sexta-feira, 28 de abril de 2017

MATERIALISMO EXCESSIVO - PARASHIÓT TAZRIA E METZORÁ 5777



Yossef era uma pessoa extremamente materialista. Ele era comerciante e estava sempre pensando em como ganhar mais e mais dinheiro.  Costumava se aproveitar do desespero das pessoas, cobrando dos clientes preços exorbitantes. Quanto maior a necessidade do cliente, maior o preço que ele cobrava. Mas algo fez Yossef mudar sua atitude.

Há cerca de 20 anos, Yossef estava com sua família de férias em um local de acampamento. Depois de alguns dias muito agradáveis, era hora de voltar para casa. Yossef tentou dar a partida no carro, mas nada aconteceu. Desesperado, ele caminhou para fora do acampamento em busca de ajuda, porém não havia mais ninguém. Sem alternativa, Yossef decidiu ir a pé até a vila mais próxima e procurar ajuda.

Depois de uma hora de caminhada e um tornozelo torcido, Yossef se alegrou muito ao avistar um posto de gasolina. Porém, ao se aproximar, percebeu que estava fechado. Lembrou-se então, desesperado, que era domingo. Yossef não tinha mais forças para continuar caminhando. Foi então que viu um telefone público e uma lista telefônica com as folhas tão velhas que já estavam rasgando. Conseguiu ligar para a única companhia de auto-socorro que encontrou na lista, que se localizava a cerca de 30 quilômetros dali. "Não tem problema", disse a pessoa do outro lado da linha, de forma muito simpática, "normalmente estou fechado aos domingos, mas posso ajudar. Chego aí em mais ou menos meia hora".

Yossef se sentiu momentaneamente aliviado. Porém, começou a ficar preocupado com as implicações financeiras que aquela oferta de ajuda causaria. Se o homem do telefone fosse como ele, aproveitaria a situação de desespero para cobrar uma fortuna.

Algum tempo depois Yossef escutou uma buzina e viu um caminhão-guincho se aproximando. Marcos, o mecânico, se apresentou e foram juntos ao acampamento. Quando desceram do caminhão, Yossef observou que Marcos andava com a ajuda de muletas. Foi então que Yossef percebeu que Marcos não tinha uma perna. Yossef voltou aos  cálculos de quanto aquela ajuda custaria e foi ficando cada vez mais preocupado. Certamente aquele homem "enfiaria a faca" na hora de cobrar. Então Marcos chamou-o, interrompendo seus pensamentos:

- Não se preocupe, senhor, é só uma bateria descarregada. Vou dar uma pequena carga, deixamos o motor ligado para recarregar um pouco a bateria e em 10 minutos vocês podem seguir viagem.

Marcos era impressionante. Enquanto a bateria recarregava, distraiu o filho de Yossef com truques de mágica e chegou a tirar uma moeda da orelha, presenteando-a ao garoto.  Enquanto ele colocava os cabos de volta no caminhão, Yossef tomou coragem e perguntou quanto devia pelo serviço. Marcos respondeu que não devia nada. Yossef não entendeu, achou que tinha escutado errado e insistiu mais uma vez. Marcos então falou:

- Há muitos anos, alguém me ajudou a sair de uma situação de desespero, quando perdi a minha perna. A pessoa que me socorreu simplesmente disse: "Somos todos anjos de uma asa só, precisamos nos abraçar para alçar vôo. Quando tiver uma oportunidade, passe isso adiante". Esta é a minha oportunidade.

Aquilo foi um verdadeiro "tapa na cara" de Yossef. A partir daquele dia, ele mudou a forma de viver sua vida. Parou de se aproveitar do desespero dos outros para ganhar mais dinheiro e passou a pensar mais em como ajudar as pessoas em situações de necessidade.

Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria (literalmente "Concebe") e Metzorá (literalmente "Pessoa contaminada com Tzaráat"). O ponto em comum entre as duas Parashiót é que elas descrevem uma terrível doença espiritual chamada Tzaráat, que contaminava pessoas que cometiam certos tipos específicos de transgressão. A manifestação física desta doença era através de manchas que podiam atingir as paredes da casa, as roupas e até mesmo a própria pele do transgressor. A Parashá Metzorá descreve o difícil e doloroso processo de purificação quando a Tzaráat atingia as paredes da casa. Neste processo estava incluída a retirada de todas as pedras da parede que estavam manchadas, exigindo a substituição por novas pedras, e a retirada de todos os objetos de dentro da casa, que precisavam ficar do lado de fora até o final do processo de purificação, pois tudo o que ficasse dentro da casa com Tzaráat automaticamente também ficava espiritualmente contaminado.

Porém, há uma aparente contradição sobre o motivo pelo qual D'us mandava a Tzaráat que atingia as paredes das casas. De acordo com o Talmud (Arachin 16a), a Tzaráat era uma punição pela transgressão da mesquinhez. O castigo que D'us mandava estava conectado com a transgressão cometida. Uma pessoa que é mesquinha não gosta de dividir o que é seu com os outros. Quando alguém pedia algo emprestado ao mesquinho, ele negava ter em casa o objeto pedido. Como punição, sua casa era atingida pela Tzaráat e o mesquinho tinha que colocar todos os seus objetos para fora de casa. Consequentemente, todos os que tinham pedido objetos emprestados viam que o mesquinho tinha o objeto em casa e que não havia emprestado por puro egoísmo. Portanto, de acordo com o Talmud, fica claro que a Tzaráat era a punição por uma transgressão.

Mas Rashi (França, 1040 - 1105), citando um Midrash (parte da Torá Oral), explica que a Tzaráat que atingia a casa das pessoas era algo bom. Os Emorim, que moravam na Terra de Knaan, quando viram o povo judeu se aproximando, esconderam todos os seus objetos de valor dentro das paredes de casa, na esperança de algum dia voltar para reaver seus bens. Quando os judeus conquistaram Knaan, foram morar nas casas construídas pelos Emorim, sem saber que aquelas paredes escondiam incríveis tesouros. De maneira natural seria impossível encontrar aqueles objetos de valor, pois estavam muito bem escondidos. Porém, D'us fazia com que as manchas da Tzaráat aparecessem justamente nas partes das paredes que ocultavam os tesouros. Assim, quando as pedras manchadas eram retiradas, revelavam incríveis fortunas. Isto implica que a Tzaráat nas casas não era uma punição por algum mau ato, e sim uma recompensa, uma forma de dar às pessoas grandes riquezas.

Portanto, existe uma enorme contradição entre a explicação trazida pelo Midrash e a explicação trazida pelo Talmud. Afinal, a Tzaráat que aparecia nas casas era uma recompensa ou era um castigo? Além disso, se era uma recompensa, por que vinha junto com o terrível sofrimento da Tzaráat? E se era um castigo, por que a pessoa terminava encontrando um enorme tesouro nas paredes da sua casa?

Explica o Rav Moshe Feinstein zt"l (Lituânia, 1895 - EUA, 1986) que a pessoa que recebia a Tzaráat na sua casa e depois encontrava o tesouro merecia as duas coisas, isto é, o castigo e a recompensa. Se a pessoa não tivesse cometido uma transgressão, D'us teria dado o dinheiro que ela merecia de outra maneira, certamente muito mais prazerosa. E se a pessoa tivesse cometido alguma transgressão e não merecesse encontrar o tesouro dos Emorim, então D'us teria feito com que as manchas aparecessem em outros lugares da parede e não nos lugares onde os tesouros estavam escondidos. Portanto, a pessoa cuja casa teve suas paredes atingidas pela Tzaráat e, ao fazer os procedimentos de purificação, encontrou os tesouros dos Emorim, deveria olhar para ambos os aspectos da Providência Divina. Por um lado deveria se alegrar por D'us ter concedido a ela a bondade de encontrar os tesouros. Porém, ao mesmo tempo, deveria fazer Teshuvá (se arrepender e consertar seu erro), não permitindo que as "boas notícias" o distraíssem de escutar a "bronca" de D'us.

Desta explicação aprendemos algo incrível. A Providência Divina é tão espetacular que D'us pode, em Sua Sabedoria Infinita, recompensar e castigar uma pessoa ao mesmo tempo. De acordo com a Torá, os castigos não são simplesmente formas de D'us nos causar dor sem nenhuma justificativa. Ao contrário, as punições de D'us são formas Dele se comunicar conosco, nos permitindo mudar e melhorar em certas áreas. Portanto, devemos estar sempre atentos às mensagens de D'us. Mesmo quando ocorrem coisas boas em nossas vidas, é sempre importante observar se estas coisas boas também carregam certos aspectos negativos. Muitas vezes há mensagens de consertos necessários que estão ocultas dentro das recompensas, como no caso dos tesouros encontrados nas paredes das casas com Tzaráat.

De acordo com o Rav Yehonasan Gefen, há ainda outro ensinamento importante que aprendemos do fato da recompensa da Tzaráat nas paredes de casa estar conectada com o castigo. De acordo com o Talmud, a pessoa teve Tzaráat por ter sido excessivamente mesquinha e por ter recorrido a táticas desonestas para proteger seus bens. Seu erro está baseado em olhar para suas posses e bens de uma maneira exclusivamente material, esquecendo que há um lado espiritual por trás de tudo o que ocorre. A pessoa seguiu apenas as "leis da natureza" que dizem, por exemplo, que dar Tzedaká (caridade) e emprestar objetos aos outros causa uma diminuição das nossas posses. A pessoa acredita que, sendo mesquinha e egoísta, ela pode proteger suas riquezas. Por isto o castigo vem "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), com o transgressor passando por uma substancial perda financeira através dos danos nas paredes da sua casa. Além disso, o transgressor passa pela vergonha de ser exposto como uma pessoa desonesta e egoísta, que evita emprestar seus bens com mentiras.

Talvez a própria recompensa de encontrar o tesouro era um "tapa na cara" que o transgressor recebia de D'us, para ajudá-lo a enxergar a fonte do seu erro. A pessoa que foi mesquinha acreditou que precisava recorrer a métodos desonestos para manter seu dinheiro, mas D'us o ensinava que Ele, em Sua infinita bondade, pode dar riquezas de diversas maneiras, como ensinam os nossos sábios: "Muitos são os 'mensageiros' que podem cumprir a vontade de D'us". É por isso que a pessoa encontrava uma fortuna de maneira completamente improvável, até mesmo irônica: dentro das paredes da sua própria casa. Além de beneficiar a pessoa, este tesouro trazia consigo a importante mensagem de que não devemos gastar energias de forma excessiva para adquirir riquezas, pois é D'us Quem nos provê tudo o que necessitamos.

A Tzaráat nos ensina que se esforçar demasiadamente para adquirir bens materiais é vão e inútil. Isto se aplica ainda mais nos casos de pessoas que juntam riquezas de maneira desonesta ou através de mesquinharia. Devemos ser sempre retos e honestos, utilizando nosso dinheiro e nossos bens para fazer bondades com os outros. E com Emuná (fé) completa de que D'us sempre vai nos mandar o que necessitamos, principalmente se estivermos utilizando o que temos em prol dos outros.

Shabat Shalom

R' Efraim Birbojm

http://ravefraim.blogspot.com.br/

TazríaLv l2:1-13:59, 2 Rs. 4:42·5:19
Metsorá Lv14:1-15:33, 2 Rs. 7:3-20

sexta-feira, 21 de abril de 2017

QUEM É O TOLO? - PARASHÁ SHEMINI 5777

"Conta-se que há muito tempo, em uma pequena cidade do interior, um grupo de jovens se divertia diariamente com um tolo que vivia na região. Era um pobre coitado, que aparentava pouca inteligência e vivia de pequenos trabalhos e de esmolas nas ruas. Todos os dias os jovens da cidade chamavam o tolo ao bar onde se reuniam e ofereciam a ele a escolha entre duas moedas: uma grande, de quatrocentos réis, e outra menor, de dois mil réis. O tolo sempre escolhia a maior e menos valiosa, o que era motivo de risos para todos. Certo dia, um dos jovens do grupo de zombadores chamou o tolo e disse:

- Desculpe perguntar, mas depois de tanto tempo você ainda não percebeu que a moeda maior vale menos?
 
- É claro que eu percebi - respondeu o homem, demonstrando não ser tão tolo assim quanto parecia - eu sei que ela vale cinco vezes menos do que a moeda pequena.

- Se você sabe, então por que toda vez você pega a moeda menos valiosa?

- Pois eu sei que, no dia que eu escolher a outra, a brincadeira acaba e não vou mais ganhar minha moeda..."

Qual é a conclusão desta história? Que os zombadores, que achavam que estavam se divertindo e enganando, eram os verdadeiros tolos que estavam sendo enganados. Assim também acontece em nossas vidas. Não nos preocupamos com as pequenas transgressões que cometemos no dia-a-dia. Porém, de pequenos em pequenos erros, vamos deixando o nosso Yetser Hará (má-inclinação) nos controlar.

Nesta semana lemos a Parashá Shemini (literalmente "Oitavo"). Por que este nome? Pois a Parashá começa descrevendo o processo de inauguração do Mishkan (Templo Móvel). Por sete dias Moshé montou sozinho o Mishkan, fez os serviços diários e o desmontou. No oitavo dia Moshé montou definitivamente o Mishkan e os Cohanim (sacerdotes) assumiram os serviços diários, como a oferenda dos Korbanót (sacrifícios) e do incenso.

Em relação ao momento em que o serviço do Mishkan foi oficialmente passado aos Cohanim, há um versículo interessante que nos chama a atenção: "E disse Moshé para Aharon: Aproxime-se do Mizbeach e faça a sua oferenda de pecado e a sua oferenda de elevação" (Vayikrá 9:7). Mas por que Moshé precisou pedir para que Aharon se aproximasse do Mizbeach? Não era óbvio que para fazer os Korbanót ele deveria se aproximar do Mizbeach?

Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que Aharon, ao entrar no Mishkan, viu que o Mizbeach tinha o formato de um touro e por isso teve medo de se aproximar. Moshé, vendo o receio de Aharon de se aproximar do Mizbeach, o tranquilizou. Somente então Aharon se aproximou do Mizbeach. É por isso que a Torá precisou ressaltar que Moshé pediu para que Aharon se aproximasse do Mizbeach.

Porém, este Midrash é difícil de ser entendido. O que significa que Aharon viu que o altar tinha o formato de um touro? Além disso, por que isto teria deixado Aharon com medo de se aproximar? E, finalmente, como Moshé fez para convencer Aharon a se aproximar do Mizbeach?

De acordo com o Ramban zt"l (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270), pelo fato de Aharon ser uma pessoa tão sagrada e elevada, não havia em sua alma nenhuma marca de transgressão, com exceção de sua participação na construção do bezerro de ouro. Este erro estava muito fixo em seus pensamentos o tempo inteiro, a ponto de Aharon enxergar o Mizbeach como se ele tivesse o formato de um touro, tamanha era sua preocupação que a sua participação na construção do bezerro de ouro pudesse impedir sua expiação espiritual. Foi então que Moshé o consolou e disse: "Acalme-se e não fique tão triste, pois D'us já te perdoou e já aceitou seus atos novamente". Somente então Aharon concordou em se aproximar do Mizbeach.

Porém, esta explicação do Ramban também é difícil de ser entendida. A participação de Aharon na construção do bezerro de ouro foi algo quase irrelevante. Quando o povo errou as contas e achou que Moshé havia morrido no Monte Sinai, os judeus exigiram que Aharon construísse para eles um bezerro de ouro. Hur, o sobrinho de Aharon, tentou se levantar contra o povo para impedi-los, mas foi assassinado. Aharon percebeu que não adiantava usar a força, pois o povo estava obstinado. Era necessário utilizar a astúcia para tentar impedir o povo de fazer o bezerro de ouro. Por diversas vezes ele tentou ganhar tempo, na esperança que Moshé chegaria a qualquer instante, mas mesmo assim o bezerro acabou sendo construído. Por isso, apesar das boas intenções, a Torá considera que Aharon teve certa responsabilidade na construção do bezerro de ouro. Mas foi certamente uma participação secundária, com a intenção de fazer o bem, e não um erro intencional.

Além disso, quando Moshé bateu na pedra para dar água ao povo, ao invés de falar com a pedra, Aharon também foi duramente castigado e nenhum dos dois entrou na Terra de Israel. Os comentaristas da Torá se esforçam muito para descobrir exatamente qual foi a "fagulha" de erro cometido por Aharon neste episódio da pedra. Se no caso do bezerro de ouro Aharon não recebeu um castigo tão duro, isto significa que certamente o erro foi algo ainda menor do que o erro cometido no episódio da pedra. Então por que Aharon teve medo de se aproximar do Mizbeach por causa de sua participação na construção do bezerro de ouro se foi algo tão insignificante? E mesmo se ele realmente tivesse feito algum "estrago" espiritual com seu erro, D'us já tinha demonstrado que o havia perdoado ao escolhê-lo como Cohen Gadol (Sumo Sacerdote). Então por que tanta preocupação?

Responde o Rav Leib Chassman zt"l (Lituânia,1869 - Israel, 1935) que desta atitude de Aharon podemos aprender algo muito importante para nossas vidas. Mesmo que foi um erro muito pequeno, este erro doeu tanto em Aharon e causou nele uma impressão tão forte que ele chegou ao ponto de ver o Mizbeach com a forma de um touro e não quis nem se aproximar dele. Este era o nível no qual Aharon aprofundava seus pensamentos de arrependimento e amargura pelo erro cometido, cumprindo as palavras de David Hamelech: "Minhas transgressões estão sempre diante de mim" (Tehilim 51:5).

Se isto se aplica a alguém tão sagrado quanto Aharon, que fez um erro tão pequeno e ainda rodeado de boas intenções, o quanto deve ser grande a preocupação de quem cometeu uma transgressão intencional? Quanto devemos nos envergonhar por termos ido contra a vontade de D'us? Infelizmente vemos pessoas que caminham na direção oposta de Aharon, pessoas que chegam ao nível de "um homem que bebe como água suas transgressões" (Yov 15:16). Por que a comparação do transgressor com aquele que bebe água? Pois da mesma forma que a pessoa bebe água com facilidade, sem grandes esforços, assim também é aquele que faz transgressões sem sentir nenhuma amargura ou arrependimento.

O que faz uma pessoa chegar neste nível espiritual tão baixo? De acordo com o Rav Leib Chassman, quanto mais a pessoa reflete sobre os seus atos e sobre a grandeza de D'us, mais ela vai ser cuidadosa com cada pequeno ato. Porém, a pessoa que não fica atenta aos seus atos e aos caminhos que está seguindo em sua vida acaba vivendo apenas de acordo com as vontades do seu coração. Seus pequenos maus atos cotidianos vão bloqueando seu coração de perceber a grandeza de D'us e, automaticamente, de perceber a gravidade dos estragos causados por cada transgressão que comete. Como na história do tolo, o nosso Yetser Hará vai nos fazendo tropeçar em pequenas transgressões, que vão se acumulando. Aquele que não reflete, quando percebe já está atolado de transgressões até o pescoço. Apesar de achar que está enganando seu Yetser Hará ao evitar as grandes transgressões, na verdade é ele quem está sendo feito de tolo.

Nossos sábios comparam nossa vida com uma corda que está esticada desde o dia do nosso nascimento até o nosso último dia de vida, e sobre ela nós precisamos caminhar, como um equilibrista que caminha sobre a corda bamba esticada sobre um abismo. Quando prestamos atenção em um equilibrista que caminha sobre a corda bamba, percebemos sua incrível concentração a cada passo dado. Por que ele se concentra tanto? Pois ele sabe que apenas um único passo errado pode custar sua vida. Ele precisa de foco e de todo o cuidado. Assim era o sentimento de Aharon, completamente concentrado e focado em cada pequeno passo. Por isso ele sentiu tanto o peso de sua participação na construção do bezerro de ouro. Como ele refletia e se sentia em uma corda bamba sobre um abismo, mesmo seu pequeno erro pareceu aos seus olhos algo gigantesco.

Aquele que reflete sempre e acerta a cada instante seu passo conseguirá terminar sua travessia com segurança e alcançará uma incrível recompensa pela travessia de sucesso. Mas aquele que deixa a vida levá-lo corre o enorme risco de cometer, mais cedo ou mais tarde, um tropeço fatal.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 9:1-11:47, 2 Sm. 6:1-7:17

sexta-feira, 14 de abril de 2017

TROPEÇANDO NO PRÓPRIO ORGULHO - PESSACH II 5777

TROPEÇANDO NO PRÓPRIO ORGULHO - PESSACH II 5777 (14 de abril de 2017)
"David foi ao barbeiro para cortar o cabelo, como sempre fazia todo mês. Ele começou a conversar com o barbeiro sobre vários assuntos. A conversa então tomou um rumo mais espiritual e eles começaram a falar sobre D'us. Enquanto David era uma pessoa de imensa Emuná (fé) em D'us, o barbeiro era um ateu convicto. O barbeiro disse:

- Eu não preciso deste seu D'us para nada. Através do meu esforço eu consigo garantir meu sustento e manter minha família e minha saúde. Além disso, eu não acredito que seu D'us realmente exista. Você só precisa sair na rua para ver que D'us não existe. Se D'us existisse, você acha que haveria tantas pessoas doentes? Haveria crianças abandonadas? Haveria dor e sofrimento? Eu não consigo imaginar um D'us que permite todas essas coisas.

David não quis dar imediatamente uma resposta, para evitar uma discussão mais acalorada. Quando o barbeiro terminou o corte e David se preparava para sair, passou na rua um homem com barba e cabelos longos. Ele tinha uma aparência péssima, parecia que não cortava o cabelo ou fazia a barba há um bom tempo. Então David disse ao barbeiro:

- Sabe de uma coisa, acho que são os barbeiros que não existem.

- Como assim os barbeiros não existem? - perguntou o barbeiro - Eu estou aqui e sou um barbeiro!!!

- Não! - afirmou David - Os barbeiros não existem, porque se existissem, não haveria pessoas com barba e cabelos tão longos como aquele homem que está andando ali na rua. Veja, que homem de aparência horrível! Se os barbeiros existissem, eles permitiriam uma pessoa andar pela rua desta maneira?

- Que argumento mais tolo - disse o barbeiro para David - é óbvio que barbeiros existem, mas há pessoas não procuram os barbeiros. Isto é uma opção delas. Se a pessoa quer ficar com a aparência desleixada como este jovem que passou na rua, isto é uma escolha dela, não tem nada a ver com a existência dos barbeiros.

- Que seus ouvidos escutem o que diz a sua boca! - respondeu David - Suas palavras são a resposta ao seu questionamento. D'us existe, mas há muitas pessoas não O procuram, por opção delas. Pessoas como você, que acham que tem tudo na vida por seu próprio esforço e mérito. E é justamente por isso que há tanta dor e sofrimento no mundo.

Neste Shabat continuamos revivendo a Festa de Pessach, na qual comemoramos a liberdade do povo judeu da terrível escravidão egípcia. E no domingo de noite (16 de Abril) novamente é Yom Tov, um dia com mais santidade, no qual nos abstemos de trabalhos construtivos. O primeiro dia de Pessach é um dia de santidade especial, pois foi neste dia que saímos do Egito, mas por que o sétimo dia também é um dia de mais santidade? Pois neste dia D'us fez o incrível milagre da abertura do Mar Vermelho. Por diversas vezes D'us ordenou ao Faraó que deixasse o povo judeu sair. Porém, em sua obstinação e orgulho, ele não escutava os avisos e ameaças. As pragas destruíram a infraestrutura do Egito, mas mesmo assim o Faraó se recusava a se curvar diante da demonstração de força de D'us. Depois que os judeus saíram do Egito, o Faraó ainda reuniu seu exército para persegui-los. O orgulho do Faraó só acabou quando D'us abriu o mar, para que os judeus passassem em terra firme, e fechou-o sobre os egípcios, afogando-os e terminando para sempre a escravidão.

Porém, observando o processo de salvação do povo judeu, há algo que nos chama muito a atenção. Em todos os acontecimentos, há um foco muito maior no Faraó do que no próprio povo judeu. Por exemplo, nas dez pragas, a Torá sempre descreve a reação do Faraó, mas raramente menciona o que estava acontecendo com o povo judeu. Por que a Torá colocou os "holofotes" sobre as reações do Faraó, ao invés de ressaltar as reações do povo judeu? Afinal, quem é o protagonista principal da saída do Egito, o Faraó ou o povo judeu?

Explica o Rav Shlomo Wolbe zt"l (Alemanha, 1914 - Israel, 2005) que a resposta está no entendimento da diferença entre as primeiras gerações da humanidade e as gerações mais recentes. Nas primeiras gerações, como a geração do dilúvio, a geração da Torre de Babel e a geração de Sdom (Sodoma), havia muitas pessoas com consciência plena da existência de D'us. Apesar disso, estas gerações intencionalmente se rebelaram contra Ele. Já nas gerações mais recentes, apesar do ateísmo ainda estar presente, não vemos movimentos organizados de rebelião contra D'us. Por que as primeiras gerações, que compreendiam a Onipotência de D'us, se rebelaram contra Ele, enquanto as gerações mais recentes não?

Além disso, o nível de rebeldia das primeiras gerações é assustador. Rashi (França, 1040 - 1105), ao comentar sobre o dilúvio (Bereshit 6:6), afirma que, apesar de D'us ter planejado a destruição de toda a humanidade através de um dilúvio, Ele se "consolou" pelo fato de ter criado o ser humano na terra e não nos céus, pois se o homem tivesse sido criado nos céus, ele teria convencido até mesmo os anjos a se rebelarem contra D'us. Rashi está nos ensinando até onde chegava o orgulho e a arrogância da geração do dilúvio. Mesmo sabendo da Onipotência de D'us, as pessoas daquela geração desejavam ser independentes a qualquer custo. Mesmo se o homem morasse nos céus, ainda assim ele não se subjugaria a D'us, apesar da certeza de que é Ele que controla os céus e a terra.
 
Algo semelhante podemos enxergar também na história do povo judeu. Quarenta dias depois de D'us ter se revelado ao povo inteiro e ter transmitido pessoalmente os 10 Mandamentos, os judeus fizeram o bezerro de ouro. Como pode ser que o povo judeu, após a maior revelação de D'us na história da humanidade, após ter visto D'us "face a face", construiu um bezerro de idolatria? Se era para seguir uma divindade, qual era a diferença entre servir a D'us ou ao bezerro de ouro?

Responde o Rav Wolbe que é mais fácil para o ser humano servir algo que foi criado com as suas próprias mãos do que servir a D'us. As gerações passadas sabiam que foi D'us quem nos criou e que é Ele quem dita as regras. É por isso que era mais fácil servir o bezerro de ouro, que não tem nenhuma força real e não exige nada de nós, do que servir a um D'us Onipotente e que definiu regras para o mundo. Quando D'us quis destruir o povo judeu após a construção do bezerro de ouro, Ele explicou a Moshé o motivo: "Eu vi esta nação, e eis que eles são uma nação de pessoas obstinadas" (Shemot 32:9). D'us quis deixar claro que a raiz da transgressão do bezerro de ouro não era a vontade de fazer idolatria, e sim a obstinação, uma consequência do orgulho e da arrogância do ser humano.

Agora podemos entender a diferença entre as primeiras gerações, que reconheciam a existência de D'us e mesmo assim se rebelavam contra Ele, e as gerações mais recentes. As primeiras gerações reconheciam a grandeza de D'us e Sua Onipotência e, justamente por isso, tinham dificuldade de se subjugar a uma Força que eles sabiam ser muito maior do que sua própria força. Já as gerações mais recentes estão tão afastadas da espiritualidade que nem reconhecem mais a verdadeira grandeza de D'us. Portanto, as gerações mais recentes não sentem a necessidade de se rebelar, pois não se sentem ameaçadas pela Onipotência de D'us.

Este também é o motivo pelo qual a Torá colocou os holofotes sobre o Faraó e não sobre os judeus quando descreveu o processo de libertação da escravidão. Os longos e terríveis anos de escravidão quebraram os judeus, fisicamente e espiritualmente. O único apoio dos judeus para continuarem vivos no inferno egípcio era a esperada redenção, prometida desde os dias de Avraham. Quando finalmente D'us se revelou, o povo judeu aceitou sobre si prontamente e de bom grado o jugo de D'us. Portanto, durante as pragas, a Torá não precisou focar no povo judeu, pois eles não se rebelaram contra a força de D'us. Eles não tinham nenhum tipo de orgulho que bloqueasse a conexão com o Criador. Já o Faraó, ao contrário, era muito orgulhoso e preferia afirmar: "Não conheço D'us" (Shemot 5:2). Ele se vangloriava que o Nilo, uma das maiores divindades egípcias, foi criado por ele, como está escrito: "Eis que o Nilo é meu. Eu o fiz, para o meu uso e proveito" (Yechezkel 29:3). Por isso a Torá coloca o foco sobre o Faraó, para nos ensinar que as pragas foram direcionadas de forma a sistematicamente subjugá-lo, quebrando sua arrogância e mostrando a ele a grandeza de D'us.

Portanto, uma das principais lições que a Torá quis nos ensinar foi a terrível consequência da falta de humildade. Não importa quão grande uma pessoa pensa que é, a realidade é que ela é apenas uma criação e, por isso, deve ser submissa e humilde perante seu Criador. Podemos aprender isto por bem ou, como o Faraó, por mal, através de sofrimentos que são enviados para quebrar a arrogância daqueles que se afastaram de D'us por causa de sua própria honra. Os ateus são, acima de tudo, pessoas arrogantes, pois mesmo diante das provas mais contundentes, ainda assim preferem continuar negando a força de D'us. Um exemplo impressionante é Francis Crick, o vencedor do Prêmio Nobel de Medicina em 1953 pela descoberta da estrutura do DNA. Alguém que entendeu neste nível a complexidade e a perfeição do corpo humano deveria automaticamente entender que existe um "Desenhista" que projetou o mundo. Alguém que entende profundamente de microbiologia sabe que não existe acaso. Porém, Francis Crick preferiu explicar a criação do mundo através da "Panspermia Dirigida", uma teoria na qual credita-se a seres de outros planetas o início da vida na Terra, quando foram "plantadas" no mundo sementes de vida geneticamente programadas para evoluir até chegar ao ser humano. Para Francis Crick, vencedor do Prêmio Nobel, é mais fácil aceitar que fomos criados por seres de outro planeta, limitados e que não exigem nada de nós, do que por um Criador Onipotente, que tem exigências de conduta moral. O problema não é a falta de inteligência, e sim a falta de vontade de enxergar. O pior cego é aquele que não quer ver.

Mas isto não acontece somente com os ateus. Até mesmo aqueles mais conectados com as Mitzvót sentem as consequências de não trabalhar o traço de caráter da humildade. Pessoas podem estudar Torá por horas completamente concentradas, mas quando chega o momento da Tefilá (reza) sentem uma enorme dificuldade de concentração, pois são bombardeadas com incontáveis pensamentos aleatórios. Por que isto acontece? Quando fazemos Tefilá, estamos reconhecendo que existe uma Força Superior que controla tudo. Na Tefilá pedimos, entre outras coisas, sustento, saúde e conhecimento, demonstrando que tudo o que temos na vida vem de D'us. Mas o ser humano tem a tendência de "fugir" deste reconhecimento e, por isso, mesmo de forma subconsciente, permitimos que sentimentos de rebeldia surjam em nossas cabeças durante a Tefilá. Isto é uma consequência do nosso orgulho, de esquecermos que tudo vem de D'us.

A humildade verdadeira é saber que é D'us que dá tudo o que precisamos. É ele que nos dá a força para trabalharmos e a inteligência para entendermos. Aqueles que acham, como o Faraó, que não precisam de D'us, são justamente aqueles que descobrem, da pior maneira possível, que não somos nada sem Ele.

Shabat Shalom e Pessach Kasher VeSameach

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex 33:12-34:26; Nm 28:19-25, Ez 36:37-37:14

domingo, 2 de abril de 2017

SEJA CUIDADOSO NA VIDA - PARASHÁ VAYIKRÁ 5777

"O Rav Yossef Dov Soloveitchik zt"l (Bielorrússia, 1820 - 1892), mais conhecido como "Beis Halevi", era um grande sábio de Torá e o juiz da cidade onde morava. Certo dia ele foi para a sinagoga estudar com seu filho pequeno. Era um dia muito quente de verão e o Rav Yossef Dov retirou seu terno e seu chapéu, sentou-se e em poucos instantes estava completamente imerso no estudo de Torá com seu filho. De repente, entrou na sinagoga um dos açougueiros da cidade e começou a gritar e a ofender o Rav Yossef Dov. Entre as ofensas, o açougueiro começou a acusar o rabino de ser desonesto e ter desviado intencionalmente um julgamento. No dia anterior, este açougueiro havia ido ao Beit Din (Tribunal Rabínico) do Rav Yossef Dov para uma disputa com outro açougueiro. O Rav Yossef Dov, de acordo com os dados que foram trazidos pelas duas partes, deu a razão ao outro açougueiro. O homem ficou muito irritado, pois ele tinha certeza absoluta de que estava com a razão. Por isso, começou a acusar o Rav Yossef Dov de ter sido subornado pelo outro açougueiro com uma enorme quantia de dinheiro.

Quando o Rav Yossef Dov escutou as acusações que estavam sendo proferidas contra ele, levantou-se, vestiu seu terno e seu chapéu e ficou de pé, olhando para o chão, completamente em silêncio. No momento em que o açougueiro viu que o rabino havia ficado de pé, começou a ofendê-lo ainda mais, falando palavras de desprezo e proferindo maldições, além de chamá-lo de ladrão. O açougueiro chegou inclusive a levantar a mão, ameaçando agredir o rabino. Mas enquanto o açougueiro despejava suas ofensas e maldições, o Rav Yossef Dov se controlava e escutava as humilhações em completo silêncio. Quando finalmente o açougueiro virou-se para ir embora, o Rav Yossef Dov caminhou lentamente na direção dele e da sua boca saíram as seguintes palavras: "Eu te perdoo, eu te perdoo, não quero que você seja castigado por causa dos meus sofrimentos".

No dia seguinte, o açougueiro estava caminhando por uma das ruas da cidade, levando para o abatedouro alguns bois que havia acabado de comprar no mercado. De repente, um dos bois começou a se comportar de maneira estranha, como se tivesse enlouquecido, e se jogou sobre o açougueiro, matando-o imediatamente. Quando o Rav Yossef Dov escutou a notícia da morte do açougueiro, ele ficou arrasado, imerso em uma terrível tristeza, e repetiu algumas vezes ao seu filho: "Eu suspeito que, por ter ficado chateado com este homem, eu causei a morte dele". Seu filho respondeu que ele não devia pegar para si a culpa, pois havia perdoado o homem. O Rav Yossef Dov não queria acreditar nas palavras do seu filho, achando que ele estava inventado apenas para acalmá-lo. Quando seu filho começou a descrever as palavras que ele havia utilizado para perdoar o açougueiro e o lugar exato da sinagoga onde ele estava quando disse aquelas palavras, somente então ele se acalmou um pouco. Apesar disso, ficou extremamente triste com o ocorrido.

O Rav Yossef Dov participou do enterro do açougueiro e chorou amargamente sobre seu caixão. Ele recebeu sobre si falar o "Kadish" pelo falecido durante os 11 meses de luto e também estudar diariamente "Mishnaiót" em elevação da alma dele. Além disso, ano após ano, até o último ano de sua vida, o Rav Yossef Dov jejuava, falava Kadish e estudava Mishnaiót no "Yortzait" (dia do falecimento) do açougueiro, com as mesmas rigorosidades que fazia no dia do Yortzait do seu próprio pai."

Mesmo após ter sido duramente ofendido e humilhado, o Rav Yossef Dov não se consolava pela remota possibilidade de que ele havia causado a morte do açougueiro. Assim vemos o temor a D'us verdadeiro de uma pessoa, através dos cuidados e da preocupação que ela tem com as consequências dos seus atos e pensamentos.

Nesta semana começamos o terceiro livro da Torá, Vayikrá, que nos ensina sobre os Serviços espirituais feitos no Mishkan (Templo Móvel). E a Parashá desta semana, Vayikrá (literalmente "E chamou"), traz detalhes de um dos principais Serviços: os Korbanót (sacrifícios) oferecidos no Mizbeach (altar). O nome "Korban" vem de "Karóv", que significa "perto", demonstrando que a principal função dos Korbanót era nos aproximar de D'us. Em especial esta aproximação era necessária quando uma pessoa transgredia, pois toda transgressão causa um afastamento espiritual. O Korban vinha consertar o estrago espiritual e reaproximar a pessoa de D'us.

Um dos Korbanót mais interessantes trazidos nesta Parashá é o "Asham Talui", oferecido por alguém que tinha dúvidas se havia cometido ou não uma transgressão, como está escrito: "Se a pessoa pecar e cometer uma das Mitzvót de D'us que não podem ser feitas, mas ele não souber e se tornar culpado, ele carregará sua transgressão" (Shemot 5:17). Este versículo refere-se, por exemplo, ao caso de alguém que está comendo tranquilamente sua refeição, seguro de que está consumindo apenas alimentos Kasher, como "Shuman" (um tipo de gordura permitida). Porém, depois de terminar sua refeição, surge uma dúvida se aquela gordura que ele comeu era realmente "Shuman" ou se era "Chelev", uma gordura cujo consumo é proibido pela Torá. É justamente neste caso de dúvida que a Torá obriga a pessoa a trazer o Korban "Asham Talui", que literalmente significa "culpa pendente". Uma das funções deste Korban é proteger a pessoa de sofrimentos de expiação que poderiam vir sobre ela caso tenha realmente cometido a transgressão.

Porém, por que viriam sofrimentos sobre a pessoa? Mesmo que tenha comido o "Chelev", o versículo mesmo diz de forma explícita que trata-se de algo completamente sem intenção, sem o desejo de transgredir. Durante a refeição a pessoa estava tranquila e segura de que estava comendo algo permitido, a dúvida só surgiu depois. Então por que o Korban precisava ser trazido para proteger o transgressor de um possível castigo Celestial?

Explica o Rav Yechezkel Avramsky zt"l (Bielorrússia, 1886 - Israel, 1976) que o ser humano precisa estar sempre preocupado com suas responsabilidades na vida e com as consequências físicas e espirituais de seus atos. O erro expiado através do Korban "Asham Talui" é o fato da pessoa não ter sido suficientemente rigorosa com seus atos, a ponto de ter comido algo que era possivelmente uma grande transgressão da Torá sem ao menos ter suspeitado disso. Se tivesse sido mais cuidadosa, se tivesse se certificado de que realmente o que estava consumindo era Kasher, não teria nem se aproximado da transgressão. Por isso, este desleixo tem consequências espirituais negativas e poderia causar com que sofrimentos de expiação viessem sobre aquele que comeu algo proibido, mesmo que sem intenção.

Nos ensina o Talmud (Kidushin 81b) que quando Rabi Akiva chegava a este versículo da Torá, "mas ele não souber e se tornar culpado, ele carregará sua transgressão", ele chorava e dizia: "Se é tão rigoroso quando uma pessoa tem intenção de comer "Shuman" e acaba sem intenção comendo "Chelev", a ponto de a Torá afirmar que ele "carregará sua transgressão", quanto mais e mais a Torá é rigorosa com aquele que tem a intenção de transgredir e comer "Chelev". O choro do Rabi Akiva nos ensina a refletir sobre o quanto devemos nos preocupar com nossos atos, lembrando que tudo o que fazemos tem consequências.

Este conceito também é ensinado em relação às consequências físicas dos nossos atos. O Talmud (Baba Kama 26a) afirma que "Adam Muad Leolam", isto é, o ser humano é responsável por seus atos e é considerado como se estivesse sempre "pré-advertido" em relação às possíveis consequências negativas de seus atos. Se uma pessoa com uma mochila nas costas entra em uma loja de cristais e, ao virar-se de forma descuidada, derruba uma prateleira inteira, quebrando vários cristais caros, ela está obrigada a pagar pelos danos causados. Mas por que, se foi um ato sem intenção, um mero acidente? Pois de acordo com o Talmud, desde o Har Sinai D'us já nos avisou: "Quebrou, pagou". O ser humano tem que ser extremamente cuidadoso com cada um dos seus atos. Por exemplo, quando estamos dirigindo, devemos lembrar que o carro é uma arma letal, pronta a causar, a qualquer instante, danos irreversíveis. Um veículo, pesando mais de uma tonelada e viajando a 60 km/h, tem uma força destruidora imensa. Passar um sinal vermelho por estar com pressa é o mesmo do que dar um tiro para cima sem se preocupar em quem vai cair. Uma pessoa que matou de forma não intencional é chamada pela Torá de "Rotzeach", que significa "assassino". Apesar de ter sido "sem querer", a pessoa é responsável pelas consequências de seus atos. Por isso, precisamos sempre fazer tudo de maneira bem pensada e calculada.

O Talmud (Baba Kama 26a) chega ao ponto de afirmar que uma pessoa é responsável pelas consequências negativas de seus atos até mesmo se estiver dormindo. Por exemplo, se uma pessoa deitou-se ao lado de um vaso caríssimo e, enquanto estava dormindo, rolou na cama e quebrou o vaso, ela está obrigada a pagar. Por que? Pois antes de se deitar ela deveria ter levado em consideração a possibilidade de quebrar o vaso. Em outras palavras, em termos das consequências negativas que um ser humano pode causar através de seus atos, não existe o conceito de "foi sem querer". D'us nos deu um intelecto muito poderoso e Ele espera que o utilizemos também para evitar causar danos aos outros e a nós mesmos.

Se isto é verdade em relação aos atos com consequências materiais, muito mais devemos ser cuidadosos com os nossos atos que têm consequências espirituais. Nunca podemos fazer nada na vida sem pensar nas futuras consequências. Qualquer ato impensado e qualquer atitude sem a devida seriedade pode ter consequências espirituais muito negativas. O Korban "Asham Talui", oferecido pela simples possibilidade da pessoa ter cometido uma transgressão, é um lembrete de como as pessoas devem ser rigorosas e cuidadosas com seus atos. Somente com responsabilidade e seriedade podemos viver uma vida na qual estaremos livres de transgressões e de possíveis danos, a nós mesmos e às outras pessoas.
SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
LEVÍTICO l:1-6:7, Is. 43:21-44:23