sexta-feira, 31 de maio de 2013

OS FRUTOS DOS NOSSOS ATOS - PARASHÁ SHLACH 5773

 

"O Rav Yitzchak Elchanan Spector foi um dos maiores rabinos de sua geração. Ele era um grande estudioso de Torá e publicou muitos livros. Certa vez, um homem muito rico foi à sua casa e ofereceu doar uma grande soma de dinheiro para que o Rav Yitzchak Elchanan pudesse publicar seus livros. Porém, ao invés de responder, o rabino olhou bem nos olhos daquele homem e contou uma história:

- Quando eu tinha sete anos de idade, eu fiquei órfão e vivia em um terrível estado de pobreza, passando todos os tipos de necessidade. Eu não tinha nem mesmo sapatos, e sofria muito com o frio. Mas apesar das necessidades, eu tinha muita vergonha de pedir ajuda para as pessoas. Certa vez eu me enchi de coragem e fui à casa de uma pessoa muito rica, implorando por algum dinheiro. Eu não precisava muito, apenas um par de sapatos e um pouco de comida. Mas tudo o que eu recebi daquele homem rico foi uma porta na cara.

- Se eu tivesse comprado sapatos – continuou o Rav Yitzchak Elchanan – eu certamente teria estudado muito melhor e poderia ter escrito livros ainda mais profundos e interessantes do que os que eu escrevi.

- Portanto – finalizou o Rav Yitzchak Elchanan – você acha que eu tenho que dar o mérito de financiar a publicação dos meus livros justamente àquela pessoa que um dia me fechou a porta na cara, sem me dar nem mesmo um par de sapatos para usar nos dias mais frios de inverno? Certamente que não. Então me perdoe, mas não tenho absolutamente nenhum interesse no seu dinheiro"

Não levamos em consideração as consequências futuras dos nossos atos. Por isso, muitas vezes não percebemos que as consequências de atos impensados podem se propagar e causar muito mais danos do que imaginávamos.


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Na Parashá desta semana, Shlach, a Torá traz um dos mais graves incidentes que ocorreram com o povo judeu no deserto: o pecado dos espiões. Mesmo após D'us ter garantido que Israel era uma terra fértil e boa, de onde fluía leite e mel, e mesmo depois de todas as provas do poder infinito de D'us, quando Ele esmagou o poderoso império egípcio com 10 pragas, o povo judeu não confiou Nele. O povo exigiu que a terra de Israel fosse previamente verificada, e para isso foram enviados 12 espiões. Mas o que deveria ter sido apenas uma missão de reconhecimento se transformou em uma grande tragédia: 10 espiões voltaram falando mal de Israel e desestimularam o povo, argumentando que era uma terra de gigantes, impossível de ser conquistada. O povo chorou, perdendo o mérito de entrar na terra de Israel. D'us decretou que aquele dia, Tishá be Av (dia nove do mês de Av), seria um dia de choro para todas as gerações. Toda aquela geração morreu no deserto e somente uma nova geração entrou em Israel.

Se para o povo judeu as consequências foram tão negativas, para os 10 espiões que falaram mal da terra as consequências foram ainda mais trágicas. Além deles terem sofrido uma morte terrível, o Talmud (Sanhedrin 108 a) afirma que eles também perderam sua vida eterna no Olam Habá (Mundo Vindouro).

Desta afirmação do Talmud surge uma grande dúvida. Explica o Rambam (Maimônides) que D'us nos julga de acordo com os nossos atos. Se os méritos de uma pessoa são maiores do que suas transgressões, ela é considerada Tzadik (Justo), mas se suas transgressões são maiores do que seus méritos, então ela é considerada Rashá (malvado). Quando uma pessoa é rotulada por D'us como Tzadik ou Rashá, isto tem uma grande diferença em como será o Mundo Vindouro da pessoa. Se o Talmud conta que os espiões não tiveram Mundo Vindouro, isto significa que eles foram rotulados como Reshaim, isto é, que suas transgressões era maiores do que seus méritos.

Mas como isto é possível? Quando Moshé enviou os espiões para Israel, ele sabia da dificuldade da missão e, justamente por isso, enviou apenas pessoas completamente íntegras e justas. Os comentaristas da Torá explicam que os espiões eram pessoas espiritualmente muito elevadas, os maiores de sua geração. Portanto, certamente eles faziam centenas de Mitzvót todos os dias. Então como pode ser que uma única transgressão "arrancou" todos os bons atos que eles fizeram durante a vida, a ponto de perderem até mesmo o Mundo Vindouro? Se a maioria dos atos deles eram bons e retos, por que apenas um mau ato tirou deles o status de Tzadikim e colocou-os na categoria de Reshaim?

Explica o Rambam que o conceito de Tzadik ou Rashá não é medido através da quantidade de transgressões e méritos, e sim através do tamanho das transgressões e méritos. Isto quer dizer que uma pessoa ruim, que a vida inteira fez coisas erradas, pode meritar o Mundo Vindouro através de uma única Mitzvá, e uma pessoa que fez bons atos a vida inteira pode perder seu Mundo Vindouro por causa de uma única transgressão. Como isto funciona?

Os cálculos de D'us não são como os cálculos humanos, pois Ele, em Sua perfeição, pode levar em consideração muitos pontos que são impossíveis de serem considerados pelos seres humanos, por causa das nossas limitações. Detalhes de uma Mitzvá ou de uma transgressão podem fazer com que elas tenham um peso muito maior ou menor. Por exemplo, uma transgressão feita com vontade, sem nenhuma tentativa de evitá-la, certamente tem um peso muito maior do que uma transgressão feita depois de muita luta interna. E, ao contrário, uma Mitzvá feita com Cavaná (intenção) e com todo o cuidado tem um peso muito maior do que uma Mitzvá feita sem atenção.

Além disso, há outro ponto que faz com que uma transgressão os uma Mitzvá fique mais pesada: os frutos que ela cria. Todos os nossos atos tem consequências, mas às vezes as consequências não são apenas para nós mesmos, pois atingem também outras pessoas. Quanto mais pessoas são atingidas por uma transgressão ou por uma Mitzvá, maior é o peso dela. Por exemplo, uma pessoa espiritualmente elevada que faz "Hilul Hashem" (denigre o nome de D'us) através de atos que não condizem com seu nível espiritual elevado, ensinando para as pessoas a se comportarem de maneira equivocada, terá sua transgressão multiplicada de acordo com o número de pessoas que foram influenciadas e o nível de influência sobre cada uma delas. Detalhes como estes apenas D'us, que tem controle sobre todo o universo, pode saber.

Com este conceito é possível entender a gravidade do erro dos espiões. Quando eles falaram Lashon Hará da terra, causaram uma histeria coletiva no povo judeu e fizeram com que uma geração inteira, de pessoas muito elevadas espiritualmente, perdesse o mérito de entrar em Israel. Por isso o castigo deles foi também tão pesado, pois foi proporcional a todos os frutos que saíram da transgressão que eles cometeram. Foi causado um grande Hilul Hashem, pois pessoas que deveriam ter sido vistas como exemplo de Emuná (fé) causaram com que uma geração inteira chorasse de desespero. E este choro de Tishá be Av, fruto daquela transgressão, ainda persiste até os nossos dias. É por isto que, apesar de todas as Mitzvót que os espiões já tinham feito em suas vidas, com uma única transgressão eles colocaram tudo a perder.

Mas ensinam nossos sábios que a bondade de D'us é centenas de vezes maior do que Sua justiça. Se as consequências dos frutos que saem de um mau ato são tão negativas, muito maiores são as consequências positivas de um ato de "Kidush Hashem (santificar o nome de D'us), quando ensinamos para as pessoas, através dos nossos bons atos, como elas devem se comportar. Quanto mais pessoas são influenciadas pelos nossos bons atos, quanto mais bons frutos vêm ao mundo, maior o nosso mérito para toda a eternidade.

Por isso, devemos prestar atenção em cada pequeno ato que fazemos. Costumamos fazer atos de forma impensada justamente por não levarmos em consideração até onde as consequências podem chegar. Temos que lembrar que nada passa despercebido aos olhos de D'us, e Ele espera que, ao invés de desviar as pessoas, possamos utilizar cada ato para ensinar lições de boa conduta a todo o mundo, cumprindo nossa missão de ser uma "Luz para as nações" e multiplicando nossos méritos para o Mundo Vindouro.

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 13:1-15:41, Js 2:1-24, Hb. 3:7-19

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Agronegócio é o que mantém este país

Ontem foram divulgados resultados do PIB do primeiro trimestre de 2013. Os números não surpreendem. Apenas mostram claramente o que o Brasil pode e o não pode ser. A indústria caiu 0,3% porque ainda que haja "investimentos" eles foram financiados pelo próprio governo através do BNDES e não corresponde de maneira alguma à tão necessária infra-estrutura. Com uma carga tributária tão alta e a inflação voltando com força é natural que o consumo caia. E não tem absolutamente nada a ver com a crise econômica mundial, pois nossa balança comercial já está negativa há tempos, pois não temos capacidade de concorrer com países asíaticos onde a mão de obra é barata e os impostos não oneram tanto como aqui.
O que realmente mantém este país? AGRONEGÓCIO!
Com o crescimento de 17% em relação ao mesmo período em 2012 o produtor rural demonstra em resultados o que já sabemos. Podemos ser o celeiro do mundo. Podemos ser top em produção de alimentos e assim sustentar o crescimento do Brasil.
Poderíamos.
Acho muito difícil que consigamos tornar realidade nossa verdadeira vocação. Muitos grupos ligados ao governo e a entidades que se dizem não-governamentais estão trabalhando muito para destruir o que os produtores construíram ao longo das últimas décadas.
Basta ver os Movimentos Sem Terra, e principalmente, a nova praga do campo: Demarcações indígenas. Estão retirando à força produtores rurais de suas propriedades. No Mato Grosso, índios armados invadiram uma fazenda e fizeram a família do produtor refém. Em Roraima, onde foi demarcada a reserva Serra Raposa do Sol no ano de 2009, arrozeiros (que ocupavam 1% do território da reserva) foram expulsos de suas terras e a cadeia produtiva e econômica foi junto com eles, trazendo decadência social para os próprios índios, além é claro do que aconteceu aos produtores que não foram indenizados de forma justa e muitos deles ainda não um teto para si.
Sem falar em toda discussão que houve sobre o Código Florestal, que agora parece um tanto quieta. Ambientalistas contra ruralistas. Os bons e os maus. Os que querem preservar e os que querem destruir. Rótulos assim ainda persistem. Mas ninguém vive sem alimento. Pergunte quanto trabalho dá para produzir o prato básico brasileiro: arroz, feijão, bife e salada.
Querem tirar o temos de melhor. O agronegócio brasileiro enfrenta dificuldades de escoamento de sua produção, intempéries climáticas, invasões, altos impostos e custo produtivo e mesmo assim consegue se superar.
É hora da chamada bancada ruralista gritar aos quatro ventos:
Somos nós que sustentamos vocês! Somos nós que alimentamos vocês!
Saibam usar policamente todos estes dados e resgatem o orgulho de sermos produtores rurais exigindo todo o respeito que merecemos.
 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

PREPARANDO-SE PARA AS DIFICULDADES - PARASHÁ BEHALOTECHÁ 5773

 

Júlio estava andando em um parque. Diante dele, a uma curta distância, estava uma mãe e sua filhinha de três anos de idade. A menininha andava contente, segurando um balão de gás na mão. De repente, quando a menininha estava distraída, uma rajada de vento arrancou o balão de sua mão e ele começou a subir em direção ao céu. Júlio se preparou para escutar, em poucos segundo, um grande escândalo. Mas não foi isto o que aconteceu. A pequena menina acompanhou com os olhos o balão indo para o céu, virou-se alegremente para sua mãe e gritou: "Uau!".

Júlio, sem perceber, havia aprendido naquele momento uma importante lição de vida. Mais tarde, naquele mesmo dia, ele recebeu um telefonema de uma pessoa com a notícia de um problema inesperado. Em um primeiro momento ele sentiu vontade de dizer "Não acredito! E agora, o que faremos?". Mas então Júlio lembrou-se da reação da garotinha. Ele então abriu um grande sorriso e disse para a pessoa que aguardava, aflita, do outro lado da linha:

- Uau, este problema é interessante. Como podemos resolvê-lo juntos?

Uma coisa é certa: a vida sempre tentará nos desequilibrar apresentando problemas inesperados e situações difíceis. Isto é um fato. Mas o que está em nossas mãos é a nossa reação, a nossa resposta diante dos problemas. Podemos escolher ser derrotados, ou podemos escolher ser vitoriosos.

Quanto mais nos prepararmos para encarar os problemas de maneira positiva e confiante, quanto mais investirmos em nossa espiritualidade para adquirirmos ferramentas de autocontrole e Emuná (fé), estaremos aumentando as chances de, nas situações mais difíceis, olharmos os nossos problemas de maneira positiva, ao invés de perdermos a tranquilidade e a esperança.

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A Parashá desta semana, Behalotechá, descreve o momento em que o povo judeu já se aproximava de sua entrada na Terra de Israel, após cerca de um ano no deserto, mas termina com uma série de transgressões, que culminaram no terrível pecado dos espiões, descrito na Parashá da semana que vem, e o consequente decreto de que o povo judeu permaneceria 40 anos no deserto. Entre os pecados desta Parashá estão o "excesso de vontade" do povo de abandonar o Monte Sinai, como uma criança que foge da escola ao escutar o sinal, e o pecado de terem desejado tanto comer carne a ponto de reclamarem do Man que D'us mandava diariamente, causando com que uma praga matasse muitos judeus.

Ao escutarmos estas transgressões, como definimos em nossas cabeças o nível dos judeus daquela época? Parecem pessoas guiadas apenas pelos desejos, ávidas por prazeres físicos imediatos, que não apreciavam o prazer profundo do estudo da Torá no Monte Sinai e os benefícios espirituais de comer Man, a comida que caía do céu. Mas certamente este é um entendimento equivocado, pois aquela era uma gerações de pessoas em um elevado nível espiritual, que haviam presenciado os grandes milagres da saída do Egito e a revelação de D'us no Monte Sinai. A geração do deserto é conhecida como "a geração do conhecimento" e, portanto, não poderiam ter se comportado como animais, apenas guiados pelos seus desejos. Então como devemos entender estes graves erros desta geração tão elevada?

Explica o Rav Avraham Grodzinsky que o povo judeu, durante todo o período em que estava no deserto, estava vivendo acima das leis da natureza. Eles não comiam uma comida normal, não precisavam se envolver com tarefas domésticas como lavar as roupas, não precisavam arar a terra e presenciavam constantemente milagres abertos. Esta não é a vida normal para a qual D'us nos criou, pois não somos anjos, seres meramente espirituais. A vida verdadeira é uma vida de interação com o mundo material, na qual é necessário um esforço constante para elevar o material e transformá-lo em espiritual. Os anjos não passam pelos testes que nós passamos, e são justamente os testes que nos elevam e nos conectam a D'us em um nível especial e único. Então por que D'us fez com que o povo judeu vivesse desta maneira "artificial" por tanto tempo? Pois, em Sua sabedoria superior, D'us queria que o povo judeu se preparasse para os futuros testes que se deparariam quando entrassem na terra de Israel. Eles precisavam de um tempo de espiritualidade pura para que, quando precisassem estar envolvidos com o mundo material, continuassem firmes no propósito de se conectar a D'us em cada pequeno ato do cotidiano.

Porém, esta situação "artificial" tinha um lado negativo. Quando uma pessoa está sujeita a testes e dificuldades, ela se conecta a D'us através do esforço utilizado para derrotar sua má inclinação. Cada vez que ela vence um teste, ela se eleva e adquire mais espiritualidade. Mas enquanto o povo judeu vivia neste estado "sobrenatural", eles não estavam sujeitos a nenhum tipo de teste e, portanto, o seu elevado nível espiritual em que eles se encontravam não foi conquistado, e sim dado de presente por D'us.

Esta foi a fonte dos erros descritos nesta Parashá. O povo judeu já estava há quase um ano no deserto, imersos em total espiritualidade. Eles então sentiram que já estavam prontos para voltar ao mundo material. Sua motivação era sincera e sua intenção era pura, pois o povo judeu queria aplicar toda a espiritualidade absorvida no Monte Sinai na difícil tarefa de elevar o mundo material. Foi este o motivo que os levou ao "excesso de vontade" de abandonar o Monte Sinai. Não uma vontade infantil de fugir da espiritualidade, e sim o desejo de viver de maneira a conseguir elevar o material ao espiritual. Isto também explica a rejeição do Man e a vontade de comer carne. O Man simboliza o estilo de vida "sobrenatural", e o povo sentiu-se pronto para abandonar este estado "artificial" e começar uma existência real, dentro das leis da natureza, comendo comida normal. Eles acreditavam que assim se deparariam com os testes que acompanham uma vida física e, portanto, teriam a oportunidade e o mérito de se aproximar de D'us em um nível nunca antes atingido.

Porém, se esta foi a verdadeira motivação do povo judeu, então por que D'us os castigou de maneira tão severa? Responde o Rav Avraham Grodzinsky que o momento do povo judeu voltar a uma existência natural ainda não havia chegado. Eles ainda precisavam viver uma vida "sobrenatural" por mais algum tempo, para estarem suficientemente preparados para vencer os desafios que encontrariam pela frente. O desejo de sair deste estado "sobrenatural" foi, portanto, prematuro e grave, pois colocou em risco todo o elevado nível espiritual do povo judeu. Além disso, o povo foi duramente castigado pois, ao invés de confiar em D'us, preferiu fazer seus próprios cálculos. Se D'us continuava mandando Man, significava que ainda era importante continuar no nível "sobrenatural". Se D'us não os havia mandado sair do Monte Sinai, significava que ainda havia muita espiritualidade para ser absorvida antes dos testes. A consequência foi desastrosa, causando uma queda espiritual que culminou no pecado dos espiões, e aquela geração inteira, a geração do conhecimento, morreu no deserto e não teve o mérito de entrar na Terra de Israel.

Portanto, fica para nós uma enorme lição de vida. Para podermos enfrentar os desafios e dificuldades da vida, é necessária uma preparação espiritual. A vida verdadeira não é uma vida de anjos, uma vida completamente espiritual, e sim uma vida material, na qual o materialismo precisa ser canalizado para o espiritual e, através do controle dos nossos impulsos e desejos, podemos nos conectar a D'us. Isto somente é possível com a devida preparação. O tempo diário que passamos no Beit HaMidrash (Centro de estudos de Torá), nos dedicando a estudar a Torá e a trabalhar nossas Midót (características), é uma das partes mais importantes na nossa preparação para os desafios da vida. Durante este tempo diário, no qual a pessoa quer se dedicar ao seu crescimento espiritual, ela deve se desconectar de suas ocupações mundanas e se focar na sua espiritualidade. Uma dica simples e importante é desligar o telefone celular durante o estudo de Torá e da Tefilá (reza), para aproveitarmos profundamente cada momento de espiritualidade do nosso dia.

A vida sempre nos traz dificuldades. Mas são justamente as dificuldades que nos ajudam a crescer. Quanto mais estivermos preparados, maiores serão as chances de conseguirmos reagir da maneira correta aos testes da vida. Assim, como a menininha do balão de gás, ao invés de lamentarmos e reclamarmos quando surgir uma dificuldade, poderemos abrir um enorme sorriso e dizer aos nossos problemas: "Uau".

"NÃO DIGA A D'US QUE VOCÊ TEM UM GRANDE PROBLEMA. DIGA AO PROBLEMA QUE VOCÊ TEM UM GRANDE D'US"

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 8:1-12:16, Zc 2:10 -4:7, 1 Co. 10: 6-13

sexta-feira, 17 de maio de 2013

HONESTIDADE ACIMA DE TUDO - PARASHÁ NASSÓ 5773

 

Ariel, um judeu religioso e extremamente honesto, foi ao dentista. Ao sair da consulta, encaminhou-se à mesa da secretária e foi informado que sua conta era de 34 shekalim. Ele deu para a secretária duas notas de 20 shekalim, mas a secretária informou que não tinha troco. Ele então procurou moedas em todos os seus bolsos e, após contar as que havia encontrado, percebeu que somavam apenas 13 shekalim. A secretária falou para ele:

- Pague 33 shekalim e, da próxima vez que vier ao consultório, você traz o que faltou.

Mas Ariel não ficou tranquilo. Ele perguntou se ela poderia anotar que ele estava devendo 1 shekel. A secretária respondeu que não, pois o computador estava quebrado.

- Sabe, deixe para lá. Me dê os 33 shekalim e está tudo certo – disse a secretária, querendo facilitar.

- Me desculpe – respondeu Ariel, com tranquilidade - mas como você é apenas funcionária da clínica, não tenho certeza se você pode dispensar este dinheiro que falta. Então vamos fazer o contrário. Para que não fique nenhuma dúvida, pegue os 40 shekalim e a diferença pode ficar para o dono da clínica. Prefiro pagar a mais do que correr o risco de ficar devendo, mesmo que seja apenas 1 shekel.

A secretária, que não era religiosa, não acreditou no que escutou. Admirada, ela comentou:

- Se houvesse no mundo mais pessoas como você, com a sua honestidade, certamente o Mashiach já teria chegado" (História Real, retirada do livro "Major Impact", de autoria de Dovid Kaplan).

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A Parashá desta semana, Nassó, nos conta que quando o Mishkan (Templo Móvel) foi inaugurado, os líderes das 12 tribos do povo judeu trouxeram suas oferendas particulares, em comemoração ao grande acontecimento. Mas há algo interessante nas oferendas dos líderes. Se prestarmos atenção, apesar de terem sido doações voluntárias e que cada um poder doar o que quisesse, os 12 líderes doaram exatamente as mesmas coisas, para evitar que surgisse inveja, competição e ódio dentro do povo judeu. D'us, querendo demonstrar como esta atitude O agradou, escreveu na Torá a oferenda de cada tribo, isto é, a mesma oferenda foi escrita 12 vezes, demonstrando que, apesar delas serem iguais, cada oferenda foi recebida como sendo única e especial.

Cada um dos objetos que fazia parte da oferenda dos líderes, além de ser um presente doado para o Mishkan, tinha um simbolismo especial. Por exemplo, entre outras coisas, cada líder doou ao Mishkan um novilho de boi, um carneiro e um cordeiro. Explica Rashi, comentarista da Torá, que o novilho correspondia a Avraham, o carneiro correspondia a Ytzchak e o cordeiro correspondia à Yaacov. Mas qual a relação entre estas oferendas e os nossos patriarcas?

Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que o novilho representa o Chessed (bondade) de Avraham. Quando ele recebeu os três anjos fantasiados de beduínos, ofereceu a eles língua de boi com mostarda, uma comida dos reis e nobres, mostrando sua extraordinária bondade com os outros. O carneiro representa o temor a D'us de Ytzchak, que estava disposto a ser oferecido a D'us como um sacrifício. Quando um anjo segurou a mão de Avraham e não deixou que ele terminasse o sacrifício de seu próprio filho, um carneiro foi sacrificado no lugar de Ytzchak. Já o cordeiro representa Yaacov, que cuidava dos rebanhos de seu sogro Lavan.

Mas deste Midrash fica uma grande pergunta. Entendemos que o boi represente Avracham e seu incrível nível de Chessed, e que o carneiro represente Ytzchak e seu temor a D'us, que estava acima do próprio temor à morte. Mas que grande característica de Yaacov é representada através de um cordeiro? Qual a grandeza de Yaacov representada pelo fato dele ter sido pastor das ovelhas de Lavan?

Explica o Rav Meir Tzvi Bergman que Yaacov não era um simples pastor de ovelhas. Se prestarmos atenção em seus atos, perceberemos nele uma incrível característica de integridade em assuntos que envolviam o relacionamento com seus semelhantes. Ele chegava a um nível extremo de cuidado para evitar causar qualquer dano ou receber qualquer benefício de outros se houvesse qualquer indício de ilegitimidade neste ato. Esta honestidade extrema de Yaacov foi demonstrada durante os 20 anos pelos quais ele foi pastor de ovelhas de seu tio Lavan, uma pessoa traiçoeira e desonesta. Apesar de centenas de vezes seu tio Lavan ter mudado as regras do seu pagamento, apesar de todas as tentativas de trapaça e enganação, Yaacov nunca se desviou de sua integridade absoluta. Mesmo quando ele teve oportunidade de "dar o troco" e enganar seu sogro, Yaacov se manteve firme em suas convicções.

Uma destas oportunidades foi quando Lavan decidiu que o pagamento de Yaacov seria os animais do rebanho que tivessem manchas ou listras, que eram, na verdade, os animais menos desejados. Então Yaacov utilizou uma artimanha especial: quando os animais em época de acasalamento olhavam para uma vara descascada, que ele colocou estrategicamente no local onde os animais bebiam água, os filhotes nasciam listrados ou manchados.

Mas explica o Radak que Yaacov não utilizou esta artimanha indiscriminadamente. Ele poderia utilizar em todos os animais, fazendo com que todos os filhotes saíssem manchados e listrados, deixando Lavan sem nenhum animal. Porém, apesar de ter sido tantas vezes enganado, Yaacov não fez isto. Ele mostrava a vara descascada apenas aos animais que já eram manchados e listrados, para que seus filhotes também saíssem à sua imagem, manchados e listrados. Assim ele assegurava que nenhum dos animais que nasceriam dos manchados e listrados seria completamente branco.

Mas se o acordo com Lavan era que os animais listrados e manchados seriam de Yaacov, então mesmo se deles nascessem animais sem manchas ou listras, eles pertenceriam legalmente à Yaacov. Então por que ele utilizou esta artimanha de fazer com que todos os filhotes dos animais manchados e listrados também saíssem assim, se era algo desnecessário?

Daqui aprendemos o quanto Yaacov era rigoroso e cuidadoso com a menor possibilidade de fazer algo errado, ou até mesmo de deixar a impressão de que havia feito algo errado. Ele queria ter certeza de que Lavan não teria absolutamente nenhum argumento para dizer que ele o havia roubado. Se houvessem ovelhas brancas, mesmo que fossem legalmente de Yaacov, Lavan certamente as utilizaria como argumento para acusá-lo de roubo. Por isso Yaacov chegou ao extremo de utilizar a artimanha das varas descascadas apenas para afastar qualquer suspeita, evitando que o nome de D'us fosse denegrido.

Este é o entendimento do Midrash, que associa o cordeiro com Yaacov. Yaacov representa a Emet (verdade), e ele sabia que a verdade não é medida apenas em termos absolutos, mas também de acordo com a maneira como cada um a percebe. Ele chegou ao extremo de se preocupar com sua honestidade e com a forma como seria visto pelas outras pessoas. Mesmo que Lavan o enganava abertamente, centena de vezes, Yaacov conseguiu passar no teste, e esta característica ficou marcada nele para sempre.

Ensinam os nossos sábios que devemos sempre nos perguntar: "Quando nossos atos chegarão ao nível dos atos dos nossos antepassados, Avraham, Ytzchak e Yaacov?". Será que estamos perto da honestidade de Yaacov? Quando alguém no banco nos dá troco a mais, nós imediatamente devolvemos, ou ficamos com o dinheiro e racionalizamos "eles me roubam tanto, cobrando taxas injustas, agora eu estou apenas fazendo justiça"? Nos importamos com pequenas quantias que ficamos devendo aos outros? Tomamos cuidado para não utilizar, para assuntos pessoais, o telefone e o computador do escritório, ou mesmo o nosso tempo de trabalho?

As pessoas entendem que para saber como cumprir as Mitzvót, com todos os seus detalhes, é importante se aconselhar com um rabino. Sempre quando surge uma dúvida, todos sabem a quem recorrer. Mas em relação aos negócios, achamos que não é necessário nenhum tipo de aconselhamento. Chegamos a achar que existem duas vidas independentes, uma no escritório e outra em nossa vida particular. Mas nos ensina o Talmud (Shabat 31a) que no momento em que sairmos deste mundo, D'us nos fará 3 perguntas. E justamente a primeira pergunta será: "Você foi honesto nos seus negócios?". Antes mesmo de D'us nos perguntar se esperamos ansiosamente pela salvação ou se fixamos tempos para o estudo da Torá, D'us questionará nossa honestidade nos negócios.

A honestidade nos negócios envolve muitas Mitzvót da Torá, e aquele que não se preocupa pode estar transgredindo todas elas. A obrigação de garantir que os pesos e as medidas estejam corretos, a proibição de enganar uma pessoa (Gneiva Dáat), a proibição de causar qualquer dano monetário (Onaát Mamon), a proibição de "colocar uma pedra na frente de um cego", além da possibilidade de causar "Chilul Hashem" (denegrir o nome de D'us) são apenas alguns exemplos de proibições que uma pessoa que é desonesta nos negócios pode transgredir. E como passamos grande parte do nosso dia no trabalho, não ter cuidado com a honestidade pode ter consequências desastrosas na nossa espiritualidade.

O ser humano tem uma enorme atração por dinheiro. E como em todas as áreas nas quais nós sentimos um forte desejo, a Torá exige de nós autocontrole. Não enganar os clientes de nenhuma maneira, pagar nossas dívidas na data correta, não cobrar mais do que o valor real de um produto e questionar um rabino quando surgem dúvidas em questões monetárias são alguns exemplos de desafios do nosso autocontrole nesta área. A grandeza de Yaacov foi sua honestidade mesmo diante da malandragem de Lavan. Pois o teste de uma pessoa não é se ele se comporta eticamente quando os outros também estão se comportando eticamente com ele. O teste verdadeiro é quando a pessoa mantém a ética nos negócios mesmo que todos os outros não se preocupam mais com isso.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 4:21-7::89, Jz. 13:2-25, At. 21: 17-26

sexta-feira, 10 de maio de 2013

DESEJO DE PROXIMIDADE - PARASHÁ BAMIDBAR E SHAVUÓT 5773

 

Certa vez um não judeu estava passando ao lado de um Beit Midrash (casa de estudos) quando escutou a descrição das magníficas roupas do Cohen Gadol (Sumo sacerdote). Maravilhado, ele pediu a um dos maiores sábios de Torá da geração, Shamai, para que o convertesse ao judaísmo, acreditando que assim poderia se tornar o Cohen Gadol. Shamai irritou-se com o pedido daquele homem e sua motivação, e o mandou embora.

Mas aquele não judeu estava decidido a ir até o fim. Procurou então outro grande sábio de Torá da geração, Hilel, com o mesmo pedido. Hilel aceitou convertê-lo, mas informou-o que antes de se tornar Cohen Gadol era necessário estudar todas as leis referentes ao cargo. Quando ele começou a estudar, chegou a um versículo que ensinava a proibição de uma pessoa que não é da linhagem dos Cohanim de fazer os serviços do Beit Hamikdash (Templo). Confuso, ele perguntou a Hilel:

- A que tipo de pessoa este versículo se refere?

- Mesmo David Hamelech, um dos maiores reis da história do povo judeu, estaria proibido de fazer os serviços do Beit Hamikdash, pois ele não era da linhagem dos Cohanim – respondeu Hilel.

Aquele homem entendeu que se nem mesmo o rei de Israel podia fazer os serviços do Beit Hamikdash, como ele, um recém-convertido, faria? Entendeu então que nunca poderia se tornar o Cohen Gadol, era apenas uma grande ilusão. Percebeu a grandeza da sabedoria de Hilel e se emocionou com sua tolerância, e por isso agradeceu profundamente a Hilel por tê-lo ajudado a se tornar parte do povo judeu. (História Real, ensinada no Talmud Shabat 32a).

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Nesta semana começamos o 4o livro da Torá, Bamidbar, que literalmente significa "No deserto". Este livro descreve muitos acontecimentos importantes que ocorreram durante os 40 anos em que o povo judeu estava no deserto, como a rebelião de Korach, o erro dos espiões e as guerras contra outros povos que viviam na região. E a Parashá desta semana, Bamidbar, sempre é lida antes de Shavuót, a Festa da entrega da Torá, que começa na próxima terça feira de noite (14/05). Qual é a conexão entre a Parashá Bamidbar e a Festa de Shavuót?

A Parashá Bamidbar começa com a contagem do povo judeu, de acordo com as tribos. A única exceção é a tribo de Levi, que não foi contada junto com o resto do povo por seu nível espiritual diferenciado. A Torá então enumera alguns dos serviços que eram realizados apenas pelos homens da tribo de Levi, como a montagem, a desmontagem e o transporte do Mishkan (Templo Móvel). Estas funções, bem como outros serviços feitos no Mishkan, eram proibidos para pessoas de outras tribos, como está escrito "Quando o Mishkan viaja, os Leviim devem desmontá-lo, e quando o Mishkan acampa, os Leviim devem montá-lo. E um estranho que se aproximar morrerá" (Bamidbar 1:51).

O que a Torá chama de "estranho"? Qualquer pessoa que não fizesse parte da tribo de Levi não poderia participar dos serviços feitos no Mishkan, mesmo que fosse um rei ou um grande líder do povo. E a gravidade deste erro está ressaltada na punição, a pena de morte, aplicada diretamente por D'us e não por um Beit Din (Tribunal). Foi justamente este versículo que, quando estudado por aquele homem convertido por Hilel, o fez entender que era uma grande ilusão uma pessoa que não era da tribo de Levi querer se tornar o Cohen Gadol.

Mas esta história da conversão feita por Hilel desperta uma grande dúvida. O Rambam (Maimônides) ensina que a conversão ao judaísmo é permitida apenas se aquele que deseja se converter não está motivado por nenhuma razão externa, como a busca de honra, dinheiro ou apenas para se casar. A conversão deve vir da vontade verdadeira da pessoa de se unir ao povo judeu para servir à D'us e cumprir Suas Mitzvót. Portanto, como Hilel consentiu que aquele não judeu se convertesse, se suas motivações eram aparentemente externas, se sua vontade verdadeira era apenas se tornar o Cohen Gadol?

Ensinam os nossos sábios: "Não seja como os escravos que servem seu dono para receber uma recompensa" (Pirkei Avót 1:3). Isto nos ensina que não devemos cumprir as Mitzvót apenas pensando na recompensa que vamos receber por elas. Mas se nós sabemos que todo o propósito de D'us ter criado o mundo foi apenas para beneficiar a humanidade, e que o sistema de regras que D'us nos entregou serve para permitir aos seres humanos sentir que "adquiriram" o direito de receber as bondades de D'us, então como pode ser que o Pirkei Avót nos ensina a servir a D'us sem buscar nenhuma recompensa?

Além disso, esta Mishná se choca com outro ensinamento dos nossos sábios: "Uma pessoa deve cumprir as Mitzvót que parecem ser menos rigorosas com o mesmo cuidado com que cumpre as Mitzvót que parecem ser mais rigorosas, pois a recompensa de cada Mitzvá não é sabida" (Pirkei Avót 2:1). Esta Mishná nos dá a entender que se soubéssemos quais Mitzvót têm recompensa maior, então cumpriríamos estas Mitzvót com mais vontade. Portanto, como entender a contradição com o ensinamento da primeira Mishná, que ressalta que devemos servir a D'us sem querer receber nenhuma recompensa?

Responde o Rav Yohanan Zweig que há dois motivos para uma pessoa dar recompensa. Uma razão é por incentivo ou compensação, como ocorre em ambientes empresariais. Neste caso, existe uma relação conflituosa: o dono do negócio quer que certa atividade seja realizada, enquanto seu empregado, embora preferisse não fazer o que seu chefe pediu, termina por realizá-lo por estar motivado pelo dinheiro que receberá. O dono prefere não dar seu dinheiro, mas sabe que se não o fizer, seu empregado não fará o trabalho. Portanto, o dinheiro simboliza a natureza contraditória desta relação.

Outra razão para dar uma recompensa é para demonstrar a proximidade e apreço que a pessoa que está dando a recompensa sente por aquela que está recebendo. Neste caso, a pessoa que está recebendo não está motivada pela recompensa, apenas a utiliza como forma de "calibrar" o relacionamento.

Se prestarmos atenção, as duas Mishnaiót do Pirkei Avót, aparentemente contraditórias, utilizam palavras diferentes para expressar o termo "recompensa". A primeira Mishná, que nos proíbe servir a D'us apenas em busca de recompensa, utiliza a linguagem "Prass", enquanto a segunda Mishná, que diz que se soubéssemos a recompensa de cada Mitzvá nos esforçaríamos mais naquelas de maior valor, utiliza a linguagem "Sachar". Por que esta diferença?

A palavra "Prass", além de "recompensa", também significa "separar um objeto de sua fonte". Por exemplo, é o termo utilizado para cortar uma fatia de pão, isto é, separar parte do pão do resto. Se a recompensa é utilizada em uma relação conflituosa, há uma separação entre as duas partes e o dinheiro representa esta separação. Este tipo de recompensa separa, ao invés de juntar. É o que ensina a primeira Mishná, que se tentarmos nos conectar a D'us sem vontade de cumprir Suas leis, fazendo apenas com o intuito de receber uma recompensa, isto não nos une a Ele de verdade.

Já o termo "Sachar" reflete a proximidade de uma relação. A vontade de receber "Sachar" não é visto de maneira negativa, ao contrário, é algo positivo, pois a vontade da pessoa de servir D'us é apenas com o intuito de se aproximar Dele, e a recompensa é apenas a forma de medir se o objetivo está sendo atingido. A segunda Mishná nos ensina, portanto, que também devemos ser cuidadosos com as Mitzvót "leves", pois não sabemos o verdadeiro valor de cada uma delas, e uma Mitzvá "leve" pode nos conectar a D'us de uma maneira mais forte do que uma Mitzvá "pesada". A Mishná está ressaltando que, se soubéssemos o valor de cada Mitzvá, nos esforçaríamos mais naquelas que nos conectam mais com D'us, por amor a Ele, não por motivos egoístas.

Isto explica a conversão descrita na história de Shamai e Hilel. Quando a pessoa procurou Shamai, alegando que queria ser Cohen Gadol, Shamai entendeu que a única motivação daquele homem em se tornar judeu era a honra conectada ao cargo de Cohen Gadol, isto é, algo egoísta, e por isso o mandou embora. Mas Hilel percebeu que sua motivação não era por honra. Ele entendeu que aquele homem buscava servir D'us da maneira mais completa possível. Sua vontade de ser Cohen Gadol não era uma busca de recompensa, e sim uma vontade de estar mais perto de D'us. Sua motivação não era externa, Hilel viu nele um desejo verdadeiro de se tornar judeu, e por isso o converteu.

Este desejo pela proximidade de D'us é a essência da Festa de Shavuót. Há mais de 3.000 anos D'us nos entregou a Torá, por amor, nos dando a possibilidade de, através das Mitzvót, nos aproximarmos Dele. A recompensa que teremos com cada Mitzvá deve ser apenas utilizada como medida da nossa conexão espiritual, mas nossa verdadeira motivação deve ser a vontade de se aproximar de D'us e se tornar, a cada dia, uma pessoa melhor e mais completa.

Em Shavuót a Torá é novamente entregue para cada judeu. Mas é como uma chuva que cai após o período de plantio. Se nos prepararmos, internalizando a importância da Torá em nossas vidas e recebendo-a com alegria, sabendo que é a nossa única forma de conexão com D'us, Shavuót vem trazendo muitas Brachót (Bençãos). Mas se não nos prepararmos, Shavuót "escorre" das nossas mãos, como uma chuva que caiu sobre um campo que não foi arado nem plantado.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
 
NÚMEROS l:l – 4:20, Os 2:1-22, 1 Co. 12: 12-20

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O BENEFÍCIO DAS MITZVÓT - PARASHIÓT BEHAR E BECHUKOTAI 5773


"Rafael (nome fictício) era um jovem estudante de Torá. Ele estava certa vez atravessando uma movimentada rua de Tel Aviv quando foi atingido por um carro que trafegava em alta velocidade. Apesar do motorista ter tentado brecar, o impacto foi forte e Rafael teve suas pernas duramente atingidas. Ele ficou estendido no meio da rua, esperando pelo socorro médico, sentindo terríveis dores. Um policial que passava por ali correu para dar os primeiros socorros e perguntou ao rapaz:

- A ambulância já está a caminho. Há algo mais que eu posso fazer para ajudá-lo?

- Sim – respondeu Rafael, se esforçando para dar um sorriso – Por favor, comece a cumprir o Shabat.

Um casal não religioso que passava por ali naquele momento e havia se juntado à grande multidão que se aglomerava em volta do rapaz acidentado ficou admirado com a resposta dele. Apesar da dor que estava sentindo, apesar de todo o sofrimento, a primeira coisa com que ele se preocupou foi a espiritualidade do policial que havia chegado para socorrê-lo.

Emocionado com a atitude do rapaz, aquele casal decidiu acompanhá-lo até o hospital, para garantir que ele seria bem atendido e teria todo o cuidado médico necessário. Eles visitaram Rafael todos os dias durante a sua internação e se alegraram muito quando ele se recuperou completamente do acidente. Daquele dia em diante eles mudaram suas vidas e começaram a se conectar mais com a Torá e suas Mitzvót. Quando as pessoas perguntavam o motivo da mudança repentina, eles explicavam:

- Agora nós entendemos o verdadeiro significado do estudo da Torá e do cumprimento das Mitzvót. Uma pessoa que vai para a Yeshivá (Centro de estudos de Torá) se transforma, de um animal que caminha sobre duas pernas, em um ser humano de verdade, que mesmo diante de grandes sofrimentos e dificuldades, consegue se preocupar com as outras pessoas e com o seu Criador" (História Real)


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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Behar e Bechukotai. A Parashá Behar fala de duas Mitzvót muito importantes: a Shmitá (Ano Sabático, que se repete a cada 7 anos, no qual todas as terras de Israel passam por um descanso, não sendo permitido nenhum tipo de trabalho agrícola) e o Yovel (Jubileu, que se repete a cada 50 anos, quando as terras em Israel voltavam aos seus antigos donos). Na Parashá Bechukotai a Torá enumera uma série de Brachót (Bençãos) guardadas ao povo judeu caso ele siga os caminhos de D'us e cumpra as Mitzvót, mas também descreve as terríveis maldições que recaem sobre o povo judeu caso a Torá e as Mitzvót sejam abandonadas.

Se observarmos as Brachót escritas na Parashá Bechukotai, perceberemos que elas estão escritas em uma aparente ordem crescente de conexão com D'us. Ele nos promete prosperidade, paz, segurança e que Sua presença repousará entre nós, isto é, no Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Mas depois disso são enumeradas outras Brachót que necessitam de uma explicação mais profunda. Por exemplo, está escrito "Meu Espírito não rejeitará vocês... e Eu conduzirei vocês de cabeça erguida" (Vayikrá 26:11,13). Em primeiro lugar, se estamos falando das Brachót que virão caso estejamos conectados com a Torá e as Mitzvót, por que D'us tem que nos dar uma Brachá na qual Ele garante que não nos rejeitará? Se Ele já garantiu que quando cumprirmos nossa parte Sua presença repousará entre nós, não é óbvio que Ele não nos rejeitará? E por que esta Brachá é tão elevada, a ponto de estar acima da Brachá da Presença Divina repousar entre nós?

Além disso, há uma dificuldade na Brachá "Eu conduzirei vocês de cabeça erguida". O Talmud (Brachót 43b) nos ensina que é proibido uma pessoa andar de cabeça erguida, pois isto demonstra arrogância, e é considerado pelo Talmud como "derrubar os pés da Presença Divina". Mas o próprio Talmud (Baba Batra 75a), quando comenta esta Brachá, explica que "andaremos na mesma altura e estatura do Beit Hamikdash". Como entender esta aparente contradição entre a proibição de andarmos de maneira que demonstra arrogância e a Brachá de que andaremos de cabeça erguida? E qual a conexão desta Brachá com o Beit Hamikdash?

De acordo com o Targum Yonatan, o versículo "Lo Tigal Nafshi Etchem", traduzido como "Meu Espírito não rejeitará vocês", também pode ser entendido de outra maneira. A Brachá não é que D'us não nos rejeitará, e sim que nós não rejeitaremos os mandamentos de D'us, isto é, a Sua Torá. Mas mesmo com este entendimento, a dificuldade continua. Não é óbvio que, no momento que estivermos cumprindo a vontade de D'us, não rejeitaremos Suas Mitzvót? E por que isto seria considerado um dos níveis mais altos de Brachá que podemos conseguir?

Explica o Rav Yohanan Zweig que uma das principais diferenças entre o ser humano e o resto do Universo, incluindo os seres espirituais, é que o ser humano tem livre arbítrio, enquanto as outras criaturas não. Mas o que significa ter livre arbítrio? Muitas vezes pensamos que o livre arbítrio é o direito de escolher entre o certo e o errado. Porém, isto não é verdade. Livre arbítrio é a possibilidade, mas não o direito, de desrespeitar os mandamentos de D'us. É por isso que, no final de nossas vidas, prestaremos contas dos nossos atos e sofreremos as consequências das nossas escolhas erradas, pois temos a possibilidade, e não o direito, de errar.

Porém, este entendimento pode criar no ser humano um sentimento de que as coisas são impostas sobre ele. E a consequência natural deste sentimento é que, mesmo quando a pessoa cumpre suas obrigações, fica uma sensação interna de resistência, uma vontade de tirar o peso das costas. É por isto que, em alguns casos, pessoas comprometidas como a Torá podem, após alguma dificuldade específica, se afastar completamente do caminho correto. Mas será que assim devemos viver e, mesmo quando fazemos o que é o correto, ficar com uma sensação ruim, que nos incomoda? É isto o que D'us quer de nós?

Obviamente que a resposta é não. D'us não nos deu as Mitzvót para nos prejudicar, para que sejam um peso nas nossas costas e nos causem um sentimento negativo. Temos obrigações na vida, temos um objetivo, mas as Mitzvót são mais do que apenas obrigações, são benefícios que D'us nos deu. E quando chegamos neste nível de entendimento, as Mitzvót deixam de ser algo pesado. Por exemplo, foi isto o que ocorreu quando o povo judeu recebeu a Torá no Monte Sinai e todos juntos proclamaram em uma só voz: "Cumpriremos e entenderemos". O que significou esta afirmação? Que naquele momento o povo judeu havia transcendido todos os sentimentos de imposição e resistência. O que eles estavam reconhecendo no Monte Sinai é que, através do cumprimento das Mitzvót, eles perceberiam os benefícios que elas trariam para suas vidas. O povo judeu havia entendido que, mais do que uma obrigação, as Mitzvót são uma grande oportunidade para atingirmos a perfeição.

A Torá nos possibilita entender nosso potencial e definir quem nós verdadeiramente somos. Portanto, aceitar a Torá não é uma imposição, e sim, o benefício máximo concedido por D'us para toda a humanidade. E esta é a maior forma de conexão com D'us, quando conseguimos superar qualquer sentido de resistência e imposição. A Brachá de que não rejeitaremos as Mitzvót significa que, se cumprirmos nossas obrigações, atingiremos este nível de superar qualquer resistência natural ao cumprimento delas. Esta Brachá foi deixada como uma das últimas, pois retrata um dos níveis mais elevados de conexão com D'us que podemos atingir.

Mas nos falta ainda entender a contradição entre a Brachá de andar de cabeça erguida com a terrível transgressão do orgulho. Para isso, precisamos nos aprofundar no entendimento do erro de sentir orgulho. Por que andar de cabeça erguida é algo tão negativo, comparado com "derrubar os pés da Presença Divina"? Pois o orgulho é o resultado da resistência que temos em aceitar a Torá de D'us. A arrogância do ser humano vem da necessidade de brigar pelos nossos próprios direitos, ao invés de entender quais são as nossas obrigações. Mas quando a pessoa chega ao nível de um relacionamento no qual não há nenhum tipo de resistência, ela se torna um utensílio que reflete a grandeza de D'us, e andar de cabeça erguida deixa de ser uma "rebeldia" e torna-se uma santificação do Seu Nome. É por isso que o Talmud afirma que "andaremos na mesma altura e estatura do Beit Hamikdash", pois da mesma maneira que o Beit Hamikdash reflete a honra de D'us, nós também podemos fazer com que nosso relacionamento com D'us possa refletir ao mundo inteiro a Sua honra.

Muitas pessoas ainda tem medo de se aproximar da Torá e das Mitzvót. É o receio de perder uma vida de prazeres e entrar em um estilo de vida de abstinência. Mas cada vez mais este conceito equivocado vem sendo derrubado. Quando temos contato com pessoas que vivem uma vida de Torá e Mitzvót, nos salta aos olhos a harmonia, os valores verdadeiros e a santidade da família. Prazeres materiais são passageiros, duram pouco tempo. Mas o prazer de saber que estamos fazendo o que é correto dura uma vida inteira.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Lv 25:1-26:2, Je 32:6-27, Lc. 4:16-21
Lv 26:3-27:34, Je 16:19-17:14, 2 Co. 6: 14-18
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