sexta-feira, 30 de maio de 2014

RECONHECENDO O ERRO - PARASHÁ NASSÓ E SHAVUÓT 5774

"Rodrigo, um jovem inteligente e esforçado, se candidatou a um alto cargo de uma grande empresa. Passou nas entrevistas e provas da fase inicial, mas faltava ainda uma entrevista final com o diretor. Na entrevista, o diretor viu o excelente currículo escolar de Rodrigo, mas percebeu que ele não vinha de uma família rica. Ele questionou se Rodrigo havia recebido alguma bolsa de estudos na escola, mas o jovem respondeu que não, que havia sido seu pai que havia pagado seus estudos. Explicou que o pai trabalhava em uma serralheria, e assim conseguia sustentar a família. O diretor pediu a Rodrigo que mostrasse suas mãos, e percebeu que eram mãos suaves e perfeitas. Perguntou se alguma vez já havia ajudado seu pai no trabalho, mas o jovem respondeu que não, pois seu pai nunca havia permitido, ele sempre quis que ele estudasse e lesse mais livros. O diretor disse:

- Eu estou seriamente decidido a te contratar, mas tenho um pedido. Quando você for para casa hoje, vá e lave as mãos de seu pai. E venha me ver novamente amanhã de manhã.

Rodrigo sentiu que a sua chance de conseguir o cargo era alta, mas estranhou o pedido do diretor. Mesmo assim, quando voltou para casa, pediu ao pai para deixá-lo lavar suas mãos. O pai também estranhou, mas estendeu as mãos em cima da pia. Rodrigo lavou-as lentamente. Foi a primeira vez que ele percebeu que as mãos de seu pai estavam enrugadas e tinham muitas cicatrizes. Alguns cortes eram tão profundos que ele se arrepiou quando tocou. Naquele momento Rodrigo entendeu o significado daquelas mãos trabalhando todos os dias para pagar seus estudos. Os cortes e feridas eram o preço que seu pai teve que pagar por sua educação, suas atividades escolares e seu futuro.

Naquela noite Rodrigo não conseguiu dormir. Passou a noite pensando que nunca tinha agradecido seu pai por todas as oportunidades que ele tinha lhe dado. Na manhã seguinte, Rodrigo foi à nova entrevista. O diretor percebeu as lágrimas nos olhos dele quando perguntou o que havia aprendido em sua casa na noite anterior.

- Agora eu sei o que é valorizar e reconhecer - respondeu o jovem - Sem meus pais, eu não seria quem eu sou hoje.

- Isso é o que eu procuro no meu pessoal - disse o diretor - Quero contratar uma pessoa que sabe apreciar a ajuda dos outros, que reconhece as dificuldades que os outros têm para fazer suas atividades, e que não coloca o dinheiro como seu único objetivo na vida. Você está contratado."

Saber reconhecer as bondades que recebemos é um dos fundamentos mais importantes para um dia conseguirmos crescer na vida.

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Na Parashá desta semana, Nassó, a Torá descreve o processo de expiação de uma pessoa que ilegalmente reteve um dinheiro que pertencia à outra pessoa, e que completou seu crime negando, através de um falso juramento, a posse do dinheiro. Além da restituição do dinheiro ao seu verdadeiro dono, um dos elementos mais importantes na expiação deste erro é o "Vidui", a confissão verbal da transgressão, como está escrito: "Eles devem confessar o pecado que cometeram" (Bamidbar 5:7).

O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), em suas leis sobre arrependimento (Hilchót Teshuvá 1:1), cita justamente este versículo quando descreve de forma genérica a Mitzvá de arrependimento por uma transgressão cometida, ressaltando o fato de a confissão verbal ser uma das principais partes do processo de arrependimento e conserto. O Rambam dá ainda mais importância ao "Vidui" ao afirmar que "todo aquele que aumenta suas confissões e se alonga neste assunto é louvado". Mas como entender este ensinamento do Rambam? O que há de tão especial em confessar um erro cometido? E por que aumentar as confissões é algo digno de louvor?

A pergunta fica ainda mais difícil quando levamos em consideração o conceito não judaico da confissão dos pecados. Quando pensamos na ideia de culpa e expiação, as primeiras imagens que vêm à nossa cabeça são pessoas se repreendendo e se martirizando, sentindo-se pessoas indignas após terem cometido uma transgressão. É difícil imaginar que uma pessoa se comportando desta maneira mereça louvores. Ao contrário, este tipo de comportamento é muito perigoso, pois pode levar a pessoa a repetir outras vezes a transgressão. Um dos principais motivos é que a pessoa pode chegar a um ponto no qual sua autoestima está tão baixa que ela já não respeita mais nem a si mesma, podendo se descontrolar e cometer as piores transgressões. Portanto, certamente que não é a este tipo de "confissão" à qual o Rambam está se referindo quando diz que é digna de louvor. Então qual é a visão judaica da confissão?

A palavra em hebraico "Vidui" vem da mesma raiz da palavra "Todá", que significa "agradecimento". Esta conexão entre os dois conceitos é reforçada por um Midrash (parte da Torá Oral) que afirma que quando Adam Harishon (Adão) se arrependeu do seu pecado, ele compôs o Salmo "Tov Lehodot LaHashem" (Tehilim 92:1), que significa "É bom agradecer a D'us". O Midrash ensina que, ao invés de ler "Lehodot" (agradecer), devemos ler "Lehitvadot" (confessar). Certamente o Midrash não está ressaltando apenas a semelhança entre as letras das duas palavras. Qual é a conexão entre agradecer e confessar?

Explica o Rav Yohanan Zweig que quando uma pessoa agradece, é porque reconheceu que recebeu alguma bondade. A palavra "Todá" (agradecimento) também vem da mesma raiz da palavra "Modê", que significa "reconhecimento". Se uma pessoa recebeu uma bondade mas não conseguiu reconhecer, certamente não vai agradecer, pois não percebe que recebeu algo. Por exemplo, alguém que ganhou um relógio "Rolex" verdadeiro, mas pensa que é apenas uma falsificação barata, não vai agradecer, pois não reconheceu o que recebeu. Portanto, a pessoa somente verbaliza um agradecimento quando reconhece as coisas boas que recebeu.

Esta é a mesma fonte espiritual da confissão que traz frutos positivos. Quando alguém verbaliza a sua transgressão de forma sincera, significa que reconheceu as coisas boas que recebe de D'us, e que entendeu o quanto a transgressão cometida é, em essência, uma autodestruição, que a afasta das bondades Dele. D'us criou um mundo de bondades, com a única intenção de nos fazer bem, e somos nós, com nossos próprios maus atos, que causamos os problemas, sofrimentos e dificuldades. É este tipo de confissão que o Rambam está louvando. Não a pessoa que fica se martirizando e sentindo-se se uma pessoa indigna, mas a pessoa que reconhece o quanto seus maus atos impedem que a bondade ilimitada de D'us chegue à sua vida. Este reconhecimento faz com que a pessoa se arrependa de verdade e queira voltar ao caminho da Torá e das Mitzvót.

Parece simples, mas por que para nós é tão difícil reconhecer as bondades de D'us? Em primeiro lugar, pois Suas bondades são tão constantes que acabamos nos acostumando e deixando de percebê-las. Outro motivo é que D'us faz as bondades de forma oculta, sem que Sua mão possa ser facilmente percebida, para não tirar nosso livre arbítrio. Por isso, uma forma de melhorar o nosso reconhecimento das bondades de D'us é melhorando o nosso reconhecimento das bondades feitas pelas pessoas que estão à nossa volta. Quanto mais nos acostumamos a dar valor para as coisas boas que recebemos das outras pessoas, desenvolvemos mais esta característica de reconhecer as bondades. Assim, com esforço nesta área, chegaremos ao nível de também reconhecer e agradecer por todas as infinitas bondades que D'us nos faz, o tempo inteiro, e isto nos ajudará a nos afastarmos das transgressões.

Na próxima terça feira de noite (03 de junho) começa Shavuót, também conhecida como "A Festa da entrega da Torá". É um dia no qual nos alegramos e passamos a noite inteira estudando Torá. O principal motivo desta alegria é o reconhecimento do presente maravilhoso que D'us nos deu. A Torá, através de suas leis e ensinamentos, nos ajuda a crescermos espiritualmente em todas as áreas da vida e a nos tornarmos pessoas melhores, mais preocupadas com o próximo e mais conectadas com D'us. Em Shavuót a Torá é novamente entregue por D'us ao povo judeu. O nível de entendimento que teremos da Torá durante todo o ano depende do nível de alegria com o qual abrimos nosso coração para recebê-la em Shavuót. Por isso, quanto mais refletirmos, mais conseguiremos enxergar e reconhecer os benefícios da Torá em nossas vidas, e mais fácil será sentir a alegria de receber mais uma vez este presente tão especial.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Nm. 4:21-7:89, Jz. 13:2-25

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