sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RECATO EM TODOS OS ATOS - PARASHÁ TETZAVÊ E PURIM 5775

"Um Gabai Tzedaká (pessoa que recolhe dinheiro para distribuir aos necessitados) foi certa vez até a casa de um homem muito rico para pedir dinheiro para sua organização, que distribuía comida de Shabat para famílias carentes. O homem rico, após ouvir a diferença que sua doação poderia fazer para muitas famílias necessitadas, ofereceu doar quinhentos dólares, mas com a condição que o Gabai revelasse o nome das pessoas para quem o dinheiro iria. O Gabai se desculpou, afirmando que a organização não divulgava a identidade das pessoas que eram ajudadas. O homem rico ainda tentou insistir, aumentando a oferta de doação para mil dólares, mas exigindo em troca saber quem estaria desfrutando do Shabat por causa de sua doação. Novamente o Gabai se desculpou e se negou a lhe dar este tipo de informação. O homem rico então se exaltou e falou em voz alta e firme:

- Escute, vou doar dez mil dólares para sua organização, mas com uma condição: eu tenho o direito de saber quem eu estou ajudando com o meu dinheiro!
- Nós nunca divulgamos e nunca divulgaremos as identidades das pessoas que nós ajudamos - respondeu o Gabai, sem perder a calma - Você pode me oferecer até mesmo um milhão de dólares, e ainda assim eu não vou revelar a você para quem o seu dinheiro está indo.

Ao escutar a resposta do Gabai, o homem rico baixou a voz e disse, quase sussurrando:

- Agora eu vejo que posso realmente confiar em você. Por favor, me coloque na sua lista de pessoas que necessitam ser ajudadas. Todos pensam que eu ainda sou rico, mas na realidade eu perdi todo o meu dinheiro no mercado de ações. Eu tinha vergonha de te procurar, pois não queria que as pessoas ficassem sabendo. Mas agora eu sei que vai ser realmente mantido em segredo..."

É muito importante desenvolver nossa sensibilidade com o próximo e controlar o que falamos, mesmo que a consequência seja perder oportunidades ou até mesmo dinheiro (História Real).
******************************************
Nesta semana lemos a Parashá Tetzavê, que descreve as roupas que os Cohanim (sacerdotes) e o Cohen Gadol (Sumo sacerdote) utilizavam durante os Serviços Divinos feitos no Mishkan (Templo Móvel). E na próxima 4ª feira de noite (04 de março) começa a festa de Purim, na qual relembramos a incrível salvação do povo judeu nos dias de Mordechai e Esther. Haman, descendente do povo de Amalek, o maior inimigo do povo judeu, havia decretado a "Solução Final" dos judeus da Pérsia, mas D'us, de forma oculta, nos salvou. Normalmente a festa de Purim coincide com a Parashá Tetzavê. Qual a conexão entre elas?
A Meguilat Esther, que conta a história de Purim, é composta por vários acontecimentos que isoladamente parecem irrelevantes, mas quando conectados demonstram que tudo estava sendo orquestrado de forma magistral por D'us. A história descreve o exílio do povo judeu na época do Rei Achashverosh, o governador do Império Persa. Após ser desacatado por sua esposa, a rainha Vashti, o Rei Achashverosh decidiu matá-la e coroar outra rainha em seu lugar. Centenas de jovens foram levadas ao palácio real para um concurso, e entre elas estava Esther, uma moça judia. Mas a Meguilá nos conta um detalhe interessante: Esther não quis revelar sua origem e seu povo. Por que ela guardou este segredo?

A resposta está em um pequeno detalhe da Parashá Tetzavê. Uma das oito roupas que o Cohen Gadol usava chamava-se "Choshen" (Peitoral), e era composta por engastes de ouro nos quais eram colocadas 12 pedras preciosas, onde cada pedra representava uma das tribos de Israel. Segundo o Midrash (parte da Torá Oral), a última pedra do "Choshen", chamada de "Yashpe" (jaspe), estava relacionada com a Tribo de Biniamin. O Midrash explica que o nome "Yashpe" é uma contração das palavras "Yesh" e "Pe", que literalmente significam "tem boca". Por que justamente esta pedra preciosa foi escolhida para representar a Tribo de Biniamin? Pois seu nome reflete um louvável traço de caráter demonstrado por Biniamin, um dos filhos de Yaacov. O Midrash nos conta que, apesar de Biniamin saber que seu irmão Yossef havia sido vendido como escravo por seus próprios irmãos, ele nunca revelou isto para seu pai. Portanto, ele foi louvado pelo seu silêncio.

Porém, este ensinamento do Midrash levanta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, se Biniamin estava sendo louvado pelo seu silêncio, por que a pedra preciosa que o representava era chamada de "Yashpe", que significa "tem boca"? Não seria mais apropriado o nome da pedra ser "Einpe", que significa "não tem boca"? E que bom traço de caráter Biniamin demonstrou através do seu silêncio?

Explica o Rav Yochanan Zweig que para entender qual é o bom traço de caráter de Biniamin precisamos observar o comportamento de sua mãe, Rachel, quando ela estava em um momento de enorme pressão. O Talmud (Meguilá 13b) nos ensina que quando Yaacov decidiu casar-se com Rachel, ele suspeitou que seu sogro Lavan utilizaria todos os tipos de artimanhas e malandragens para  substituir Rachel por sua irmã Lea. Como medida preventiva, Yaacov deu a Rachel uma senha secreta que a identificaria na noite do casamento. Mas ao levar em consideração a humilhação pública que sua irmã passaria, Rachel revelou para Lea a senha secreta, permitindo que a enganação de Lavan tivesse sucesso. O Talmud identifica o comportamento de Rachel como um exemplo de "Tzniut" (recato), e afirma que por causa desta "Tzniut" ela meritou grandes descendentes que também demonstraram atos exemplares de "Tzniut". O Talmud cita como exemplo a rainha Esther, que demonstrou sua "Tzniut" ao não revelar sua origem e seu povo durante o concurso de escolha da nova rainha. Mas o que o ato de Rachel, e principalmente o de Esther, tem a ver com "Tzniut"?

Normalmente "Tzniut" é definido como sendo um "código de recato", que determina a forma de como vamos nos vestir e nos comportar. Olhamos a "Tzniut" como uma obrigação apenas na área de "Bein Adam LaMakom" (entre a pessoa e D'us). Porém, o Talmud está aumentando a abrangência do conceito de "Tzniut", incluindo na exigência de recato também obrigações na área de "Bein Adam Lehaveiró" (entre a pessoa e seu semelhante), isto é, dando à "Tzniut" uma responsabilidade social.

As leis de "Tzniut" exigem que a pessoa viva de uma maneira que ela não invada o espaço dos outros. Nossas ações devem ser medidas em termos de como elas vão impactar os outros, e isto deve levar em consideração a sensibilidade de cada um. A maneira de se vestir exigida pela Halachá (Lei judaica) não é ditada apenas por quanto do nosso corpo deve estar coberto, mas também leva em conta a consciência social de que se vestir de uma maneira provocativa pode ser um ataque à sensibilidade dos outros. Roupas que atendem às especificações "Haláchicas" em termos do comprimento das peças ainda assim podem transgredir as leis de "Tzniut" se forem roupas que chamam muita atenção.

Mas permanecer dentro do nosso próprio espaço e não invadir o espaço dos outros não se aplica apenas ao vestuário. A fala é uma área na qual temos muita dificuldade para levar em consideração a sensibilidade dos outros. Frequentemente nós falamos por causa do benefício que teremos com o que estamos dizendo, mas não percebemos que podemos estar causando danos aos outros com o conteúdo, o volume de voz e o quanto nos alongamos nas nossas conversas.

Todos os exemplos de "Tzniut" atribuídos à nossa matriarca Rachel e seus descendentes envolvem o domínio sobre as palavras pronunciadas. No caso de Rachel, foi ressaltado o fato de ela ter conseguido o discernimento do tempo correto para divulgar informações importantes. Em relação aos seus descendentes, foram ressaltadas suas habilidades de se abster de revelar informações, mesmo envolvendo custos pessoais. De acordo com o Rav Yochanan Zweig, o motivo de Esther não ter revelado sua origem foi porque ela tinha uma ascendência real, era descendente direta de Shaul Hamelech, o primeiro rei de Israel. Ela entendeu que revelar esta informação colocaria as outras participantes do concurso em desvantagem, e por isso ficou quieta. Assim Esther demonstrou que havia herdado de Rachel as características de "Tzniut", isto é, a sensibilidade com o próximo mesmo quando isto envolve uma perda pessoal.

E onde vemos a "Tzniut" de Biniamin? Uma pessoa que passou por uma experiência terrivelmente traumática frequentemente é incapaz de falar abertamente sobre o tema, pelo medo que, ao trazer novamente o assunto à tona, isto causará com que a experiência negativa seja reavivada. Uma das formas de superar este medo é conversando com uma pessoa que se preocupa com ela, pois isso ajuda a aliviar um pouco o peso do trauma. Biniamin certamente passou por uma experiência tremendamente traumática quando seu único irmão materno, Yossef, foi vendido como escravo por seus irmãos paternos. Foi uma perda irreparável para Biniamin, e o único com quem ele poderia dividir seus sentimentos era seu pai. Mesmo assim, o Midrash nos ensina que ele se conteve e não falou nada para seu pai.

Ao atibuir a "Yashpe" como a pedra preciosa que representa Biniamin, a Torá está atestando que o motivo pelo qual Biniamin não contou ao seu pai sobre o destino verdadeiro do seu irmão não foi o resultado de sua inabilidade de lidar com o seu trauma. Ao contrário, a Torá ressalta que "Yesh pe", "tem boca", isto é, Biniamim tinha todas as condições psicológicas de lidar com seu trauma e contar tudo o que sabia para o seu pai. Embora ele certamente obteria um enorme benefício emocional ao desabafar com seu pai, a consciência da dor que seu pai sentiria quando ficasse claro para ele o terrível ato de seus filhos fez com que Biniamin decidisse permanecer calado. Esta sensibilidade aguçada de proteger os outros da dor, mesmo que o preço seja um sacrifício pessoal, deriva da perfeição do traço de caráter de "Tzniut" que Biniamin herdou de sua mãe.

Da Parashá aprendemos que tão importante quanto a "Tzniut" das nossas roupas é a "Tzniut" das nossas bocas. Precisamos nos cuidar muito com o que falamos, como falamos e porque falamos, para que nossas palavras não sejam piores do que o nosso silêncio.

SHABAT SHALOM e PURIM SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
 http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 27:20-30:10, Ez.43:10-27
 
 
 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

TZEDAKÁ NUNCA É DEMAIS - PARASHÁ TERUMÁ 5775

"O Rav Yoel Teitelbaum zt"l (Império Austro-Húngaro, 1887 - EUA, 1979), mais conhecido como Satmer Rebe, foi um dos maiores "Gabaim Tzedaká" (pessoa que recolhe fundos para distribuir aos necessitados) de sua geração. Todo o dinheiro que chegava às suas mãos, milhares de dólares todos os meses, era imediatamente distribuído entre os pobres e necessitados.

Certa vez chegou ao Rebe de Satmer um homem muito pobre, que começou a se queixar das adversidades e dificuldades pelas quais passava na vida. Comentou que havia perdido precocemente sua esposa, e ela havia deixado vários órfãos sob seus cuidados. Disse também que era manco de uma perna, o que causava muita dificuldade para conseguir um bom emprego. Falou ainda que não tinha nem mesmo condições para comprar comida para alimentar seus filhos pequenos. Após desabafar por alguns minutos, com os olhos cheios de lágrimas, o homem estendeu a mão ao Rebe de Satmer para receber algum dinheiro. Como de costume, o Rebe de Satmer ficou muito sensibilizado e deu àquele homem uma boa quantia de dinheiro. Ele se despediu do pobre com muitas Brachót, desejando que sua situação melhorasse. O homem pobre agradeceu e saiu de lá mancando.

Após alguns minutos entrou na sala do Rebe de Satmer o zelador da sinagoga. Como ele estava aflito e visivelmente alterado, o Rebe percebeu que havia algo errado. O homem, quase sem fôlego, começou a falar:

- Rebe, sabe aquele homem que saiu daqui há alguns minutos, dizendo que era manco? Ele é um mentiroso! Eu o vi saindo da sinagoga mancando, mas quando ele virou a esquina, apoiou o pé no chão e começou a andar normalmente! Além disso, ele disse que era viúvo, mas sua esposa o estava esperando na esquina. Rebe, tudo o que ele contou é mentira!!!

O zelador da sinagoga viu que o Rebe ficou agitado com o que escutou. Ele achou que o Rebe o mandaria correr atrás daquele homem para recuperar o dinheiro, já que tratava-se de um impostor. Mas, para sua surpresa, o Rebe deu um grande suspiro e disse:

- Uau, que enorme alegria você me deu com esta notícia. Baruch Hashem que este homem não é manco, que ele não é viúvo, e que não existem as dificuldades que ele contou…"

Quando damos Tzedaká (caridade) para uma pessoa necessitada, o principal que devemos usar não é a carteira, e sim o coração. 
******************************************

Na Parashá desta semana, Terumá, a Torá começa a descrever a construção do Mishkan (Templo Móvel), o lugar onde residia a Presença Divina. O Mishkan também era o local onde eram feitos vários Serviços Divinos, como a oferenda de Korbanót (sacrifícios), a oferenda de incensos e o acendimento da Menorá. Para estes Serviços Divinos foram construídos, junto com a estrutura do Mishkan, vários utensílios, tais como o altar de sacrifícios, o altar de incensos e a Menorá, feitos de ouro puro ou de outros materiais nobres. De onde saíram estes materiais nobres utilizados na construção do Mishkan e de seus utensílios?

A resposta está nas primeiras palavras da Parashá: "Fale com os Filhos de Israel e peguem para mim uma doação" (Shemot 25:2). Todos os materiais para a construção do Mishkan e seus utensílios foram doados pelo povo, e cada um doou de acordo com sua vontade. Estes materiais nobres vieram dos objetos preciosos que os judeus pegaram dos egípcios quando estavam saindo do Egito. Nossos sábios ressaltam que há algo interessante na palavra "Terumá" (תרומה), que significa "doação". As mesmas letras desta palavra, rearranjadas, formam a palavra "Hamotar" (המותר), que significa "o excesso". Qual a relação entre doações e excessos?

Explica o Rav Ytzchak Zilberstain shlita que quando D'us nos julga, Ele utiliza duas medidas: Din (Julgamento) e Cheshbon (Cálculos). Din é o julgamento que leva em consideração somente o ato no momento em que a pessoa o cometeu, enquanto Cheshbon é o julgamento que também leva em consideração os atos da pessoa em outros momentos. Por exemplo, quando alguém com necessidades financeiras pede ajuda a uma pessoa e ela se nega a ajudar, argumentando que não tem condições financeiras, neste momento esta pessoa é julgada por D'us por sua omissão. Como o Din julga a pessoa apenas naquele momento, isto dá para ela o benefício da dúvida e é levada em consideração a possibilidade da pessoa realmente não ter condições de ajudar por estar "apertada". Mas este julgamento não é encerrado imediatamente, ele fica suspenso, até que na semana seguinte esta mesma pessoa passa o dia inteiro no shopping, "torrando" dinheiro em coisas completamente supérfluas. Neste momento entra o Cheshbon, e a pessoa passa a ser duramente questionada: por que ela não foi comedida nos seus gastos do shopping da mesma maneira que foi comedida nos seus gastos de doação aos necessitados? Onde foi parar a dificuldade financeira que não a deixava ajudar os pobres? O Cheshbon prova que, na verdade, a "falta de dinheiro" era apenas uma desculpa egoísta para não ajudar alguém com necessidades.

Este conceito ajuda a responder nossa pergunta. Quando D'us encontra na casa de uma pessoa certos excessos, esta pessoa é imediatamente colocada em um grande teste. Pelos móveis caros da casa, é perceptível que o dono não se importa em gastar dinheiro e está disposto a esbanjar, sem peso na consciência, altas quantias em coisas completamente desnecessárias e luxos apenas ostensivos. Isto é considerado "excesso", pois a pessoa não necessita realmente de grande parte das coisas que compra. Então D'us fica aguardando o momento em que um pobre ou alguém recolhendo dinheiro para alguma causa importante for bater na porta daquela pessoa. Neste momento, no qual a pessoa tem a possibilidade de gastar seu dinheiro fazendo uma doação, D'us observa se a quantia doada será proporcional aos gastos com as coisas supérfluas da casa. Será que a mesma característica de ser "mão aberta" demonstrado na compra daquele magnífico sofá na loja mais cara da cidade se repetirá quando o assunto em questão for os gastos com Mitzvót?

Portanto, esta é a relação entre "doação" e "excesso". Enquanto para os nossos luxos pessoais, nosso "excessos", não medimos gastos, será que o mesmo acontece em relação à nossa ajuda aos necessitados? Nosso Ipad precisa ser o mais moderno e o nosso Iphone precisa ser o mais atual, mas será que nossos gastos com Tzedaká também são assim tão "caprichados"? Achamos que testes são apenas as dificuldades e os desafios pelos quais passamos, mas na verdade todas as coisas boas que D'us nos dá também são testes. Por exemplo, quando Ele nos dá dinheiro em abundância, Ele está testando se utilizaremos a Brachá (benção) que recebemos para também beneficiar pessoas menos favorecidas ou se utilizaremos de forma egoísta o que Ele nos presenteou. Por isso nossos sábios nos advertem que o teste da abundância é ainda mais difícil do que o teste da escassez.

Porém, se por um lado vimos que há uma enorme cobrança se tivermos a possibilidade e não dermos Tzedaká aos necessitados, por outro lado nossos sábios ressaltam os enormes benefícios recebidos por aqueles que dão Tzedaká e ajudam a sustentar os pobres e necessitados. Quando cumprimos qualquer Mitzvá da Torá, os méritos adquiridos ficam guardados para o Olam Habá (Mundo Vindouro), mas neste mundo não recebemos nenhum tipo de recompensa, como afirma o Talmud (Kidushin 39b) "Não há recompensa pelas Mitzvót neste mundo". Outra fonte do Talmud (Eruvin 22a) também afirma: "Hoje (no Mundo Material) é para cumpri-las (as Mitzvót), e amanhã (no Mundo Vindouro) é para receber suas recompensas". Mas em relação à Mitzvá de Tzedaká o Talmud (Taanit 9a) afirma: "Doe seu dízimo (aos pobres e necessitados) para que você possa enriquecer". Isto quer dizer que, diferente do que ocorre nas outras Mitzvót, aquele que dá Tzedaká já recebe uma recompensa neste mundo, sem perder o que está guardado para ele no Mundo Vindouro.

A palavra "Tzedaká" normalmente é traduzida como "caridade", mas a tradução correta é "justiça". Significa que, quando uma pessoa que recebeu de D'us muitos bens ajuda alguém em piores condições, ela não está fazendo uma bondade, e sim um ato de justiça. Afinal, para que D'us deu para ela tanto dinheiro, para que ela gastasse de forma egoísta com excessos ou para que utilizasse para transformar este mundo em um lugar melhor? É indiscutível que o mundo material nos dá muitos prazeres, mas certamente não há prazer e alegria maior do que saber que fizemos a diferença na vida de alguém que precisava de ajuda.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Ex. 25:1-27:19, 1 Rs. 5:12 -6:13

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

INTEIRO E NÃO PELA METADE - PARASHÁ MISHPATIM 5775

"Certa vez Eliezer, um jovem estudante de Torá, aprendeu uma grande lição sobre como fazer Chessed (bondade) com os necessitados. Ele foi convidado para comer uma Seudá (refeição) de Shabat na casa do Sr. Stern (nome fictício), no mesmo Shabat em que o dono da casa também tinha convidado um homem pobre para a Seudá. Após o primeiro prato, onde apenas alguns pedaços de pão e saladinhas haviam sido servidos, o Sr. Stern animadamente começou a cantar músicas de Shabat. Uma música, duas músicas, três músicas se passaram, mas a animação do Sr. Stern não passava. Já na quinta música o pobre, não aguentando mais de fome, desabafou:

- Por favor, chega de músicas e vamos para o próximo prato de comida!

O Sr. Stern olhou para o pobre, incrédulo, e respondeu rispidamente:

- Por favor, um pouco de Derech Eretz (bons modos), meu amigo!

A esposa do Sr. Stern, que estava na cozinha, ao escutar a discussão na sala, entrou e disse para o marido:

- Querido, não entendi. Você convidou este senhor para te ouvir cantando, para ensiná-lo a se portar com Derech Eretz ou para alimentá-lo?" (História Real).

Quando fazemos bondades, precisamos fazer de maneira completa, dando a cada um o que ele realmente necessita, e não o que nós achamos que é importante.
******************************************

Nesta semana lemos a Parashá Mishpatim, que traz muitas Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante), entre elas algumas Mitzvót associadas ao empréstimo de dinheiro, como está escrito: "Quando você emprestar dinheiro para o Meu povo, para a pessoa pobre que estiver com você, não se comporte com ele como um credor; não coloque juros sobre ele. E se você pegar as roupas do seu companheiro como garantia, até o por do sol você deve devolver a ele, pois é a única vestimenta dele, é a roupa para sua pele, com o que ele se deitará? Porque se ele gritar para Mim, Eu escutarei, pois Eu sou misericordioso" (Shemot 22:24-26).

Superficialmente, estes versículos nos ensinam algumas Mitzvót simples e fáceis de serem entendidas. Porém, se refletirmos um pouco, nos despertam alguns questionamentos. Em primeiro lugar, vemos que a Torá incluiu outras Mitzvót, como a Mitzvá de devolver o objeto penhorado e a proibição de cobrar juros, junto com a Mitzvá de emprestar dinheiro, como forma de garantir que o Chessed (bondade) seja feito de maneira completa. Mas por que a Torá se preocupou com isso? O importante não é apenas fazer bondade, mesmo que não seja de forma completa?

Além disso, estas Mitzvót associadas ao empréstimo de dinheiro também despertam questionamentos. Por exemplo, está escrito "não se comporte com ele como um credor". Explica o Rav Shlomo Itzchaki zt"l (França, 1040 - 1105), mais conhecido como Rashi, que se sabemos que a pessoa está passando por dificuldades no momento e é incapaz de devolver o empréstimo, não devemos pressioná-la mesmo que tenha chegado o prazo do pagamento. Ao contrário, Rashi ressalta que devemos fazê-la se sentir como se o empréstimo nunca tivesse acontecido, para não envergonhá-la. Mas este ensinamento é estranho, pois se chegou a data combinada para o pagamento, por que o credor não pode cobrar a dívida? É errado querer receber o próprio dinheiro de volta?

Outro ponto intrigante é a proibição de cobrar juros. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina o quanto cobrar juros é grave. De acordo com o Midrash, sempre que alguém comete uma transgressão, os anjos do Céu tentam procurar méritos para o transgressor, para aliviar as consequências espirituais. Mas se a transgressão for a cobrança de juros, os anjos não procuram nenhum mérito para o transgressor. Porém, por que cobrar juros é proibido, se uma pessoa que está em uma situação difícil, precisando urgentemente de dinheiro, não se importa em pagar um pouco a mais quando estiver em uma situação mais confortável? Apesar disso, por algum motivo a Torá proíbe, de maneira muito rigorosa, o empréstimo a juros, mesmo que seja com taxas muito baixas. Por que tanta rigorosidade se, afinal, a pessoa fez uma bondade com o próximo necessitado?

Finalmente aprendemos dos versículos que, ao pegarmos uma roupa como garantia de pagamento de um empréstimo, se esta for a única roupa que a pessoa tem para usar, somos obrigados a devolver nos momentos em que ela necessitar da roupa. Por exemplo, se a garantia for um cobertor, ele pode ficar na posse do credor durante o dia, mas todas as noites o cobertor deve ser devolvido para que a pessoa possa se cobrir. Porém, esta lei aparentemente anula todo o propósito do devedor deixar um objeto como garantia, pois se ele pode continuar utilizando o objeto normalmente todas as vezes em que necessitar, ele fica muito menos motivado a pagar o empréstimo. Apesar de parecer contraditório, mesmo assim a Torá exige que o objeto penhorado seja devolvido ao seu dono sempre que ele precisar. Portanto, qual é a lógica destas Mitzvót associadas à Mitzvá de emprestar dinheiro ao necessitado e o que elas vêm nos ensinar?

Explica o Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) que a Parashá está nos ensinando a como fazer Chessed da maneira correta. O ponto em comum  entre todas estas leis é que elas ressaltam a importância de, quando fazemos um ato de Chessed, fazê-lo da maneira mais completa possível, pois um Chessed "defeituoso" diminui muito seu impacto positivo sobre a pessoa que recebe. Por isso, mesmo esta incrível Mitzvá de emprestar dinheiro para alguém necessitado precisa ser feita com extremo cuidado, sem pressionar de nenhuma maneira a pessoa. Mas não vemos o mesmo nível de cobrança com a pessoa que nem mesmo faz Chessed. Como pode ser que o "meio Chessed" pode ser mais grave do que não fazer Chessed?

Há um ensinamento interessante e enigmático do Talmud (parte da Torá Oral) que talvez nos ajude a responder esta pergunta. O Talmud (Sotá 13b) afirma que uma pessoa que começa uma Mitzvá mas não a termina é punido de uma maneira muito severa. Porém, por que um castigo tão duro para alguém que pelo menos começou a Mitzvá, se aquele que não faz nada da Mitzvá não é punido de maneira tão rígida? Explica o Rav Moshe Shterenbuch shlita que nosso julgamento depende da claridade que temos sobre o que é certo e o que é errado. Quanto maior a claridade, maior o nível de cobrança. Aquele que iniciou uma Mitzvá demonstra que, por querer cumpri-la, ele aprecia o valor da Mitzvá. Portanto, se ele deixa de terminá-la, é como se estivesse desprezando algo que ele sabe que é muito elevado e importante, e por isso o castigo é tão severo. Já aquele que nem começou a Mitzvá é considerado alguém que ainda não entende a importância das Mitzvót, que não tem claridade, e por isso é julgado de uma maneira mais leniente.

De acordo com o Rav Chaim Shmulevitz, o mesmo se aplica aos atos de Chessed. Quanto mais a pessoa sabe o verdadeiro valor do Chessed e sua importância, mais rigidamente ele é tratado caso não faça o Chessed da maneira correta. É por isso que aquele que cobra juros, que pressiona o devedor ou que não devolve o objeto tomado como garantia, apesar de apreciar o valor de um ato de Chessed, ao mesmo tempo despreza este ato ao fazê-lo de maneira incompleta, pois junto com a bondade vem algum tipo de sofrimento ao devedor. Já aquele que nem se ocupa em fazer bondades demonstra que não entendeu o valor verdadeiro deste ato e, por isso, é tratado de forma menos rigorosa.

Portanto, fica um importante ensinamento para as nossas vidas: quando decidimos fazer Chessed com outra pessoa, é muito importante nos esforçarmos ao máximo para aumentar os efeitos positivos deste Chessed e não deixar que nenhuma mancha diminua o verdadeiro valor deste belo ato. Parece algo teórico, mas este conceito certamente se aplica a muitas situações cotidianas. Por exemplo, quando alguém nos pede uma ajuda ou qualquer tipo de favor e nós, apesar de aceitarmos, o fazemos com relutância, demonstrando que não estamos fazendo com muita vontade. Embora seja de qualquer maneira uma bondade, esta relutância causa certo incômodo naquele que pediu o favor, pois ele se sente desconfortável de ter causado um inconveniente. Por isso devemos sempre nos esforçar para ajudar os outros com um sorriso no rosto, mesmo quando nos pedem algo difícil ou trabalhoso. Isto aumenta muito os benefícios do Chessed que fazemos, pois além de ajudar a pessoa necessitada, não a deixamos com a consciência pesada por ter nos incomodado.

O mesmo se aplica quando damos uma Tzedaká (caridade) para um pobre. Temos que saber que é humilhante para uma pessoa ter que pedir dinheiro, e se damos a Tzedaká com a cara fechada, como se fosse um grande peso, a ajuda vem com uma carga negativa. Por isso, sempre que damos Tzedaká, devemos fazer com um sorriso no rosto. O próprio Talmud (Baba Batra 9b) afirma que aquele que dá Tzedaká sem entusiasmo recebe 6 Brachót, mas aquele que dá com um sorriso e com alegria recebe 17 Brachót, quase o triplo! Isto acontece pois aquele que faz Chessed sem entusiasmo diminui muito o efeito da sua bondade, enquanto aquele que faz Chessed com um sorriso demonstra o quanto ele realmente valoriza o ato de ajudar o próximo. Quando nos importamos de verdade com os necessitados, D'us também se preocupa com as nossas necessidades. Mas se ignoramos o que os outros necessitam, certamente também nossas próprias necessidades serão ignoradas por D'us.

O versículo termina com as palavras "porque se ele gritar para Mim, Eu escutarei, pois Eu sou misericordioso", para nos ensinar que, mesmo se fizermos uma grande bondade, se junto com isso causarmos também sofrimento e humilhação para a pessoa beneficiada, então seremos cobrados. Daqui aprendemos que não adianta fazermos "meias bondades" na vida. Se queremos de verdade ajudar alguém, deve ser como todo nosso coração e com toda a nossa força, com um sorriso no rosto, para que aquele que recebe as bondades possa se sentir feliz de maneira completa, e não pela metade.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Ex. 21:1-24:18, Jr 34:8-22, 33:25-26

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O BEM ESTAR DOS OUTROS - PARASHÁ ITRÓ 5775

"O Sr. Johnson pediu para conversar com seu supervisor e foi convidado a ir à sala dele. O Sr. Johnson estava com uma expressão séria no rosto quando entrou, e começou a falar:

- Chefe, tenho um pedido importante para fazer. Amanhã minha esposa está planejando fazer uma grande arrumação e limpeza em casa. Ela me pediu ajuda, e me deixou responsável pela limpeza da garagem e do sótão, e certamente será um trabalho duro, que inclui empurrar móveis pesados de um lado para o outro, empacotar coisas e jogar muito lixo fora. Além disso, ela me disse que precisa de ajuda para cuidar das crianças, mantê-las ocupadas, dar comida e banho nelas. Por isso, preciso que você me dispense amanhã do trabalho para que eu possa ajudá-la.

- Johnson - respondeu o chefe - você é um ótimo funcionário e eu entendo a necessidade de sua esposa. Porém, infelizmente estamos atualmente com poucos funcionários e não temos ninguém para te substituir. Por isso, não posso te dispensar de jeito nenhum amanhã, me desculpe.

Para a surpresa do supervisor, que esperava uma reação de nervosismo e irritação, Johnson imediatamente abriu um enorme sorriso, deu um grande abraço no supervisor e disse:

- Obrigado, chefe. Sabia que eu podia contar com você..."

Será que nos nossos relacionamentos estamos realmente preocupados com as necessidades dos outros e sempre buscando formas de ajudar, ou preferimos buscar formas de nos isentar das nossas responsabilidades?

******************************************

 Nesta semana lemos a Parashá Itró. Entre outros assuntos, a Parashá traz os Dez Mandamentos, entregues ao povo judeu na primeira e última vez na história da humanidade na qual D'us se revelou a um povo inteiro. Estes mandamentos são fundamentais para a nossa conduta, tanto em relação à D'us quanto em relação ao próximo. D'us dividiu os Mandamentos em duas tábuas, cinco Mandamentos baseados no nosso relacionamento com Ele e cinco Mandamentos baseados no nosso relacionamento com o próximo, justamente para nos ensinar como o nosso relacionamento com o próximo é tão importante aos olhos de D'us.

O primeiro mandamento, que é a base para todas as Mitzvót da Torá, nos chama a atenção em seus detalhes. Está escrito: "Eu sou Hashem, teu D'us, que te tirou do Egito" (Shemot 20:2). Este Mandamento exige de nós Emuná, a crença de que existe um Criador, que criou todo o Universo e controla cada pequeno detalhe de tudo o que ocorre com "Hashgachá Prati" (Supervisão Particular). Mas por que está escrito que Hashem é o D'us que nos tirou do Egito? Não teria sido mais apropriado Hashem ter se definido como o D'us que criou o Universo? Se D'us é definido como o Criador, isto O coloca como o único responsável por toda a existência, mas se Ele é definido como Aquele que nos tirou do Egito, isto O coloca apenas como o responsável por um evento histórico, algo muito menor, que não expressa a verdadeira grandeza Dele. Portanto, por que utilizar esta expressão logo no primeiro Mandamento?

O Rav Shlomo Itzchaki zt"l (França, 1040 - 1105), mais conhecido como Rashi, traz duas explicações. Em primeiro lugar, Rashi explica que é como se D'us estivesse dizendo ao povo judeu: "Eu sou o D'us que tirou vocês do Egito, e isto já é razão suficiente para que vocês sirvam a Mim". Aparentemente Rashi está explicando que nós somos obrigados a servir a D'us pelo fato Dele ter nos salvado da tirania do Faraó. Rashi traz também outra explicação, baseada em um Midrash (parte da Torá Oral) que afirma que quando D'us estava punindo os egípcios, Ele apareceu ao povo judeu como um "homem de guerra", enquanto no Monte Sinai, no momento da entrega da Torá, Ele apareceu como um "homem idoso cheio de misericórdia". Como havia o risco de o povo judeu achar que existiam duas divindades independentes, então D'us fez questão de afirmar "Eu sou o D'us que tirou vocês do Egito", isto é, existe apenas um único D'us, que se manifestou de forma diferente nas duas ocasiões. D'us estava se identificando no Monte Sinai como sendo aquela mesma força que havia tirado o povo judeu do Egito, para desfazer qualquer mal entendido.

Porém, há algo aparentemente contraditório nas duas explicações trazidas por Rashi. Se o Midrash afirma que D'us apareceu para o povo judeu no Monte Sinai como um idoso cheio de misericórdia, então como este idoso misericordioso estava afirmando que o povo judeu deveria se subjugar a Ele? Não parecem ideias contrárias, alguém demandando subserviência e, ao mesmo tempo, sendo um ancião misericordioso?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está no entendimento correto das palavras do Rashi. Quando o povo judeu saiu do Egito, iniciou-se um relacionamento do povo com D'us. A primeira resposta do Rashi não significa que a base do nosso relacionamento com D'us é que nós devemos a Ele nossa fidelidade por Ele ter nos salvado do Egito. Ao contrário, Rashi está explicando que a base para qualquer relacionamento saudável é que cada uma das partes se preocupe com o bem estar do outro. O fato de Hashem ter nos tirado do Egito reflete Sua compaixão e o cuidado com o povo judeu e é, portanto, a pedra fundamental do relacionamento. O que Rashi está nos ensinando é que a expressão "isto já é razão suficiente para que vocês sirvam a Mim" significa que é apropriado que o ato de D'us, de nos ter tirado do Egito, seja a base para que sirvamos a Ele, pois foi a demonstração do Seu comprometimento e da Sua preocupação com o nosso bem estar. Por isso a Torá afirma que, a partir daquele momento, era a nossa vez de mostrar o nosso comprometimento.

O relacionamento criado no Monte Sinai entre D'us e o povo judeu é descrito pelos nossos sábios como um casamento e, portanto, deveria refletir um caráter de exclusividade. Se estivesse declarado que D'us é o Criador do Universo, isto não indicaria nenhuma preocupação especial e única com o povo judeu, e por isso não poderia ser a pedra fundamental do casamento entre os dois. Já a saída do Egito, que foi feita única e exclusivamente para o povo judeu, é a base apropriada para nossa conexão eterna.

Esta Parashá nos traz um incrível ensinamento sobre o nosso relacionamento com D'us que também deve ser utilizado em todos os nossos relacionamentos humanos. A base de qualquer relacionamento, para que ele seja sincero, verdadeiro e duradouro, precisa ser a vontade de fazer o bem, de querer ajudar o outro, e não uma motivação egoísta, de pensar no que podemos ganhar com o relacionamento. Não são raras as histórias de pessoas ricas, cheias de "amigos", que ficaram sozinhas após terem perdido seu dinheiro. Por que isto acontece? Pois não eram amigos verdadeiros, eram apenas oportunistas querendo aproveitar e "sugar" tudo o que fosse possível. O amigo de verdade é aquele que quer o seu bem, que quer fazer algo por você, não aquele que quer apenas receber.

Isto não se aplica apenas nos relacionamentos de amizade, mas também é a base para um casamento verdadeiro e duradouro. O primeiro casamento registrado na Torá é o de Adam e Chavá (Adão e Eva), enquanto eles ainda estavam no Gan Éden. Quando D'us criou o mundo, havia apenas Adam, e D'us exclamou: "Não é bom o homem estar sozinho; farei para ele uma companheira correspondente a ele" (Bereshit 2:18). Mas esta afirmação de D'us é difícil de ser entendida. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que afirma que Adam estava em um lugar paradisíaco, com os anjos servindo-o com as melhores iguarias e cuidando de todas as suas necessidades. Então por que D'us afirmou que não era bom o homem estar sozinho? O que faltava para ele? Respondem os nossos sábios que realmente não faltava nada para Adam receber, mas mesmo assim ainda faltava algo para ele ser completo: alguém com quem ele pudesse fazer bondades. Enquanto Adam não tinha Chavá, ele não podia se comportar como D'us, que apenas faz bondades sem receber nada em troca. Cada vez que nos comportamos como D'us, nos conectamos a Ele e nos preenchemos, enquanto toda vez que nos comportamos ao contrário de D'us, nos desconectamos Dele e aumentamos ainda mais o nosso vazio existencial.

A essência de um casamento verdadeiro é quando há comprometimento entre as partes, quando o foco de cada um é visar o bem estar do outro, buscar maneiras de como fazer bondades, não apenas querer receber e ter proveito. Hoje em dia há muitos divórcios, pois as pessoas perderam até mesmo a claridade de qual é o propósito do casamento. O casamento se tornou algo egoísta, uma tentativa de preencher o que nos falta. Mas tudo isso vem da falta de claridade de que o que nos preenche de verdade é o que fazemos e doamos para os outros, não o que recebemos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Exodo 18, 1- 20,26