sexta-feira, 30 de maio de 2014

RECONHECENDO O ERRO - PARASHÁ NASSÓ E SHAVUÓT 5774

"Rodrigo, um jovem inteligente e esforçado, se candidatou a um alto cargo de uma grande empresa. Passou nas entrevistas e provas da fase inicial, mas faltava ainda uma entrevista final com o diretor. Na entrevista, o diretor viu o excelente currículo escolar de Rodrigo, mas percebeu que ele não vinha de uma família rica. Ele questionou se Rodrigo havia recebido alguma bolsa de estudos na escola, mas o jovem respondeu que não, que havia sido seu pai que havia pagado seus estudos. Explicou que o pai trabalhava em uma serralheria, e assim conseguia sustentar a família. O diretor pediu a Rodrigo que mostrasse suas mãos, e percebeu que eram mãos suaves e perfeitas. Perguntou se alguma vez já havia ajudado seu pai no trabalho, mas o jovem respondeu que não, pois seu pai nunca havia permitido, ele sempre quis que ele estudasse e lesse mais livros. O diretor disse:

- Eu estou seriamente decidido a te contratar, mas tenho um pedido. Quando você for para casa hoje, vá e lave as mãos de seu pai. E venha me ver novamente amanhã de manhã.

Rodrigo sentiu que a sua chance de conseguir o cargo era alta, mas estranhou o pedido do diretor. Mesmo assim, quando voltou para casa, pediu ao pai para deixá-lo lavar suas mãos. O pai também estranhou, mas estendeu as mãos em cima da pia. Rodrigo lavou-as lentamente. Foi a primeira vez que ele percebeu que as mãos de seu pai estavam enrugadas e tinham muitas cicatrizes. Alguns cortes eram tão profundos que ele se arrepiou quando tocou. Naquele momento Rodrigo entendeu o significado daquelas mãos trabalhando todos os dias para pagar seus estudos. Os cortes e feridas eram o preço que seu pai teve que pagar por sua educação, suas atividades escolares e seu futuro.

Naquela noite Rodrigo não conseguiu dormir. Passou a noite pensando que nunca tinha agradecido seu pai por todas as oportunidades que ele tinha lhe dado. Na manhã seguinte, Rodrigo foi à nova entrevista. O diretor percebeu as lágrimas nos olhos dele quando perguntou o que havia aprendido em sua casa na noite anterior.

- Agora eu sei o que é valorizar e reconhecer - respondeu o jovem - Sem meus pais, eu não seria quem eu sou hoje.

- Isso é o que eu procuro no meu pessoal - disse o diretor - Quero contratar uma pessoa que sabe apreciar a ajuda dos outros, que reconhece as dificuldades que os outros têm para fazer suas atividades, e que não coloca o dinheiro como seu único objetivo na vida. Você está contratado."

Saber reconhecer as bondades que recebemos é um dos fundamentos mais importantes para um dia conseguirmos crescer na vida.

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Na Parashá desta semana, Nassó, a Torá descreve o processo de expiação de uma pessoa que ilegalmente reteve um dinheiro que pertencia à outra pessoa, e que completou seu crime negando, através de um falso juramento, a posse do dinheiro. Além da restituição do dinheiro ao seu verdadeiro dono, um dos elementos mais importantes na expiação deste erro é o "Vidui", a confissão verbal da transgressão, como está escrito: "Eles devem confessar o pecado que cometeram" (Bamidbar 5:7).

O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), em suas leis sobre arrependimento (Hilchót Teshuvá 1:1), cita justamente este versículo quando descreve de forma genérica a Mitzvá de arrependimento por uma transgressão cometida, ressaltando o fato de a confissão verbal ser uma das principais partes do processo de arrependimento e conserto. O Rambam dá ainda mais importância ao "Vidui" ao afirmar que "todo aquele que aumenta suas confissões e se alonga neste assunto é louvado". Mas como entender este ensinamento do Rambam? O que há de tão especial em confessar um erro cometido? E por que aumentar as confissões é algo digno de louvor?

A pergunta fica ainda mais difícil quando levamos em consideração o conceito não judaico da confissão dos pecados. Quando pensamos na ideia de culpa e expiação, as primeiras imagens que vêm à nossa cabeça são pessoas se repreendendo e se martirizando, sentindo-se pessoas indignas após terem cometido uma transgressão. É difícil imaginar que uma pessoa se comportando desta maneira mereça louvores. Ao contrário, este tipo de comportamento é muito perigoso, pois pode levar a pessoa a repetir outras vezes a transgressão. Um dos principais motivos é que a pessoa pode chegar a um ponto no qual sua autoestima está tão baixa que ela já não respeita mais nem a si mesma, podendo se descontrolar e cometer as piores transgressões. Portanto, certamente que não é a este tipo de "confissão" à qual o Rambam está se referindo quando diz que é digna de louvor. Então qual é a visão judaica da confissão?

A palavra em hebraico "Vidui" vem da mesma raiz da palavra "Todá", que significa "agradecimento". Esta conexão entre os dois conceitos é reforçada por um Midrash (parte da Torá Oral) que afirma que quando Adam Harishon (Adão) se arrependeu do seu pecado, ele compôs o Salmo "Tov Lehodot LaHashem" (Tehilim 92:1), que significa "É bom agradecer a D'us". O Midrash ensina que, ao invés de ler "Lehodot" (agradecer), devemos ler "Lehitvadot" (confessar). Certamente o Midrash não está ressaltando apenas a semelhança entre as letras das duas palavras. Qual é a conexão entre agradecer e confessar?

Explica o Rav Yohanan Zweig que quando uma pessoa agradece, é porque reconheceu que recebeu alguma bondade. A palavra "Todá" (agradecimento) também vem da mesma raiz da palavra "Modê", que significa "reconhecimento". Se uma pessoa recebeu uma bondade mas não conseguiu reconhecer, certamente não vai agradecer, pois não percebe que recebeu algo. Por exemplo, alguém que ganhou um relógio "Rolex" verdadeiro, mas pensa que é apenas uma falsificação barata, não vai agradecer, pois não reconheceu o que recebeu. Portanto, a pessoa somente verbaliza um agradecimento quando reconhece as coisas boas que recebeu.

Esta é a mesma fonte espiritual da confissão que traz frutos positivos. Quando alguém verbaliza a sua transgressão de forma sincera, significa que reconheceu as coisas boas que recebe de D'us, e que entendeu o quanto a transgressão cometida é, em essência, uma autodestruição, que a afasta das bondades Dele. D'us criou um mundo de bondades, com a única intenção de nos fazer bem, e somos nós, com nossos próprios maus atos, que causamos os problemas, sofrimentos e dificuldades. É este tipo de confissão que o Rambam está louvando. Não a pessoa que fica se martirizando e sentindo-se se uma pessoa indigna, mas a pessoa que reconhece o quanto seus maus atos impedem que a bondade ilimitada de D'us chegue à sua vida. Este reconhecimento faz com que a pessoa se arrependa de verdade e queira voltar ao caminho da Torá e das Mitzvót.

Parece simples, mas por que para nós é tão difícil reconhecer as bondades de D'us? Em primeiro lugar, pois Suas bondades são tão constantes que acabamos nos acostumando e deixando de percebê-las. Outro motivo é que D'us faz as bondades de forma oculta, sem que Sua mão possa ser facilmente percebida, para não tirar nosso livre arbítrio. Por isso, uma forma de melhorar o nosso reconhecimento das bondades de D'us é melhorando o nosso reconhecimento das bondades feitas pelas pessoas que estão à nossa volta. Quanto mais nos acostumamos a dar valor para as coisas boas que recebemos das outras pessoas, desenvolvemos mais esta característica de reconhecer as bondades. Assim, com esforço nesta área, chegaremos ao nível de também reconhecer e agradecer por todas as infinitas bondades que D'us nos faz, o tempo inteiro, e isto nos ajudará a nos afastarmos das transgressões.

Na próxima terça feira de noite (03 de junho) começa Shavuót, também conhecida como "A Festa da entrega da Torá". É um dia no qual nos alegramos e passamos a noite inteira estudando Torá. O principal motivo desta alegria é o reconhecimento do presente maravilhoso que D'us nos deu. A Torá, através de suas leis e ensinamentos, nos ajuda a crescermos espiritualmente em todas as áreas da vida e a nos tornarmos pessoas melhores, mais preocupadas com o próximo e mais conectadas com D'us. Em Shavuót a Torá é novamente entregue por D'us ao povo judeu. O nível de entendimento que teremos da Torá durante todo o ano depende do nível de alegria com o qual abrimos nosso coração para recebê-la em Shavuót. Por isso, quanto mais refletirmos, mais conseguiremos enxergar e reconhecer os benefícios da Torá em nossas vidas, e mais fácil será sentir a alegria de receber mais uma vez este presente tão especial.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Nm. 4:21-7:89, Jz. 13:2-25

sábado, 24 de maio de 2014

NÃO SE DEIXE INFLUENCIAR - PARASHÁ BAMIDBAR 5774

"Arthur, um grande empresário, tinha tido um dia duro. Tudo o que ele queria era entrar em um restaurante para jantar e relaxar. Ele foi recebido por um garçom muito simpático, que o conduziu até sua mesa. Arthur soltou o último botão da camisa, afrouxou a gravata, sentou-se confortavelmente na cadeira e escolheu seu prato favorito. Quando o garçom já ia em direção à cozinha levar o pedido, Arthur chamou-o e pediu:

- Está muito calor. Será que você poderia ligar o ar condicionado?

O garçom deu um sorriso, balançou a cabeça positivamente e foi imediatamente para uma sala nos fundos do restaurante. Passados alguns minutos, o garçom foi novamente chamado por Arthur, que reclamava que agora o frio estava tão intenso que estava até mesmo incomodando. Pediu para que o garçom desligasse o ar condicionado. Balançando positivamente a cabeça e sem perder o bom humor, o garçom novamente se dirigiu à sala nos fundos. Mais alguns minutos e o garçom novamente foi chamado. Arthur já não aguentava mais o calor que fazia dentro do restaurante, e novamente pediu para que o garçom ligasse o ar condicionado. Com uma paciência que parecia interminável, o garçom deu um sorriso, balançou a cabeça e novamente foi para a sala dos fundos.

Neste momento, uma senhora idosa, que estava sentada em uma das mesas do fundo do restaurante, não aguentou. Ela chamou o garçom de canto e desabafou:

- Mas que homem chato! Ele deve estar te deixando louco, não?


O garçom abriu um enorme sorriso, deu uma piscada para a senhora e respondeu:

- É ele que esta ficando louco, minha senhora. Nós não temos ar condicionado..."

A piada é engraçada, pois confundir entre calor e frio não causa nenhum problema para ninguém. Mas quando o que está em jogo é confundir o que é certo e o que é errado, então é bom estar atento e não deixar se deixar influenciar pelo ambiente.

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Nesta semana começamos o quarto livro da Torá, Bamidbar, que descreve muito acontecimentos importantes dos 40 anos em que o povo judeu caminhou pelo deserto, antes da entrada na Terra de Israel. E a Parashá desta semana, Bamidbar, começa com uma contagem de todo o povo. Apenas a tribo de Levi foi contada separadamente, por causa do seu nível espiritual mais elevado, diferente do resto do povo. Há um versículo na Parashá que ressalta o nível diferenciado da tribo de Levi: "Eis que Eu peguei os Leviim dentre os Filhos de Israel, no lugar de cada primogênito" (Bamidbar 3:12). O que significa que D'us pegou os Leviim no lugar dos primogênitos?

Quando Moshé subiu no Monte Sinai para receber a Torá, ele avisou que permaneceria lá por 40 dias. O povo ficou ansiosamente esperando a volta de Moshé, mas uma falha na contagem fez com que o povo achasse que o prazo estipulado já havia expirado e que Moshé havia morrido. O papel de Moshé era muito central no povo judeu. Por ser um profeta em um elevado nível espiritual, sempre que D'us queria transmitir algo ao povo judeu, o fazia através de Moshé. O povo ficou tão perturbado que decidiu que era necessário um novo líder para conduzi-lo no deserto. Mas havia dentro do povo judeu outro grupo, chamado pela Torá de "Erev Rav" (que literalmente significa "uma grande mistura"), composto por egípcios que haviam decidido se unir ao povo judeu no momento da saída do Egito. Mas a escolha destes egípcios não havia sido de coração. Eles saíram junto com o povo judeu apenas por medo do castigo, não por amor a D'us e Suas leis. Por isso, quando o ambiente de confusão se espalhou pelo acampamento, imediatamente eles voltaram às suas crenças idólatras e, através de feitiços, fabricaram o Bezerro de ouro. O resto do povo, completamente sem rumo, acabou se desviando também atrás deles. Isto causou com que D'us ficasse furioso e quisesse destruir o povo inteiro, e isto somente não aconteceu por causa da intervenção de Moshé, que rezou por misericórdia. D'us aceitou as rezas de Moshé e perdoou o povo. Porém, uma parte do povo acabou pagando muito caro pelo erro que havia cometido: os primogênitos.

A Torá dá muita importância para os primogênitos. No princípio, eles haviam sido honrados com o cargo de fazer todo o serviço Divino do Mishkan (Templo Móvel). Porém, quando eles participaram da transgressão do Bezerro de ouro, perderam seu nível espiritual diferenciado. É isto que o versículo da Parashá veio nos ensinar quando falou que D'us escolheu os Leviim no lugar dos primogênitos. O serviço espiritual do Mishkan, que originalmente havia sido dado aos primogênitos, foi retirado deles e passado para sempre para a tribo de Levi, que não participou do erro do Bezerro de ouro.

Mas se pararmos para refletir, qual foi o grande mérito da Tribo de Levi? Todo o grande "feito" deles foi não ter participado do Bezerro de ouro, isto é, simplesmente conseguiram evitar cair na transgressão de idolatria na qual seus irmãos caíram. Não foi nem mesmo um ato ativo, e sim algo passivo. A recompensa não parece desproporcional ao que eles fizeram?

Explica o livro Lekach Tov que o teste da tribo de Levi não foi assim tão simples. O desespero havia tomado conta do povo. A loucura de construir o Bezerro de ouro começou a se espalhar entre todas as pessoas, e começou a se tornar algo aceitável e até mesmo lógico. A pressão social era tremenda e a confusão pairava no ar. Nestas condições, era muito difícil não se deixar enganar. Um povo inteiro, que quarenta dias antes havia escutado os mandamentos diretamente da boca de D'us, acabou se deixando levar pelo desespero e pela confusão. Somente a tribo de Levi conseguiu se manter em suas convicções e, com isso, escapar do terrível pecado que quase destruiu o povo judeu. Por isso, meritaram receber o serviço Divino do Mishkan.

Daqui aprendemos algo muito importante para nossas vidas: aquele que consegue se manter forte em suas crenças e convicções, e que se esforça para manter sua claridade mesmo em épocas de confusão, mesmo quando a maioria do povo está seguindo caminhos incorretos, merita uma recompensa muito grande de D'us.

Infelizmente esta confusão e inversão de valores está acontecendo nos nossos dias. Escutamos as notícias do que ocorre no mundo inteiro e percebemos que há uma terrível e acelerada perda dos valores mais básicos. A sociedade começa a permitir e a aceitar o que antes ninguém ousava nem mesmo mencionar em público. Ao contrário, aqueles que não concordam são perseguidos e tachados de "extremistas". A desonestidade parece ter se institucionalizado, tornando muito fácil cometer erros e simplesmente dizer "Mas qual o problema? Afinal, todos fazem isso!". Somos influenciados pela sociedade e acabamos deixando que a confusão generalizada mude nossa forma de pensar. Neste ambiente, é muito importante lutar para mantermos nossa claridade, para não irmos atrás daqueles que, apesar de serem maioria, estão se desviando.

Logo após Moshé ter descido do Monte Sinai e ter visto o Bezerro que havia sido construído, ele foi instruído a castigar aqueles que haviam realmente feito idolatria e haviam incitado o resto do povo. Moshé então convocou todos aqueles que quisessem se voluntariar, e anunciou: "Quem está com D'us, venha comigo" (Shemot 32:26). Infelizmente apenas a tribo de Levi escutou o chamado de Moshé e se levantou para cumprir o que D'us havia comandado. Por isso a tribo de Levi recebeu o mérito, para sempre, de estar mais conectada com D'us e poder fazer os serviços religiosos.

Este anúncio de Moshé continua ecoando até os nossos dias. "Quem está com D'us, venha comigo". Precisamos juntar todas as nossas forças para não nos deixar influenciar pelos conceitos equivocados. Não podemos ter vergonha de sermos uma minoria que discorda do que é incorreto e imoral. Não podemos nos acomodar e aceitar em silêncio que a verdade seja corrompida. E podemos fazer isto com a certeza e a tranquilidade de que os frutos de não ficarmos em silêncio serão para sempre, não apenas para nós, mas para todos os nossos descendentes.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
NÚMEROS l:l – 4:20, Os 2:1-22

 

sábado, 17 de maio de 2014

FORÇA DA INOVAÇÃO - PARASHÁ BECHUKOTAI 5774

FORÇA DA INOVAÇÃO - PARASHÁ BECHUKOTAI 5774 (16 de maio de 2014)

Quando escutamos o nome de Abraham Lincoln, o 16° presidente dos Estados Unidos, pensamos que ele teve uma vida recheada de sucessos. Enquanto foi presidente, Lincoln liderou o país de forma bem-sucedida, mesmo durante sua maior crise interna, a Guerra Civil Americana, preservando a  união, conseguindo abolir a escravidão, fortalecendo o governo nacional e modernizando a economia. Abraham Lincoln é considerado um dos três melhores presidentes da história dos Estados Unidos.

Mas a verdade é que nem sempre foi assim. Seu caminho até o sucesso foi árduo e sofrido. Ele passou dificuldades na infância, quando seu pai perdeu toda a fortuna que tinha. Aos 23 anos tentou um cargo na política, mas perdeu a disputa. Aos 24 anos resolver abrir uma loja, mas faliu em pouco tempo. Aos 32 anos tentou montar um negócio de advocacia com alguns amigos, mas logo a sociedade se desfez. Aos 35 anos, passou pelo trauma de ver sua namorada falecer, e ainda resistiu a um colapso nervoso que teve aos 36 anos, que o fez passar um bom tempo no hospital.

Mas a vontade de entrar na política não havia desaparecido. Aos 45 anos ele disputou uma cadeira no senado, mas perdeu. Aos 47 anos ele concorreu à nomeação do partido republicano para e eleição geral, porém foi derrotado. Aos 49 anos tentou o senado e fracassou novamente. Somente aos 51 anos ele foi eleito o presidente dos EUA.

Será que seríamos capazes de fazer essa jornada? Falir, ser derrotado, perder entes queridos, adoecer, e mesmo assim não perder a vontade de continuar tentando alcançar o sucesso? Abraham Lincoln nos ensinou que esta é a fórmula dos vitoriosos: nunca desistir. Se ele não tivesse continuado, alguém se lembraria de Abraham Lincoln hoje em dia? Certamente que não. Mas ele escolheu entrar para a história e mudar o mundo. Ele poderia ter desistido diante das dificuldades, mas ele escolheu vencer e inovar. A cada derrota, Abraham Lincoln aprendeu a se reconstruir.

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Na Parashá desta semana, Bechukotai, a Torá nos afirma que quando seguirmos os caminhos que D'us nos comandou receberemos muitas Brachót (bênçãos), como fartura e segurança, mas se nos desviarmos dos caminhos corretos, tragédias terríveis acontecerão ao povo judeu. Estas palavras já se cumpriram em várias épocas da nossa história, tanto a Brachá, como durante o reinado de Shlomo Hamelech (Rei Salomão), quanto as tragédia, como nas destruições dos Templos Sagrados e nos exílios do povo judeu.

Porém, há algo que nos chama a atenção. No meio da descrição das tragédias condicionais, a narração é interrompida para trazer algumas palavras de consolo: "E Eu me lembrarei do Meu pacto com Yaacov, e também do Meu pacto com Yitzchak, e também do Meu pacto com Avraham Eu me lembrarei, e Eu me lembrarei da Terra" (Vayikrá 26:42). Mas por que a ordem na qual os patriarcas são mencionados está ao contrário da ordem cronológica? Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, explica que se os méritos de Yaacov, o "menor" dos patriarcas, não for suficiente, então D'us levará em conta os méritos de Yitzchak. Se mesmo assim ainda não for suficiente, D'us levará em conta também os méritos de Avraham, o "maior" dos patriarcas. Mas por que Avraham é considerado o maior dos patriarcas? Qual característica fez com que ele tenha mais méritos do que Yitzchak e Yaacov?

Estamos sempre acostumados a associar Avraham apenas à característica de Chessed (bondade). Realmente sua tenda no deserto tinha quatro entradas, para que os visitantes se deparassem sempre com a porta aberta, não importando de que direção viessem. Além disso, a Torá descreve que Avraham recebeu os anjos fantasiados de simples beduínos como se fossem verdadeiros reis, servindo-os com as mais deliciosas comidas. Mas não foi apenas esta a característica de Avraham que o diferenciou de todas as outras pessoas. Ele tinha outra característica importante, que o fez chegar ao topo da espiritualidade: a força da inovação.

Se refletirmos sobre os testes de Avraham, perceberemos que foram muito mais difíceis de serem vencidos do que os dos outros patriarcas. Ele nasceu em um mundo onde todos, inclusive seus próprios familiares, eram idólatras. Seu desafio era criar, a partir do nada, uma perspectiva e uma forma de vida completamente novas, começando uma nova época na história. Para espalhar ao mundo inteiro o conceito da existência de D'us, Avraham teve que lutar contra todas as atitudes e estilos de vida prevalecentes na época e começar algo completamente novo, vagarosamente e com muita paciência. Ele poderia ter desistido diante das dificuldades, pois certamente teve muitas decepções e fracassos no caminho. Mas foi sua "força de inovação" que não o deixou desistir e possibilitou que ele tivesse sucesso.

Quando o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) descreve a contribuição de Avraham ao mundo, repete várias vezes que ele era um inovador, o revolucionário e pioneiro "fundador" do povo judeu. Avraham foi o primeiro em tudo o que fez. Ele não tinha modelos para seguir, estava sempre desbravando novos caminhos. Por isso, quando queremos nos comportar como Avraham, não devemos apenas desejar seguir seus passos em relação ao Chessed que ele fazia, mas também devemos almejar ter a sua força de inovação, que trouxe tantos benefícios ao mundo.

O Rav Shlomo Ephraim (Polônia, 1550 – Praga, 1619), mais conhecido como Kli Yakar, ressalta a importância da força de inovação. Durante a descrição da criação do mundo, ao final de cada dia a Torá termina com a frase "e viu D'us que era bom". A única exceção é o final do segundo dia da criação, onde nada está escrito. Explica o Kli Yakar que em todos os dias da criação algo novo foi criado, com exceção do segundo dia, quando D'us separou as águas de baixo e as águas de cima, que já existiam. Neste dia nada novo foi criado e, portanto, ele não foi descrito como um dia bom.

Existem inúmeras áreas nas quais a habilidade de inovar pode fazer muita diferença. É parte da natureza do ser humano deixar sua vida cair na força do hábito. Isto ocorre em vários aspectos, inclusive no crescimento espiritual, nos relacionamentos e nas habilidades de criar e construir. Nos acostumamos com nossa condição e estagnamos na vida. Um dos exemplos mais perceptíveis disso é a nossa Tefilá (reza), que muitas vezes é pronunciada de forma mecânica e desinteressada, apenas palavras que saem da boca e não do coração. Por isso, há momentos na vida em que é muito importante dar um passo para trás e avaliar onde são necessárias novas abordagens. Pois novas abordagens frequentemente nos trazem formas alternativas de lidar com situações problemáticas e difíceis.

Mas não adianta apenas querer inovar. Tão importante quanto tentar buscar novas abordagens para atingir um objetivo é estarmos dispostos a ir até o fim para alcançá-lo, apesar das dificuldades que naturalmente surgirão pelo caminho. Mudar significa sair da "zona de conforto", arriscar, buscar novos desafios. Podemos aprender isto através do exemplo de uma das maiores universidades do mundo. Qualquer pessoa que quer estudar em Harvard precisa inicialmente fazer um requerimento formal. O próximo passo é passar por uma entrevista, na qual o aluno mostra suas notas e descreve ao entrevistador detalhes da sua vida. O entrevistador então faz um relatório que, anexado às notas do estudante, é encaminhado ao "Escritório de Admissão de Harvard". De todos os pedidos encaminhados, apenas 6% são aceitos para cursar a faculdade. Muitos pensam que o único critério utilizado para a admissão são as notas dos alunos, mas isto não é verdade. O Escritório de Admissão deixa claro aos entrevistadores que eles devem buscam alunos que, além de terem boas notas, saíram de suas zonas de conforto. Harvard busca alunos que saíram dos seus limites e dos limites de suas escolas, comunidades e famílias. Harvard procura pessoas inovadoras, que estão dispostas a aceitar novos desafios e encontrar novas formas de resolver as dificuldades. Por que? Pois Harvard sabe que pessoas com este perfil são os que têm maior potencial de se tornarem, no futuro, pessoas de sucesso.

Somos descendentes de Avraham. Temos dentro de nós esta força de inovação, esperando para ser utilizada. Cada um de nós pode mudar o mundo, basta termos a coragem de sair da nossa zona de conforto e trabalharmos duro para alcançar o sucesso, sem desistir por causa dos obstáculos do caminho.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 
Lv 26:3-27:34, Je 16:19-17:14
 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

DOANDO DIGNIDADE - PARASHÁ BEHAR 5774

"Roberto era muito bondoso, esforçava-se para ajudar a todos. Sua casa estava sempre aberta aos necessitados, e todos sabiam que aquele que batia na sua porta nunca saía de mãos vazias. Porém, certo dia algo diferente começou a acontecer. Roberto comprou uma grande pilha de toras de madeira e colocou na frente de casa. Mas o mais estranho é que algumas vezes a pilha inexplicavelmente aparecia nos fundos da casa, e depois voltava novamente para a frente. O que estava acontecendo?

Um dos vizinhos de Roberto, muito curioso, quis desvendar o mistério. Ele passou o dia inteiro escondido, observando a movimentação na casa. Primeiro ele viu um pobre batendo na porta. Roberto abriu com um grande sorriso no rosto, conversou um pouco com o pobre, apontou para a pilha de madeira que estava na frente da casa e depois apontou para os fundos da casa. O vizinho viu então que o pobre foi levando as toras de madeira, uma por uma, e novamente empilhou-as nos fundos da casa. Quando o pobre terminou, Roberto agradeceu muito, tirou um pouco de dinheiro do bolso e entregou a ele. Mas o mais inexplicável aconteceu um pouco mais tarde. Outro pobre bateu na porta e também foi recebido com grande alegria por Roberto. Ele então apontou para a pilha de madeiras que estava nos fundos da casa e depois apontou para a frente da casa. Para a surpresa do vizinho, ele viu o segundo pobre levar todas as toras de madeira e empilhá-las novamente na frente da casa. Mais uma vez Roberto agradeceu, tirou um pouco de dinheiro do bolso e deu ao pobre.

Ao ver esta cena, o vizinho não aguentou mais de curiosidade. Ele esperou o pobre sair e foi perguntar ao Roberto o que estava acontecendo. Apanhado em flagrante, Roberto ficou vermelho de vergonha. Depois de muita insistência, ele explicou:

- Eu gosto muito de ajudar as pessoas, sempre me esforcei para dar aos necessitados tudo o que eles precisavam. Mas um dia parei para refletir e percebi que eu não dava a eles o mais importante: dignidade. A partir daquele dia decidi não dar apenas dinheiro aos pobres, quis dar a eles a oportunidade de se sentirem úteis, e para isso comprei estas madeiras. Agora toda vez que alguém vem me pedir ajuda eu não ofereço dinheiro, eu ofereço um trabalho. A quantia que eu dou é a mesma, mas desta maneira eles não sentem vergonha. Ao invés de se sentirem humilhados, eles sentem orgulho por terem se esforçado pelo dinheiro que receberam"

Existem várias maneiras de ajudar uma pessoa necessitada. Mas nada ajuda mais um ser humano do que devolver a ele sua dignidade perdida.
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Nesta semana lemos a Parashá Behar. Entre outros assuntos, a Parashá fala sobre a Mitzvá de dar Tzedaká (caridade) aos necessitados, como está escrito: "Se seu irmão se empobrecer, e se os meios dele faltarem na sua proximidade, você deve fortalecê-lo" (Vayikrá 25:35). Mas por que é utilizada a linguagem "fortalecê-lo" ao invés de "ajudá-lo"? Explica Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, que este versículo refere-se à ajuda necessária a uma pessoa que começou a perder sua independência financeira, mas que ainda não chegou ao nível de tornar-se um completo destituído. Alguns comentaristas chegam a afirmar que ajudar pessoas que ainda estão caindo financeiramente é uma Mitzvá por si só, independente da Mitzvá de ajudar alguém completamente pobre. Mas qual é a diferença entre ajudar um pobre ou alguém que ainda está caindo? Na prática não estamos fazendo exatamente o mesmo ato?

O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), em suas leis sobre Tzedaká (Hilchót Matanot Aniim 10:10), explica que há oito níveis diferentes de Tzedaká, que começa com o ato de doar mesmo que seja de má vontade. Segundo ele, o nível mais elevado de Tzedaká é ajudar uma pessoa de maneira que ela não necessite se apoiar continuamente na ajuda dos outros, isto é, a ajuda deve ser dada de forma que a pessoa volte a ser, o mais rapidamente possível, financeiramente independente e não precise mais pedir aos outros. Por exemplo, o doador pode ajudar doando ou fazendo um empréstimo (sem juros) para que a pessoa reconstrua sua empresa falida, pode oferecer uma sociedade ou pode simplesmente ajudá-lo a conseguir um emprego. E a fonte citada pelo Rambam é justamente o versículo da nossa Parashá, enfatizando que a linguagem "fortalecê-lo" nos ensina a não deixar a pessoa cair completamente, dando a ela a força para se reerguer e novamente caminhar com suas próprias pernas.

O Rav Yossef Karo (Espanha, 1488 - Israel, 1575), mais conhecido como Beit Yossef, explica que esta é a maior forma de caridade pois é feita de forma que não envergonha aquele que recebe a ajuda. Quando oferecemos ajuda a alguém que está caindo, ele não sente que está recebendo uma esmola. A natureza humana nos faz querer ganhar o nosso próprio sustento, e quando somos obrigados a receber algo pelo qual não nos esforçamos, perdemos nosso senso de dignidade. Por isso é tão louvável ajudar o próximo de maneira que ele não se sinta envergonhado nem humilhado pela situação difícil pela qual está passando. Portanto, a melhor forma de ajudar alguém é fazer com sabedoria, de maneira que a pessoa não sinta que está sendo ajudada, ao contrário, que ela sinta que é ela quem está contribuindo de alguma maneira. É mais importante dar um trabalho do que apenas dar dinheiro a um pobre, pois o trabalho dá a ele a certeza de que ainda pode produzir, que ainda tem muito valor, enquanto o dinheiro é apenas uma esmola.

Há um ensinamento interessante no Talmud (Pessachim 8a), que afirma que uma pessoa que diz "estou dando esta Tzedaká para que meu filho viva" é chamada de "Tzadik Gamur" (um justo completo). O Talmud está falando sobre o caso de um pai cujo filho está gravemente doente e ele quer, através do mérito da Mitzvá de Tzedaká, que o filho possa se recuperar. Mas por que o Talmud louva esta pessoa ao ponto de chamá-la de "Tzadik Gamur", título atribuído a poucas pessoas, se ele cumpriu a Mitzvá de Tzedaká por motivos tão egoístas? O mais elevado é aquele que cumpre as Mitzvót apenas por D'us ter nos ordenado, e não aquele que as cumpre para receber algo em troca, como afirmam nossos sábios: "Não sejam como escravos que servem o seu dono para receber uma recompensa" (Pirkei Avót 1:3). Entendemos o desespero de um pai ao ver seu filho doente, e sabemos que um pai faria qualquer coisa para salvar a vida de seu filho, mas por que chamá-lo de Tzadik Gamur?

Responde o Rav Yehonasan Gefen que existem várias explicações para este ensinamento do Talmud. Mas há uma explicação "não convencional" que se conecta com os ensinamentos da nossa Parashá. Ele explica que o caso trazido pelo Talmud refere-se a uma pessoa que está dando Tzedaká e quer ter certeza de que aquele que recebe não vai sentir nenhum tipo de vergonha ou constrangimento. Por isto o doador fala para o pobre: "Estou dando esta Tzedaká para que meu filho viva", isto é, "Não sou eu quem está te ajudando, é você que está me fazendo um grande favor. É pelo mérito desta Mitzvá que você está me possibilitando cumprir que meu filho será curado". E o Talmud quer enfatizar que aquele que chega ao nível de fazer de tudo para não causar nenhuma vergonha ou constrangimento no momento de dar Tzedaká para uma pessoa necessitada é considerado um Tzadik Gamur. Preocupar-se em ajudar o próximo já é um ato bonito, mas preocupar-se além de tudo que o necessitado não se sinta humilhado é ainda mais importante e louvável.

Se pararmos para refletir, chegaremos à conclusão do quanto estamos longe desta forma ideal de ajudar o próximo. Normalmente ajudamos somente àqueles que já estão nas ruas, pedindo esmola para comprar o próximo pãozinho. Porém, muitas vezes perdemos a oportunidade de ajudar pessoas, às vezes até próximas, que estão caindo e perdendo tudo, mas que se envergonham de pedir ajuda. Temos que desenvolver nossa sensibilidade para perceber os sinais e escutar o grito silencioso das pessoas que estão caindo. Pois a pessoa que ainda está caindo se levanta com apenas um pouco de ajuda, mas para reerguer alguém que já caiu é muito mais difícil.

Na prática, fica o ensinamento de sempre pensar no necessitado quando vamos ajudá-lo. Não apenas dar um dinheiro para a uma pessoa necessitada, mas fazê-lo com um sorriso, com uma mensagem de esperança, se esforçando para dar o que a pessoa realmente necessita. Certamente isto fará com que a doação seja recebida com muito mais alegria, tanto aqui embaixo quanto lá em cima.
"Não dê um peixe ao pobre. Dê-lhe uma vara e ensine-o a pescar" (Ditado popular).
Shabat Shalom!
Lv 25:1-26:2, Je 32:6-27
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sexta-feira, 2 de maio de 2014

CADA UM NO SEU NÍVEL - PARASHÁ EMOR 5774

"Havia um rabino que era famoso por seu extraordinário poder de concentração. Quando ele estava imerso em seu estudo ou em suas Tefilót (rezas), ele não via nem escutava absolutamente nada do que acontecia ao seu redor.

Certa madrugada, quando o rabino estava imerso em seus estudos, seu pequeno bebê acordou assustado e começou a berrar. Apesar de o berço estar muito próximo dele, a concentração era tanta que ele não escutou o filho chorando. Os berros eram tão altos que o avô, que estava no andar superior da casa estudando, escutou. Ele interrompeu seus estudos, desceu e acalmou o bebê. Mais tarde, o avô repreendeu o pai do bebê:

- Filho, não importa o quão elevado sejam seus interesses espirituais ou o quão impressionante seja o seu nível de concentração nos estudos, você sempre deve escutar o choro de um filho"

Independente do nível espiritual que uma pessoa atinge, ela precisa estar ciente de seus deveres e necessita checar, o tempo inteiro, se está cumprindo suas obrigações na vida.

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Nesta semana lemos a Parashá Emor, que começa trazendo várias leis específicas para os Cohanim (sacerdotes), entre elas algumas obrigações que eles têm a mais do que o resto do povo, como a proibição de se impurificar com mortos que não tem nenhum grau de parentesco e a proibição de se casar com alguns tipos de mulheres, como uma divorciada. Depois disso a Parashá traz as leis referentes especificamente ao Cohen Gadol (Sumo Sacerdote), que também tem suas obrigações a mais do que os Cohanim simples, como a proibição de se impurificar com qualquer morto, inclusive seus próprios pais, e a proibição de casar com mais alguns tipos de mulheres, como uma viúva, que é permitida para os Cohanim simples mas é proibida ao Cohen Gadol. Porém, por que estas diferenças nas obrigações? Não viemos todos ao mundo para fazer o mesmo trabalho espiritual? Por que D'us criou esta "divisão", cuja consequência é que parte do povo tem mais obrigações do que o resto, ao invés do que aparentemente seria o mais justo, que todos tivessem exatamente as mesmas obrigações e cobranças?

Explica o Rav Meir Rubman (Israel, século 20) que a Parashá está nos ensinando uma regra espiritual importante: não existe uma obrigação espiritual padrão, que se aplica para todas as pessoas. Cada um está obrigado a servir D'us de acordo com os seu nível espiritual. Assim começa o livro Messilat Yesharim, de autoria do Rav Moshe Chaim Luzzato (Itália, 1070 –-Israel, 1746): "A fundação da Santidade e a raiz da perfeição no serviço Divino é que se esclareça e seja reconhecido como verdade para o ser humano qual a sua obrigação no seu mundo". Por que o Rav Moshe Chaim Luzzato escreve "no seu mundo" e não apenas "no mundo"? Para nos ensinar que cada pessoa tem uma obrigação única e particular. E isto se aplica mesmo a uma pessoa que está em um nível muito elevado e que dedica o seu tempo exclusivamente ao estudo da Torá, pois enquanto não estiver claro para ela qual é sua obrigação no seu mundo, isto é, sua obrigação particular de acordo com o seu nível, ela se assemelha àquele que construiu uma casa sem fundações ou plantou uma árvore sem raízes, e certamente não chegará à perfeição.

O Talmud (Shabat 33b) nos ensina este conceito através de uma história interessante. O Rav Shimon Bar Yochai e seu filho, Rav Elazar, quando precisaram se esconder dos romanos para salvar suas vidas, passaram 12 anos em uma caverna, imersos o tempo inteiro no estudo da Torá. Quando finalmente saíram, a primeira coisa que viram foi um homem trabalhando no campo. Irritados, exclamaram: "Este homem abandonou a vida eterna para se ocupar com a vida passageira?". Todos os lugares para onde eles olhavam imediatamente se queimavam. Saiu uma Voz Celestial e disse para eles: "Vocês saíram para destruir Meu mundo? Voltem imediatamente para a caverna". Como castigo, apesar do perigo romano já ter terminado, o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho precisaram voltar para a caverna por mais um ano.

Aprendemos do Talmud que o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho foram punidos por terem ficado irritados com aquele homem que trabalhava no campo. Mas eles não estavam certos? Nossos sábios explicam que o propósito da nossa vinda para este mundo é o nosso crescimento espiritual, adquirirmos a vida eterna no Olam Habá (Mundo Vindouro) através do estudo da Torá e do cumprimento das Mitzvót, e não para nos ocuparmos com coisas passageiras, cujos frutos não levaremos quando chegar o momento de partir deste mundo. Então por que eles foram castigados?

A resposta é que o Rav Shimon Bar Yochai e seu filho julgaram o mundo inteiro de forma rigorosa demais, pois cobraram dos outros de acordo com o nível particular deles próprios. Para eles, de acordo com o nível espiritual que haviam atingido, realmente era um erro abandonar a "vida eterna", isto é, o estudo da Torá, para se ocupar com a "vida passageira", isto é, as ocupações mundanas. Mas o resto do mundo não estava no mesmo nível espiritual, e por isso se ocupavam com a "vida eterna" parte do dia, mas precisavam também se ocupar com a "vida passageira". O que o Rav Shimon Bar Yochai não havia entendido é que para o nível da grande maioria das pessoas, é isto o que D'us quer delas, com o único cuidado de nunca dar mais importância para as ocupações mundanas do que para a ocupação espiritual.

Infelizmente repetimos muitas vezes o erro do Rav Shimon Bar Yochai e do seu filho quando cobramos dos outros que se comportem da mesma maneira como nos comportamos. Olhamos todos aqueles que fazem menos do que nós como se fossem pessoas pequenas e não estivessem cumprindo suas obrigações. Consideramos-nos melhores que os outros, e isto pode nos levar ao orgulho, uma das características mais negativas do ser humano. A Parashá nos ensina a buscarmos qual é o nosso verdadeiro nível espiritual e a refletirmos sobre qual é, de acordo com este nível, a nossa obrigação. Devemos cobrar apenas de nós mesmos, não dos outros.

Mas fica ainda uma pergunta: se aprendemos que quanto mais elevada espiritualmente a pessoa está, maior a cobrança, então não é melhor sermos pequenos?

Quando um novo funcionário é contratado para começar em um pequeno cargo na empresa, suas obrigações ainda não são muitas. Conforme ele vai crescendo, a cobrança sobre ele também vai aumentando. Por exemplo, quando o funcionário que lacra as embalagens vai para casa, ele pode se esquecer do trabalho e pensar em outras coisas, mas quando o presidente vai para casa, ele precisa levar a empresa junto com ele na cabeça. Então será que vale a pena ser presidente? A resposta é obviamente que sim. Em primeiro lugar, pois o presidente é aquele que vai fazer a diferença na empresa. Um bom presidente pode fazer a empresa crescer e se tornar líder no mercado, enquanto o funcionário que lacra as caixas pouco tem a acrescentar na empresa como um todo. Além disso, outra diferença marcante é o salário que cada um deles recebe no final do mês. Enquanto um deles recebe um pequeno salário, o presidente recebe um enorme salário e uma série de regalias.

Esta é a resposta para o nosso questionamento: quanto mais alto espiritualmente uma pessoa chega, maiores serão suas obrigações, mas também maiores serão seus méritos e recompensas. Por exemplo, nossos sábios ressaltam que os Cohanim têm 24 Mitzvót a mais do que as outras pessoas. Por outro lado, os Cohanim têm direito a 24 tipos diferentes de "Matanót Kehuná" (presentes dados apenas aos Cohanim). Coincidência? Não, pois de acordo com as obrigações, assim também são as recompensas que uma pessoa recebe. E se esta diferença acontece com as recompensas no mundo material, que são apenas passageiras, certamente será muito maior a diferença de méritos no Olam Habá daqueles que conseguirem crescer espiritualmente e se destacar.

Devemos acrescentar todos os dias bons atos e estar sempre crescendo espiritualmente, de forma que nosso nível hoje seja sempre maior do que o nosso nível de ontem. E, acima de tudo, é muito importante a reflexão constante, para termos sempre a certeza de que, de acordo com o nosso nível, estamos cumprindo nossas obrigações.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Lv 21:1-24:23, Ez 44:15-31