sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

VOCÊ CONFIA EM D'US? - PARASHAT ITRÓ 5776

"Muitos conhecem o Rav Noach Weinberg zt"l (EUA, 1930 - Israel, 2009), o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) do Aish HaTorá, por sua incrível capacidade de aproximar judeus que estavam completamente afastados da Torá. Porém, poucas pessoas sabem que suas gigantescas conquistas emanavam da mais pura Emuná (fé) e Bitachón (confiança) em D'us. Durante a Shivá (semana de rezas que ocorre após o falecimento) do Rav Noach Weinberg, sua filha contou uma história incrível, que demonstra o altíssimo nível de conexão que ele tinha com D'us.

Certa vez chegou à Yeshivá Aish HaTorá um jovem rapaz que demonstrou uma inteligência acima do normal. Ele não passou mais do que alguns poucos dias na Yeshivá, mas foi o suficiente para se destacar nos estudos de maneira impressionante. Porém, para a surpresa de todos, certo dia o rapaz arrumou suas coisas e se preparou para voltar aos Estados Unidos. O Rav Noach Weinberg, muito triste por ver um rapaz com um futuro tão promissor nos estudos de Torá abandonar a Yeshivá assim tão de repente, questionou os motivos daquela decisão. O rapaz explicou que, apesar de estar gostando muito da Yeshivá, ele era um jogador profissional de xadrez e estava voltando aos Estados Unidos para participar de uma importante competição.

O Rav Noach Weinberg poderia tentar convencê-lo a ficar com dezenas de argumentos lógicos. Porém, ele não tentou argumentar nem convencer o rapaz a ficar. Ao invés disso, fez um desafio a ele: propôs que eles disputassem uma partida de xadrez, uma única partida, e se o rapaz ganhasse, poderia ir embora e voltar aos Estados Unidos, mas caso o rabino ganhasse, o rapaz ficaria na Yeshivá e continuaria seus estudos e seu caminho de crescimento espiritual.

Para um campeão de xadrez, aquela proposta pareceu uma piada, pois certamente o rabino não estava tão bem preparado quanto ele. Por isso, com um sorriso de satisfação no rosto, o rapaz aceitou o desafio. Porém, o jogo foi ficando extremamente complicado, e o que parecia ser um jogo fácil, que não duraria mais que poucos minutos, se transformou em uma difícil batalha de mais de uma hora. O mais incrível foi que, no final, o Rav Noach Weinberg acabou vencendo.

As pessoas não podiam acreditar naquela vitória. O rabino, que nunca havia revelado a ninguém sobre suas incríveis habilidades no xadrez, havia derrotado um grande campeão! Quando questionado, o Rav Noach Weinberg explicou:

- Eu joguei xadrez poucas vezes na vida, quando ainda era pequeno. No decorrer do jogo eu fui aos poucos me lembrando das regras de movimentação das peças. Eu sabia que através das minhas poucas e limitadas habilidades no xadrez seria impossível vencer o jogo. Porém, eu tive a coragem de propor o jogo pois acreditava, com todas as minhas forças, que se D'us quisesse que aquele rapaz ficasse na Yeshivá, Ele poderia me fazer vencer a partida. E foi isto o que aconteceu.

O rapaz acabou ficando na Yeshivá. Ele estudou com dedicação, tornando-se um aluno brilhante e uma fonte de inspiração para outros jovens. Tudo graças à incrível confiança que o Rav Noach Weinberg tinha em D'us. 
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Nesta semana lemos a Parashat Itró que, entre outros assuntos, nos ensina sobre os 10 mandamentos entregues por D'us no Monte Sinai, diante de todo o povo judeu. E o primeiro Mandamento entregue foi: "Eu sou Hashem, teu D'us, que te tirou da terra do Egito, da casa da escravidão" (Shemot 20:2). Este Mandamento refere-se à importante Mitzvá de Emuná. De acordo com o Rambam zt"l (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), esta Mitzvá pode ser cumprida ao acreditarmos que há um D'us que é a causa de toda a existência, e que constantemente recria e mantém toda a criação. Porém, há outro conceito fundamental que está conectado com a Emuná: o Bitachon, que é a confiança em D'us. Será que o Bitachon é parte da Mitzvá de Emuná ou é um conceito separado, que não está diretamente conectado a nenhuma Mitzvá específica?

Explica o Rav Avraham Yeshayahu Karelitz zt"l (Bielorússia, 1878 - Israel, 1953), mais conhecido com Chazon Ish, que Bitachon não é algo independente, e sim uma consequência natural da Emuná verdadeira. A Emuná é a obrigação de acreditar em princípios fundamentais sobre D'us, como por exemplo a Hashgachá Pratid (Supervisão particular que D'us tem sobre todo o universo, nos mínimos detalhes), enquanto o Bitachon é a aplicação desta crença nas questões práticas do cotidiano. Se a pessoa acredita na Supervisão de D'us, mas não consegue colocar isto na prática em seu cotidiano, então é um sinal de que há alguma deficiência em sua Emuná.

O Chazon Ish exemplifica isto através de uma pessoa que constantemente expressa sua Emuná de que tudo o que ele tem vem de D'us. Ele declara publicamente que reconhece que seu sustento vem diretamente de D'us e que não há nenhum motivo para ficar preocupado ou ansioso com o futuro. Entretanto, quando alguém abre uma loja concorrente perto da sua, de repente sua Emuná desaparece e ele se torna uma pessoa preocupada e desconfiada. A sua Emuná parecia ser muito forte quando tudo estava indo bem, mas quando ele passou por um teste, falhou em demonstrar o Bitachon necessário. Isto, por sua vez, demonstra que sua Emuná nunca foi completa e verdadeira, e tudo o que ele declarava em público era apenas da boca para fora. Portanto, de acordo com o Chazon Ish, o Bitachon é um aspecto essencial da Emuná, e significa aplicar a Emuná nas situações reais da vida, em especial nos momentos de dificuldade e teste.

O Rav Shalom Noach Berezovsky zt"l (Bielorússia, 1911 - Israel, 2000), em sua obra intitulada "Netivot Shalom", se aprofunda um pouco mais no conceito de Bitachón. Ele explica que, na realidade, existem dois tipos de Bitachon: um tipo inativo e um tipo proativo. O Bitachón inativo se aplica quando a pessoa se encontra em uma situação difícil e na qual não há nada que ela pode fazer para revertê-la. Nestas circunstâncias, sua "Avodat Hashem" (Serviço Divino) é confiar que tudo o que acontece é, em última instância, para o nosso bem. Já o Bitachón proativo se torna necessário quando é exigido da pessoa que ela faça algo que demonstre sua confiança em D'us. Por exemplo, durante a abertura do Mar Vermelho, Moshé Rabeinu e o povo estavam chorando e clamando a D'us para que Ele os salvasse do exército egípcio, que avançava na direção deles. Em resposta, D'us falou para que eles parassem de rezar e entrassem no mar. Mas por que D'us não abriu o mar Vermelho enquanto o povo judeu estava tranquilamente na praia, como é retratado (de forma completamente equivocada) nos filmes e novelas? Por que a necessidade de entrar no mar revolto e só depois fazer o milagre?

De acordo com o Rav Shalom Noach, para que o povo judeu pudesse ter o mérito de D'us transcender as leis da natureza através da abertura do mar Vermelho, eles deveriam demonstrar uma confiança em D'us que também transcendesse as leis da natureza. Eles deveriam acreditar que, se era a vontade de D'us que eles cruzassem o mar, então eles deveriam ter a confiança de que Ele era capaz de permitir que isto acontecesse, mesmo que eles não tinham a mínima ideia de como seria possível ocorrer na prática. Portanto, se jogar no mar revolto antes da sua abertura foi uma demonstração de Bitachón proativo, que fez o povo judeu ter direito ao mérito do grande milagre da abertura do mar.

A conclusão é que a Emuná verdadeira somente se manifesta em uma pessoa que está disposta a agir com uma inabalável confiança em D'us, com a crença de que, se for a vontade de D'us que ele se comporte de certa maneira, então ele pode, e deve, apesar das dificuldades, fazer o que é correto, e desta maneira D'us permitirá que ele tenha sucesso em seus empreendimentos.

Parece algo difícil de ser alcançado, mas muitas pessoas se esforçaram e conseguiram. Foi com esta certeza que o Rav Noach Weinberg zt"l conseguiu trazer de volta à Torá milhares de judeus que estavam completamente afastados. Ele costumava dizer que quando vemos problemas no mundo, não há nenhum motivo para não sairmos e enfrentarmos as dificuldades quando acreditamos que esta é a vontade de D'us, pois Ele não tem nenhum tipo de limitação ou dificuldade para cumprir a Sua vontade. Para o Rav Noach Weinberg isto não era apenas algo teórico, que ele dizia da boca para fora em momentos de tranquilidade. Em uma época em que o Kiruv (movimento para aproximar judeus afastados da Torá) era praticamente desconhecido no mundo, o Rav Noach Weinberg sentiu a necessidade de fazer algo pelos milhares de judeus que estavam se assimilando no mundo inteiro. Muitas pessoa ridicularizaram seus sonhos e ideais, alegando que não era algo realista, e ele foi chamado por muitos de tolo.

Porém, apesar das dificuldades, sua convicção de estar cumprindo a vontade de D'us deu forças para que ele superasse muitos contratempos e realizasse verdadeiros milagres ao despertar um movimento de Teshuvá (retorno aos caminhos da Torá) que salvou milhares e milhares de judeus de perderem sua identidade judaica. A idealização da gigantesca Yeshivá do Aish HaTorá, que atualmente fica em frente ao Kotel (Muro das Lamentações), um dos lugares mais sagrados do judaísmo, começou em uma pequena salinha no bairro de Kriat Sanz, em Jerusalém, com o Rav Noach Weinberg e mais três jovens que acreditavam no que estavam fazendo.
 
 Mas a incrível Emuná e Bitachón do Rav Noach Weinberg não caíram do céu. Foram anos e anos de um trabalho constante para desenvolver este relacionamento de confiança em D'us. Através de reflexões e do estudo da Torá, ele foi crescendo aos poucos, até atingir este nível de certeza e tranquilidade de que tudo, em cada detalhe, está nas Mãos de D'us. Se tivermos esta claridade, então quando surgirem dificuldades em nossas empreitadas, basta fazermos o nosso esforço e Ele abrirá para nós os mares de dificuldades que surgem em nossas vidas.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 18:1-20:26, Is. 6:1-7:6; 9:6-7

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A FORÇA DA PERSEVERANÇA - PARASHAT BESHALACH 5776

"Yaacov Waisman (nome fictício), aluno da famosa Yeshivá de Vologzin, era conhecido por seu enorme conhecimento de Talmud. Certa vez ele estava no meio de uma refeição quando um de seus colegas da Yeshivá se aproximou dele e perguntou a fonte no Talmud onde constava certa opinião. Enquanto Yaacov ainda se esforçava para tentar lembrar, outro aluno respondeu que a opinião era do Tassafot (um comentarista do Talmud), e indicou o Tratado do Talmud e a página onde este comentário se encontrava.

Quando Yaacov percebeu que não havia conseguido responder algo tão simples de ser lembrado, sentiu tanta vergonha que imediatamente parou de comer, levantou-se da mesa e correu para o Beit Midrash (Centro de estudos). Ele estudou aquele dia inteiro praticamente sem nenhuma interrupção, e o mesmo ocorreu no dia segunte, e na semana seguinte, e no mês seguinte. Durante sete anos Yaacov estudou com uma incrível constância e perseverança, até que ele se tornou um grande conhecedor da Torá e trouxe muita luz espiritual para o mundo.

Anos mais tarde, um dos alunos da Yeshivá que estava presente no episódio da pergunta no refeitório, Avraham Leibovitz (nome fictício), lembrou-se que Yaacov havia se levantado da mesa e corrido para o Beit Midrash de uma maneira tão repentina que havia se esquecido de fazer a Brachá Acharoná (benção posterior dos alimentos). Avraham foi perguntar ao Rosh Yeshivá (Diretor Espiritual), o Rav Chaim Vologziner zt"l (Lituânia, 1749 - 1821), se naquelas condições seria permitido a Yaacov não ter feito a Brachá. O Rav Chaim Vologziner, após refletir um pouco, respondeu:

- Eu não sei dizer se seria permitido ou não ele intencionalmente ter deixado de fazer a Brachá naquela situação. Mas há algo que eu sei: se ele tivesse parado para recitar a Brachá e não tivesse se levantado imediatamente e ido para o Beit Midrash estudar, ele nunca teria se transformado no grande estudante de Torá que ele virou. Naquele momento ele tinha sido atingido por uma profunda dor, pela vergonha da sua falta de conhecimento de Torá, e ele utilizou a força daquele momento para começar a estudar em outro nível. Se ele tivesse esperado, mesmo que fossem apenas alguns poucos minutos, ele teria perdido aquele momento de inspiração para sempre." (História Real)

Em nossas vidas muitas vezes temos momentos de inspiração, nos quais temos vontade de crescer, de tomar atitudes e de mudar nossos rumos. Mas se não aproveitarmos estes momentos com atos, infelizmente eles ficarão apenas como memórias do passado, e não como construções do futuro.   
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Nesta semana lemos a Parashat Beshalach, que descreve a triunfal saída do povo judeu do Egito, diante dos olhos dos egípcios que, esmagados pela força das dez pragas, nada puderam fazer para impedir o povo judeu de ir embora para sempre. Mas nem todos os judeus estavam apenas "aproveitando" aquele momento especial de liberdade. Moshé Rabeinu estava preocupado em cumprir o juramento que os judeus haviam feito para Yossef, há mais de 200 anos, de que quando eles fossem embora do Egito, levariam com eles os seus restos mortais para que fossem enterrados na Terra de Israel, como está escrito: "E Moshé levou com ele os ossos de Yossef" (Shemot 13:19).

Porém, há um versículo do Tanach (Profetas e Escrituras) que parece contradizer este ensinamento da Torá: "Os ossos de Yossef, que os Filhos de Israel trouxeram do Egito, foram enterrados em Shechem" (Yoshua 24:32). Afinal, quem levou os ossos de Yossef do Egito, Moshé ou outros judeus? O Talmud (Sotá 13b) responde com um incrível conceito espiritual: quando uma pessoa começa uma Mitzvá mas não a termina, e outra pessoa completa a Mitzvá, então a Torá dá crédito para a pessoa que terminou a Mitzvá como se ela tivesse feito a Mitzvá completa. Moshé começou a Mitzvá de enterrar Yossef na Terra de Israel, mas como não foi ele que terminou a Mitzvá, então o crédito foi dado para aqueles que completaram a Mitzvá, e não para Moshé.

Mas há um Midrash (parte da Torá Oral) que aparentemente contradiz este princípio espiritual. O nosso Primeiro Beit HaMikdash (Templo Sagrado), em sua enorme grandeza e esplendor, foi construído e inaugurado por Shlomo HaMelech. David, seu pai, não viu o Beit HaMikdash (Templo) terminado, apenas participou de suas fundações. Porém, há um versículo que refere-se a David como se ele tivesse construído o Templo, como está escrito: "Um Salmo, um Cântico de inauguração da Casa (Templo), de David" (Salmos 30:1). De acordo com um Midrash (parte da Torá Oral), aprendemos deste versículo que, apesar de David ter apenas começado a construção do Templo, é creditado a ele os méritos de toda a construção. Isto não é contraditório com o conceito ensinado pelo Talmud?

O Rav Moshe Feinstein zt"l (Lituânia, 1895 - EUA, 1986) desvenda a aparente contradição. Toda vez que alguém começa uma Mitzvá e não consegue completá-la por motivos de "força maior", isto é, que não são de sua responsabilidade, então ele é creditado como se tivesse realizado a Mitzvá inteira, mesmo que na realidade ele não a terminou. Entretanto, se aquele que começa a Mitzvá tem alguma culpa no fracasso de completá-la, então ela é creditada àquele que a terminou. Isto explica a diferença entre o caso dos ossos de Yossef e a construção do Beit HaMikdash. David HaMelech não teve absolutamente nenhuma responsabilidade por não ter completado a construção do Beit HaMikdash, pois foi uma ordem explícita de D'us que a construção fosse feita por seu filho Shlomo HaMelech e não por ele, e por isso é creditado como se ele tivesse construído tudo. Já no caso dos ossos de Yossef, Moshé não conseguiu completar a Mitzvá por causa de um erro que ele cometeu ao bater com seu cajado na pedra para dar água ao povo, ao invés de ter pedido a água para a pedra conforme D'us havia ordenado. Como a consequência deste erro foi D'us ter decretado que Moshé não entraria na Terra de Israel, então de certa maneira Moshé não conseguiu terminar a Mitzvá de enterrar Yossef em Israel devido às suas próprias ações, e é por isso que a Mitzvá não foi atribuída a ele.

Se refletirmos sobre este ensinamento do Rav Moshe Feinstein, despertamos um pouco da nossa apatia. Apesar de todos os esforços de Moshé para cumprir a Mitzvá de entrerrar Yossef em Israel, uma culpa mínima que ele teve em não terminar a Mitzvá fez com que ele perdesse o mérito dela. E se não tomarmos muito cuidado com nossos atos, por causa de falhas pequenas nós também podemos acabar perdendo o mérito de muitas Mitzvót.

Há muitas situações nas quais temos a oportunidade de completar algum tipo de Mitzvá, mas que acabamos falhando por falta de perseverança. Isto se aplica muito ao estudo de Torá, pois normalmente as pessoas começam a frequentar algum Shiur ou palestra semanal, mas acabam desistindo no meio. Por exemplo, quando é iniciado um novo ciclo de estudos de "Daf Yomi" (grupos que se reúnem para estudar uma folha do Talmud por dia, visando terminar todos os Tratados em um período de 7 anos), normalmente as aulas ficam lotadas, mas conforme o tempo vai passando, as salas de aula vão se esvaziando, pois muitos desistem do projeto no meio do caminho.

Outra área onde normalmente as pessoas falham é em seu próprio crescimento espiritual. Por exemplo, em certos momentos da vida, como em Rosh Hashaná ou após passar por algum perigo de vida, as pessoas se sentem inspiradas a tomar decisões de crescimento espiritual. Porém, com o passar do tempo, estas decisões se tornam apenas distantes memórias e não se transformam em atos concretos.

Explica o Rav Yehonasan Gefen que a chave do sucesso é a característica de perseverança. Quando tomamos uma decisão, devemos nos esforçar para não desistir no meio do caminho, apesar das dificuldades que acabam surgindo. Um exemplo de perseverança foi dado pelo Rav Israel Meir HaCohen zt"l (Bielorússia, 1838 - Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim. Uma de suas maiores obras, a Mishná Brurá, que discute uma parte importante do Shulchan Aruch (Código de Leis Judaico), levou 25 anos para ficar pronta. Mas por que tantos anos para escrever um livro? Pois durante estes anos ele passou por muitas dificuldades e adversidades que o impediam de continuar escrevendo. A grande maioria das pessoas certamente teria desistido caso tivesse passado por tantas dificuldades, e inclusive teriam enxergando as dificuldades como "sinais" de que aquele investimento não estava destinado a ter sucesso. Mas o Chafetz Chaim percebeu que todas as dificuldades eram, na verdade, artimanhas do Yetser Hará (má inclinação), que queria evitar a todo custo que a Mishná Brurá fosse escrita. Ele reuniu forças, persistiu e conseguiu terminar sua obra, que se tornou um dos livros de Torá mais importantes do século passado.

Qual foi o segredo do sucesso do Chafetz Chaim? Por que ele conseguiu persistir enquanto a maioria teria desistido? Pois ele entendia a importância vital do que estava tentando fazer. Isto permitiu que ele superasse todos os desafios e conseguisse completar seu trabalho. Portanto, uma das dicas mais importantes para alcançarmos o sucesso nos nossos empreendimentos espirituais é manter o foco na importância do que estamos tentando fazer, e só assim conseguiremos persistir e vencer as adversidades.

Outra maneira prática de não deixar o tempo desgastar nossas aspirações e vontade de crescer é tomar atitudes imediatas logo após algum momento de inspiração. Por exemplo, quando escutamos alguma aula de Torá que nos toca profundamente, se não fizermos nenhum ato, em pouco tempo a "marca" deixada no nosso coração se apagará. Mas se imediatamente começarmos alguma mudança, alguma melhoria, por menor que seja, isto nos ajudará a guardar a força daquele momento.

Quando surgem oportunidades na vida, não podemos desperdiçá-las. A combinação de perseverança, foco, entendimento da grandeza dos nossos ideais e atitudes práticas imediatas pode nos ajudar a não apenas começarmos empreendimentos na vida, mas também terminá-los com sucesso.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 13:17-17:16, Jz. 4:4-5:31

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

APROVEITE CADA MOMENTO - PARASHAT BÔ 5776

Há muitos anos o Sr. Zaks fez a sua primeira viagem de avião. Era uma longa viagem, e o voo parecia interminável. O Sr. Zaks sentia-se sufocado em seu assento apertado, entre dois desconhecidos, quase sem ar para respirar e sem espaço para esticar as pernas. Para completar o quadro desastroso, uma criança sentada no banco de trás não parava de chutar seu assento, e havia outra criança por perto que chorava sem parar. O Sr. Zaks sentiu que precisava fugir daquele lugar. Levantou-se para caminhar um pouco, mesmo sabendo que não tinha muitas opções para onde ir.

Na parte da frente do avião, o Sr. Zaks viu uma cortina. Ao abrir, levou um susto. Seus olhos não acreditaram quando viu a primeira classe. Silêncio e tranquilidade, com assentos amplos e cômodos, muitos lugares vazios. Seria um sonho viajar daquela maneira. Sentou-se em um dos assentos da primeira classe, esticou suas pernas, começou a ler seu livro e acabou adormecendo.

- Senhor, você não pode ficar aqui - foram as palavras que o Sr. Zaks escutou enquanto uma aeromoça o sacudia, despertando-o do seu delicioso sonho - Você deve regressar imediatamente ao seu assento na classe econômica!

- Sabe, decidi trocar minha passagem - disse o Sr. Zaks, com inocência - A partir de agora quero viajar de primeira classe. Estou disposto a pagar a diferença. Pago qualquer valor, tudo para não precisar voltar às torturas do meu assento anterior.

A aeromoça balançou a cabeça negativamente e respondeu:

- Sinto muito, senhor, mas a compra de passagens ocorre unicamente em terra. Não se pode mudar de lugar aqui em cima...

O Sr. Zaks não teve outra alternativa a não ser voltar, completamente decepcionado, ao seu assento.

Mais tarde o Sr. Zaks refletiu e percebeu a importante lição que havia aprendido: a aquisição do nosso lugar no Mundo Vindouro se realiza unicamente aqui, neste mundo. Não poderemos mudar nosso nível depois que terminarmos nosso trabalho neste mundo e formos lá para cima. Por isso vale a pena se esforçar e aproveitar cada oportunidade na vida para adquirirmos um pouco mais de espiritualidade e méritos para o Mundo Vindouro. 
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Nesta semana lemos a Parashat Bô, que descreve as últimas três pragas que D'us mandou sobre os egípcios, quebrando definitivamente a resistência deles. O povo judeu, após dois séculos de convívio com os egípcios, um povo de idólatras sem valores morais, acabou se "contaminando" e também sofreu uma enorme queda espiritual. Poucas gerações após a morte dos nossos patriarcas, que atingiram incríveis níveis de conexão com D'us, o povo judeu acabou se afundando em práticas espiritualmente negativas, chegando a níveis extremos de Tumá (impureza espiritual). Se os judeus tivessem permanecido mais alguns instantes no Egito, eles teriam atingido um nível espiritual tão baixo que não haveria mais volta. Por isso D'us precisou tirar correndo o povo judeu do Egito, tão rápido que a massa que eles estavam assando não teve tempo de fermentar, e eles levaram como provisão para o deserto apenas Matzót, um tipo de pão não fermentado.

A Mitzvá de comer Matzá, que tem um simbolismo muito profundo, foi transmitida de geração em geração. Até hoje, durante a semana inteira da festa de Pessach, comemos Matzá no lugar dos pães fermentados. E assim nos comanda o versículo: "E cuidem das Matzót" (Shemot 12:17). O entendimento mais simples deste versículo é que quando preparamos nossas Matzót devemos tomar muito cuidado, pois a partir do momento em que a farinha entra em contato com a água, o atraso em assar a massa faz com que ela fermente, tornando-se "Chametz" e invalidando a Matzá para o seu consumo durante Pessach.

Porém Rashi (França, 1040 - 1105), citando um Midrash (parte da Torá Oral), nos ensina um significado mais profundo. A palavra "Matzót" é escrita com as mesmas letras da palavra "Mitzvót". De acordo com este ensinamento do Midrash, o versículo se transforma na exigência de que nossas Mitzvót sejam cumpridas com "zrizut" (agilidade), sem nenhum tipo de demora ou postergação. Quando temos a oportunidade de cumprir uma Mitzvá, não devemos permitir que ela "fermente", isto é, não podemos ser desleixados nem preguiçosos, e devemos cumpri-la imediatamente.
Mas esta comparação entre Matzót e Mitzvót ensinada pelo Midrash desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, se uma pessoa prepara Matzót sem a devida agilidade, ele as invalida completamente. Porém, apesar de não ser a maneira ideal de fazer o Serviço Divino, a pessoa que adia o cumprimento de uma Mitzvá ou a cumpre com desleixo e preguiça não a invalida. Então como entender a comparação feita pelo Midrash, entre Matzót e Mitzvót? Será que é apenas uma semelhança entre as letras?

Além disso, este ensinamento do Midrash aparentemente contradiz um ensinamento do Talmud (Sanhedrin 105b), que afirma que a pessoa deve estar sempre envolvida com Torá e Mitzvót, mesmo que seja com motivações incorretas, pois através do cumprimento das Mitzvót ela terminará cumprindo-as pela motivação correta. Mas como pode ser que cumprir uma Mitzvá com as motivações incorretas tem méritos, enquanto cumprir uma Mitzvá com a motivação correta, porém sem agilidade, é comparado com o Chametz, algo sem valor?

Explica o Rav Yohanan Zweig que podemos responder estas perguntas com uma interessante analogia. Imagine uma mãe que pede para que seu filho faça algumas compras no mercado que fica a duas quadras de casa. Com um senso de obrigação, o filho interrompe o que estava fazendo e vai às compras. Mas assim que ele volta a mãe informa que esqueceu de pedir um produto, então o filho tem que ir novamente ao mercado, mas desta vez já um pouco mais irritado e relutante. Se este cenário se repetir diversas vezes, isto é, cada vez que o filho voltar do mercado a mãe lembrar que esqueceu algo, obrigando o filho a fazer uma nova viagem, o nível de relutância do filho vai ficando cada vez maior, até ele chegar ao ponto de sentir ressentimento por sua mãe ter pedido para que ele fosse ao mercado. O filho pode até mesmo acaba externando este ressentimento, falando com a mãe de uma maneira desrespeitosa. Era preferível que a mãe nem mesmo tivesse pedido ao filho para ir ao mercado, pois algo que começou como um ato de respeito do filho acabou se transformando em uma terrível demonstração de desrespeito.

Mas há uma maneira como a mãe poderia ter feito para que o filho não ficasse ressentido. Se ela tivesse oferecido algum tipo de prêmio para cada vez que ele fosse ao mercado, ele certamente não se incomodaria de ir tantas vezes, ao contrário, faria a tarefa com alegria, pois saberia que em cada uma das vezes estava ganhando algo, não apenas perdendo seu tempo.

Este conceito se aplica ao cumprimento de qualquer tarefa. Quanto mais tempo a pessoa cumpre uma tarefa com algum tipo de incômodo ou resistência, mais relutante ela ficará. Aos poucos ela chegará ao ponto de se ressentir tanto desta tarefa que poderá até mesmo chegar a odiar seu cumprimento. Entretanto, algum tipo de incentivo pode aliviar sua relutância, e pode até mesmo levá-la a sentir prazer com o cumprimento desta tarefa.

Ensina o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) que é muito importante criar incentivos para estimular as crianças, como dar doces, quando elas fazem uma Mitzvá, pois assim elas vão associar a experiência de cumprir Mitzvót com algo positivo e gostoso, não algo pesado e difícil. Esta é a explicação do "homem das balas" que existe em muitas sinagogas no Shabat. A experiência já demonstrou que se forçarmos uma criança a ir para a sinagoga e a criança sair com um sentimento negativo, no momento em que os pais já não tiverem mais controle sobre o filho, ele deixará de frequentar a sinagoga. Mas ao contrário, se as crianças considerarem a experiência positiva e gostosa, mesmo que seja pelas razões incorretas, é muito provável que elas continuarão a ir à sinagoga, com grandes chances de que, ao amadurecerem, frequentarão a sinagoga com gosto e pelos motivos corretos.

Já a pessoa que cumpre uma Mitzvá com as motivações corretas, porém a cumpre de maneira desleixada, isto indica que ela está cumprindo a Mitzvá com algum nível de resistência. Esta resistência pode ir crescendo até chegar ao ponto da pessoa odiar cumprir a Mitzvá. É por isso que o Midrash comparou uma Mitzvá feita sem agilidade ao Chametz, pois da mesma forma que o Chametz é uma Mitzvá nula, assim também será, no fim das contas, a Mitzvá daquele que a cumpre de maneira desleixada, pois ele acabará até mesmo odiando cumpri-la. Por outro lado, se a pessoa cumpre as Mitzvót com entusiasmo, ela vai chegar ao nível de amar o cumprimento desta Mitzvá, mesmo que o entusiasmo seja inicialmente gerado por recompensas ou incentivos. É por isso que o Talmud incentiva o cumprimento das Mitzvót mesmo que seja inicialmente pela motivação incorreta.


Devemos chegar ao nível de cumprir as Mitzvót pelo simples fato de D'us, o nosso Criador, ter nos comandado. Porém, como combustível motivador, podemos usar o conceito de que cada Mitzvá e cada bom ato nos ajuda a construir um pouco do nosso Mundo Vindouro. Assim saberemos dar mais valor para cada oportunidade de Mitzvá quer surgir na nossa frente, pois esta vida é limitada e passageira, mas o Mundo Vindouro, criado com cada Mitzvá e bom ato, será para toda a eternidade.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 10:1-13:16, Je 46:13-28

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

QUEM CONTROLA O UNIVERSO - PARASHAT VAERÁ 5776

"O Rav Fischel Schachter conta a história de uma mulher, sobrevivente do Holocausto, que se estabeleceu nos Estados Unidos depois da guerra. Ela se casou, mas doze anos se passaram e ela não conseguia ter filhos. Certo dia, sentada em um consultório médico na Madison Avenue, em Manhattan, ela escutou algo que a abalou profundamente. O médico, um grande especialista em fertilização, disse após revisar seus exames:

- Senhora, vou dizer algo duro, mas que é para o seu bem. Acho que você deveria desistir. Medicamente falando, não há mais nada que possamos fazer. É mais fácil crescer cabelo na palma da minha mão do que você ter um filho.

A mulher saiu de lá completamente arrasada. Ela entrou em um ônibus na Madison Avenue e, durante o trajeto, foi relembrando de detalhes da sua vida. Recordou os horrores que passou ainda jovem na Polônia, quando perdeu todos os parentes, arrastados de casa e assassinados pelos nazistas diante dos seus olhos. Quando ela chegou aos Estados Unidos, completamente sozinha, ela queria desesperadamente começar uma nova família. Porém, depois de doze longos anos, suas esperanças estavam despedaçadas. Ela não tinha nem mesmo vontade de descer do ônibus, queria ficar ali para sempre. Ficou dando voltas pela cidade o dia inteiro, perdida em seus pensamentos. Finalmente, já tarde da noite, o motorista informou que já estava voltando para a garagem e que ela precisava descer do ônibus. A mulher disse, em voz baixa, que não queria descer, pois não tinha mais razão para viver. O motorista, já estressado após um longo dia de trabalho, disse:

- Escute, senhora. Eu tive um dia duro, estou cansado. Eu não sei qual é o seu problema, mas certamente você não vai resolvê-lo ficando aqui neste ônibus.

Cabisbaixa e envergonhada, ela desceu do ônibus e começou a caminhar. De repente ela parou e, com os olhos cheios de lágrimas, olhou para o céu e disse:

- D'us, Você sempre esteve comigo o tempo todo.  Você salvou minha vida inúmeras vezes. Você me trouxe até aqui e me permitiu recomeçar a minha vida. Está tudo em Suas mãos, e eu sei que não tenho o direito de desistir. O motorista do ônibus está certo, Você não salvou minha vida para eu viver no ônibus da Madison Avenue. Por favor, me diga o que fazer. Eu não vou desistir. Vou continuar Te servindo, D'us, não importa o que aconteça.

Um ano depois ela milagrosamente teve um filho. E muito tempo depois, no momento em que faleceu, ela havia deixado no mundo bisnetos suficientes para fazer o cabelo daquele médico da Madison Avenue ficar de pé".

O Rav Fischel Schachter, quando conta esta história, afirma que ouviu tudo diretamente da boca desta mulher, que ele conhecia muito bem. Era sua própria mãe, e ele é aquele bebê milagroso. Ele conta esta história como um ensinamento de que devemos sempre confiar em D'us, não importa o quanto algo possa parecer impossível.   
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Nesta semana lemos a Parashá Vaerá, que começa a descrever algumas das dez pragas com as quais D'us castigou os egípcios e que culminaram com a libertação do povo judeu de mais de dois séculos de escravidão. Mas se pararmos para refletir sobre estas dez pragas, surge uma grande pergunta. Sabemos que se D'us quisesse, uma única praga teria sido suficiente para quebrar a arrogância e a obstinação do Faraó. Bastaria D'us ter aumentado a intensidade ou a duração de qualquer uma das pragas até o ponto em que o Faraó não pudesse mais suportar. Então por que D'us mandou dez pragas, além de tantos outros milagres e sinais que Ele fez diante dos olhos dos egípcios?

Respondem os nossos sábios que realmente D'us não precisava ter feito tantos milagres, mas um dos motivos pelos quais Ele fez foi para responder um questionamento do Faraó. Quando Moshé foi, em nome de D'us, pedir ao Faraó para que ele libertasse o povo judeu, o Faraó respondeu: "Quem é D'us, para que eu escute Sua voz e envie o povo de Israel? Não conheço D'us" (Shemot 5:2). Foi por isso que D'us mandou as dez pragas e outros tantos milagres, para mostrar ao Faraó quem Ele era e qual era o tamanho da Sua força. Foi uma forma de divulgar o poder e o controle que D'us tem sobre o mundo, como está escrito: "Pois agora Eu poderia ter estendido Minha mão e golpeado você (Faraó) e seu povo com a peste, e vocês seriam exterminados da terra. Mas por causa disso Eu te fiz aguentar, para te mostrar a Minha força e para que Meu Nome seja declarado sobre toda a terra" (Shemot 9:15).

Explica o Rav Yaacov Kanievsky zt"l (Ucrânia, 1899 - Israel, 1985), mais conhecido como Steipler, que a praga do sangue demonstrou o controle de D'us sobre as águas, em especial pelo fato da água dos egípcios ter se transformado em sangue, enquanto a água dos judeu ter continuado normal. Na praga dos sapos D'us demonstrou Seu controle sobre as criaturas que vivem na água, e os sapos somente incomodaram os egípcios. Com a praga das feras selvagens D'us demonstrou Seu controle também sobre os animais da terra, que somente atacaram egípcios. Na praga dos gafanhotos D'us demonstrou Seu controle sobre todas as criaturas que voam, além de demonstrar o controle dos ventos, pois os gafanhotos foram trazidos através de um forte vento leste, e foram removidos com um forte vento oeste. O mais interessante é que nenhuma destas pragas atingiu os judeus, apesar deles viveram na cidade de Goshen e serem vizinhos dos egípcios, demonstrando que D'us controla com Supervisão Particular e detalhada até mesmo o que acontece com cada gafanhoto do mundo.

Mas as lições de D'us não pararam por aí. Com a peste que atingiu os animais egípcios, D'us demonstrou o controle sobre a vida de todos os animais, e nenhum animal dos judeus foi atingido. Com a praga da morte dos primogênitos D'us demonstrou que controla também a vida dos seres humanos, pois entre os egípcios apenas os primogênitos morreram, e todos ao mesmo tempo, conforme Moshé havia advertido o Faraó, enquanto nenhum primogênito judeu morreu. Na praga dos piolhos D'us demonstrou o controle sobre a terra, pois o pó da terra se transformou em piolhos, e eles atacaram apenas os egípcios.

O Faraó também aprendeu, de maneira dolorosa, o controle de D'us em outras áreas. A praga da sarna demonstrou o controle de D'us sobre a saúde e as doenças que afligem o ser humano, pois enquanto os egípcios sofreram na pele a praga da sarna, os judeus não foram atingidos. Na praga da escuridão D'us demonstrou que é Ele quem ilumina o mundo, e apenas pelo Seu decreto que os corpos celestes iluminam a Terra. A mesma luz que iluminava os judeus em Goshen não chegava aos egípcios, que estavam imersos na escuridão. E finalmente a praga do granizo demonstrou o controle de D'us sobre as chuvas, o granizo e o fogo. Esta praga demonstrou que as chuvas não são apenas um fenômeno que ocorre por forças da natureza, e sim pelo decreto de D'us. E é apenas a vontade de D'us que pode transformar a chuva em granizo, e que pode fazer a "paz" entre a água e o fogo, dois elementos que normalmente se anulam, mas que se uniram nesta praga para cumprir o decreto de D'us.

O Faraó questionou quem é D'us e até onde chega Sua força, e D'us respondeu de forma detalhada. Até mesmo no momento em que o povo judeu saiu do Egito, outro milagre demonstrou Sua força e Seu poder. D'us ordenou aos judeus que pedissem aos seus vizinhos egípcios objetos de ouro, de prata e roupas finas. Os egípcios deveriam estar odiando os judeus com todas as suas forças, pois sabiam que era por causa dos judeus que eles estavam sofrendo de maneira tão intensa e dolorosa. Mas D'us fez com que os judeus encontrassem graça aos olhos dos egípcios e eles deram seus objetos preciosos de boa vontade aos judeus, apesar de logicamente não terem vontade de fazer isso, demonstrando que D'us tem controle até mesmo sobre as emoções das pessoas.

Na abertura do mar novamente o poder de D'us foi ressaltado aos olhos dos egípcios, para ser divulgado para todas as nações do mundo, em todas as gerações. A água, que deveria fluir, se abriu e formou duas muralhas firmes, permitindo aos judeus atravessarem em terra firme, e voltou ao seu estado natural no momento em que os egípcios foram atravessar o mar. As rodas das poderosas carruagens de guerra dos egípcios foram derretidas, mas o mesmo fogo que derreteu as rodas não consumiu as outras partes das carruagens, demonstrando que na realidade não é por causa das forças da natureza que o fogo queima, e sim por esta ser a vontade de D'us.

O Faraó poderia ter recebido sua resposta de maneira menos dolorosa. Como Avraham Avinu, ele poderia ter aprendido sobre o poder e o controle de D'us simplesmente observando a perfeição de tudo o que Ele criou. De acordo com o livro "Chovót HaLevavót" (Os deveres do coração), a melhor maneira de desenvolver a nossa Emuná (fé) é observando e refletindo sobre a perfeição das criações de D'us. É isto o que o Faraó deveria ter feito, e assim poderia ter entendido quem é D'us e até onde chega a Sua força. 
Mas a lição não fica apenas para o Faraó, é uma lição eterna, para cada um de nós. Há momentos em nossas vidas em que nossas esperanças são despedaçadas, e tudo em que estávamos apostando parece de repente se perder. Nesses momentos podemos facilmente cair em desespero e nos sentir abandonados. Mas não devemos desistir. Devemos, em vez disso, dizer: "D'us, eu não entendo, mas sei que tudo na minha vida está em Suas mãos. Vou tentar o meu melhor para ter sucesso, mesmo nestas condições difíceis nas quais Você me colocou, pois Você sabe o que é melhor para mim". Se conseguirmos agir desta maneira, desenvolveremos nossa Emuná e abriremos as portas para recebermos Brachót que nunca chegariam até nós de outra forma. Pois o mesmo D'us que fez cada uma das dez pragas milagrosas, com Supervisão Particular e detalhada, atingindo os egípcios e poupando os judeus, é o D'us que cuida de nossas vidas.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 6:2-9:35, Ez. 28:25-29:21


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

CÁLCULOS HUMANOS x CÁLCULOS DIVINOS - PARASHAT SHEMOT 5776

No inverno de 1892, uma enorme sombra recaiu sobre o povo judeu. A Yeshivá de Vologin, uma das mais proeminentes Yeshivót da época, um modelo de Torá em toda a Europa, estava em perigo. Naquela época, o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) era o Rav Naftali Tzvi Yehuda Berlin zt"l (Rússia, 1816 - Polônia, 1893), mais conhecido como Netziv, um gigante de Torá. As autoridades russas, querendo arrancar a Torá do povo judeu, decretaram que na Yeshivá de Vologin fosse ensinado diariamente duas horas de estudos não judaicos. Junto com o decreto veio uma ameaça: se a diretoria se recusasse a cumprir a ordem das autoridades, a Yeshivá seria fechada.

O Netziv não quis receber sobre si a responsabilidade de decidir sozinho algo tão importante. Ele reuniu os maiores sábios de Torá da Europa em um encontro especialmente dedicado a discutir aquele assunto. A discussão foi difícil, pois havia muitos prós e contras para os dois lados. Todos concordavam que seria algo muito negativo incluir as duas horas de estudos não judaicos em uma Yeshivá, mas muitos consideravam que ainda assim o prejuízo seria menor do que fechar completamente a Yeshivá. Até que o Rav Yossef Dov Halevi Soloveitchik (Império Russo, 1820 - 1892), mais conhecido como Beis Halevi, com lágrimas nos olhos, pediu a palavra. Emocionado, ele falou:

- É verdade que temos a obrigação de manter a Torá com toda a sua força e cultivar cada vez mais alunos, para que possamos transmitir a Torá às próximas gerações. Mas isto deve ser feito da maneira como ensinaram nossos antepassados. Agora que as autoridades querem nos obrigar a ensinar a Torá de novas formas, a responsabilidade não recai mais sobre nós. Devolveremos o problema Àquele quem nos deu a Torá, para que Ele faça o que achar o melhor. Portanto, eu decido que, de acordo com os ensinamentos da Torá, a Yeshivá deve ser fechada.

E assim realmente aconteceu. A Yeshivá de Vologin, o maior modelo de estudo de Torá da Europa, foi fechada. Mas explica o Rav Isroel Meir HaCohen zt"l (Bieloríssia, 1838 - Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, que a história não terminou aqui. Se a Yeshivá de Vologin tivesse decidido continuar com as condições impostas pelas autoridades russas, provavelmente a Torá da nossa geração teria sido esquecida. Esta é a forma de atuação do Yetser Hará (má inclinação): primeiro a Yeshivá abriria uma exceção ao permitir duas horas de estudos não judaicos, mas com o tempo provavelmente a situação se inverteria e restaria apenas duas horas de estudo de Torá. Porém, como o Netziv teve a coragem de fazer o que era correto, a Torá encontrou outros caminhos para sua continuidade. Naquela mesma época foram abertas muitas Yeshivót na Lituânia e na Polônia, que produziram os novos gigantes de Torá da geração. A Torá é como um manancial de água, pois mesmo que alguém tampe sua saída em um lugar, ela encontrará seus caminhos para fluir em outro lugar. 
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Nesta semana começamos o segundo livro da Torá, Shemot, que descreve a terrível escravidão do povo judeu no Egito, após a morte de Yaacov e seus filhos. A Parashá desta semana, Shemot, também descreve o nascimento de Moshé, o homem que, sob o comando de D'us, fez enormes milagres e salvou o povo judeu da escravidão.

Durante a descrição dos duros decretos do Faraó contra o povo judeu, há um versículo que nos chama a atenção: "E foi um homem da casa de Levi e tomou para si uma filha de Levi. E a mulher engravidou e deu a luz a um filho" (Shemot 2:1,2). O homem descrito neste versículo era Amram, o líder do povo judeu e um grande Tzadik (Justo). A mulher descrita no versículo era Yocheved, uma mulher corajosa que constantemente arriscava sua vida e enfrentava o temível Faraó para salvar os bebês do povo judeu. E o bebê que nasceu era Moshé Rabeinu, nosso grande salvador. Porém, o que significam as palavras "e foi um homem"? Para onde Amram foi?

Explica o Talmud (Sotá 12a) que "e foi um homem" refere-se a Amram ter ido de acordo com o conselho de sua filha, Miriam. Apesar de ser uma criança, Miriam já tinha uma sabedoria acima do normal. Durante os anos de escravidão, os egípcios eram extremamente cruéis e causavam muitos sofrimentos aos judeus, com terríveis castigos físicos e psicológicos. Além disso, os astrólogos do Faraó haviam previsto o nascimento do salvador do povo judeu, mas também viram que este salvador seria punido através das águas (o que realmente ocorreu quando Moshé, ao invés de pedir água para a pedra, golpeou-a, sendo castigado por este ato com a proibição de entrar na Terra de Israel). Ao escutar a temerosa notícia de que o salvador do povo judeu estava para nascer, o Faraó decretou que todos os bebês que nascessem fossem atirados ao rio. Amram, ao perceber que não havia sentido em trazer filhos ao mundo naquelas condições, decidiu se separar de sua esposa Yocheved. Como ele era o líder da geração, sua atitude serviu como exemplo para o resto do povo, e todos se divorciaram de suas esposas para não terem mais filhos.

Foi neste contexto que Miriam quis aconselhar seu pai. Ela percebeu que seu pai havia cometido um grave equívoco ao se divorciar, e demonstrou racionalmente que ele estava causando ao povo judeu algo ainda mais duro do que o próprio decreto do Faraó. Em primeiro lugar, pois o Faraó havia feito um decreto que atingia apenas os homens, mas Amram havia decretado algo que afetava tanto os homens quanto as mulheres. Além disso, o Faraó havia decretado a morte dos judeus apenas no Olam Hazé (mundo material), enquanto Amram havia decretado a morte dos judeus no Olam Hazé e no Olam Habá (Mundo Vindouro), pois a única maneira de chegar ao Olam Habá é passando pelo Olam Hazé.

A grandeza de Amram foi demonstrada através de sua enorme humildade. Mesmo que o conselho vinha de uma criança, de sua própria filha, ele percebeu que ela tinha razão e se arrependeu de seu erro, imediatamente casando-se novamente com sua esposa. É justamente sobre este novo casamento de Amram e Yocheved que descreve o versículo antes do nascimento de Moshé. Mas o que Miriam havia entendido que até mesmo Amram, o líder do povo judeu, não havia? De acordo com a lógica humana, Amram parecia estar certo. Os judeus já estavam há quase dois séculos imersos em terríveis sofrimentos, então por que ter filhos em um mundo tão cruel, sem esperanças de melhorias? Afinal, qual foi o erro de Amram?

O Tanach traz outro grande Tzadik que cometeu um erro parecido. O Rei Chizkiahu ficou doente e sentiu que suas forças diminuíam a cada dia. Ele recebeu a visita do profeta Yeshaiahu, que vinha trazer uma mensagem de D'us: a morte do rei se aproximava, e ele também perderia o Mundo Vindouro. Mas o Rei Chizkiahu era uma pessoa muito correta e não entendeu porque merecia um castigo assim tão duro. O profeta explicou que Chizkiahu estava sendo punido por nunca ter se casado. Porém, Chizkiahu explicou que havia um forte motivo para esta sua decisão. Ele sabia profeticamente que seu filho seria uma grande Rashá (malvado), e por isso quis evitar a vinda de alguém tão ruim ao mundo. O profeta explicou para ele que, a partir do momento em que D'us havia dado aos seres humanos a Mitzvá de "Pru Urvu" (crescer e multiplicar), não temos o direito de fazer cálculos sobre as consequências desta Mitzvá. Chizkiahu entendeu seu erro, escutou as palavras do profeta e se arrependeu de uma maneira tão sincera que D'us o perdoou e lhe acrescentou ainda muitos anos de vida.

Explica o Chafetz Chaim que muitas pessoas em nossa história, mesmo sendo Tzadikim e grandes em Torá, acabaram cometendo este tipo de erro. Os casos de Amram e Chizkiahu nos ensinam algo muito importante em relação ao ser humano e suas obrigações. Não temos a permissão de querer analisar tudo o que ocorre de acordo com a nossa lógica e entendimento, e direcionar nossas vidas de acordo com os nossos sentimentos. Mesmo quando queremos fazer "melhor do que D'us pediu", isto é, mesmo quando somos sinceros e realmente queremos fazer o que é correto de acordo com o nosso entendimento, mesmo assim devemos sempre lembrar o quanto somos limitados, pois o ser humano somente consegue enxergar as consequências dos seus atos a curto prazo, enquanto D'us consegue enxergar tudo a longo prazo. Quando D'us nos comanda algo, não há lugar para questionamentos nem cálculos racionais.

Dizemos todos os dias na nossa reza da manhã: "Muitos são os pensamentos no coração do ser humano, mas é a vontade de D'us que sempre se cumpre", e a Torá nos traz muitos exemplos práticos deste conceito espiritual. O Faraó decretou que todos os bebês homens fossem atirados no rio, inclusive os bebês egípcios, pelo medo de que o salvador do povo judeu nasceria naquele momento. Mas foi justamente este decreto que fez com que Batia, a filha do Faraó, encontrasse Moshé dentro da cestinha e o criasse dentro do palácio real, sendo alimentado e protegido pelo mesmo Faraó que fez de tudo para exterminá-lo. Quando Yossef foi vendido pelos seus irmãos ao Egito, parecia algo terrível, uma tragédia, mas na verdade era a preparação para a salvação do povo judeu, pois Yossef conseguiu acabar com a fome que mataria sua família. Já a ida de Yaacov para o Egito, para reencontrar Yossef depois de 22 anos, parecia algo bom e feliz, mas na realidade era o início do exílio do povo judeu, a preparação para a terrível escravidão que viria. E se pararmos para refletir, perceberemos algo ainda mais incrível. Miriam e seu conselho estão por trás do próprio nascimento de Moshé, o salvador do povo judeu, o que Amram teria evitado caso não tivesse se casado novamente com Yocheved. Isso demonstra o quanto somos limitados e que apenas D'us, que controla tudo, sabe exatamente os impactos e as consequências de cada pequeno acontecimento.


A Parashá Shemot é um grande ensinamento de que os atos e artimanhas do ser humano na realidade não conseguem causar nenhum impacto real nos decretos Divinos. Como ensinam os nossos sábios: "A Teshuvá (arrependimento), a Tefilá (reza) e os atos de Tzedaká (caridade) podem mudar um Decreto Celestial". Todos os nossos outros atos são apenas para despertar a Misericórdia Divina. Quando insistimos em fazer cálculos e ir contra a vontade de D'us, não apenas não alcançamos nosso objetivo, mas também as consequências muitas vezes saem ao contrário do que planejávamos, como ocorreu com o Faraó. Isto nos ensina a cumprirmos a vontade de D'us, mesmo quando possa parecer ilógico, pois apesar dos nossos esforços, no final será a vontade Dele que se cumprirá.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
ÊXODO l:1-6:1, Is. 27:6-28:13, 29:22-23