sábado, 27 de abril de 2013

IMAGEM E SEMELHANÇA DE D'US - PARASHÁ EMOR 5773


"Tzvi (nome fictício) era um Avrech (pessoa casada que se dedica ao estudo da Torá) muito pontual na Tefilá (reza) e no estudo. Mas em certa época ele começou a chegar todos os dias atrasado à Tefilá de Shacharit (reza da manhã). O Rosh Colel (líder espiritual do centro de estudos) certa vez chamou-o para conversar em sua sala e perguntou se estava tudo bem, ressaltando a preocupação com os constantes atrasos na Tefilá, uma das principais partes do nosso serviço Divino diário. O jovem tranquilizou o rabino e explicou:

- Rabino, não se preocupe, está tudo bem. Não estou atrasando por causa de nenhum problema pessoal ou por não estar dando a devida importância à pontualidade na Tefilá. O que ocorre é que todos os dias de manhã, quando estou saindo para a Tefilá, eu vejo que há uma mulher que cuida sozinha de todos os filhos. Ela precisa preparar o café da manhã, vestir as crianças mais novas, ajudar a preparar os mais velhos, além de já começar a cuidar das outras necessidades da casa. E como são muitas crianças, eu vejo como é difícil para ela cuidar de todas sozinha. Eu fico tão comovido com as dificuldades desta mulher que acabo me oferecendo para ajudá-la. Por isso tenho me atrasado.

- Muito bonito o seu ato - respondeu o Rosh Colel - Fico mais tranquilo de saber que seus atrasos na Tefilá têm uma boa justificativa. Mas quem é esta mulher que você ajuda todos os dias, alguma vizinha que ficou viúva?

Tzvi abriu um sorriso e respondeu:

- É a minha esposa. E as crianças que eu ajudo são os meus próprios filhos..." (História Real)

Todas as Mitzvót que fazemos são muito importantes e nos conectam a D'us. Mas não podemos focar tanto nas Mitzvót a ponto de esquecer-nos de ajudar as pessoas que estão à nossa volta.


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Na Parashá desta semana, Emor, a Torá descreve a história de um judeu que entrou em uma discussão com outro judeu e acabou amaldiçoando D'us. É interessante perceber que a Torá não conta esta história de maneira contínua. Após a Torá descrever que aquele homem merecia a pena de morte por ter amaldiçoado D'us, a narrativa é interrompida e são ensinadas algumas leis sobre danos que uma pessoa causa a outra. Depois disso, a Torá retoma o assunto do homem que amaldiçoou D'us e descreve a aplicação da pena de morte. Mas por que a Torá interrompeu no meio a narração da história? E qual a conexão entre duas pessoas estarem discutindo entre si e uma delas amaldiçoar D'us?

Explica o Gaon Mi Vilna que muitas pessoas pensam que é possível separar a Torá em duas partes completamente independentes: "entre o homem e D'us" e "entre o homem e seu semelhante". Isto pode causar o grande erro de imaginar que é possível ser completo cumprindo apenas uma das partes, sem se importar com a outra. Por exemplo, muitos aceitam as "leis sociais" da Torá, como não roubar, não matar e não ofender outro ser humano, e são muito rigorosos em sua conduta social, mas ao mesmo tempo negam completamente a existência de D'us e de Suas Mitzvót.

O outro lado também ocorre, isto é, aqueles que pensam que devem focar apenas no seu relacionamento com D'us, fazendo todas as rigorosidades previstas na Halachá (Código de leis judaico), mas esquecendo do comportamento com seus semelhantes. Além de todas as transgressões que esta pessoa certamente comete ao desrespeitar e machucar outro ser humano, uma das consequências mais graves é o "Chilul Hashem" (denegrir o Nome de D'us), pois aqueles que observam a pessoa "religiosa" se comportando de maneira inadequada começam a questionar a própria validade dos ensinamentos Torá.

Ensina o Gaon Mi Vilna que separar a Torá em duas partes é um grande equívoco de entendimento do que D'us espera de nós. As duas partes da Torá estão tão conectadas que, mesmo aquele que pensa ser possível cumprir apenas uma delas, certamente nem mesmo esta parte conseguirá cumprir da maneira correta. Por exemplo, nossos sábios ensinam que aquele que não consegue reconhecer as bondades que recebe de seu companheiro, no final não conseguirá nem mesmo reconhecer as bondades que recebe de D'us. A característica de reconhecer as bondades do companheiro não é apenas um assunto "entre o homem e seu semelhante", e sim uma característica da alma da pessoa. Quando esta característica de não reconhecer as bondades dos outros se enraíza no seu coração, o ser humano não consegue reconhecer as bondades de D'us e, portanto, não consegue se conectar a Ele de maneira verdadeira.

O contrário também é válido. Aquele que não tem Emuná (fé) em D'us, isto é, não reconhece as bondades que Ele faz com todas as Suas criaturas, é como se estivesse se desconectando do mundo de D'us, onde estão unidas todas as criaturas, e decidindo viver isolado no seu próprio mundo, pequeno e pobre, criado dentro de sua cabeça. Este é um dos grandes ensinamentos desta Parashá: não é possível que uma pessoa possa amaldiçoar D'us e ter um relacionamento verdadeiro e produtivo com as outras pessoas, isto é, estar completamente consciente de suas responsabilidades e obrigações com o próximo. Ao contrário, sem a Emuná, a pessoa pode se deteriorar lentamente até chegar a um verdadeiro abismo. A pessoa sem as fundações da Emuná pode ruir totalmente com o primeiro teste pelo qual passar e, daquela pessoa educada e polida, que se importava com sua conduta social, pode sair um verdadeiro animal, pronto para destruir todo aquele que atravessar seu caminho, se tornando um risco para toda a humanidade.

Pode parecer um exagero. Porém, ainda sentimos na pele, literalmente, o quanto este conceito espiritual é verdadeiro. Muitos judeus ainda carregam em seus braços números tatuados, marcas do Holocausto, uma das maiores selvagerias já cometidas contra a humanidade e, em especial, contra o povo judeu. E quem foram os responsáveis por este crime contra a humanidade? Não foram os vikings, conhecidos por sua selvageria, nem os cossacos, famosos por sua brutalidade. Foram os alemães, um dos povos mais educados e cultos do século passado. A mesma Alemanha, que produziu grandes compositores da música clássica como Beethoven e Bach, também produziu pessoas que faziam tiro ao alvo com bebês judeus. As mesmas mãos que tocavam obras completas de Mozart e Schubert torturaram e assassinaram, a sangue frio, 6 milhões de inocentes.

É por isso que a Torá, quando estava falando sobre o homem que amaldiçoou D'us, um assunto "entre o homem e D'us", interrompeu a narração para falar sobre leis de danos, um assunto "entre o homem e seu semelhante", e depois voltou ao assunto de amaldiçoar D'us, para nos ensinar que todo aquele que quer chegar a níveis verdadeiros de conexão com D'us deve começar a trabalhar para desenvolver um sentimento verdadeiro de conexão com o próximo. E o contrário também é válido, isto é, qualquer alienação do trabalho de se conectar com os outros e reconhecer suas bondades possivelmente levará a um consequente afastamento de D'us.

Portanto, fica claro qual a regra espiritual que rege o mundo: as duas áreas de trabalho, "entre o homem e seu semelhante" e "entre o homem e D'us", são, na realidade, uma área só, sem a possibilidade de separação. Somente aquele que entender e internalizar que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de D'us, e conseguir ver em seu companheiro a sua "fagulha Divina", conseguirá realmente chegar à perfeição no seu trabalho espiritual, tanto entre ele e seu semelhante quanto entre ele e D'us.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 21:1-24:23, Ez 44:15-31, 1 Pe. 2: 4-10

sexta-feira, 19 de abril de 2013

MANCHAS NA ALMA - PARASHIÓT ACHAREI MÓT E KEDOSHIM 5773

 

"A família Blinder (nome fictício) morava em São Paulo, mas há muito tempo sonhava em viver na Terra de Israel. Porém, o medo da mudança empurrava sempre os planos para depois. Certa vez o Sr. Blinder chegou em casa decidido a tomar alguma atitude. Conversou com a esposa e, juntos, decidiram passar um mês em Israel, para sentir de perto como era a vida lá. Desta forma poderiam tomar a decisão com mais embasamento, evitando futuros arrependimentos. E assim fizeram.

Certa tarde, a família Blinder estava sentada em um banco de uma praça da tranquila Bnei Brak, uma cidade onde a grande maioria dos habitantes cumpre a Torá. Na esquina da praça ficava a agência de um famoso Banco israelense, e do lado de fora havia um caixa eletrônico. O Sr. Blinder conversava tranquilamente com sua esposa quando escutaram gritos vindos do banco. Acostumados com a violência de São Paulo, imediatamente acharam que era um assalto. Mas o que viram os deixou sem palavras.

Um homem havia ido ao caixa eletrônico sacar dinheiro. Ele estava tão apressado que foi embora, esquecendo na máquina uma enorme quantia. Mas um homem muito pobre, de roupas esfarrapadas, percebeu que ele havia esquecido o dinheiro no caixa eletrônico. O que o pobre fez? Pegou aquela enorme quantia e saiu correndo em direção ao dono do dinheiro, gritando com toda a força para que ele voltasse e pegasse suas notas. Os Blinder ficaram encantados com aquela cena. Era algo que, infelizmente, não estavam acostumados a ver no Brasil.

Duas semanas depois eles estavam de volta ao Brasil. Na semana em que chegaram, enquanto ainda decidiam o que fazer, a Sra. Blinder foi passear com seu bebê pelo bairro. Quando passava na frente da agência de um Banco, ela escutou muitos gritos. Mas, diferente de Israel, não era nenhum pobre fazendo atos de bondade, e sim um assalto à agência bancária. Pessoas gritavam, desesperadas, enquanto bandidos trocavam tiros com os seguranças do banco, colocando a vida de todos em risco. A Sra. Blinder conseguiu sair dali rapidamente, e graças a D'us sem nenhum ferimento.

Para a família Blinder, a comparação entre os dois eventos era inevitável, e assim ficou mais fácil decidir o que fazer. Em poucos meses eles estavam morando em Israel, na pacata cidade de Bnei Brak, onde decidiram viver para poder criar seus filhos em um ambiente tranquilo e harmônico" (História Real)

Qual é o segredo de cidades como Bnei Brak, onde quase não há violência e as pessoas se esforçam para serem honestas? E por que na maioria dos lugares do mundo vemos justamente o contrário?


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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót e Kedoshim. A Parashá Acharei Mót fala principalmente dos serviços feitos durante o dia mais sagrado do ano, Yom Kipur. Já a Parashá Kedoshim fala sobre a importância de o povo judeu manter sua santidade, e traz diversas Mitzvót "Bein Adam LaMakom" (entre o homem e D'us) e "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante), que nos ajudam a nos elevar espiritualmente. Um dos pontos em comum entre as duas Parashiót é que elas ensinam sobre a grave transgressão de se envolver em relações ilícitas, entre elas as relações que envolvem certos graus de parentesco.

Mas se prestarmos atenção, perceberemos que há uma grande diferença na forma como cada Parashá fala sobre as relações proibidas. Na Parashá Acharei Mót, a Torá apenas adverte sobre a proibição do povo judeu se envolver neste tipo de relacionamento. Já a Parashá Kedoshim traz explicitamente as diversas punições para quem comete este tipo de transgressão. Mas será que esta aparente repetição era realmente necessária? Por que a Parashá Acharei Mót precisou trazer a advertência de que são proibidos estes tipos de relações, se através dos duros castigos ensinados na Parashá Kedoshim aprenderíamos automaticamente que estes atos são proibidos e muito graves?

Ensinam nossos sábios que um dos motivos desta aparente repetição é para nos ensinar uma regra em relação à aplicação de castigos pela Torá. Para que uma pessoa possa receber um castigo através do Beit Din (Tribunal rabínico), ela deve estar completamente ciente das consequências do seu ato. Por isso, ela precisa ser advertida antes de cometer a transgressão, como afirma o Talmud (Makót 17b): "Não é permitido aplicar um castigo sem que haja antes uma advertência". Caso ninguém a advirta, o Beit Din não pode aplicar nenhuma das punições previstas pela Torá. A Torá repete o assunto das relações ilícitas para ensinar a forma correta de cumprir a lei, primeiro trazendo a advertência e somente depois o castigo.

Mas explica o Rav Yohanan Zweig que há uma explicação mais profunda para esta aparente repetição. Em nossa sociedade, o sistema de justiça é baseado em uma legislação rígida, com punições aplicadas àqueles que desobedecem à lei. Quanto mais grave o erro, mais dura é a punição. Por exemplo, uma pessoa que comete assassinato pode ser julgado e punido com muitos anos de detenção, perdendo sua liberdade e vivendo muitos anos em péssimas condições. Este sistema é baseado no medo do castigo, e deveria funcionar para coibir o descumprimento das regras. Mas vemos, através dos jornais e noticiários, que infelizmente o sistema não funciona como deveria. Sequestros relâmpagos, desvios de milhões de reais, escândalos. A sensação é de que a violência só aumenta e a impunidade parece prevalecer sobre a justiça. Por que isto acontece?

Quando a única restrição à transgressão é a possível punição aplicada pela justiça, nem sempre isto funciona para "frear" o transgressor. Por exemplo, quando uma pessoa tem uma forte tentação de cometer um crime, ou as chances dela ser punida são pequenas, ela prefere correr o risco e transgredir, pois aposta na possibilidade de ficar impune. Quanto mais ineficiente a polícia ou o sistema judiciário, maior a ousadia daqueles que querem transgredir as leis, pois menor é a chance do castigo realmente vir. É por isso que aumenta tanto o número de crimes em situações extremas, como em apagões ou após grandes acidentes naturais, como terremotos, onde saques às lojas e supermercados se tornam comuns. Como ensinam os nossos sábios: "Se não fosse o medo das autoridades, cada um engoliria o seu companheiro vivo" (Pirkei Avót 3:2).

Mas nem tudo está perdido. Em locais onde as pessoas vivem de acordo com a Torá, a violência é muito rara, e até mesmo casos de roubo são exceção. Em cidades como Bnei Brak, em Israel, os feirantes deixam seus produtos na rua, sem ninguém cuidando, e os compradores escolhem o que querem levar e deixam o dinheiro em uma caixinha. Em várias sinagogas de Jerusalém os vendedores deixam dezenas de livros à venda, sem ninguém tomando conta, e os compradores escolhem o que querem e deixam o dinheiro em uma caixinha. Qual é o método da Torá para coibir as transgressões, cujo sucesso é tão evidente?

Apesar de não enxergarmos o mundo espiritual, suas regras são tão rígidas quanto as leis do mundo material. Da mesma maneira que uma pessoa que joga sujeira em sua roupa mancha o tecido, assim também acontece com nossa alma toda vez que cometemos uma transgressão. Pelo fato da transgressão ser algo inerentemente errado, ela imediatamente prejudica o transgressor, independentemente de qualquer outra futura consequência.

É este o ensinamento que a Torá está transmitindo ao separar o conceito da advertência e do castigo aplicado pelo Beit Din. A Torá está nos ensinando que podemos enganar a polícia ou os tribunais, podemos até ser bem sucedidos em fazer uma transgressão sem que ninguém veja, mas nunca saímos ilesos de uma transgressão. A advertência ensina que o ato é intrinsecamente errado e causa imediatamente consequências espirituais negativas. Independentemente das futuras consequências do erro, mesmo que não ocorra nenhuma punição no Beit Din, nossa alma já sai manchada, necessitando passar por difíceis processos de "limpeza" espiritual. Certamente o preço desta "limpeza" será muito maior do que o benefício obtido com a transgressão, como ensinam os nossos sábios: "Leve em consideração o que você ganha com uma transgressão e o que você perde" (Pirkei Avót 2:1).

Este é o grande segredo da Torá. As pessoas sabem que cada ato tem consequências. Podemos enganar os outros, podemos até mesmo enganar a nós mesmos, mas não podemos enganar a D'us. Isto faz com que uma sociedade com pessoas que vivem de acordo com a Torá sejam muito mais harmônica, propícias para que as pessoas melhorem cada vez mais seus atos e possam crescer espiritualmente. Pois mesmo que os olhos não veem as consequências diretas dos nossos atos, a nossa alma sente.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 16:1-18:30, Am 9:7-15 (Ash.), Ez. 22:1- 16 (Sef.), Hb. 9:11-28
Lv 19:1-20:27, Ez. 22:1-l9 (Ash.), Ez 20:2-20 (Sef.), 1 Pe. 1: 13-16

domingo, 14 de abril de 2013

PENSE ANTES DE FALAR - PARASHIÓT TAZRIA E METSORÁ 5773


Pouco antes do seu falecimento, o Rav Yitzchak Blazer escreveu em seu testamento que não queria nenhum tipo de "Esped" (discurso fúnebre, no qual o falecido é louvado e suas boas ações e características são ressaltadas em público). E quando ele faleceu, apesar da pressão de muitos rabinos e da população de Jerusalém para que fosse feito o "Esped", já que o Rav Yitzchak Blazer era muito querido e admirado por todos, ficou decidido que a vontade do falecido seria cumprida.

O Rav Chaim Berlin, que era muito próximo do Rav Yitzchak Blazer, também acatou a vontade do falecido. Porém, ele achou que o momento da partida de um Tzadik (Justo) tão grande não poderia passar em branco. Após refletir muito, ele chegou à conclusão de que o falecido havia pedido para que não houvesse discursos de louvor, mas não havia pedido para que as pessoas não chorassem por sua morte. Então ele convocou toda a cidade para que escutassem palavras fortes de despertar pela perda de um grande sábio de Torá, levando todos ao choro.

Isto aconteceu no começo da semana. Na noite de Shabat, o Rav Yitzchak Blazer apareceu para o Rav Chaim Berlin em um sonho e disse:

- Queria lhe dizer obrigado por você ter escutado meu pedido e não ter feito um discurso de louvores.

O Rav Chaim ficou contente e surpreso com a aparição do amigo, e aproveitou a oportunidade para perguntar como era o julgamento que ocorre depois do falecimento. O Rav Yitzchak Blazer respondeu:

- O julgamento aqui em cima é muito rigoroso. Não é possível para nenhum ser vivo imaginar a severidade deste julgamento. E em especial, eles são extremamente rigorosos com as falas proibidas e outros maus usos da fala.

- E qual foi o resultado do seu julgamento?

- Durante toda a semana não me permitiram vir agradecer por você ter escutado meu último pedido. Somente no Shabat recebi esta permissão de aparecer para você em um sonho.

O Rav Yitzchak Blazer não contou mais nenhum detalhe e nem explicou suas palavras misteriosas. Logo depois o Rav Chaim Berlim acordou e nunca mais voltou a vê-lo em seus sonhos. Apesar de sua última pergunta não ter sido respondida, o Rav Chaim Berlim nunca mais esqueceu este sonho, principalmente por causa da ênfase que o Rav Yitzchak Blazer deu para a gravidade das transgressões envolvendo a fala, com terríveis consequências espirituais mesmo depois da morte" (História Real)

Muitas vezes falamos coisas erradas por impulso ou apenas pela falta do que dizer, e achamos que isto não é um problema. Nisto estão incluídos palavrões, ofensas e principalmente o Lashon Hará (maledicência). Mas nos ensina o Chafetz Chaim que nos mundos espirituais cada palavra que pronunciamos fica guardada para sempre, e as palavras mal utilizadas são usadas contra nós no julgamento celestial. Como é dito nos filmes policiais: "Tudo o que você disser poderá ser usado contra você"
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria e Metsorá, que falam sobre a contaminação e a cura de uma terrível doença espiritual chamada "Tsaráat", que manchava a pele das pessoas que cometiam certos tipos de transgressões, entre elas o Lashon Hará (falar de maneira que denigre o próximo, causando constrangimento, sofrimento ou perdas). Aquele que se contaminava com Tsaráat tinha que ficar pelo menos uma semana fora do acampamento, isolada e sozinha no deserto, como parte do processo de purificação. Por que este isolamento? Era um castigo "Midá Kenegued Midá" (medida por medida). Da mesma forma que o transgressor causou com seu Lashon Hará que as pessoas se afastassem daquele sobre quem ele falou coisas negativas, assim ele também era retirado do acampamento e passava um tempo completamente isolado do resto do povo. Além disso, o arrependimento sincero era parte da cura, e o isolamento ajudava a pessoa a refletir sobre seus maus atos e se arrepender.

Havia alguns outros processos pelo qual a pessoa deveria passar para que se curasse completamente desta doença espiritual. Por exemplo, a Parashá Metsorá descreve que o Cohen (sacerdote) responsável pela cura da pessoa com Tsaráat precisava aspergir azeite no Mishkan (Templo Móvel), como está escrito: "E ele deverá aspergir azeite com seu dedo 7 vezes diante de D'us" (Vayikrá 14:16). Mas o que significa esta expressão "diante de D'us"?

Existem na Torá muitos tipos de Korbanót (sacrifícios). É interessante perceber as diferenças que há nas leis dos diversos Korbanót. Por exemplo, quando uma pessoa comum do povo cometia certas transgressões não intencionais e trazia um Korban para ser sacrificado, o sangue deste Korban era aspergido no altar de cobre, que ficava no pátio externo do Mishkan. Mas quando um Cohen cometia certas transgressões não intencionais, o sangue do seu Korban era trazido para dentro do Kodesh, uma parte mais sagrada do Mishkan, e era aspergido sobre o altar de ouro e sobre a Paróchet (cortina), utensílios que ficavam dentro do Kodesh. Mas por que estas diferenças? Que diferença faz o local onde o sangue era aspergido? E por que não era feito um processo padrão para todos os Korbanót?

Ensinam nossos sábios que tudo o que existe no mundo material tem um paralelo no mundo espiritual. Da mesma forma que existe a cidade física de Jerusalém, existe também uma Jerusalém espiritual. Da mesma maneira que existe fisicamente o Monte do Templo, local em Jerusalém onde ficava o Beit Hamikdash (Templo Sagrado), assim também existe o Monte do Templo espiritual. E da mesma maneira que no Monte do Templo ficava o Beit-Hamikdash físico, também existia no Monte do Templo espiritual um Beit-Hamikdash espiritual.

Quando uma pessoa comete uma transgressão no mundo físico, ela "mancha" também o mundo espiritual. Quanto maior a rigorosidade da transgressão, maior a "marca" que esta transgressão deixa nos mundos espirituais e, portanto, maior a necessidade de expiação. Quando um judeu comum transgride, ele causa com que a impureza do seu mau ato suba para os mundos espirituais e alcance o pátio do Beit Hamikdash espiritual. Por isso, parte do "conserto" era aspergir o sangue no altar externo, que ficava no pátio. Mas pelo fato do Cohen ser responsável pelo serviço Divino, ele estava em um nível espiritual mais elevado do que o resto do povo e, portanto, sua transgressão deixava marcas mais profundas nos mundos espirituais, atingindo a parte interna do Beit Hamikdash espiritual, um local ainda mais sagrado. Por isto, para "consertar" o erro de um Cohen não era suficiente apenas aspergir o sangue do Korban no altar externo, era necessário aspergir sobre o altar interno e a Paróchet. As diferenças nas leis de cada Korban eram necessárias, portanto, pois cada Korban era oferecido de acordo com a gravidade da transgressão que ele vinha expiar.

Mas explica o Rav Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que mesmo uma pessoa comum pode causar uma grande destruição espiritual. Isto acontece no caso de transgressões muito graves, como a pessoa que fala Lashon Hará, uma transgressão tão grave que atinge até a parte mais interna do Beit Hamikdash espiritual. Explica Rashi, comentarista da Torá, que as palavras "diante de D'us" significam que o azeite deveria ser aspergido em direção à parte mais sagrada e elevada do Beit Hamikdash, o Kodesh Hakodashim, local onde apenas o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) podia entrar, em total estado de pureza, e somente no dia de Yom Kipur. Por que aspergir nesta direção? Pois este era o lugar, no Beit Hamikdash espiritual, atingido pela impureza do Lashon Hará.

Há outro ensinamento que desperta a importância do cuidado com a nossa fala. O Cohen Gadol entrava no Kodesh Hakodashim apenas uma vez no ano, em Yom Kipur, e o primeiro serviço que ele fazia era o acendimento do incenso no altar de ouro. O Talmud (Yomá 44a) explica que o incenso expiava a transgressão de Lashon Hará do povo judeu, como está escrito: "Vem aquilo que é feito secretamente (a oferenda de incenso no altar interno) e expia o ato feito secretamente (o Lashon Hará)". Isto significa que a pessoa mais sagrada do povo judeu, no dia mais sagrado do ano e no local mais sagrado do mundo, somente poderia começar seus serviços após expiar a transgressão de Lashon Hará. Dentro do Kodesh Hakodashim eram feitos alguns serviços que traziam expiação para os pecados de todo o povo judeu. Mas o Cohen Gadol somente podia entrar depois que se formava uma névoa com a fumaça que saia do incenso, e caso ele entrasse sem a fumaça, morreria. Isto nos ensina que a transgressão de Lashon Hará atrapalhava todos os serviços que eram feitos no Kodesh Hakodashim e que traziam expiação para o povo judeu. Portanto, sem o conserto do Lashon Hará, não havia a possibilidade de consertar nenhuma outra transgressão.

Daqui vemos o enorme peso espiritual da transgressão de falar Lashon Hará. Por isso, devemos cuidar muito de nossas bocas, ao lembrar-nos de quanta influência espiritual negativa podemos causar com um único Lashon Hará, levando impureza para os lugares espirituais mais elevados e sagrados e dificultando o nosso arrependimento.

Muitas vezes procuramos áreas na vida nas quais podemos crescer espiritualmente. Das Parashiót lidas nesta semana, Tazria e Metsorá, aprendemos que o primeiro passo que precisamos dar para crescermos em espiritualidade é o controle da nossa fala. Enquanto não consertarmos os erros relacionados ao mau uso da fala, em especial o Lashon Hará, nosso arrependimento não será completamente aceito por D'us. Portanto, toda vez que quisermos falar algo, é bom pensar se realmente vale a pena falar. Pois como ensinam os nossos sábios: "Se a palavra vale prata, o silêncio vale ouro".

"Uma pessoa madura reflete antes de falar. Um tolo fala e só depois reflete sobre aquilo que disse"

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv l2:1-13:59, 2 Rs. 4:42·5:19, Mt. 8: 1-4
Lv14:1-15:33, 2 Rs. 7:3-20, Rm. 6: 8-23

sábado, 6 de abril de 2013

QUANDO O SANGUE FERVE - PARASHÁ SHEMINI 5773

 

"Na época dos nossos sábios do Talmud, houve uma mulher grávida que, após sentir o cheiro de comida, sentiu um desejo incontrolável de comer no dia de Yom Kipur. As pessoas mais próximas dela ficaram desesperadas, pois é sabido que se uma mulher grávida tem um desejo muito forte por comida e não sacia este desejo, isto pode colocar em perigo a vida do feto. Foram então se aconselhar com o Rabi Yehuda Hanassi, que ouviu atentamente o caso e deu o veredicto: uma pessoa da família deveria sussurrar em seu ouvido que aquele dia era Yom Kipur e por isto era proibido comer ou beber qualquer coisa. Caso não funcionasse, então seria permitido dar-lhe comida, pois a vida do feto estava em perigo e, segundo a lei judaica, é possível desrespeitar o jejum de Yom Kipur se uma vida estiver em perigo.

Qual era a lógica deste ensinamento do Rav Yehuda Hanassi? Segundo os nossos sábios, o feto na barriga da mãe já escuta o que é dito. Além disso, quando uma mulher grávida tem um forte desejo, na verdade quem está desejando é o próprio feto, e por isso, caso o desejo não seja saciado, o feto corre risco de vida. Por isso, ao sussurrar no ouvido da mãe, na verdade estamos falando com o próprio feto, tentando convencê-lo de que o que ele deseja é proibido.

Os familiares da mulher fizeram conforme os ensinamentos do Rav Yehuda Hanassi e, após escutar o sussurro, a mulher se tranquilizou, pois o feto não desejou mais comer. Aquele bebê tornou-se o Rav Yochanan, um dos maiores sábios do povo judeu.

Anos mais tarde outra mulher também sentiu um desejo incontrolável de comer após sentir o cheiro de uma comida. Foram se aconselhar com o Rav Chanina, que também sugeriu que sussurrassem no ouvido dela a proibição de comer. Porém, ao contrário do que era esperado, a mulher não se acalmou e precisou comer. Dela nasceu Shabtai Atsar Peiri, um homem que manipulava o mercado de frutas de Israel para enriquecer de maneira desonesta" (História baseada no Talmud – Yomá 82b)

Esta é a diferença entre uma pessoa que adquire a característica do autocontrole e aquela que é levada pelos seus desejos e vontades. Quem adquire o autocontrole consegue se elevar aos níveis mais altos de espiritualidade, enquanto quem não tem autocontrole fica preso nos seus desejos e vontades materiais.


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Nesta semana lemos a Parashá Shemini, que traz, entre outros assuntos, as leis de Kashrut. Por exemplo, a Torá nos ensina sobre as características necessárias para que os animais domésticos e selvagens possam ser consumidos, os sinais presentes nos peixes que são Kasher, a proibição de comer insetos e a lista de pássaros que são proibidos para o consumo do povo judeu. Entre as leis de Kashrut está também a proibição de comer répteis, como está escrito: "E não façam repugnantes suas almas ao comerem todo réptil que rasteja... Pois Eu sou Hashem, teu D'us. E se santifiquem e se tornem santos, pois Eu sou Santo... Pois Eu sou D'us, que elevei vocês da terra do Egito" (Vayikrá 11:43-45).

Mas destes versículos surgem algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que esta linguagem "que elevei vocês da terra do Egito", se na maioria das vezes em que a Torá se refere à saída do Egito está escrito "que tirei vocês"? Além disso, o versículo termina com as seguintes palavras: "E sejam santos, pois Eu sou Santo". Associamos o conceito de "santo" às nossas atividades mais "elevadas", relacionadas ao serviço Divino, como a reza e a meditação. O que comer, um ato tão cotidiano, tem a ver com santidade?

Ensina Rashi, comentarista da Torá, que a linguagem "que elevei vocês" é utilizada como se D'us estivesse anunciando que toda a saída do Egito já teria valido a pena apenas para o povo judeu se elevar espiritualmente ao não consumir répteis. Mas o que significam estas palavras do Rashi? Seria suficiente apenas cumprir esta Mitzvá? Esta Mitzvá vale mais do que as outras Mitzvót da Torá?

Explica o Rav Yehuda Leib Chasman que deste versículo aprendemos algo importante para nossas vidas. A Mitzvá de não comer répteis não é mais importante do que as outras Mitzvót da Torá, mas ela contém uma lição fundamental para o nosso crescimento espiritual. Os répteis já são naturalmente animais asquerosos, e por isso, a maioria dos seres humanos não tem nenhuma dificuldade para evitar seu consumo. Se a Torá nos ressalta que valeria a pena sair do Egito apenas para não comer algo que naturalmente já nos é repugnante, isto nos ensina que se tivermos força de vontade para evitar comer algo gostoso mas que nos faz mal espiritualmente, o valor deste ato será muito maior aos olhos de D'us. O Talmud nos ensina que não devemos dizer "Eu não gosto de porco, por isso não como", e sim "Eu gosto de porco, é uma carne deliciosa, mas como eu posso comer se D'us me ordenou a não comer?". Isto nos traz muitos méritos espirituais, pelo fato de não estarmos fazendo algo que gostamos apenas para cumprir a vontade de D'us.

Ensina o Rav Chasman que existe um nível ainda maior do que este: quando deixamos de comer algo que é permitido. Por exemplo, alguém que está diante de uma deliciosa mesa de doces, na saída da festa, e tem a força de vontade de não "atacar" a mesa, conseguindo dizer para si mesmo "pegarei somente um docinho". Mas como entender este ensinamento? Qual a vantagem de se proibir de comer algo permitido? Se D'us permitiu, por que então nós vamos proibir? A resposta é que a pessoa que sabe de vez em quando dizer "não" aos seus desejos, mesmo aqueles permitidos, adquire uma das características mais importantes para o ser humano: o autocontrole.

Este conceito é ainda mais ressaltado por outro ensinamento dos nossos sábios no Talmud (Chulin 89a): "O mundo inteiro é sustentado pela pessoa que fecha sua boca no momento da discussão". Isto quer dizer que, mesmo se o mundo inteiro estivesse destinado à destruição, esta pessoa que fecha a boca no momento da discussão, apesar do sangue estar fervendo dentro dela, carregaria sozinha o mundo nas costas. E qual é o "segredo" por trás desta gigantesca recompensa? O autocontrole, quebrar as vontades naturais que queimam dentro de nós. O normal é uma pessoa reagir a uma ofensa com outra ofensa, gerando uma escalada de violência. Aquele que quebra sua tendência natural de revidar e consegue fechar sua boca demonstra um gigantesco autocontrole, e isto é tão bem visto aos olhos de D'us que o mérito desta pessoa é suficiente para sustentar o mundo inteiro.

Se quebrar a nossa vontade natural apenas uma vez traz méritos tão grandes, mais ainda receberá aquele que constantemente quebra suas vontades e sabe dizer "não" para os seus desejos, pois certamente acumulará méritos e conseguirá alcançar níveis cada vez maiores de espiritualidade. É por isso que o versículo termina com as seguintes palavras: "E sejam santos, pois Eu sou Santo". "Kadosh", que traduzimos como "santo", significa na verdade "desconectado do mundo material". D'us é Kadosh pois está acima de qualquer desejo e necessidade do mundo material. Assim, qualquer pessoa que utiliza o mundo material com total autocontrole, isto é, sem ser levado por suas vontades e desejos, também se torna "Kadosh", está se assemelhando a D'us e automaticamente se conectando a Ele. Portanto, aquele que tem autocontrole atinge a Kedushá e se torna sócio de D'us na criação do Céu e da Terra.

Será que entendemos quais são as consequências da falta de autocontrole em nossas vidas? Se pararmos para refletir, a grande maioria dos problemas atuais do mundo está justamente na falta de autocontrole. Hoje em dia, crianças já são obesas e apresentam altos índices de colesterol deste muito cedo, pois não aprendem a ter limites e a dizer não, consumindo comidas que, apesar de muito saborosas, são extremamente prejudiciais à saúde. Quantos casamentos não terminam por causa de traições, movidas pelo desejo incontrolável de sentir um pouco mais de prazer? Quantas tragédias ocorrem por um instante de raiva não contida, como no caso do ônibus que despencou de um viaduto no Rio de Janeiro, matando sete pessoas e ferindo outras dezenas, por causa de um passageiro irritado que deu um chute na cabeça do motorista. As estatísticas de mortes causadas por uso de arma de fogo mostram que morrem mais pessoas em brigas de trânsito do que em assaltos a mão armada.

O judaísmo nos ensina que Kedushá não significa se abster de todos os prazeres materiais e viver uma vida de sofrimentos e abstinência, pois D'us criou os prazeres por bondade, para que pudéssemos aproveitar o mundo material de forma prazerosa. Podemos e devemos ter prazeres, mas com autocontrole. Precisamos aprender a dizer "não" às nossas vontades e desejos, pois um mundo sem autocontrole é um mundo direcionado ao caos e à destruição, enquanto um mundo com autocontrole é um mundo direcionado à harmonia e à paz.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Lv 9:1-11:47, 2 Sm. 6:1-7:17, At. 10: 9-22, 34-35.