sexta-feira, 27 de abril de 2012

FAZENDO A DIFERENÇA - PARASHIÓT TAZRIA E METZORÁ 5772

"O Rav Shimon Schwab, quando ainda era muito jovem, certa vez visitou o Chafetz Chaim, que na época já era o maior rabino da geração. Este encontro marcou profundamente a vida do Rav Shimon Schwab. No encontro, o Chafetz Chaim, que era Cohen, perguntou ao Rav Schwab se ele era Cohen, Levi ou Israel. O Rav Schwab respondeu que ele era Israel. O Chafetz Chaim então falou:
- Você sabe qual a diferença entre mim e você? Logo o Beit Hamikdash (Templo Sagrado) será reconstruído e todos irão para lá pela primeira vez, lotando as portas que dão acesso ao pátio onde são feitos todos os serviços, entre eles os Korbanót (sacrifícios). Haverá um guarda na porta que perguntará a todos se eles são Cohanim, Leviim ou Israelim. Os Cohanim receberão acesso ao pátio interno e participarão ativamente de todos os serviços, e eu estarei entre eles. Já você, Rav Schwab, junto com todos os outros Israelim, vai ficar do lado de fora. Os Israelim vão querer participar dos serviços, mas a lei judaica não permite. A lei diz claramente que os Cohanim ficam dentro e os Israelim ficam fora. Então os Israelim ficarão bravos, chateados e com inveja.
O Chafetz Chaim, diante do olhar de questionamento do Rav Schwab, continuou:
- Você sabe por que, Rav Schwab, vai ser assim? Por causa de algo que aconteceu há cerca de 3 mil anos atrás, chamado "O pecado do bezerro de ouro". O povo judeu pecou ao construir este bezerro. Apesar de apenas 3 mil pessoas do povo realmente terem participaram ativamente deste hediondo ato de idolatria, quando Moshé Rabeinu convocou o resto do povo para vir apagar o fogo, com as famosas palavras "Quem está com D'us, venha comigo" (Shemot 32:26), você sabe o que aconteceu? Somente a tribo de Levi se apresentou. Meu tataravô foi um dos que se levantou e respondeu à convocação, enquanto seu tataravô ficou ali sentado e não fez nada. Por isso, os Cohanim, que são descendentes da tribo de Levi, vão entrar para realizar os serviços do Beit Hamikdash. Mas vocês, os Israelim, vão ficar do lado de fora, pois ficaram sentados e não responderam ao chamado de Moshé.
O Chafetz Chaim então olhou para o Rav Schwab e disse:
- O que você pensa, que eu quero fazê-lo se sentir mal? Que eu quero esfregar isto na sua cara? D'us me livre. Tudo o que eu quero é te ensinar uma importante lição. Muitas vezes na vida você escutará uma pequena voz em sua cabeça dizendo "Quem está com D'us venha comigo". Vai ocorrer um evento, vai surgir algum problema, algo que todos serão convocados a se levantar para serem contados entre os que estão de verdade com D'us. Em que acampamento você estará nestes momentos? Eu quero deixar claro para você que questões como estas e desafios como estes têm implicações não apenas para você, mas para gerações e gerações que virão depois de você. Pelo fato do seu tataravô não ter respondido "Sim" quando perguntado "Quem está com D'us, venha comigo", você está excluído dos serviços do Beit Hamikdash. Foi um ato que ainda tem consequências, mesmo 3 mil anos depois. E pelo fato do meu bisavô ter dito "Sim", agora eu sou um Cohen e eu farei o serviço do Beit Hamikdash.
- Nunca se esqueça - finalizou o Chafetz Chaim - que todos têm o seu momento de "Quem está com D'us, venha comigo". Quando você escutar esta voz, levante-se e faça parte daqueles que serão contados."
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Nesta semana nós lemos duas Parashiót juntas, Tazria e Metzorá. O ponto em comum entre as duas Parashiót é que elas tratam sobre as impurezas espirituais do ser humano e as formas de purificação para cada uma delas.
A Parashá da semana passada, Shemini, terminou descrevendo a impureza e a pureza dos animais, enquanto as Parashiót desta semana descrevem a impureza e a pureza dos seres humanos. Se refletirmos um pouco sobre a ordem das Parashiót da Torá, percebemos algo estranho. Por que a Torá escreveu primeiro as leis referentes aos animais e somente depois escreveu as leis referentes aos seres humanos? A mesma pergunta surge ao observarmos a ordem da criação do Universo. Em primeiro lugar D'us criou os répteis, os pássaros e os mamíferos, e somente depois criou o ser humano. Se somos o centro da criação, o motivo de D'us ter criado todo o universo, por que fomos criados por último?
Observando também as leis de impureza e pureza dos animais e dos seres humanos, nos chama a atenção as enormes diferenças que há entre elas. Em primeiro lugar, todos os animais têm regras fixas e imutáveis de pureza e impureza. Por exemplo, se um animal é impuro, ele será impuro para sempre, enquanto se ele for puro, será puro para sempre. Já o ser humano pode mudar seu estado de pureza para impureza e vice-versa. Por que esta diferença? Além disso, de acordo com as leis da Torá, a impureza do ser humano é muito mais forte e rigorosa do que a dos animais. Por exemplo, se um réptil morre, ele pode contaminar uma pessoa que tocar nele, enquanto um ser humano morto pode impurificar até mesmo uma pessoa que está sob o mesmo teto do corpo, mesmo que não o tenha tocado. Por que é tão mais forte e rigorosa a impureza dos seres humanos?
Explica o Zohar Hakadosh, o livro de conhecimentos místicos escrito pelo Rav Shimon Bar Yochai, que D'us criou o ser humano por último para que nele estivesse contido todos os atos da criação. De cada uma das criaturas feitas nos 6 primeiros dias, D'us utilizou um pouco de suas características e qualidades particulares para construir o ser humano. Cada ser humano, portanto, concentra dentro de si a qualidade de todas as criaturas existentes no mundo. É isto o que nossos sábios se referem quando ensinam que "o ser humano é um micro-cosmos".
De acordo com o Rav Chaim Vologiner, em seu livro Nefesh HaChaim, em um primeiro momento foi colocado no ser humano apenas as forças de pureza do universo. Depois do pecado do primeiro homem, Adam Harishon, se misturou dentro dele também as forças de impureza e maldade. Portanto, depois de Adam Harishon, todo ser humano deve travar uma luta dentro de si para separar as boas e as más influências, os bons e os maus atos. A mistura é tanta que, mesmo em nossos bons atos sempre há um lado negativo e ruim, e em nossos maus atos sempre há uma ponta de boas intenções.
Explica o Rav Yossef Salant que isto explica por que a pureza e impureza dos animais é constante, enquanto a pureza e a impureza dos seres humanos se altera tanto. Como cada criatura permanece na sua individualidade, elas estão sempre na mesma situação e essência e, portanto, não mudam seu status. Já o ser humano, que é composto por várias forças diferentes, boas e más, puras e impuras, está em constante luta e mudança.
Cada uma das criaturas é composta de apenas uma única força de criação. Por isso, se ela é impura, sua impureza não é tão forte, pois vai de acordo com a parte que lhe foi atribuída e naturalizada em sua formação. Por outro lado, o ser humano, que reúne as forças e características de todas as criaturas, tem em suas mãos a escolha. Ele pode chegar, com a má inclinação dos seus atos, aos piores e mais graves níveis de impureza espiritual, pois pode reunir dentro de si a impureza de todas as criaturas. Mas ao contrário, se o ser humano canalizar suas inclinações para o bem, pode chegar ao mesmo nível de santidade e pureza dos anjos mais elevados, pois pode concentrar dentro de si a pureza de toda a criação, como era Adam Harishon antes de sua transgressão.
Portanto, da ordem das Parashiót e dos conceitos da pureza e impureza, aprendemos uma lição muito importante para nossas vidas. Quando o ser humano merita fazer o que deve, canalizando suas forças para a pureza e completando seu objetivo no mundo, dizem para ele: "Você foi criado antes dos anjos". Mas se a pessoa não merita, perdendo seu foco e afundando-se na impureza, dizem para ela: "Até mesmo a mosca e o mosquito foram criados antes de você". Esta é a nossa escolha, está em nossas mãos.

SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Tazría  Lv l2:1-13:59, Lc. 7:18-35
Metsorá Lv14:1-15:33, 2 Rs. 7:3-20, Mt. 23:16 - 24:2, 30-31

sábado, 21 de abril de 2012

A TIGELA DE MADEIRA – PARASHÁ SHEMINI 5769

"Um senhor de idade foi morar com o filho, a nora e o neto de quatro anos. Por causa da idade avançada, as mãos do velhinho eram trêmulas e a sua visão já estava embaçada, e isso o atrapalhava muito na hora de comer. A comida muitas vezes caía no chão e a bebida sempre acabava derramada na toalha. Além disso, muitas vezes ele deixava o prato de vidro cair no chão, espatifando-o. O filho e a nora começaram a ficar profundamente irritados com a sujeira, até que um dia a nora comentou com o marido:
- Precisamos tomar alguma providência a respeito do seu pai. Isto não pode continuar. Já tivemos suficiente bebida derramada, pratos quebrados e comida espalhada pelo chão!
O marido concordou, e decidiram então tomar uma providência: daquele dia em diante o velhinho comeria em um canto da cozinha, numa pequena mesa isolada, enquanto o restante da família continuaria fazendo as refeições na mesa principal. Além disso, sua comida passaria a ser servida numa tigela de madeira. E assim fizeram, isolaram o pobre velhinho, que comia sempre sozinho e humilhado. E por estarem tão distantes do velhinho na hora da comida, ninguém podia perceber as lágrimas em seus olhos. As únicas palavras que lhe diziam eram broncas e gritos quando ele deixava um talher ou a comida cair no chão. O menino de quatro anos de idade assistia a tudo em silêncio.
Certa noite, antes do jantar, o pai percebeu que o garoto estava no chão, manuseando um pedaço de madeira. O pai foi até ele e lhe perguntou o que estava fazendo com aquela madeira. O menino respondeu:
- Eu estou fazendo uma tigela para você e para a mamãe comerem quando vocês também ficarem velhos.
O garoto de quatro anos de idade sorriu e voltou ao trabalho. Aquelas palavras tiveram um impacto tão grande nos pais que eles ficaram mudos, e lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. Naquela mesma noite o pai tomou o avô pelas mãos e gentilmente conduziu-o à mesa da família. Daquele dia em diante ele voltou a comer todas as refeições com a família. E o marido e a esposa já não se importavam mais quando um garfo caía, o leite derramava ou a toalha da mesa ficava suja"
Temos que tomar cuidado de como cuidamos dos nossos velhos, pois um dia também seremos velhos...
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A Parashá desta semana, Shemini, nos ensina sobre a inauguração do Mishkan (Templo Móvel). Por sete dias Moshé fez os serviços do Mishkan, mas no oitavo dia ele consagrou Aaron e seus filhos como Cohanim (sacerdotes), e a partir deste dia eles e seus descendentes foram para sempre os responsáveis pelo serviço do Templo. E assim começa a Parashá: "E foi no oitavo dia, Moshé convocou Aaron, seus filhos e os anciãos de Israel" (Vayikrá 9:1). Entendemos porque Aron e seus filhos foram chamados, já que seriam consagrados como Cohanim. Mas por que a Torá relata que os anciãos também foram chamados?
Vivemos em uma sociedade onde os mais velhos são desprezados e deixados de lado. As empresas costumam "aposentar" seus funcionários após os 60 anos pois querem "renovar" seu quadro de funcionários, e a pessoa praticamente perde seu valor na vida. Existe um problema que atualmente atinge o mundo inteiro, desde países pobres até os mais ricos: com as melhorias no campo da medicina e o baixo nível de natalidade, a população mundial tem envelhecido nos últimos anos, e com isso a população economicamente ativa vem diminuindo muito, causando problemas para a previdência social. Francis Crick, ganhador do prêmio Nobel de química pela descoberta do DNA, foi certa vez entrevistado pela revista "Nature" e questionado sobre como este problema poderia ser resolvido. Francis Crick sugeriu que pessoas com mais de 80 anos que ficassem doentes e não tivessem condições de pagar seu próprio tratamento médico não deveriam mais ser atendidas nos hospitais públicos, deveriam ser deixadas em uma maca, em um canto do hospital, para não atrapalharem os outros doentes. O que Francis Crick quis dizer é que a sociedade moderna rotula as pessoas de acordo com o quanto contribuem financeiramente. Em resumo, os velhos não servem para nada e devem ser ignorados. Será que esta é a visão judaica?
A palavra "ancião" em Lashon Hakodesh (língua sagrada na qual foi escrita a Torá) é "Zaken". Ensinam nossos sábios que a palavra "Zaken" vem das palavras "Zé she KaNá chochmá" (aquele que adquiriu sabedoria). Mas será que todo ancião tem sabedoria? A mesma pergunta surge quando observamos uma das 613 Mitzvót da Torá: "Na presença de uma pessoa idosa você deve levantar-se e você deve honrar a presença de um sábio" (Vayikrá 19:32). Por que a Torá traz junto a Mitzvá de honrar um idoso com a Mitzvá de honrar um sábio? Explicam os nossos sábios que existem diversos tipos de sabedoria. Por exemplo, "Chochma" é a capacidade de formação de idéias, "Biná" é a capacidade de análise dedutiva, "Daat" é a capacidade compreender as coisas de forma mais profunda. E além destes três tipos de sabedoria existe uma quarta, que é a "Zikná", a experiência de vida. As primeiras três sabedorias podem ser obtidas através do estudo e do esforço, mesmo por pessoas jovens. Mas a "Zikná" é a sabedoria que apenas os anciãos têm.
É por isso que a Torá ressalta que, na inauguração do Mishkan, Moshé também chamou os anciãos, para mostrar que segundo o judaísmo devemos honrar e respeitar os mais velhos por sua sabedoria de vida. E assim dizia o Rabi Akiva, um dos maiores rabinos de todas as gerações: "O povo judeu se assemelha a um pássaro. Da mesma forma que um pássaro não pode voar sem suas asas, o povo judeu também não poderia fazer nada se não fossem seus anciãos". Segundo o judaísmo, uma sociedade que não valoriza seus anciãos não sobrevive. Talvez isso ajude a explicar por que a sociedade moderna, com pouco mais de 200 anos, já está tão decadente, enquanto o judaísmo continua com seu brilho e vigor há mais de 3.000 anos.
A Torá nos ensina a recompensa de poucas Mitzvót. Uma das exceções é a Mitzvá de "Honrarás teu pai e tua mãe", na qual a Torá descreve que a pessoa recebe "Arichut Iamim" (alongamento dos seus dias). Mas a linguagem utilizada é estranha, pois ao invés de "alongamento dos dias" deveria estar escrito "multiplicação dos dias"! Uma das explicações é que os pais, por já terem passado por muitas experiências, já adquiriram muita sabedoria de vida. Portanto, aquele que honra seus pais e sabe escutar seus conselhos "alonga seu dia", isto é, aprende com a experiência de vida dos pais e perde menos tempo cometendo erros. Por isso sobra mais tempo para fazer o que realmente precisam fazer na vida.
É verdade que jovens recém saídos da universidade podem ter mais conhecimentos tecnológicos, mas para tomar decisões corretas na vida é necessário mais do que conhecimento técnico, é necessário experiência de vida, e isso nenhum jovem tem. Portanto, respeite e valorize os mais velhos.
"Não teremos tempo de cometer todos os erros. Que possamos então aprender com os erros e acertos dos outros"
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/search/label/Parash%C3%A1%20Shemini

sexta-feira, 20 de abril de 2012

AMIGO DE VERDADE - PARASHÁ SHEMINI 5772

"No meio da guerra, após um duro combate contra o exército inimigo, um soldado se aproxima do capitão e faz um pedido dramático:- Senhor, o meu amigo não regressou do campo de batalha. Peço autorização para ir procurá-lo.
- Autorização negada - respondeu o oficial - Não quero que você arrisque sua vida por um homem que provavelmente está morto. Já perdemos muitos homens hoje.
O soldado, ignorando a proibição, saiu em busca do amigo. Uma hora depois regressou, muito ferido, carregando o corpo do amigo. O oficial, ao ver a gravidade dos ferimentos de seu soldado, ficou furioso:
- Eu avisei que ele estava provavelmente morto! Por que fez esta tolice? Diga-me, valeu a pena quase perder a vida apenas para trazer um corpo?
O soldado ferido conseguiu, juntando todas as suas forças, dar um sorriso e responder:
- Claro que valeu, senhor! Quando o encontrei, ele ainda estava vivo. Ainda houve tempo para que ele olhasse nos meus olhos e dissesse: "Amigo, eu tinha a certeza de que você viria"
Podemos ter na vida muitos colegas. Colegas de trabalho, colegas de classe, a turma do futebol. Mas amigos de verdade temos poucos. Pois amigo de verdade é aquele que chega quando todos já foram embora.

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Um dos assuntos tratados na Parashá desta semana, Shemini, é a Kashrut, as leis alimentares que determinam quais os tipos de alimentos podemos consumir e quais são proibidos. Mas desde o começo do livro de Vayikrá a Torá estava falando sobre os Korbanót (sacrifícios) oferecidos no Templo Sagrado. Por que a Torá trouxe o assunto de Kashrut logo após os Korbanót? Pois da mesma maneira que os Korbanót são parte importante do nosso serviço a D'us e da nossa conexão espiritual, assim também é a Kashrut. A comida não-Kasher impurifica nosso coração e nos desconecta da nossa espiritualidade.
A Torá ensina, para cada tipo de animal, quais são os sinais de Kashrut para que possam ser consumidos. Por exemplo, para os animais domésticos, os sinais são a presença de um casco completamente fendido e a característica fisiológica de serem ruminantes, como a vaca e o carneiro. Nos peixes, os sinais são a presença de escamas e de barbatanas, como o atum e o linguado. Já em relação às aves é diferente, pois a Torá não apresenta sinais de Kashrut para as aves, apenas lista 20 espécies que não são Kasher, como está escrito: "Estes vocês devem considerar uma abominação entre os pássaros, eles não deverão ser comidos – eles são detestáveis: a águia, o abutre, a águia do mar... o corvo e sua espécie, a avestruz..., o falcão e sua espécie... a coruja... a cegonha... (Vaikrá 11:13,19)".
Qual o sentido das leis de Kashrut? Na Torá existem dois tipos de lei, os "Chukim" e os "Mishpatim". Os "Chukim" são as leis que D'us nos comandou, mas que intelectualmente, por causa de nossas limitações, não conseguimos entendemos qual a lógica Divina. Já os "Mishpatim" são as leis que conseguimos intelectualmente entender seu sentido, como as Mitzvót de honrar os pais e não matar. A Kashrut se enquadra nos "Chukim", isto é, trata-se de uma Mitzvá que cumprimos apenas por sabermos que foi o Criador do Universo que nos comandou, para cuidarmos da nossa alma.
Mas nossos sábios explicam que mesmo nos "Chukim" existe um entendimento lógico superficial que conseguimos captar. Por exemplo, o Ramban (Nachmânides) diz que todas as aves listadas entre as proibidas para o consumo têm um ponto em comum: são aves com má índole. A grande maioria são aves de rapina, que atacam com violência outras aves e animais para se alimentar. Segundo o Ramban, se uma pessoa consumisse a carne de alguma destas aves, absorveria também este desejo de violência e o comportamento animalesco, e devemos nos afastar destas terríveis características.
Mas nesta lista de aves há uma que aparentemente foge da explicação oferecida pelo Ramban: a cegonha, cujo nome em Lashon Hakodesh é "Chassida", que também significa "bondosa". O nome de todos os animais foi dado por Adam Harishon (Adão), após D'us ter terminado a criação do mundo. Adam olhou cada animal e, com um entendimento profundo, percebeu qual a característica principal de cada um deles, e de acordo com esta característica os nomeou. Por que a cegonha recebeu o nome de "Chassida"? Segundo o Talmud (Chulin 63a), este nome vem do fato da cegonha fazer bondade com seus companheiros e repartir entre eles a sua comida. Portanto, se ela tem esta característica tão boa, por que está na lista dos pássaros proibidos e abomináveis? Onde encontramos na cegonha a má índole mencionada pelo Ramban?
Explica o Rav Ytschak Meir Rothenberg Alter, mais conhecido como Chidushei Harim, que a cegonha faz bondades apenas com os seus companheiros, mas não com os pássaros das outras espécies. Fazer bondades com os amigos não torna ninguém especial, pois até mesmo os bandidos fazem bondades com as pessoas queridas. O que nos torna diferentes é fazer bondades com todos, sem distinção, de forma irrestrita. Fazer bondades apenas como os amigos não é uma bondade verdadeira, é uma bondade baseada em um sentimento egoísta e, portanto, uma característica indesejável para o povo judeu, o povo descendente de Avraham Avinu, cuja tenda era aberta em todas as direções para que pudesse fazer bondades com todos os que passavam por sua casa, sem nenhum tipo de distinção.
O Rav Yohanan Sweig acrescenta que há um entendimento ainda mais profundo de qual é a má característica da cegonha, que ajuda a entender um ensinamento do Talmud (Torá Oral). Está escrito no Talmud (Kidushin 49b) que cada local do mundo tem propensão a desenvolver certas características de comportamento. Um dos exemplos que o Talmud cita é a Babilônia, onde as pessoas tinham a característica de ser bajuladores, algo muito desprezado pela Torá. Como prova de que os babilônios eram bajuladores, o Talmud traz um versículo que descreve uma visão do profeta Zecharia, na qual duas mulheres com asas de cegonha traziam uma vasilha para a Babilônia. Rashi, comentarista da Torá e do Talmud, explica que aprendemos do versículo que os babilônios eram bajuladores pelo fato das asas das mulheres serem asas de cegonha. Mas por que aprendemos esta característica tão detestável justamente da cegonha?
Responde o Rav Yohanan Sweig com um fundamento muito importante do judaísmo. A palavra "amigo", em Lashon Hakodesh, é "Chaver", da mesma raiz de "Chibur", que significa "conectar-se". Quanto maior a amizade entre duas pessoas, maior a conexão entre elas e, portanto, maior a perda da independência das duas partes, pois o comprometimento em um relacionamento vem acompanhado de obrigações. Em uma amizade verdadeira, a pessoa deve estar sempre disponível para ajudar o amigo nos momentos de necessidade, não por bondade, mas por obrigação. Por isso, quando alguém sente que o que faz por um amigo é uma bondade, isto significa que ele entrou no compromisso com egoísmo, querendo manter sua independência, querendo manter o controle do relacionamento. Quando a Torá diz que a cegonha "faz bondade com seus amigos", significa que ela sente que cada coisa que faz pelos amigos é uma bondade. Portanto, ela não representa uma boa característica, ao contrário, representa o egoísmo, a falsidade e a falta de comprometimento.
Como isto se conecta com a bajulação? Se pararmos para refletir um pouco, a bajulação é nada mais do que uma forma de enganação no relacionamento entre duas pessoas. A bajulação é o ato de dar à outra pessoa uma falsa sensação de realidade. É um ato de manipulação, de egoísmo, uma tentativa de manter o controle do relacionamento para que seja sempre do seu jeito. Esta má característica vem do mesmo egoísmo que leva uma pessoa a não se comprometer em uma amizade. Esta é a característica da cegonha, certamente algo nada positivo e nem um pouco desejável para nós.
Fica para nós estes dois grandes ensinamentos que aprendemos da cegonha. Em primeiro lugar, que a bondade é verdadeira apenas quando nos preocupamos com todos, de forma irrestrita, e não apenas com aqueles que são mais próximos. Precisamos trabalhar para sentir a dor e a necessidade de todos. E em segundo lugar, temos que criar relacionamentos verdadeiros de amizade, nos quais entendemos nossas obrigações e as nossas responsabilidades. Este ensinamento também certamente se aplica ao casamento, onde um relacionamento verdadeiro deve ser baseado na premissa de um comprometimento mútuo, no qual cada ajuda que damos ao outro não é uma bondade, e sim uma obrigação.
O cuidado com a Kashrut é, entre outros motivos, uma maneira de cuidar das nossas boas características. Mas certamente que a alimentação Kasher deve vir acompanhada de um trabalho ativo de refinamento das nossas características. Não adianta apenas comer Kasher e ser grosseiro ou egoísta com os outros. Somente com estes dois elementos juntos, a boa alimentação e o trabalho constante para refinar nosso caráter, poderemos chegar ao mesmo nível de bondade e perfeição que chegaram os nossos patriarcas.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
Lv 9:1-11:47, 1Sm 20:18-42, Hb. 7:1-19 (Machar Chodesh)
http://ravefraim.blogspot.com.br/

sexta-feira, 13 de abril de 2012

EXPULSANDO A ESCURIDÃO - PESSACH II 5772 (13 de abril de 2012)

"Certa vez um rei muito sábio decidiu procurar um bom marido para sua filha preferida. Buscava um jovem que tivesse diversas boas qualidades, mas entre elas a que ele mais desejava era a sabedoria. Para isso, criou um desafio e anunciou que aquele que vencesse poderia casar-se com sua filha. Qual era o desafio? O pretendente deveria encher o salão principal do palácio com alguma substância leve e sem gastar muito tempo. Vários candidatos se apresentaram para tentar vencer o desafio e conquistar o mérito de casar-se com a princesa. O primeiro trouxe uma enorme quantidade de penas, mas apesar de seu imenso esforço e vontade, o tempo passou e ele não conseguiu encher o salão inteiro. Já o segundo tentou encher o salão com uma seda fina, porém também desistiu após algum tempo. E assim centenas de pessoas tentaram encher o salão com os mais diversos materiais, mas não conseguiram. O rei, ao ver o fracasso de todos, ficou desesperado. Será que ninguém venceria o desafio? Será que não encontraria o marido ideal para sua filha?
Certo dia, um pretendente entrou no palácio. Para a surpresa de todos, ele vinha de mãos vazias. O rei então questionou:
- Meu jovem, se você não traz nada nas mãos, como pretende vencer o desafio? Com o que você vai encher o meu salão?
O jovem rapaz não respondeu, apenas pediu aos ajudantes do rei que apagassem completamente as luzes do salão. Quando o salão ficou completamente tomado pela escuridão, o jovem rapaz tirou uma pequena vela do bolso e a acendeu. A luz preencheu imediatamente todo o salão, expulsando a escuridão. O jovem havia vencido o desafio"
O mundo está repleto de maus atos, que se comparam à escuridão. Chegamos a ficar sem esperanças de ver um mundo melhor, mais justo e mais feliz. Mas temos que saber que cada bom ato que fazemos se compara a uma vela, que mesmo sendo pequena, tem o poder de expulsar a escuridão.
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Na noite desta quinta feira (12 de abril) novamente é Yom Tov, no qual comemoramos o sétimo dia de Pessach. O Yom Tov é um dia com mais Kedushá (Santidade), no qual, como no Shabat, nos abstemos de certas atividades criativas. Entendemos porque D'us determinou que o primeiro dia de Pessach fosse Yom Tov, já que neste dia ocorreu a saída do Egito. Mas o que houve de especial no sétimo dia de Pessach, que justifica outro Yom Tov?
Mesmo depois dos judeus terem saído do Egito, após as 10 pragas devastadoras, a escravidão não havia terminado definitivamente. Eles ainda se sentiam escravos, pois apesar de já terem escapado do local de escravidão, sabiam que os egípcios poderiam persegui-los através do deserto para levá-los de volta. E os judeus estavam certos, pois foi justamente isto que ocorreu. Os judeus ainda não haviam se afastado muito quando o Faraó, sem medo das consequências, juntou 600 charretes de guerra e seus melhores homens e partiu em sua perseguição. Os judeus viram-se completamente cercados: dos lados, o deserto inóspito, cheio de animais perigosos. Diante deles, o Mar Vermelho, instransponível. E atrás deles, o bem treinado exército egípcio, declarando guerra contra eles. Foi então que D'us preparou o grande final, abrindo o mar para que os judeus passassem em terra firme e fechando-o sobre os egípcios, matando todo o exército e libertando definitivamente os judeus.
Mas como podemos entender esta obstinação do Faraó? Será que ele era tão tolo? Depois de ter presenciado as 10 pragas, após ter visto que D'us tem poder infinito e controle sobre toda a natureza, o Faraó não sabia que seu exército seria facilmente esmagado? Após sentir a mão pesada de D'us na morte dos primogênitos, ele foi pessoalmente permitir aos judeus que saíssem do Egito, então por que voltou a perseguir os judeus, alheio às terríveis consequências que certamente viriam?
A Torá explica que mais uma vez D'us endureceu o coração do Faraó, e somente por isso ele O desafiou novamente. Em outras palavras, o grande milagre da abertura do mar precisava acontecer, a para garantir que aconteceria, D'us forçou o Faraó a perseguir os judeus. Mas por que foi necessário mais este milagre? Afinal, se todo o propósito de D'us ter quebrado as leis da natureza nas 10 pragas era libertar o povo judeu do Egito, o propósito já havia sido alcançado. Então por que foi necessário endurecer o coração do Faraó mais uma vez? O que o milagre da abertura do mar acrescentou ao povo judeu?
Outra pergunta que surge é em relação à reação do povo judeu após a morte do exército egípcio. Quando eles viram os egípcios mortos na praia, imediatamente fizeram um cântico de louvor a D'us, chamado "Shirat Haiam" (Cântico do mar). Antes eles estavam encolhidos de medo, mas agora eles comemoravam, cantando de alegria. Porém, há um Midrash (parte da Torá Oral) que parece contraditório com a reação do povo judeu. O Midrash conta que quando os egípcios morreram, os anjos também se alegraram e começaram a cantar. Imediatamente D'us interrompeu a comemoração dos anjos e disse: "Minhas criaturas estão morrendo e vocês querem fazer cânticos de louvor para Mim?". Como podemos entender este Midrash? Se D'us deu uma bronca nos anjos por causa da falta de sensibilidade deles, por que a Torá não criticou o povo judeu pelo mesmo motivo? Além disso, o "Shirat Haiam" foi inserido no texto de Shacharit (reza da manhã). Se este cântico é algo indesejável para D'us, por que o repetimos todos os dias?
Para responder estas perguntas, precisamos antes entender o que são os anjos. Em Lashon Hakodesh (língua com a qual D'us criou o mundo e escreveu a Torá), a palavra "anjo" é "Malach", que também significa "mensageiro". Um anjo é uma criatura cuja única função é cumprir a missão designada por D'us. O nome da cada anjo representa a sua essência, isto é, a missão para a qual ele foi criado. Por exemplo, o anjo Rafael é o anjo da cura ("Refua" é "cura" em Lashon Hakodesh). Os anjos, portanto, não tem livre escolha. Um entregador do correio que está a caminho de entregar um pacote não precisa decidir se a pessoa merece ou não receber a encomenda, ele deve apenas cumprir a sua função. Assim também os anjos devem cumprir exatamente o que D'us comandou, nem a mais nem a menos. Eles não precisam desenvolver um senso de justiça, de certo e errado, de bom e mal. Por isso era desnecessário, e até mesmo inapropriado, que eles cantassem de alegria diante da morte das criaturas de D'us.
Os seres humanos, ao contrário, foram criados com livre escolha. Nossas escolhas entre o bem e o mal fazem muita diferença. Nós precisamos trabalhar para desenvolver o senso de justiça e a vontade de lutar para que o bem vença o mal, como diz David Hamelech: "Aqueles que amam D'us odeiam o mal" (Salmos 97:10). Por isso para o povo judeu era apropriado, necessário e até mesmo digno de louvor expressar a alegria quando a justiça foi feita e eles viram o bem derrotando o mal.
Mas o que havia de diferente entre o milagre da abertura do mar e os milagres das 10 pragas no Egito? Nas 10 pragas, o povo judeu era apenas um espectador, completamente passivo, não estava em guerra contra o mal. Já na abertura do mar houve uma declaração de guerra entre os egípcios e o povo judeu. D'us queria, com a abertura do mar e a morte dos egípcios diante dos olhos de todo o povo, colocar no coração de cada judeu a noção de justiça, da necessidade de lutar pelo bem. E nossos sábios fixaram este cântico na Tefilá diária justamente para que possamos sempre refletir sobre a necessidade de fazer o bem e lutar contra o mal.
Vivemos sonhando com um mundo onde o mal não existe, onde todos fazem o bem e a paz reina. Não é uma utopia, pois este é o propósito do mundo, é a realidade na qual um dia certamente chegaremos. Mas não podemos viver sonhando, precisamos viver na realidade de que o mal ainda existe e precisamos lutar contra ele. Martin Luther King, um grande líder negro dos Estados Unidos, eternizou uma frase interessante: "Pior do que a maldade dos perversos é o silêncio dos justos". Não podemos nos acomodar, não podemos enxergar a maldade como algo normal e aceitável. Não podemos nos trancar em nossas casas e viver como se o mal não existisse lá fora.
Mas como se luta contra o mal? Praticando ativamente o bem. Através de atos de Chessed (bondades), do cumprimento das Mitzvót e do refinamento das nossas características pessoais, como a paciência e a humildade. Dizia o Rav Noach Weinberg zt"l, que dedicou a vida para trazer judeus de volta ao judaísmo, que uma de suas maiores motivações era lembrar que os nazistas, a serviço do mal, mataram 6 milhões de judeus. Eles se esforçavam, pensavam o tempo inteiro em como ser mais eficientes, em como matar mais judeus de uma só vez. O Rav Noach Weinberg dizia que se o mal conseguiu destruir a vida de 6 milhões de judeus, precisamos nos esforçar com toda a nossa energia para que, através do bem, possamos trazer muito mais do que 6 milhões de judeus de volta aos caminhos da bondade e do conhecimento da Torá e das Mitzvót. Não é suficiente apenas boas intenções, precisamos de esforço e determinação.
Fomos ensinados que não somos especiais, que somos apenas "mais um tijolo na parede". Mas a verdade é que o futuro do mundo está nas mãos de cada um de nós. Cada alma é uma vela na escuridão. Cada alma pode iluminar a vida de muitas pessoas à sua volta. Pois toda a escuridão do mundo não pode extinguir a luz de uma pequena vela acesa. Por isso, cada pequeno bom ato vale muito.
Que em Pessach cada um de nós possa sair de sua própria escravidão, e que possamos acender a nossa própria vela para iluminar, inicialmente as pessoas à nossa volta, e aos poucos o mundo inteiro
CHAG SAMEACH E SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
Ex. 13:17-15:26 (Maftír – Num 28:19-25), 2Sm 22:1-51, Ap 15:1-4

terça-feira, 10 de abril de 2012

Internet vira ambiente de negócio no campo

Gazeta do Povo OnlineCíntia Junges

Plataformas online chegam ao meio rural com objetivo de mudar sistema de comercialização e interação entre produtores, mas ainda têm número limitado de usuários
Além da compra e venda de produtos, as plataformas criadas no último ano para o setor agrícola brasileiro permitem que os usuários interajam entre si.
Comercialização:Focadas em oferecer ambiente virtual seguro para comercialização de produtos agropecuárias, as ferramentas OSalim e FortisAgro tem acesso fácil, porém diferentes formas de cobrança dos usuários. Enquanto um site cobra comissão por cada negócio realizado em ambiente virtual o outro exige pagamento de licença anual.
Os sistemas podem ser conhecidos através do endereço www.ferramentaosalim.com e www.fortisagro.com
Interação:Apesar do número restrito de usuários, o agronegócio também tem sua rede social, gratuita. Um dos pioneiros nessa área, o Tradincom, conta atualmente com cerca de 400 pessoas interconectadas.
Para se cadastrar é preciso acessar www.tradincom.com e seguir o passo a passo exibido na primeira página do site.
A comercialização de produtos agrícolas, que até pouco tempo atrás se concentrava no mercado físico, hoje ganha terreno na internet. Na medida em que cresce o número de produtores rurais conectados à rede mundial de computadores, empresários investem cifras que chegam a superar a casa do R$ 1 milhão em plataformas digitais. O número de agricultores conectados, porém, ainda é limitado e reflete a falta de segurança do setor produtivo em negociar altos valores em ambiente virtual. “O desafio é conquistar a confiança dos potenciais usuários. A plataforma de não rompe as relações do mercado físico, mas sim agiliza o comércio e abole a necessidade de intermediários”, analisa Antonio Carlos Bentin, idealizador de O $alim, sistema que permite compradores e vendedores negociar produtos agropecuários via internet.
A forma de cobrança pelo uso de plataformas de comercialização digital é variável. No caso de O $alim, o usuário precisa pagar uma anuidade de cerca de R$ 3 mil para entrar no ambiente virtual. Já o FortisAgro, outro site dedicado à compra e venda de produtos agropecuários, cobra uma comissão de 0,50% a 1% do valor negociado. É a partir dessa comissão que o gerente comercial da plataforma, Evaristo Sobrinho, pretende devolver os R$ 3,5 milhões aportados por um investidor anjo no negócio. A meta da empresa é ter de volta o valor investido em 2013. “Trabalhamos com um cenário promissor que inclui mais de cinco milhões de produtores, além de duas mil cooperativas, duas mil cerealistas e mais de 76 mil agroindústrias em todo o Brasil”, projeta Sobrinho. No ar desde janeiro, o FortisAgro conta atualmente com 280 usuários. A cada mês, 15 novos pedidos de adesão chegam aos administradores do site.
Produtor conectado
Após usar uma dessas plataformas para comprar calcário e vender milho, o produtor Paulo Sergio de Mello e Silva Assumpção, aprovou a ferramenta, mas acredita que a baixa adesão de empresas do setor impedem que o ambiente virtual ganhe credibilidade. “Certamente haveria mais participação dos produtores se o convite para negociar por meio das plataformas partisse das empresas e agroindústrias com as quais já negociamos no mercado físico”, ressalta. Ele diz, no entanto, que não consegue imaginar como seria administrar a propriedade sem o auxílio da internet. Ele mora em Curitiba, mas passa boa parte do tempo na Fazenda Santa Branca, em Tibagi, nos Campos Gerais, onde já dispõe de sinal regular de internet. “Acabei substituindo o telefone pelo Skype e pelo MSN. Prefiro, porque as conversas ficam gravadas e tenho mais segurança para negociar”, afirma.
Outro produtor que sustenta as apostas de empresários na internet é Luiz Henrique de Gheus, de Tibagi. Ele conta que acessa a rede mundial diariamente para acompanhar a bolsa de valores, além de diversos sites de notícias e informações sobre o cenário e as tendências do agronegócio. “Faço um controle da propriedade com relação às previsões de clima, controlo minhas contas e, por meio do site da cooperativa, acompanho os volumes de produção já entregues, meu saldo e minha posição financeira”. Quando não está em casa, Gheus leva seu tablet para todos os lugares, inclusive para a lavoura. Entre os aplicativos que utiliza diariamente estão os de notícias e sobre o clima. “A rede sem fio da propriedade funciona muito bem, se fosse depender da internet de operadoras de celular seria complicado”, diz ele.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O combate à homofobia


Escrevi na quinta-feira um post sobre um processo a meu ver absurdo que o Ministério Público move contra o pastor Silas Malafaia. Expliquei ali o contexto. Quando, em junho do ano passado, a passeata gay caracterizou 12 modelos como santos católicos e os levou à avenida para representar situações “homoafetivas”, Malafaia, em seu programa de TV, acusou a agressão à crença de milhões de pessoas e afirmou: “É para a Igreja Católica entrar de pau em cima desses caras, sabe? Baixar o porrete em cima pra esses caras aprender. É uma vergonha!” Explico naquele texto por que é absurda a afirmação de que se trata de incitamento à violência: 1) católicos, enquanto católicos, não agridem ninguém (ao contrário até: vivem sendo moralmente agredidos); 2) o pastor não é um líder daquela religião, por óbvio, e não teria como incitar aqueles que estão fora de seu campo de influência. Obviamente, falava de modo metafórico, opinava em favor de uma reação da Igreja — que, diga-se, ficou bem murchinha…
O post já tem mais de 700 comentários — e devo ter deixado de publicar outro tanto de pessoas que se manifestam com impressionante rancor. Ou, então, que deixam claro não saber como funciona a democracia. Olhem aqui: eu não dou bola para correntes da Internet, não! Zero! Não me intimido com trabalho organizado de lobbies. Penso o que penso. Se gostarem, bem; se não, a Internet conta com milhões de páginas pessoais. Por que ficar sofrendo na minha? Posso não pensar sobre a homossexualidade o que pensa Malafaia — embora, creio, façamos crítica muito parecida à tal lei que pune a homofobia: é autoritária, fere a liberdade religiosa e cria uma categorias de indivíduos acima da crítica.
Muito bem! E daí que eu não pense o mesmo? Devo silenciar diante de uma óbvia tentativa de calá-lo, ao arrepio, parece-me, da lei? Sim, a Justiça vai decidir, mas posso e devo dizer o que acho. Acho que estão recorrendo a uma óbvia linguagem metafórica com o propósito de se vingar de um notório crítico da dita Lei Anti-Homofobia. Entendo que estamos diante de um caso clássico de uso da lei para intimidar ou calar aquele que pensa de modo diferente.
Os grupos do sindicalismo gay fazem uma enorme pressão para que ele seja punido. Venham cá: que parte da cultura democrática essa gente não entendeu direito? Então eles podem pegar símbolos de uma denominação cristã, que têm valor para mais de um bilhão de pessoas, submetê-los a uma, como posso dizer?, “interpretação livre”, mudando ou mesmo invertendo seu sentido moral, mas um líder religioso deveria ser impedido de dizer o que pensa?
Calma lá! É a liberdade de expressão como um valor universal que permite hoje a essas ditas minorias, a esses grupos de pressão, falar, reivindicar etc. O que querem? Coibir a dita homofobia metendo na cadeia quem não comunga de seus valores? Já assisti, em vídeos na Internet, a algumas intervenções de Malafaia na TV. Em nenhuma delas incitava a violência — e duvido que o faça. Ninguém pode obrigá-lo a renunciar à sua fé e aos fundamentos de sua crença. Tampouco me parece decente que se recorra a um truque para tentar condená-lo. Querem lhe atribuir o que não disse - e que, de fato, seria ilegal - para tentar puni-lo pelo que disse. E que nada tem de ilegal.
Isso, reitero, não quer dizer que eu concorde com ele sobre esse e outros temas. Aliás, ele é evangélico; eu sou católico. Isso significa… divergência!!! Mas não vou condescender com esses que se querem agora policiais do pensamento. Ora, de beneficiário da liberdade de expressão, o sindicalismo gay quer passar agora à condição de repressor, de censor? Não dá!
Também não vale o artifício de fazer eternamente o papel do oprimido para oprimir os outros. Estou entre aqueles que acreditam que há tantos gays hoje (percentualmente falando) como sempre houve. Uma coisa, no entanto, é certa: a cultura gay nunca foi tão forte, e essa minoria nunca foi tão visível e influente. Virou, por exemplo, pauta obrigatória das novelas — ainda que o tratamento dispensado pelos autores varie bastante. Se notarem, são sempre personagens “do bem”. Uma malvadão gay seria “contra a causa”. Ignorando a letra explícita da Constituição, o STF reconheceu a união estável homossexual, o que praticamente garante os demais direitos — agora é só questão de ajuste da legislação infraconstitucional.
E tudo isso se deu sem uma lei para punir opiniões divergentes. A militância gay não conseguirá mudar na base do berro, da imposição e da perseguição jurídica o entendimento das igrejas a respeito do assunto. Recorrer a truques para punir desafetos, que estão amparados pela liberdade de pensamento e pela liberdade religiosa, é coisa de autoritários. O combate à homofobia não pode ser “catolicofóbico”, “evangelicofóbico”, “diferentofóbico”.
Afinal, qual é a pauta? Reivindicam direitos iguais ou direitos especiais, muito especialmente o de calar aqueles de que discordam?
Finalmente, lembro que as igrejas são pessoas jurídicas de direito privado. Isso, evidentemente, não dá a padres, pastores ou a quaisquer outros líderes religiosos o direito de cometer crimes — e entendo que não tenha havido isso no caso de Malafaia. Faço essa lembrança pensando num outro aspecto.
Líderes religiosos, ainda que possam e devam se posicionar sobre temas gerais da sociedade, sabem que falam principalmente para os fiéis de sua igreja. Daí que seja absolutamente ridículo querer impor às igrejas uma crença oficial ou um conjunto de valores definido em alguma outra esfera, que não a religiosa. Atenção! Isso vale até para a ciência. Uma igreja significa isto: um grupo de pessoas decidiu se reunir para cultivar determinados valores e cultuar aspectos do sagrado. Ponto!
Muito bem! Malafaia recorreu àquela metáfora, incorporada, convenham, à fala popular. Mas o que dizer de José Eduardo Dutra, o diretor da Petrobras que mandou um “enfia o dedo e rasga” para a oposição? A Petrobras não é uma igreja. A Petrobras tem uma dimensão pública. Este senhor foi nomeado pelo governo e está lá para atender aos interesses de todos os brasileiros: petistas e não petistas; cristãos, não-cristãos, ateus e agnósticos; corintianos e palmeirenses; botafoguenses e não-botafoguenses…
Sobre a fala de Dutra, até agora, curiosamente, o Ministério Público Federal não se manifestou.
Que regra está valendo? Seria aquela dos estados autoritários, que resumo assim: “Aos inimigos, nada, nem a lei; aos amigos tudo, menos a lei”?
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PENSANDO NOS OUTROS - PESSACH 5772

"O pai do Rav Paysach Krohn procurava cumprir com perfeição a Mitzvá de "Achnassat Orchim" (receber convidados). Ele preparou no sótão de sua casa um local especial para receber hóspedes, com tudo o que era necessário para que o convidado tivesse tranquilidade e se sentisse à vontade. Muitas personalidades de Torá passaram pela sua casa e desfrutaram de sua recepção calorosa. E ele fazia questão de não cobrar nada dos seus convidados pela estadia. Porém, com o Rav Shalom Shwadron, mais conhecido como "O Maguid de Yerushalaim", foi diferente. Assim que ele chegou aos Estados Unidos, foi convidado para ficar na casa do pai do Rav Paysach Krohn, mas ele se recusou a ficar sem pagar pela estadia. Após muita insistência, o dono da casa concordou em cobrar. Fez as contas e, para a surpresa do Rav Shalom Shwadron, pediu um valor extremamente alto. Mas como ele sabia que não encontraria nenhum outro lugar onde ficaria tão confortavelmente instalado, aceitou.
Com o tempo, uma grande amizade se criou entre o Rav Shalom Shwadron e a família do Rav Paysach Krohn. Passados cinco meses, o Rav Shalom Shwadron decidiu que era hora de voltar para Israel. No dia da partida, toda a família acompanhou o ilustre hóspede até o navio que o levaria de volta para casa. Na privacidade da cabine do Rav Shalom Shwadron, o pai do Rav Paysach Krohn estendeu para ele um envelope cheio de dinheiro. Diante da expressão de dúvida do Rav Shalom Shwadron, ele explicou:
- Este é o dinheiro dos últimos cinco meses de aluguel que você me pagou. Eu nunca tive intenção de receber um único centavo deste dinheiro, ao contrário, nós é que deveríamos ter pago por tudo o que recebemos de você durante este período. Todo o dinheiro que eu recebi foi diretamente colocado neste envelope.
O Rav Shalom Shwadron foi pego tão de surpresa que sua única reação foi rir e perguntar:
- Se você nunca teve intenção de receber o dinheiro, então por que cobrou um valor tão alto?
O pai do Rav Paysach Krohn respondeu com um largo sorriso no rosto:
- Eu quis te deixar à vontade para que utilizasse tudo o que havia em casa. Se eu tivesse pedido um valor baixo, você acharia que pagou pouco e ficaria receoso em utilizar o telefone, a eletricidade e a comida. Mas ao pedir um valor alto, eu tive a certeza de que você usaria tudo o que precisava sem nenhum tipo de constrangimento.
Então, com lágrimas nos olhos, os dois se abraçaram e se despediram"
Este é um exemplo do que a Torá exige em relação à forma como devemos fazer bondades, procurando entender realmente o que o outro necessita. Quando convidamos alguém em nossa casa, naturalmente a pessoa se sente inibida. Devemos fazer de tudo para que nossos convidados se sintam à vontade.
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O próximo Shabat coincide com a festa de Pessach, a época do ano em que revivemos a libertação da escravidão egípcia, depois de mais de dois séculos de sofrimentos, humilhações e trabalhos pesados. Na primeira noite (e fora de Israel também na segunda noite) reunimos nossas famílias e amigos e, com muita alegria, fazemos o Seder de Pessach, seguindo os 15 passos da Hagadá. Um dos passos centrais é o "Maguid", no qual lemos em voz alta os textos que recontam todos os detalhes da escravidão e a posterior salvação do povo judeu.
Começamos o "Maguid" com o texto "Ha Lachmá Aniá" (Este é o pão da pobreza). Neste texto nós convidamos todo aquele que tem fome, que venha e coma conosco, e todo aquele que necessita de um lugar para comer o Korban Pessach (sacrifício de Pessach), que venha e participe conosco. Em outras palavras, começamos o Seder de Pessach com um gesto muito bonito, convidando todos os pobres e necessitados a participarem das comemorações conosco.
Mas este convite traz consigo uma série de questionamentos. Em primeiro lugar, este convite é feito no local errado, pois quando o fazemos, já estamos na privacidade de nossas casas, onde nenhum pobre pode escutar. Por que não fazemos o convite em voz alta na sinagoga, anunciando a todos que nossa casa está aberta a qualquer um que queira participar? Além disso, o convite é feito no momento errado, apenas depois do Kidush, e aquele que não escutou o Kidush não pode participar da refeição. Se o intuito é receber convidados no momento do "Há Lachmá Aniá", por que o convite não é feito antes do Kidush? E finalmente, o Korban Pessach não precisava ser oferecido individualmente, ele podia ser oferecido por um grupo de pessoas. Durante o Seder, o Korban que havia sido oferecido era dividido entre todos os participantes do grupo, de forma que todos recebiam uma parte para comer. Mas a Halachá (lei judaica) ensina que se uma pessoa quisesse comer do Korban Pessach oferecido por certo grupo, ela já deveria fazer parte do grupo no momento em que o animal era sacrificado. Então por que convidar para comer do nosso Korban Pessach uma pessoa estranha, que não fazia parte do grupo no momento do sacrifício, já que ela não poderia, de acordo com a Halachá, comer deste Korban?
A explicação mais simples é que, na verdade, o convite é apenas simbólico. Existe uma Mitzvá chamada "Kimcha d'Pischa", que consiste em levantar fundos para que todo judeu possa ter um Seder de Pessach honrado, mesmo os mais carentes. Muitas pessoas e instituições participam desta importante Mitzvá, ajudando a recolher fundos e distribuí-los entres os necessitados. Todo judeu tem a obrigação de se preocupar com os outros judeus e participar desta importante Mitzvá. Quando finalmente chegamos ao Seder de Pessach, simbolicamente convidamos todos os necessitados, pois por termos ajudado os pobres a terem um Seder honrado, é considerado como se estivéssemos convidando-os para nossa própria mesa.
Mas segundo o Rav Yohanan Sweig, há uma explicação mais profunda. Ensina o Talmud (Baba Batra 98b) que não é correto um convidado trazer outro convidado. Este ensinamento é uma grande lição de "bons modos". Quando uma pessoa recebe um convite para comer em algum lugar, não pode trazer consigo um amigo sem a permissão do dono da casa. A única exceção a esta regra é se o convidado for alguém importante e honrado, e neste caso ele pode trazer outro convidado mesmo sem pedir permissão ao dono da casa.
Mas como este conceito se conecta com o "Ha Lachmá Aniá" da Hagadá? Explica o Rav Yohanan Zweig que o Seder de Pessach é a celebração da salvação do povo judeu e, por isso, esta noite deve ser muito especial para todos os judeus. Mas em geral, quem está passando o Seder como convidado em outra casa se sente um pouco inibido, não consegue se sentir totalmente à vontade. Para evitar este sentimento e incentivar que todos participem bastante nesta noite, começamos o Seder permitindo que os nossos convidados convidem outras pessoas. Assim, fazemos com que todos se sintam pessoas honradas, para que possam participar de maneira mais espontânea. Nesta noite cada judeu deve se sentir como se tivesse saído pessoalmente do Egito, e por isso é imprescindível que os convidados se sintam confortáveis, para que falem livremente e possam cumprir a Mitzvá de recontar a saída do Egito, como diz o versículo "E contarás ao seu filho neste dia" (Shemot 13:8). Portanto, o convite do "Ha Lachmá Aniá" é feito para os convidados já presentes, para que se sintam completamente à vontade, e não para os convidados que estão ausentes.
Daqui vemos a importância de deixar nossos convidados à vontade e fazer de tudo para evitar qualquer tipo de constrangimento. Nossos sábios levaram este ensinamento muito a sério e constantemente o aplicaram na prática. Por exemplo, o Rav Yom Tov Heller, mais conhecido como Tossafot Yom Tov, costumava derramar vinho na toalha limpa durante o Seder de Pessach, para que seus convidados, caso acidentalmente derramassem vinho, não se sentissem envergonhados.
A verdade é que não devemos utilizar este ensinamento apenas para o Seder de Pessach, devemos praticá-lo em todas as áreas de nossas vidas. Devemos desenvolver nossa sensibilidade em relação aos outros, sentir a necessidade do próximo, buscar fazer as bondades de forma completa, não apenas com os nossos convidados, mas com todos à nossa volta. Somente quando cada judeu realmente se preocupar com o próximo teremos o mérito de ver o cumprimento das últimas palavras da Hagadá: "No próximo ano em Jerusalém reconstruída". Que elas se cumpram, com a ajuda de D'us e a nossa contribuição, ainda este ano.
SHABAT SHALOM e PESSACH KASHER VE SAMEACH
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 12:21-51 (Maftír – Nm. 28:16-25), Js 3:5-7, 5:2-15, 6:1, 27, Jo.
1:29-31, 10:14-18

terça-feira, 3 de abril de 2012

Virtudes nacionais

Olavo de Carvalho
Que eu saiba, nenhuma acusação de tortura pesa ou pesou jamais contra aqueles oficiais atacados na porta do Clube Militar.

Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. Trezentos jovens insultando duas dúzias de octogenários – eis a imagem daquilo que, no Brasil de hoje, se considera um exemplo de coragem cívica.

É possível descer ainda mais baixo? É. Nenhum dos agressores se lembrou sequer de perguntar se algum daqueles velhos, a quem cobriam de cusparadas, xingamentos e ameaças, esteve pessoalmente envolvido nos episódios de tortura que lhes eram ali imputados, ou se o único crime deles não consistia em puro delito de opinião.
Que eu saiba, nenhuma acusação de tortura pesa ou pesou jamais contra aqueles oficiais atacados na porta do Clube Militar. O único acusado, o coronel Brilhante Ustra, não estava presente e foi queimado em efígie. Os outros pagaram pelo crime de achar que Ustra é inocente, que o governo militar foi melhor do que a alternativa cubana ou que as violências praticadas por aquele regime pesam menos do que as suas realizações. Por isso, e só por isso, foram chamados de assassinos e torturadores.
Não apenas a "coragem" é o nome que hoje se dá à covardia mais sórdida, mas o "senso de justiça" consiste em acusar a esmo, sem ter em conta a diferença que vai entre aplaudir um regime extinto e ter praticado crimes em nome dele.
Se o simples fato de avaliar positivamente um governo suspeito de tortura faz do cidadão um torturador, então os arruaceiros reunidos na porta do Clube Militar, bem como o seu instigador, o cineasta Sílvio Tendler, são todos torturadores, e o são em muito maior escala do que qualquer militar brasileiro, pelo apoio risonho e cúmplice que, uns mais, outros menos, por ações e omissões, têm dado a regimes incomparavelmente mais cruéis do que jamais o foi a nossa ditadura.
Essa observação aplica-se especialmente, e da maneira mais literal possível, aos militantes do PC do B, a organização mais representada naquele espetáculo. É o partido maoísta, nascido e crescido no culto a um monstro genocida, estuprador e pedófilo, campeão absoluto de assassinatos em massa, que se zangou com a URSS por achar que o governo de Moscou não era violento e cruel à altura do que o exigiam os padrões da revolução mundial.
Por todas as normas do direito internacional, a lealdade retroativa a um regime reconhecidamente genocida é crime contra a humanidade. A carga dessa culpa imensurável é a única autoridade moral com que a massa de jovens revoltadinhos se apresenta ante os oficiais das nossas Forças Armadas, acusando-os de crimes que talvez alguns de seus colegas de farda tenham cometido, mas que eles próprios jamais cometeram.
O sr. Silvio Tendler diz que sua mãe foi torturada. É possível. Mas isso dá a ele o direito de instigar uma multidão de cabeças ocas para que acusem de tortura qualquer saudosista do regime militar que encontrem pela frente? Não entende, esse pretenso intelectual, a diferença entre crime de tortura e delito de opinião?

Opinião por opinião, pergunto eu: os méritos e deméritos do regime militar brasileiro já foram examinados com isenção e honestidade, em comparação com a alternativa comunista que suas pretensas vítimas lutavam para implantar no Brasil? Os brasileiros que, exilados ou por vontade própria, se colocaram a serviço dos regimes de Havana e de Pequim não se acumpliciaram com uma violência ditatorial incomparavelmente mais assassina do que aquela contra a qual agora esbravejam histericamente? Ou será que os cadáveres de cem mil cubanos, dez mil angolanos e setenta milhões de chineses, assassinados com o apoio dessa gente, pesam menos que os de algumas dezenas de terroristas brasileiros?

Havana, é verdade, fica longe, Luanda fica ainda mais longe, a China então nem se fala, e o Doi-Codi fica logo ali. Mas desde quando a gravidade dos crimes é medida pela razão inversa da distância em que foram cometidos?
Também é fato que os mortos de Cuba, de Angola e da China nunca foram manchete no Brasil, mas devemos acreditar, a sério, que a extensão do mal é determinada objetivamente pelo escarcéu jornalístico concedido a umas vítimas e negado a outras por simpatizantes ideológicos das primeiras?

Essas perguntas, bem sei, não se fazem. Não são de bom tom. Mas, na dissolução geral da própria ideia das virtudes, que senso do bom-tom poderia sobreviver num país cujo presidente se gaba, veraz ou falsamente, de haver tentado estuprar um companheiro de cela, e ainda diz ter saudades do tempo em que os meninos da sua região natal faziam sexo com cabritas e jumentas, se é que faziam mesmo e não foi ele próprio quem os inventou à imagem e semelhança da sua imaginação perversa? E será preciso lembrar que essa mesma criatura, indiciada em inquérito pelo maior esquema de corrupção de que já se teve notícia nesse país, reagiu com um sorriso cínico, alegando-se protegida não pela sua inocência, que nunca existiu, mas pela lentidão da Justiça?

Será exagero, será insulto criminoso chamar de cafajeste o homem capaz de fazer essas declarações em público? E será insana conjetura suspeitar que esses e outros tantos exemplos da cafajestada oficial, copiados por milhares de incelenças, louvados em prosa e verso por uma legião de sicofantas, repassados com orgulho do alto das cátedras, transfigurados por fim em "valores culturais" e aceitos com sorrisos de complacência entre paternal e servil pelas nossas "classes dominantes", criaram o modelo de coragem e justiça que hoje inspira os bravos agressores de anciãos?
http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/12947-virtudes-nacionais.html

Desarrumação

O Estado de São PauloCelso Ming

A História e a vida mostram todos os dias que certas iniciativas produzem efeitos não desejados muito mais importantes do que os pretendidos.
Saul, por exemplo, pretendia apenas achar as mulas do pai, que tinham fugido. Acabou sendo sagrado primeiro rei de Israel pelo profeta Samuel.
Colombo tinha por objetivo encontrar novo caminho para as Índias. Descobriu a América e morreu sem ter-se dado conta disso.
A Pfizer desenvolvia um medicamento para melhorar a circulação sanguínea. Fez o grande campeão de vendas Viagra.
O governo Dilma parece fascinado com certos efeitos colaterais. Os tais mecanismos macroprudenciais, cuja função é regular o crédito ou a atividade bancária, geram também certas consequências anti-inflacionárias.
A queda dos juros, cujo objetivo no sistema de metas de inflação é ativar a demanda de mercadorias e serviços, pode também reduzir o afluxo cambial.
A compra de dólares no câmbio interno pelo Banco Central, concebida para quebrar a volatilidade do câmbio e reforçar reservas (hoje não mais tão necessárias), passou a ser usada cada vez mais para garantir competitividade à indústria.
Políticas de defesa comercial idealizadas para coibir práticas abusivas de comércio exterior são levadas adiante também para salvar a indústria - embora nenhuma delas melhore a capacidade de exportar.
É como se o governo fizesse o seguinte raciocínio: "Se deu certo no caso de Saul, de Colombo e da Pfizer, vamos intensificar a busca de mulas fujonas, de novas rotas marítimas para as Índias e o desenvolvimento de ativadores da circulação".
Como está sendo praticada, a desoneração da folha de pagamentos (que deve ter efeito neutro sobre a arrecadação) pode ajudar em alguma coisinha a melhora do emprego, mas não contribui para reduzir os custos do setor produtivo.
Reduções ou isenções temporárias de IPI antecipam vendas, mas só marginalmente criam mercado. E não melhoram as condições de competitividade do setor produtivo.
Protecionismo comercial não acrescenta nem um dólar sequer às exportações brasileiras. Exigências cegas de conteúdo local dão só a impressão de que fortalecem a indústria. Na verdade, tendem a asfixiar o produtor com novos custos.
Não faz sentido praticar política acelerada de expansão da renda e do consumo interno e, em seguida, cortar salários e aposentadorias com desvalorização cambial e com mais inflação.
A ideia esquisita do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, de sobretaxar com IOF todas as operações de câmbio para, depois, devolver o produto do confisco às empresas que mostrarem bom comportamento é o mesmo que botar veneno na caixa dágua para controlar a diarreia e distribuir contraveneno, logo após, para evitar resultados indesejáveis.
Essa obsessão por criar efeitos secundários supostamente mais eficazes do que as políticas consagradas leva o risco de desarrumar a economia. A consistência macroeconômica vem sendo substituída por ativismo descosturado e desagregador, cuja principal função tem sido atender os que gritam mais alto em Brasília, especialmente dirigentes da indústria de veículos e do setor têxtil.