos transformar nossas casas em um Beit Hamikdash em miniatura, isto é, devemos criar um ambiente de morais e valores judaicos, um santuário interno de espiritualidade que serve como fundação para o estudo e a observância da Torá. Além disso, nossas casas devem transbordar harmonia e entendimento. O conceito de "Shalom Bait" (paz familiar) refere-se à harmonia perfeita que a casa cria, onde cada indivíduo se sente parte de uma unidade que funciona apenas quando todos trabalham juntos, cada um com seus talentos, para atingir uma meta em comum. E finalmente nossa casa deve ser uma fortaleza, que nos protege dos valores deturpados que vão contra os princípios da Torá e das Mitzvót. Uma vez que a área interna da casa está repleta de santidade e propósito, a luz interior pode ser projetada através da janela, e a intensa santidade deste ambiente familiar pode ser exposta ao mundo externo.

É interessante perceber que estes importantes valores podem ser alcançados através de algumas Mitzvót relacionadas justamente com as nossas casas. Por exemplo, a Mitzvá de acender as velas de Shabat simboliza a santidade que a casa deve produzir e a iluminação dos valores e da ética da Torá. Além disso, as velas de Shabat representam a harmonia que é produzida quando cada um dos membros cuida para não pisar nos outros, pois a luz espiritual criada afasta a escuridão da ignorância e do egoísmo. As Mitzvót da Mezuzá e do Maakê (proteger com um parapeito os locais da casa que possam oferecer perigo, como uma varanda) simbolizam a proteção que a casa oferece contra os perigos físicos e espirituais do mundo externo. A Mitzvá de checar e exterminar o Chametz (farinha fermentada) antes de Pessach nos ensina que, de tempos em tempos, precisamos checar se influências externas estranhas conseguiram invadir nossa casa e, caso isto tenha ocorrido, devemos nos esforçar para removê-las completamente. E, finalmente, a Mitzvá de acender as velas de Chánuka e colocá-las fora de casa ou em uma janela de onde podem ser vistas da rua, simbolizando a influência que uma casa judaica deve ter sobre o mundo externo.

Para sobrevivermos espiritualmente ao nosso exílio e meritarmos o Terceiro Beit Hamikdash, que influenciará positivamente o mundo inteiro, devemos preparar nossas Casas de estudo e nossas Casas de reza para que elas estejam sempre com alto nível de santidade. Mas, acima de tudo, devemos preparar as nossas próprias casas para que elas possam refletir as reais funções da futura "Casa de D'us", que são a santidade, a harmonia e a proteção contra os valores incorretos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn. 28:10-32:2, Os.11:7-14:9, Jo. 1:43-51




Gn. 28:10-32:2, Os.11:7-14:9, Jo. 1:43-51
 

sábado, 2 de novembro de 2013

SENSIBILIDADE COM O PRÓXIMO – PARASHÁ TOLDOT 5774

 
Era a primeira noite de Pessach e o Rabi Akiva Eiger (Hungria, 1761 - Prússia, 1837) estava sentado à mesa celebrando o Seder de Pessach com vários convidados. As belas peças de prata, louças e cristais, que brilhavam após terem sido lustrados em honra daquela noite especial, foram colocadas sobre a mais fina toalha de linho branca, a melhor que a família Eiger possuía, e que ficava o ano inteiro guardada apenas para esta ocasião especial.

O Seder seguia tranquilo, com todos os convidados se sentido muito à vontade e revivendo juntos a saída do Egito. Quando todos estavam prestes a levantar as taças para cumprir a Mitzvá de beber um dos quatro copos de vinho, um dos convidados se descuidou e derrubou sua taça. Imediatamente o vinho tinto espirrou sobre toda a linda toalha de linho branca, deixando uma enorme mancha.

Antes que as pessoas pudessem ter qualquer reação, e sem pensar duas vezes, o Rabi Akiva Eiger começou a balançar a mesa até que sua própria taça também virou, derramando todo o conteúdo na toalha branca. Fingindo estar aborrecido consigo mesmo, ele falou em voz alta, olhando para a pessoa que havia derramado a taça:

"Não acredito, esta mesa está balançando muito, deve ser por isto que os copos caíram. Eu devia tê-la consertado antes do Seder. Me desculpe"

O convidado respirou aliviado. Com aquela enorme agilidade, o Rabi Akiva Eiger poupou sua visita de passar por uma grande vergonha pública. Ele já tinha tão internalizada a preocupação com o próximo que não foi necessário nem pensar antes de tomar aquela atitude rápida em prol da honra do próximo.

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Na Parashá desta semana, Toldot, a Torá começa a contar um pouco da vida do nosso patriarca Itzchak e sua esposa Rivka, como está escrito: "E Itzchak tinha quarenta anos quando tomou Rivka, filha de Betuel, o Arameu, de Padam Aram, e irmã de Lavan, o Arameu, como esposa para si" (Bereshit 25:20). A Torá nos ensina que tanto Betuel quanto Lavan eram pessoas desonestas e trapaceiras, que não mediam esforços para enganar os outros e sempre levar vantagem. Além disso, a Torá já havia descrito anteriormente (na Parashá da semana passada) quem eram os familiares de Rivka. Então por que repetir novamente? Não é uma vergonha para Rivka ser mencionada junto com seus parentes Reshaim (malvados)?

Explica Rashi, comentarista da Torá, que a intenção do versículo é justamente o contrário, isto é, os parentes Reshaim de Rivka foram mencionados como forma de louvá-la. Rashi, citando um Midrash (parte da Torá Oral), explica que Rivka tinha a enorme força espiritual de não aprender com os maus atos de seus parentes e vizinhos. O entendimento mais simples das palavras do Rashi é que, apesar de Rivka ter nascido em um ambiente tão ruim, em uma casa com valores tão distorcidos, ela conseguiu superar as más influências e manter sua retidão, tornando-se uma das matriarcas do povo judeu.

Porém, se nos aprofundarmos um pouco mais nas palavras do Midrash trazido por Rashi, perceberemos que não é exatamente esta ideia que a Torá quer nos transmitir. O Midrash, citando um versículo de Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos, do Rei Salomão), define Rivka como "uma rosa entre os espinhos". Se o Midrash estivesse querendo ensinar que Rivka continuou sendo Tzadiká (Justa) apesar das adversidades, então os espinhos representariam as adversidades e a rosa representaria a superação. Mas esta analogia não está correta, pois a rosa não desabrocha apesar dos espinhos, ao contrário, é a proteção dos espinhos que permite que a rosa possa se desenvolver e desabrochar. Então qual é o grande louvor que o versículo está nos ensinando sobre Rivka?

Segundo o Rav Yochanan Zweig, para responder esta pergunta precisamos fazer uma análise psicológica dos Arameus, o povo da região onde Rivka vivia. O Talmud (Meguilá 13b) define Lavan, o irmão de Rivka, como sendo um "Ramai" (trapaceiro). A palavra "Ramai" contém exatamente as mesmas letras da palavra "Arami" (Arameu). Isto significa que não apenas Lavan era desonesto, mas todas as pessoas daquela região também eram trapaceiras. Porém, é necessário fazer uma distinção entre um ladrão e um "Ramai". O ladrão, quando age, em nenhum momento finge que suas ações são pelo bem da vítima. Já o "Ramai" se faz passar por alguém de confiança. Ele tem a habilidade de enganar a vítima, fazendo-a pensar que ela está ganhando algo, enquanto está na verdade sendo trapaceada. Somente mais tarde é que a vítima percebe que foi enganada. Para que um "Ramai" consiga cometer crimes desta maneira, é necessário que ele saiba exatamente o que a vítima está pensando. Ele precisa desenvolver a habilidade de ver as coisas a partir da perspectiva do outro. Esta característica era dominante entre os Arameus, e foi neste ambiente que Rivka cresceu.

Mas então surge outra pergunta: se Avraham sabia que todas as pessoas daquela região eram trapaceiras e enganadoras, por que pediu para que fosse trazida uma esposa para seu filho Itzchak justamente de lá? Que tipo de qualidades ele esperava de alguém que vivia naquele ambiente tão negativo?

Ensinam os nossos sábios que todas as características, mesmo as mais negativas, também podem ser utilizadas de maneira positiva. Até mesmo a característica de ser um "Ramai", apesar de normalmente ser utilizada para enganar e trapacear, também pode ser usada de maneira construtiva. Os maiores atos de bondade são feitos pelas pessoas que desenvolvem uma sensibilidade em relação às necessidades do próximo. Rivka utilizou a habilidade de um "Ramai", isto é, de entender profundamente a cabeça da outra pessoa, de ver a situação com os olhos do outro, para atingir um alto grau de sensibilidade com as necessidades do próximo. Esta era a característica que Avraham queria para a esposa do seu filho, para que fosse futuramente transmitida, através da "genética espiritual" dos patriarcas, ao povo judeu.

Portanto, esta é a mensagem mais profunda do Midrash citado pelo Rashi. A característica negativa de ser um "Ramai" são os espinhos. Quando Rivka chegou ao nível de ser uma "rosa", isto é, uma das matriarcas do povo judeu, não foi apesar de ter vivido com pessoas trapaceiras, mas justamente por causa disso, por ter aprendido com os arameus, trapaceiros e desonestos, a entender o coração e as necessidades do próximo. Isto permitiu que ela chegasse a um nível de Chessed (bondade) muito elevado.

Esta capacidade dos Arameus de enxergar as coisas a partir da perspectiva do outro pode ser percebida até mesmo em algumas sutilezas de sua linguagem, o aramaico. Há na Torá um versículo difícil de ser entendido: "Um homem que tiver relações com sua irmã... é um 'Chessed', e eles devem ser banidos diante do seu povo" (Vayikra 20:17). A tradução de "Chessed", em hebraico, é "bondade". Como este versículo pode estar ensinando que este tipo de relacionamento, que envolve relações ilícitas, uma abominação aos olhos de D'us, é uma bondade? Explica Rashi que a linguagem "Chessed" em aramaico significa vergonha, e é isto o que o versículo está ensinando, que este relacionamento é uma grande vergonha. Mas por que a palavra Chessed tem sentidos tão contraditórios e, enquanto em hebraico tem uma conotação tão positiva, em aramaico é tão negativo? E por que o versículo escreveu uma palavra com o seu significado em aramaico e não em hebraico?

Responde o Rav Yochanan Zweig que os sentidos da palavra Chessed em hebraico e em aramaico não são contraditórios, e sim complementares. O sentido em hebraico foca na perspectiva daquele que faz a bondade, pois aquele que faz o bem ao próximo se sente preenchido com seu ato, enquanto o sentido em aramaico foca na perspectiva daquele que recebe a bondade, pois quem precisa estender a mão para receber ajuda sente vergonha.

Quando a Torá utiliza a palavra Chessed em aramaico, ela nos ensina que quando vamos fazer bondades, devemos ter a sensibilidade com a vergonha daquele que está recebendo. O ideal é tentar sempre fazer o Chessed de uma maneira que não envergonhe aquele que recebe, como doar de forma que a pessoa que recebeu não saiba quem está doando. Mas o maior nível de Chessed é, ao invés de dar algo pronto, ajudar a pessoa necessitada a conquistar o que lhe falta, para que ela não precise mais passar pela vergonha de pedir ajuda aos outros. Por exemplo, ao invés de dar esmola para um pobre todo mês, podemos ajudá-lo a conseguir um emprego, para que ele receba seu sustento de forma honrosa, sem sentir nenhum tipo de vergonha nem depender de ninguém.

Este é o incrível ensinamento da Parashá: para fazer Chessed de verdade não é suficiente apenas a vontade de fazer o bem, mas também é necessário a sensibilidade para evitar causar qualquer tipo de vergonha ou constrangimento para aquele que recebe. Somente assim poderemos sentir a alegria verdadeira de ter feito a bondade de maneira completa.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Gn. 25:19-28:9, Ml. 1:1-2:7, Rm.9:1-13