sábado, 31 de agosto de 2013

CARREGANDO O PESO JUNTO COM OS OUTROS – PARASHIÓT NITZAVIM E VAYELECH E ROSH HASHANÁ

 
"O rabino Moshé Feinstein, um dos maiores rabinos da geração passada, ficou muito conhecido não apenas por sua grande erudição no estudo da Torá, mas principalmente pela sua preocupação com o próximo. Em diversas situações ele demonstrou um incrível grau de consideração com o sofrimento alheio.

Certa vez um aluno veio buscar o Rav Moshe Feinstein para uma aula que ele daria em uma sinagoga. Quando o aluno entrou na casa do rabino, viu que ele estava sentado na mesa com uma mulher que chorava sem parar. O aluno percebeu que o Rav Moshe Feinstein também estava chorando e lágrimas rolavam sem parar do seu rosto. Preocupado, o aluno fez um sinal para saber se estava tudo bem e o Rav Moshe Feinstein respondeu que sim. Novamente o aluno fez um sinal para o rabino, indicando que estavam atrasados para a aula, mas o Rav Moshe Feinstein pediu para que esperasse mais um pouco.

Alguns instantes depois, a mulher enxugou as lágrimas com um lenço, agradeceu profundamente ao Rav Moshe Feinstein e saiu. O aluno perguntou o que havia acontecido e o Rav Moshe Feinstein respondeu:

- Esta mulher bateu na porta e pediu para conversar comigo. Porém ela entrou, sentou-se na mesa e começou a chorar. E durante todo o tempo que ele ficou aqui ela apenas chorou.

 O aluno quis saber qual era o problema dela, mas o Rav Moshe Feinstein disse que também não sabia, pois ela não havia dito nada, havia apenas chorado. Então o aluno perguntou, curioso:

- Mas rabino, então por que você também estava chorando?

- Isto é simples – respondeu o Rav Moshe Feinstein, enxugando suas lágrimas – Como eu poderia ver uma mulher tão sofrida como esta, chorando sem parar, e não chorar junto com ela?"

Apesar de vivermos em um mundo com milhares de pessoas à nossa volta, o que reina é o egoísmo. A maioria das pessoas vive focada em si mesma, negligenciando as necessidades dos outros. Mas muitos conseguiram vencer sua natureza egoísta e, através de um trabalho árduo, conseguiram chegar ao nível de amar ao próximo como a si mesmos. Isto nos ensina que, quando queremos algo de verdade e lutamos para alcançar, conseguimos.

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Nesta semana lemos duas Parashiot juntas, Nitzavim e Vayelech. E assim começa a Parashá Nitzavim: "Vocês estão hoje parados, todos vocês, diante de Hashem, teu D'us... para que entrem no pacto com Hashem, teu D'us... para que se estabeleçam hoje como um povo para Ele e Ele será um D'us para vocês... como Ele falou para vocês e como Ele jurou para os seus antepassados Avraham, Yitzchak e Yaacov. Não apenas com vocês eu selo este pacto e este juramento, mas com todos os que estão aqui, parados conosco hoje, diante de Hashem, teu D'us, e com os que não estão aqui conosco hoje" (Devarim 29:9-14). O final destes versículos nos deixa uma pergunta: o que significa que o pacto está sendo selado também com os que não estão aqui hoje? Alguém perdeu a oportunidade participar deste novo pacto?
Explica Rashi, comentarista da Torá, que as palavras "os que não estão aqui hoje" se referem às futuras gerações do povo judeu. Nos ensina o Midrash (parte da Torá Oral) que a alma de todos os judeus estavam presentes no pacto com D'us, mesmo antes da criação dos seus corpos físicos. Mas o que este versículo está nos ensinando? Afinal, de que adianta apenas nossa alma fazer um pacto com D'us sem o nosso corpo, já que o livre arbítrio apenas ocorre quando os dois estão juntos?

A resposta está em um interessante conceito da biologia. Se pudéssemos rastrear e identificar todas as células de um ser humano, perceberíamos algo interessante. De todas as células identificadas em um bebê, nenhuma delas poderia ser encontrada quando este bebê chegasse à fase adulta. Por acaso este bebê se transformou em outra pessoa? Obviamente que não, ele sempre se manteve a mesma pessoa, apenas as suas células foram envelhecendo e sendo gradativamente substituídas por células mais novas.
Poderíamos pensar que o povo judeu é composto por indivíduos isolados, unidos apenas por idéias em comum. Mas a Parashá vem nos ensinar justamente o contrário. Gerações de judeus nascem, vivem e são substituídas por novas gerações, como células de um organismo. Mas o povo judeu continua intacto, pois somos uma única entidade contínua que existiu durante toda a nossa história. Como a geração do deserto fez um pacto com o Criador do mundo, esta força foi sendo transmitida por todas as gerações e, por sermos parte da mesma entidade, é como se nós também estivéssemos presentes naquele momento. Não somos indivíduos isolados, cada um de nós faz parte de uma única entidade que não pode ser dividida: o povo judeu.

 Mas que diferença faz se somos pessoas isoladas ou conectadas entre si? Explica o Rambam (Maimônides) que por sermos parte de uma única entidade, temos a obrigação de cuidar e de se preocupar com cada um dos que também fazem parte dela. Ele nos ensina que aquele que se não sente a dor de seus irmãos e não derrama lágrimas junto com eles quando ocorrem tragédias e dificuldades, perde sua parte no Mundo Vindouro mesmo que não tenha cometido nenhuma transgressão durante toda sua vida.
Para um judeu, não existe viver de maneira isolada e individual, pois somos parte de um grupo. Não existe o conceito de uma pessoa cumprir suas Mitzvót sossegadamente, sem se preocupar com as dificuldades que os outros estão passando. Qualquer tragédia pessoal é parte da tragédia coletiva do povo judeu. É por isso que, quando vamos consolar um enlutado, dizemos: "Que D'us possa te trazer consolo dentre os outros enlutados (pela destruição) de Tzion e Jerusalém". O mesmo vale para as alegrias particulares, nas quais devemos participar como se a alegria fosse algo coletivo, de todo o povo.

 Por este conceito também fazemos as nossas rezas no plural. Mesmo quando não estamos doentes, pedimos durante a Amidá (reza silenciosa) "Nos cure". Mesmo quando não estamos precisando de dinheiro pedimos "Nos abençoe". Um judeu não pode descansar e relaxar despreocupado enquanto há judeus espalhadas pelo mundo que não podem descansar. Quando uma parte do nosso corpo fica doente, o corpo inteiro adoece. Enquanto um dos nossos irmãos estiver com problemas, todos nós temos o mesmo problema.

Na próxima 4ª feira de noite (04 de setembro) é Rosh Hashaná, o ano novo judaico, a comemoração da criação do primeiro ser humano, Adam Harishon. Da mesma forma que ele foi criado e julgado no mesmo dia, assim também todos os seres humanos são julgados neste dia. Todos os nossos atos passam na frente do Criador do mundo, mesmo os menores detalhes de tudo o que fizemos durante o ano. D'us também vê nossos corações e, no momento em que pedimos mais um ano de vida, Ele vê quais são os nossos planos de crescimento espiritual para o próximo ano.

Há muitas áreas onde precisamos crescer. Há muitas Mitzvót que precisamos começar a cumprir ou melhorar ainda mais. Mas talvez a área onde mais devemos investir é no "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e o seu companheiro). Há mais de 2.000 anos sofremos sem o nosso Templo Sagrado, que foi destruído por causa do ódio gratuito dentro do povo judeu. Ódio gratuito não significa apenas ofender ou agredir outro judeu. O descaso e a falta de sensibilidade com os problemas dos outros também é considerado ódio gratuito. Estar confortável no sofá assistindo televisão enquanto há judeus sem ter o que comer também é ódio gratuito. Como podemos assistir as notícias do soldado israelense Gilad Shalit, seqüestrado há mais de 4 anos por terroristas palestinos, sem dividir com sua mãe tamanha dor e sofrimento?

Para aumentar nossa sensibilidade com os outros é necessário muito trabalho. O primeiro passo é querer. O segundo passo é tentar vencer o nosso egoísmo, refletindo sobre as dificuldades dos outros, tentando nos imaginar na mesma situação. Precisamos entender que não estamos em uma corrida para chegar em primeiro lugar sozinhos, pois enquanto há irmãos que não passaram pela linha de chegada, não somos considerados vencedores. Devemos receber sobre nós a responsabilidade de ajudar, dentro das nossas possibilidades, a todos aqueles que necessitam. Seja com dinheiro, seja com um ombro amigo, seja com um sorriso. O importante é começar a sentir, desde já, que na verdade somos todos um só.

 Que neste ano de 5774 tenhamos apenas alegrias para todos os povos..

 SHABAT SHALOM e SHANÁ TOVÁ UMETUKÁ (Um ano bom e doce para todos)

"SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

 Rav Efraim Birbojm
 
Nitsavim  Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9, Ro. 10: 1-13
Vayelech Dt. 31:1-30,Os.14:2-10, Jl 2:11-27, Mq.7:18-20, Is.55:6-56:8, Rm. 7: 7-12
Rosh HaShaná (Ano Novo Judaico) Gn. 21:1-34 (Maftír Nm. 29:1-6), 1 Sm. 1:1-2:10, 1 Ts. 4:13-18

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

FORÇA DAS PALAVRAS - PARASHÁ KI TAVÔ 5773

“Havia um escravo do rei que era muito dedicado e fiel. Ele era muito inteligente e gostava de ouvir as palavras dos sábios e observar a natureza. Certa vez o rei estava oferecendo um banquete em casa. Chamou seu escravo e, diante de todos, entregou-lhe algumas moedas. Pediu-lhe que fosse ao açougue comprar o que havia de melhor. Passados alguns minutos, o escravo entrou no salão nobre e, diante de todos, apresentou ao rei uma grande língua. O espanto foi geral.

- O que é isso? - perguntou o rei em alta voz - Tire esta coisa nojenta daqui! Como ousa me afrontar diante dos meus convidados? Explique-se!

- Majestade, o senhor me pediu para que buscasse o que há de melhor no açougue. Eu trouxe uma língua. Ela é responsável pela nossa comunicação. É através dela que Vossa Majestade pode me dar uma ordem e elogiar os convidados. É através dela que os sábios e artistas nos transmitem as sabedorias dos antepassados. Como vê, a língua é a melhor coisa que há.

Todos ficaram admirados. O rei, querendo testar novamente a sabedoria de seu escravo, deu-lhe outra tarefa. Pediu para que ele voltasse ao açougue e lhe trouxesse o que havia de pior. Entregou ao escravo mais algumas moedas e enviou-o à sua tarefa. Pouco depois o escravo retornou com outra língua na mão.

- O que é isso? Outra língua? Mas você me disse faz pouco tempo que a língua é o melhor que há!

- Sim, é verdade, majestade, a língua pode ser o melhor que há, mas também pode ser o pior. A língua é usada para a discórdia e para a inveja. A língua, quando utilizada para maldizer e caluniar, provoca divisão e afastamento entre as pessoas. Quando ela é mentirosa, é a pior coisa que há”.

Assim nos ensinou Shlomo HaMelech (Rei Salomão): “A morte e a vida estão no poder da língua, e aqueles que a amam comerão do seu fruto” (Mishlei - Provérbios 18:21). Quando utilizamos a língua para coisas positivas, como ensinar, incentivar ou consolar, ela traz vida para o mundo e podemos aproveitar dos seus benefícios. Mas quando a utilizamos de maneira negativa, como mentir, denegrir e ofender, ela traz apenas morte e destruição.

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Passamos da metade do mês de Elul, o último mês do ano, e no horizonte já começa a aparecer Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, quando todos os nossos atos serão julgados e tudo o que acontecerá no próximo ano será decretado. Será que estamos nos preparando bem para o nosso julgamento? Será que estamos conseguindo realmente mudar e consertar nossos erros como gostaríamos? Por que às vezes parece ser tão difícil mudar nossas atitudes?

A Parashá desta semana, Ki Tavô, nos ensina um fundamento muito importante, que pode nos ajudar no nosso trabalho de crescimento espiritual e na preparação para Rosh Hashaná. A Parashá começa com o conceito dos Bikurim, as primícias (primeiros frutos), que os agricultores precisavam levar até o Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Lá eles deveriam dizer: “Eu declaro hoje diante de D’us que eu vim para a terra que D’us jurou aos nossos antepassados que nos daria” (Devarim 26:3). Rashi, comentarista da Torá, explica que o propósito desta declaração era para demonstrar que o agricultor não era um negador de bondades, uma pessoa mal agradecida. O agricultor então continuava o seu agradecimento a D’us através de uma longa declaração, que recordava desde a proteção que D’us deu ao nosso patriarca Yaacov até a conquista e o estabelecimento do povo judeu na terra de Israel, a terra onde flui o leite e o mel.

Mas a explicação do Rashi para a primeira declaração do agricultor é difícil de ser entendida. Se o propósito da declaração era demonstrar gratidão a D’us, não era suficiente a própria vinda do agricultor até o Beit Hamikdash, abandonando tudo para cumprir a Mitzvá de Bikurim? Por que ele também tinha que pronunciar esta declaração?

Explica o Rav Yaacov Weinberg que a fala é uma força muito mais potente e explosiva do que imaginamos. Há uma diferença muito grande entre expressar o nosso agradecimento e apenas senti-lo no coração. Por que? Pois embora as coisas que pensamos nos influenciam e ajudam a moldar nosso caráter, o que nós falamos nos afeta e influencia nossa identidade de uma maneira muito mais forte.

Isto pode ser percebido quando a Torá nos ensina sobre a importância de manter nossos juramentos, como está escrito: “Se uma pessoa fizer um voto para D’us ou jurar um juramento para proibir algo sobre si, ela não deve profanar sua palavra, ela deve manter todas as palavras que saíram de sua boca” (Bamidbar 30:3). Por que a Torá utilizou a expressão “profanar sua palavra”, ao invés de “transgredir sua palavra”? E por que está escrito “manter todas as palavras que saíram de sua boa” ao invés de simplesmente escrever “manter o seu juramento”?

A resposta é que a Torá está nos ensinando o valor de uma palavra proferida. Não podemos desprezar nem mesmo uma palavra que foi pronunciada, como se fosse algo sem valor, pois a palavra, quando proferida, se torna uma realidade. O problema de quebrar uma promessa não é apenas ser desonesto, é muito mais do que isso. Quando alguém quebra uma promessa, está destruindo uma realidade que foi criada com cada uma de suas palavras.

Daqui aprendemos que dizer algo em voz alta tem um efeito profundo sobre a personalidade humana. Muitas vezes pensamos que apenas importa o que dizemos em público, o que os outros escutam, mas o que dizemos para nós mesmos em um local privado não importa tanto. Porém, isto não é verdade, e novamente aprendemos este conceito observando as leis referentes aos juramentos. Um juramento não precisa ser feito em público, pode ser feito mesmo em particular, sem mais ninguém escutar, e o efeito de quebrar este juramento é tão devastador quanto quebrar um juramento feito em público. Isto quer dizer que amaldiçoar alguém ou mesmo falar palavrões, mesmo se for feito em um local privado, mesmo que mais ninguém escutou, causa um grande dano espiritual para aquele que falou. Enquanto a ideia esta apenas nos pensamentos, ela ainda não se transformou em algo real e nos influencia pouco. Mas após as palavras terem sido pronunciadas, uma poderosa transformação ocorre, pois a fala cria uma nova realidade e causa um profundo impacto na pessoa que falou.

Isto explica também porque um dos grupos que nunca terá o mérito de estar próximo de D’us, mesmo no Olam Habá (Mundo Vindouro), são os mentirosos. Maior do que o efeito da mentira de enganar o outro é a destruição que ela causa a nós mesmos. A realidade criada pelas palavras é destruída quando alguém fala mentira. Por isso nossos sábios ensinam que mesmo em casos em que há permissão de distorcer os fatos, como quando o Shalom Bait (paz familiar) de um casal está em jogo, o ideal é omitir e não mentir. Nestas situações, a pessoa deve tentar ao máximo dizer as coisas de uma maneira ambígua, ao invés de falar uma mentira de maneira explícita.

Mas da mesma forma que a fala negativa tem uma influência poderosa no ser humano, o mesmo vale para a fala positiva. Se uma pessoa apenas pensa em melhorar, ainda assim é muito difícil concretizar este pensamento. Porém, a partir do momento em que a pessoa externaliza seus pensamentos através da fala, isto é mais do que apenas fazer planos, já é uma realidade física.

Quando nossos sábios ensinam os princípios do arrependimento verdadeiro, um dos passos importantes é o Vidui, a confissão dos pecados, em especial no dia de Yom Kipur, quando o Vidui é parte central das nossas rezas. E assim ensina o Rambam (Maimônides): “Teshuvá significa abandonar a transgressão, retirá-la do coração e decidir nunca mais repeti-la. A pessoa deve também se arrepender pelo seu ato. E a pessoa deve confessar com seus lábios e dizer todas estas coisas que ela pensou em seu coração” (Halachót Teshuvá 2:2). Mas se D’us já conhece todos os nossos pecados, por que temos que mencioná-los em voz alta?

O Rambam, ao utilizar a linguagem “confessar com seus lábios”, quer ressaltar o enorme poder que a fala tem em transformar a pessoa que quer se arrepender dos erros cometidos. D’us lê nossos pensamentos, Ele vê todos os nossos atos, portanto não é para Ele que serve a confissão dos nossos erros. A confissão funciona para o nosso próprio crescimento, pois quando os pensamentos se transformam em palavras, as mudanças internas que isto acarreta são muito mais duradouras. Sem a confissão verbal, o arrependimento verdadeiro não pode ser alcançado, e qualquer pensamento de mudança e crescimento espiritual pode acabar se dissipando.

É por isso que temos que tomar muito cuidado com este precioso utensílio que D’us nos presenteou, chamado fala. Apesar de não darmos tanto valor, a fala tem um enorme impacto sobre nossas vidas, tanto para o lado positivo quanto para o lado negativo. Se prestarmos atenção no Vidui de Yom Kipur, perceberemos que 25% dos nossos erros estão relacionados com o mau uso da fala. Este potencial mal utilizado pode destruir, causar sofrimento e desunião. Mas bem utilizado pode trazer vida ao mundo e nos ajudar, no nosso julgamento de Rosh Hashaná, a sermos inscritos no Livro da Vida.

SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM (Que sejamos inscritos e selados no Livro da Vida)
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Dt. 26:1-29:9, Is. 60:1-22, At. 7: 30-36

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

EDUCANDO NOSSOS FILHOS NOS DIAS DE HOJE - PARASHÁ KI TETSÊ 5773


Era uma sexta-feira fria de inverno, e Alexandre foi com seu filho Guilherme para a Mikve (local de imersão ritual) da cidade, para fazer um mergulho de purificação antes do Shabat. Apesar de normalmente haver um sistema de aquecimento da água, naquele dia o sistema não estava funcionando e quem quisesse mergulhar na Mikve precisava de muita coragem para enfrentar o frio.

Mas Guilherme não era de desistir tão fácil e decidiu que entraria na água assim mesmo. Alexandre ficou esperando seu filho do lado de fora, já segurando uma toalha quentinha. Quando Guilherme entrou na água, estava tão fria que ele instintivamente gritou: “Aiaiai”. Mergulhou rapidamente 3 vezes e saiu da Mikve. Lá fora, seu pai rapidamente o enrolou com a toalha quentinha. Quando sentiu aquela sensação gostosa de calor, ele exclamou com alívio e prazer: “Ahhhhh”. Alexandre aproveitou a situação para ensinar a Guilherme uma importante lição de vida:

- Meu filho - disse Alexandre - aproveite este momento para aprender uma importante regra. Há uma maneira simples de saber se você está fazendo a coisa certa ou não. Se você faz algo que no início dizemos “Aiaiai” e no final dizemos “Ahhhhh”, isto é sinal de que você está fazendo a coisa certa. Mas se você começa com o “Ahhhh” e termina com o “Aiaiai”, é sinal de que você está provavelmente no caminho errado...”
Apesar de parecer uma piada, vemos estas palavras se cumprindo nos nossos dias. Aqueles que vivem de acordo com as Mitzvót da Torá começam com regras e limitações, mas acabam tendo uma vida mais harmônica e feliz em todas as áreas. Já aqueles que começam apenas buscando preencher seus prazeres, apesar de realmente os encontrarem no começo, depois acabam sofrendo em várias áreas da vida. Depressão, alta taxa de divórcios e delinquência juvenil são apenas alguns exemplos do preço que pagamos pela busca desenfreada de prazeres imediatos.
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No início da Parashá desta semana, Ki Tetsê, a Torá nos ensina sobre um assunto que desperta muitos questionamentos: o “Ben Sorer Umorê” (filho teimoso e rebelde), um jovem que não respeita os limites impostos pelos pais e começa a se afundar na vida, tornando-se um glutão e um beberrão, e chegando ao ponto de roubar os próprios pais para manter seus vícios. A Torá nos ensina que este jovem recebia pena de morte por seu comportamento inadequado. Mas vemos atualmente tantos jovens que não respeitam seus pais, e adolescentes que têm cada vez menos limites, será que o “Ben Sorer Umorê” não é apenas a descrição de um jovem normal, mas com problemas de conduta? Então por que uma punição tão grave?

Explicam nossos sábios que este jovem, com a idade próxima dos 14 anos, apesar de não ter cometido nenhum crime capital, demonstra estar entrando em um caminho de profunda e crescente queda espiritual. Seu comportamento decadente, como o absurdo de chegar a roubar dinheiro dos próprios pais para alimentar seus vícios, indica que ele futuramente será uma pessoa totalmente sem limites, que chegará até mesmo a matar para obter o que deseja. O Talmud (Sanhedrin 72a) ensina que o jovem não recebia pena de morte por sua condição atual, e sim por causa dos seus prováveis futuros atos. Por misericórdia, era melhor que ele morresse jovem, quando ainda era inocente, do que quando já fosse culpado por crimes graves como assassinato.

Mas este conceito se contradiz com outro ensinamento da Torá, descrito no Livro de Bereshit. Após Sara perceber o quanto Ishmael, filho de Avraham com sua escrava Hagar, era uma péssima influência para seu filho Yitzchak, ela pediu para que Avraham os expulsasse de casa. Para Avraham, expulsar seu próprio filho era uma decisão muito difícil, mas D’us confirmou que era o correto a se fazer. Hagar e Ishmael, que em pouco tempo de caminhada chegariam a alguma cidade povoada, se perderam no deserto e ficaram sem água. Ishmael ficou encostado em uma árvore, à beira da morte, e Hagar se afastou para não presenciar a morte do filho. Um milagre então aconteceu e um anjo revelou para Hagar uma fonte de água, de onde ela conseguiu encher seu cantil e salvar a vida de seu filho. Porém, há um Midrash (Torá Oral) que ensina que os anjos imploraram para que D’us não salvasse a vida de Ishmael, pois sabiam que dele sairia no futuro um povo que perseguiria e causaria muitos sofrimentos ao povo judeu. D’us respondeu aos anjos que a pessoa é julgada de acordo com o seu estado presente e não de acordo com o que ocorrerá no futuro.

Mas qual a diferença entre Ishmael, que foi julgado pelos seus atos presentes, e o “Ben Sorer Umorê”, que era julgado por seus atos futuros? Da mesma forma que o “Ben Sorer Umorê” já tinha desde cedo um comportamento inadequado, nossos sábios ensinam que também Ishmael já tinha desde cedo uma conduta muito ruim, envolvendo-se em idolatria, tentativa de assassinato e relações ilícitas. Então por que D’us julgou Ishmael de maneira tão leniente, enquanto o “Ben Sorer Umorê” é julgado de forma tão dura?

Além disso, o Talmud (Sanhedrian 71a) afirma que, por causa de todos os requisitos necessários para que um jovem se torne um “Ben Sorer Umorê”, nunca ocorreu e nunca ocorrerá um caso com este. Por que a Torá precisa nos ensinar que este filho “Ben Sorer Umorê” nunca existirá na prática? E se é uma lei que nunca será aplicada, então por que foi ensinada na Torá?

Explica o Rav Yohanan Zweig que, observando os pré-requisitos para um jovem se tornar um “Ben Sorer Umorê”, podemos responder todos os questionamentos. O Talmud traz uma lista destes pré-requisitos: os pais deste jovem devem ter vozes similares, não podem ter nenhum problema de fala, visão ou audição, não podem ter nenhum membro do corpo faltando e a cidade onde este jovem vive deve ter um Beit Din (Tribunal Rabínico). O que estes pré-requisitos todos têm em comum?

Embora o ambiente e as influências externas negativas não possam ser utilizados para isentar uma pessoa das responsabilidades por seus maus atos, certamente eles podem incliná-la a agir de maneira equivocada. Isto quer dizer que nem sempre o comportamento de uma pessoa é o reflexo de sua essência. E se o comportamento negativo da pessoa é fruto das influências do ambiente, então ainda há esperanças de que ele mudará, pois não necessariamente sua essência foi corrompida. Por outro lado, se o comportamento negativo de uma pessoa não é por influencia do ambiente, isto quer dizer que seu comportamento é o real reflexo de sua essência e, portanto, há poucas esperanças de que esta pessoa conseguirá mudar seus caminhos.

Segundo a Torá, para um jovem ser considerado um “Ben Sorer Umorê”, é necessário ter a certeza de que seus atos são reflexo total de sua verdadeira essência e não foram influenciados pelo ambiente. Quando o Talmud diz que as vozes dos seus pais devem ser semelhantes, isto significa que eles não podem transmitir ao filho, através de ensinamentos ou broncas, mensagens contraditórias. Os pais devem, antes de tudo, chegar a um acordo do que eles esperam do seu filho e devem transmitir isto de uma maneira clara. Além disso, os pais devem ser vistos pelo filho como autoridades legítimas e absolutas, que exigem o devido respeito do filho. Portanto, os pais devem ter os membros perfeitos e devem poder falar, enxergar e escutar, pois a falta de qualquer um destes itens pode impedir os pais de projetarem sobre o filho a figura de autoridade. E para ser um local saudável, a cidade deve ter um Beit Din, que transmita aos moradores o temor de cometer transgressões e os valores necessários para criar na cidade um ambiente onde educar os filhos seja algo positivo.

Portanto, quando o Talmud diz que nunca haverá um caso real de “Ben Sorer Umorê”, nossos sábios estão afirmando que é impossível existir um ambiente tão perfeito e utópico como este que não cause absolutamente nenhum efeito negativo sobre uma criança. Por isso nunca haverá uma criança, por pior que seja seu comportamento, cuja má índole seja reflexo apenas de seu interior corrompido.

Isto explica o comportamento misericordioso de D’us com Ishmael. Embora desde cedo ele tivesse um desvio grave de comportamento, se envolvendo com os piores tipos de transgressão, isto não refletia sua verdadeira essência. Ele foi fortemente influenciado por sua mãe, Hagar, que havia sido no passado uma princesa egípcia, uma idólatra que vinha de um povo completamente imoral. O crescimento de Ishmael e sua educação também ocorreram em um ambiente conturbado, de constante conflito entre Sara e Hagar. Isto explica porque Ishmael não é chamado, durante este período, pelo seu nome, e sim como “o filho da escrava” (Bereshit 21:10), ou simplesmente “o jovem” (Bereshit 21:12). O nome representa a essência da pessoa, e aquela não era a essência verdadeira de Ishmael, e sim o reflexo de um ambiente muito negativo. Isto permitiu com que D’us o julgasse de forma mais leniente, levando em consideração que sua verdadeira essência não estava completamente corrompida. E isto se confirmou no final de sua vida, quando Rashi, comentarista da Torá, afirma que Ishmael fez Teshuvá (se arrependeu por seus maus atos).

Mas ainda fica a pergunta mais intrigante: Se o Talmud afirma que um caso de “Ben Sorer Umorê” nunca acontecerá na prática, então para que a Torá nos ensinou estas leis? Para nos indicar qual o padrão perfeito para uma sociedade. Este padrão deve ser o modelo que devemos buscar implantar em nossa sociedade para tentarmos criar um ambiente saudável, onde poderemos criar nossos filhos com sucesso.

Deste ensinamento fica uma preciosa lição. Por que temos atualmente tantos jovens com problemas, que se envolvem desde cedo com os piores tipos de vícios? Pois os pais acreditam que mandando o filho para o colégio estão automaticamente fazendo a sua parte na educação dele. Mas isto é um grande equívoco, pois os colégios cumprem o objetivo de informar os alunos, não de formar. Um bom colégio é aquele que prepara o jovem para o vestibular, não aquele que prepara o jovem para a vida. Assim vemos não apenas jovens sem educação, mas também muitos profissionais desonestos e imorais. Aprendemos desde cedo que sucesso é conseguir preencher todos os nossos desejos, e fazemos isto mesmo que seja necessário passar por cima dos outros para atingir nosso objetivo. Por isso a cultura ocidental, com pouco mais de 200 anos de existência, já apresenta visíveis sinais de decadência, enquanto o judaísmo, com mais de 3 mil anos, continua vivo e estável.

A boa educação não vem da escola, vem de casa. A presença constante dos pais é um requisito fundamental para que os filhos recebam uma boa educação, principalmente na sociedade em que vivemos, onde o consumismo tornou-se a principal meta de vida. Se a criança aprende que o principal na vida é o que o dinheiro pode comprar, assim será seu comportamento por toda a vida. É obrigação dos pais ensinar que, antes de ser um engenheiro, médico ou advogado, a pessoa deve ser um “Mentch” (ser humano decente).

SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM (Que sejamos inscritos e selados no Livro da Vida)
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 21:10-25:19, Is. 54:1-10, I Co.5:1-5

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

EDUCANDO COM ATOS - PARASHÁ SHOFTIM 5773

 

"Um grande rabino, interessado em fundar um Kolel (Centro de estudos de Torá para homens casados) na cidade de Cholon, em Israel, foi perguntar ao Rav Elazar Man Shach, o maior rabino da geração passada, qual seria o local mais adequado para a abertura deste Kolel. O Rav Shach, após refletir por alguns instantes, respondeu que o ideal seria procurar um local bem visível, por onde muitas pessoas passassem durante o dia e durante a noite, e explicou:

- Se as luzes do Kolel estiverem acesas tarde da noite e as pessoas escutarem a melodia da Torá sendo estudada, elas receberão influencia para se fortalecerem no estudo e no cumprimento da Torá.

Certo dia, algum tempo depois da inauguração do Kolel, um velhinho com cerca de 70 anos de idade e aparentando não ser conhecedor da Torá entrou lá pela primeira vez. Ele pediu ao Rosh Kolel (rabino responsável) um professor que pudesse ensiná-lo a estudar o Talmud. Aos pouquinhos ele foi se aproximando da Torá e das Mitzvót e, em algumas semanas, este velhinho tinha mudado completamente sua vida. O Rosh Kolel, curioso, perguntou ao velhinho o que o havia motivado a ir estudar no Kolel. O velhinho explicou:

- Em 1948, eu fazia parte de uma unidade especial do exército de Israel que tinha como objetivo atacar e conquistar a Academia de Polícia Árabe. As duas primeiras tentativas foram desastrosas, causando muitas baixas na nossa unidade. Antes da terceira tentativa, um dos soldados da unidade, que era religioso, sugeriu que todos estudassem juntos algumas Mishnaiót (parte da Torá Oral) para o sucesso da missão. Ele leu as Mishnaiót em voz alta e com uma linda melodia por cerca de 15 minutos. Depois disso, quando finalmente atacamos a Academia de Polícia Árabe, obtivemos um grande e rápido sucesso.

- Nos últimos 50 anos eu desejei escutar novamente aquela maravilhosa melodia - continuou o velhinho - mas não sabia onde procurá-la, até que naquela noite eu estava passando pelo Kolel e pude ouvir aquela linda melodia sendo cantada por alguém que estudava. Foi por isso que eu entrei aqui pela primeira vez".

Cada bom ato que fazemos fica guardado para sempre. Não somente o bom ato, mas todas as consequências positivas que ele pode trazer. Aquele soldado religioso nunca sonhou que sua melodia ao estudar a Torá ajudaria, 50 anos depois, a aproximar um velho judeu que estava completamente afastado da Torá. (História Real, retirada do livro "Major Impact, de autoria do R' Dovid Kaplan)
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Na Parashá desta semana, Shoftim, a Torá nos ensina um pouco sobre as guerras do povo judeu. E um dos ensinamentos interessantes é em relação às pessoas que eram dispensadas da guerra. Entre elas estava a pessoa que sentia medo, como está escrito: "Quem é o homem que sente medo e amolece seu coração? Que ele volte para sua casa, e que não derreta o coração de seus companheiros como o seu coração" (Devarim 20:8). Em outras palavras, a Torá está dando a possibilidade a esta pessoa, que está com medo de ir para a guerra, de abandonar o campo de batalhas para não influenciar de maneira negativa seus companheiros, o que causaria uma reação em cadeia que prejudicaria todo o desempenho do exército.

Explica o Ramban (Nachmânides) que este versículo da Torá não está ensinando que a pessoa com medo tem a opção de voltar para casa. Segundo ele, esta é uma das 613 Mitzvót da Torá, isto é, havia uma proibição da Torá de causar medo em seus companheiros. Portanto, se uma pessoa sentia medo e mesmo assim não abandonava o campo de batalhas estava transgredindo uma das Mitzvót da Torá.

Ensina o Rav Chaim Shmulevitz que esta Mitzvá é mais abrangente e inclui qualquer tipo de comportamento nosso que influencie de maneira negativa as pessoas que nos veem. Isto se aplica até mesmo se a pessoa tem justificativas corretas para se comportar de certa maneira, mas que pode ser interpretado de maneira negativa pelas pessoas em volta. Por exemplo, alguém que sai mais cedo da Tefilá (reza), antes de terminar todas as partes necessárias, mesmo se o fizer pelos motivos corretos, passa para as pessoas em volta a impressão de que ele despreza estes momentos de conexão com D'us, e as pessoas podem aprender com ele a se comportar de maneira leviana no momento das rezas. O correto, portanto, seria a pessoa revelar para aqueles que rezam com ela qual o motivo que a faz sair mais cedo, tirando qualquer tipo de mal entendido.

Mas até onde vai a nossa responsabilidade em relação à influência que causamos aos outros? A resposta está na Amidá (reza silenciosa) de Mussaf que fazemos em Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, quando D'us julga todos os nossos atos. E assim falamos na Amidá: "(são lembrados) os atos do ser humano e suas contas". Que os atos da pessoa sejam lembrados no Dia do Julgamento é algo fácil de entender, mas o que significa que "suas contas" serão lembradas? Explica o Rav Chaim Vologziner que cada pessoa tem certo círculo de influências, que inclui sua família, seus amigos e qualquer pessoa que tenha contato com ela. A forma como ela influencia estas pessoas através de seus atos é chamado de "suas contas", e parte do julgamento de Rosh Hashaná é nesta área também. Isso quer dizer que se as pessoas se inspirarem nos nossos atos e assim melhorarem suas atitudes na vida, seremos recompensados por cada bom ato que elas fizerem, mas se as pessoas aprenderem de nós a se comportarem de uma maneira inadequada, então parte dos erros delas serão também cobrados de nós.

Mais do que isso, o Talmud ensina que o Livro da Vida e o Livro da Morte são abertos em Rosh Hashaná. Tossafot, um dos comentaristas do Talmud, explica que isto quer dizer que os mortos também são julgados em Rosh Hashaná. Mas pelo que eles são julgados, se já faleceram e não fazem mais nada? Mesmo depois da morte, os atos que uma pessoa fez em vida podem influenciar outras pessoas, positivamente ou negativamente. Por isso os mortos também são julgados em Rosh Hashaná, não pelos seus próprios atos, mas pelos atos que foram cometidos por outras pessoas em consequência de sua influência.

Além do benefício direto de todos os méritos que recebemos ao influenciar positivamente outras pessoas, há outro grande benefício em ser um modelo de boa conduta para os outros. Existe uma Mitzvá da Torá de dar uma bronca em alguém que fez algo errado, como está escrito "Advirta seu companheiro, para que a transgressão não recaia sobre você" (Vayikrá 19:17). Porém, é muito difícil cumprir esta Mitzvá sem magoar ou envergonhar a pessoa que errou. Então como cumprir esta Mitzvá sem correr o risco de cometer a transgressão de ofender o próximo? De acordo com o Rav Aron Kotler, quando uma pessoa se comporta intencionalmente de maneira exemplar em certa área, com o objetivo de se tornar um modelo de boa conduta para pessoas que insistem em cometer certos tipos de erro, então é considerado como se a pessoa tivesse cumprido a Mitzvá de advertir o próximo, sem correr o risco de causar qualquer constrangimento ou mágoa. Por exemplo, aquele que é cuidadoso em nunca falar nem escutar Lashon Hará (maledicência sobre outras pessoas) faz com que sua mera presença seja um lembrete e um "puxão de orelha" naqueles que gostam de falar Lashon Hará, e certamente eles não se atreverão a transgredir diante desta pessoa. Assim as pessoas melhorarão seus atos mesmo sem a necessidade de efetivamente receberem uma bronca.

Portanto, temos uma grande responsabilidade na vida, e em especial no mês de Elul, o último mês do ano, a preparação final para o nosso Julgamento de Rosh Hashaná. Como sempre há alguém nos observando em praticamente tudo o que fazemos em nossa vida, é importante sermos cuidadosos em cada pequeno ato, para termos a certeza de que estamos sempre influenciando as pessoas à nossa volta para o bem. Pois como ensina o ditado, um ato vale mais do que mil palavras.

SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM (Que sejamos inscritos e selados no Livro da Vida)

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 16:18-21:9, Is. 51:12-52:12, Jo 1:19-27

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ESFORÇO DEMAIS NÃO COMPENSA - PARASHÁ REÊ 5773



"Quando Fernando viu o vendedor ambulante passando pela praça central da pequena cidade onde ele morava, ficou curioso. O que será que ele trazia naquele enorme barril? Ele viu então que uma fila de pessoas se formou, e cada um trazia utensílios de vidro na mão. Aquele vendedor trazia azeite puro, e passava de cidade em cidade com seu barril, vendendo azeite para os moradores.

Fernando começou a prestar atenção em tudo o que aquele vendedor fazia. O comprador se aproximava, posicionava seu utensílio sob o barril, e o vendedor abria uma pequena torneira, vertendo azeite e enchendo o recipiente do comprador. E assim ele fazia para cada um dos clientes que estavam na fila.

Fernando se achava uma pessoa muito sábia e, por isso, ficou inconformado com a falta de tino comercial daquele vendedor ambulante. Ele se aproximou do vendedor e perguntou:

- Meu amigo, estou vendo que você não conhece nada sobre negócios. Você não quer uma ajudinha para dobrar seu lucro?

O vendedor se empolgou. Será que aquele homem lhe daria alguma ideia genial? Então Fernando abriu um grande sorriso e falou:

- É muito simples. É só você colocar mais uma torneira no seu barril. Assim, sua produção dobrará..."

Parece uma grande piada, mas ensina o Chafetz Chaim que assim se comporta aquele que pensa que dobrar seu esforço no trabalho, mesmo às custas de seu tempo fixo para se dedicar à espiritualidade, lhe renderá realmente algum lucro.



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Uma das Mitzvót mais importantes dentro do judaísmo é a Emuná (fé), saber que tudo está nas mãos de D'us e que a vontade Dele sempre prevalece, como dizemos todos os dias na reza da manhã: "Muitos são os pensamentos no coração do ser humano, mas a vontade de D'us sempre se cumpre". Isto significa que muito do que ocorre em nossas vidas já está definido nos mundos espirituais. O próprio Talmud (Torá Oral) afirma que se uma pessoa será rica ou pobre já está decretado desde o momento do seu nascimento. Mas se é assim, então podemos cruzar os braços e não fazer mais nada? Se nosso sustento já está decretado espiritualmente, então não é preciso nenhum tipo de esforço para obtê-lo?

A resposta está na Parashá desta semana, Reê. Quando a Torá ensina as leis sobre a libertação de um escravo após 6 anos de trabalho, termina com as seguintes palavras: "E que D'us te abençoe em todas as coisas que você fizer" (Devarim 15:18). Ensina o Midrash Sifri (Torá Oral) que daqui aprendemos que D'us nos abençoa "nas coisas que você fizer", isto é, se a pessoa não fizer nada, então não receberá nenhuma Brachá (benção) de D'us. As Brachót são como a chuva que cai do céu. Se a pessoa preparou utensílios para armazenar a água, ela poderá aproveitá-la depois. Mas se a pessoa não fez nenhum preparativo, a chuva cai e se perde, e a pessoa não consegue ter nenhum proveito. Portanto, a Brachá é de D'us, mas o nosso esforço é necessário, pois com ele criamos os utensílios que guardarão as Brachót.

Há um paralelo muito forte entre as instalações hidráulicas de um edifício e as Brachót de Hashem. Quando um edifício é construído, uma das principais preocupações do engenheiro deve ser com a caixa d'água, para que todos os moradores possam ter suas torneiras abastecidas sempre que necessitarem. Mas não é suficiente apenas construir um grande reservatório de água. Se não forem construídas tubulações, nas especificações e dimensionamentos corretos, esta água não consegue chegar às residências. No caso das tubulações estarem incorretas ou ausentes, mesmo que a caixa d'água esteja completamente cheia, os moradores não conseguirão utilizar nem mesmo uma gota de água.

Da mesma forma, sabemos que tudo depende de D'us, e Ele poderia nos mandar qualquer bondade mesmo sem nenhum tipo de esforço de nossa parte, pois Ele é como uma grande caixa d'água, cheio de Brachót para nos mandar. Mas a vontade de D'us é que o ser humano se esforce e, através de seus atos, construa uma "tubulação espiritual" pela qual fluirá todas as Brachót enviadas por Ele, a Fonte de toda a bondade. Através do seu esforço, o ser humano pode se conectar com seu Criador. Quando um agricultor precisa plantar para receber seu sustento, ele levanta seus olhos ao céu e pede a D'us que seu esforço não seja em vão. Quando um empresário trabalha, ele eleva seus olhos a D'us e pede para que seus investimentos sejam bons.

Explica o Rav Yossef Chaim Zonenfeld que daqui aprendemos um importante fundamento. Apesar da Emuná ser um dos principais fundamentos no nosso relacionamento com o Criador, não podemos nos esquecer de que é necessário fazer a nossa parte, nos esforçar para que o sustento e todas as outras Brachót de D'us possam chegar até nós.

Mas a verdade é que o perigo está do outro lado: o esforço que vai além da necessidade. Antes de fazer qualquer atitude em relação ao seu sustento, a pessoa deve colocar no coração que nenhum esforço servirá para aumentar suas entradas, nem mesmo um centavo a mais do que já estava espiritualmente decretado. Como nas instalações hidráulicas, as tubulações não produzem água, apenas trazem a água que já estava armazenada na caixa d'água. Se esquecermos disso, corremos o terrível perigo de cometer a idolatria de "minha força e o esforço dos meus braços trouxeram esta riqueza".

Este aprendizado, de que D'us nos manda tudo o que precisamos e que qualquer esforço a mais é desnecessário e até mesmo negativo, recebemos dos nossos antepassados. O povo judeu aprendeu esta lição durante os 40 anos em que receberam o Man, a comida que caía do céu para alimentá-los todos os dias. Todo aquele que pegava um pouco mais de Man do que era necessário, para guardar para o dia seguinte, percebia que o que havia sido guardado apodrecia. Todo aquele que saía no Shabat para procurar Man se esforçava, mas não encontrava nada. Isto ensinou ao povo judeu que tudo o que precisamos vem de D'us, e que devemos fazer nosso esforço para receber. Porém, não é qualquer esforço, e sim apenas o esforço da maneira correta, conforme Ele nos pediu.

E o que é o esforço correto? Isto é muito particular, cada pessoa deve fazer seus cálculos de acordo com a sua Emuná, do quanto ele coloca no coração que tudo vem de D'us, independentemente do seu esforço. Mas há situações claras em que o esforço é certamente indesejado por D'us, é como uma tubulação feita com o material ou o dimensionamento incorreto. Ensina o Chazon Ish que o esforço serve apenas para despertar a misericórdia Divina, mas que a Tefilá (reza) faz isto de uma maneira muito mais eficiente. Portanto, aquele que perde uma reza para ganhar um pouco mais de dinheiro certamente está investindo suas forças da maneira incorreta. Também aquele que troca seus horário fixos de estudo da Torá em busca de sustento certamente não está abrindo o canal correto de conexão com D'us através do seu esforço.

D'us pode e quer nos mandar uma infinidade de Brachót, mas Ele quer que façamos a nossa parte. Mas da mesma forma que a tubulação da caixa d'água não pode ser feita com qualquer material, assim também devemos saber que para construir nossa "tubulação espiritual" não serve qualquer tipo de esforço. Viemos para este mundo para crescer espiritualmente e, portanto, desprezar nossos momentos de crescimento para tentar ganhar mais dinheiro é certamente um péssimo investimento. Somente quando elevarmos nossos olhos para D'us e confiarmos Nele de todo o coração é que conseguirem receber todas as Brachót que Ele guarda para nós. Pois mais do que nós queremos receber as Brachót, Ele quer nos mandar.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 11:26-16:17, Is. 54:11-55:5, 1 Jo. 1: 4 -6