sexta-feira, 26 de julho de 2013

O MOMENTO MAIS IMPORTANTE É AGORA – PARASHÁ EKEV

 
Esta declaração, feita por um paciente terminal de 70 anos que estava internado na UTI, foi publicada em um jornal americano:

"Meu primeiro sonho foi terminar a escola. Eu imaginava que somente quando as pessoas entravam na faculdade e começavam as festas e os namoros é que a vida realmente começava. Meu segundo sonho foi terminar a faculdade, pois eu já me imaginava trabalhando, comprando meu primeiro carro. Meu próximo sonho foi estar casado, pois eu via as pessoas mais velhas casando e me imaginava casado com uma bela esposa e sabia que somente assim eu realmente seria feliz. Depois do casamento eu comecei a sonhar com a alegria verdadeira que seria quando eu tivesse filhos. Então eu comecei a sonhar como seria bom quando eles crescessem e se casassem, quando eu poderia relaxar um pouco. Finalmente meu sonho foi a felicidade que viria com a tão esperada aposentadoria. Só agora, que eu estou morrendo, percebo que nunca vivi de verdade. Eu vivi uma ilusão"

Para realmente aproveitarmos cada segundo de nossas vidas neste mundo, há uma lição muito importante que devemos aprender: devemos estimar o momento em que estamos vivendo agora, ao invés de viver olhando sempre para algo no futuro.

 ********************************************

Há milênios o ser humano se questiona: qual o nosso papel neste mundo? O que exatamente o Criador do mundo quer de cada um de nós? Na Parashá desta semana, Ekev, a Torá nos responde este questionamento em um único versículo: "E agora, Israel, o que Hashem, teu D'us, pede de você? Somente que tema a Hashem, teu D'us, ande nos Seus caminhos e O ame" (Devarim 10:12).

Mas este versículo levanta muitos questionamentos profundos. É fácil temer o guarda de trânsito, que pode nos dar uma multa por alta velocidade. É fácil amar nossos pais, que fazem tanto por nós. São coisas palpáveis, podemos vê-los, fazem parte da nossa realidade cotidiana. Mas como podemos sentir temor ou amor pelo Criador do mundo, com Quem não mantemos uma comunicação direta e Quem não podemos nem mesmo enxergar? E sendo tão difícil, por que a Torá diz "somente", como se fosse algo fácil de ser conseguido? Além disso, podemos entender que D'us nos comande Mitzvót que envolvam atos físicos, como colocar Tefilin ou acender as velas de Shabat. Mas como é possível D'us nos comandar um sentimento? Como podemos forçar uma emoção?

O Rambam (Maimônides) escreve que existe um caminho para amar e temer a D'us. Quando o ser humano reflete sobre Suas maravilhosas e impressionantes criações, onde podemos enxergar Sua infinita sabedoria, inevitavelmente ele chega a amar o Criador. E quando o ser humano percebe quanto D'us é grande e, ao contrário, o quanto nós somos pequenos e insignificantes diante do Criador do universo, inevitavelmente ele chegará ao temor pelo Criador.

É interessante observar que quando o Rambam fala sobre outras leis como, por exemplo, as leis de Tefilá (reza), ele não menciona sobre um "caminho". Por que? Pois em mandamentos que envolvem ações não é necessário um caminho e sim atos. Para fazer Tefilá é simples, basta abrir um livro de rezas e começar a rezar. Porém, quando se tratam de sentimentos, como amar e temer, o Rambam ressalta que a única maneira de cumprir a Mitzvá é através de um caminho, pois não há como obrigar uma emoção a não ser através de um processo que garanta alcançar este sentimento. Não se pode acordar um dia sentindo amor e temor por D'us. Mas quando o ser humano constantemente reflete sobre o Criador e Seus atos, com o tempo ele chegará inevitavelmente ao temor e ao amor. Pois apesar de D'us não poder ser enxergado ou tocado, Ele pode ser claramente sentido através de Seus atos.

E do conceito de que existe um "caminho" para atingir o temor e o amor por D'us aprendemos outro ponto importante. Nossa preocupação não pode ser em apenas atingir o objetivo final, pois o futuro está apenas nas mãos de D'us. O que está em nossas mãos é o caminho diário e contínuo de reflexão. É nisso que temos que concentrar o nosso foco, no nosso serviço diário. Com muita dedicação e perseverança os objetivos finais – amar e temer a D'us – certamente virão. Para alcançar os objetivos devemos apreciar os nossos esforços diários. Os resultados somente chegarão se sentirmos a alegria de estar construindo, passo a passo, o nosso objetivo. Por que está escrito "somente"? Pois adquirir o temor e o amor a D'us verdadeiro leva muito tempo, mas o que D'us espera de nós é o trabalho diário, nas coisas mais simples do cotidiano, que nos levarão ao nosso objetivo. Isto está ao alcance de todos nós.

Este conceito pode ser comparado à dois trabalhadores contratados para construir uma casa. Um deles somente enxerga a casa pronta e, portanto, cada tijolo que ele coloca é um peso, pois parece um ato pequeno. Já o outro enxerga que cada tijolo é parte do todo e, por isso, se alegra com cada pequeno pedaço de parede que aumenta. Para aquele que se alegra com cada tijolo, cada dia de empreitada é uma grande emoção e certamente a casa inteira chegará um dia a ser construída. Já para o outro, o trabalho diário é tão insuportável que dificilmente ele chegará até o fim da construção.

Existe um fenômeno estudado pela psicologia chamado "A depressão do Domingo à noite". Por que a maioria das pessoas sente esta angústia quando o final de semana chega ao fim? Pois ao invés de viver cada momento e crescer com cada oportunidade, nós vivemos para o próximo final de semana, para as próximas férias, para a aposentadoria. Vivemos pensando no futuro sem aproveitar o dia de hoje. O judaísmo nos ensina a dar valor para cada pequeno ato, para cada pequeno momento. Não vivemos para o fim de semana, vivemos para o agora. É preciso planejar nosso futuro, é preciso ter a vontade de chegar ao objetivo, mas sem esquecer-se de valorizar cada passo dado.

Um exemplo clássico é a educação dos filhos. Todos querem ser bons pais. Queremos educar nossos filhos para que eles nos amem e nos respeitem no futuro. Mas para conseguir isso é necessário gostar do que fazemos. Nos pequenos atos do cotidiano o relacionamento é criado. Uma boa conversa, escutar o filho lendo suas primeiras palavras, ensiná-lo a jogar futebol, levando-o para um passeio de Domingo. Se o pai não gosta de cada passo do "caminho", se para ele é um peso a educação do filho, é algo que ele quer se livrar logo, certamente nunca transmitirá amor ao filho e nunca se tornará o pai que gostaria de ter sido.

Em cada ato que fazemos na vida precisamos apreciar os processos e não apenas focar no objetivo final. Cada dia deve ser significativo, cada momento deve ser único e importante. É o que nos ensina Shlomo Hamelech (Rei Salomão): "A sabedoria está diante da pessoa com entendimento, mas os olhos do tolo estão direcionados ao fim da Terra" (Mishlei - Provérbios 17:24). A pessoa que valoriza cada instante é um sábio, enquanto aquela que foca apenas no objetivo final é um tolo, pois nunca conseguirá alcançá-lo. O tolo vê o tamanho de um livro e nem começa a ler, pois pensa que nunca conseguirá terminar. O sábio foca apenas na página que ele estuda hoje, e com perseverança e determinação ele conseguirá terminar o livro todo.

O dia de hoje é o mais importante de nossas vidas. Cada dia é valioso, cada pequeno ato é mais um tijolo que colocamos na nossa construção espiritual. Se fizermos com alegria e vontade, chegar ao amor e temor a D'us será algo fácil, como Moshé nos ensinou na Torá.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/search/label/Parash%C3%A1%20Eikev
Dt. 7:12-11:25, Is. 49:14-51:3, Ro. 8: 31-39

sexta-feira, 19 de julho de 2013

INVEJA, HONRA E DESEJOS – PARASHÁ VAETCHANAN 5773

 
"O Rav Yonatan Eibshitz, além de ser um grande e respeitado sábio de Torá, era também conselheiro particular do rei. Certa vez, quando passeava pelas ruas de Viena, o rei encontrou seu conselheiro e amigo. Após se cumprimentarem, o rei perguntou ao seu conselheiro para onde ele estava indo. O Rav Yonatan Eibshitz respondeu, com toda a franqueza:

- Não sei, Vossa majestade.

Os olhos do rei brilharam de raiva. Amigo ou não, mesmo sendo conselheiro do rei, como aquele homem ousava brincar com Sua Majestade? Irado, o rei ordenou aos seus guardas que levassem o conselheiro para a prisão. No final do dia, quando a fúria do rei já havia passado, ele pensou consigo mesmo: "Preciso conversar com meu conselheiro. Afinal, este homem é tão sábio e sempre me aconselha de maneira tão correta. Provavelmente sua intenção não foi de zombar do rei. Talvez haja uma explicação razoável para o seu comportamento". Decidiu então visitar o conselheiro em sua cela e questionar o seu comportamento.

- Como você ousou zombar do rei com tanto descaramento? – perguntou duramente o rei.

- D'us me livre, minha intenção nunca foi zombar de Vossa majestade – respondeu o Rav Yonatan Eibshitz, com expressão muito séria – mas o rei não perguntou para onde eu estava planejando ir, somente perguntou para onde eu estava indo. Eu realmente não sabia para onde estava indo. Isto ficou mais claro ainda agora. Veja, hoje de manhã eu tinha planejado ir para a sinagoga rezar e estudar, mas em vez disso eu vim para a prisão.

O rei sorriu e, mais uma vez, aprendeu uma enorme lição com seu sábio conselheiro"

Temos que lembrar sempre que é D'us que controla tudo o que acontece, cada pequeno detalhe. Mas apesar de não controlarmos nem mesmo nossa própria vida, muitas vezes achamos que podemos controlar também a vida dos outros.


********************************************

Na Parashá desta semana, Vaetchanan, a Torá lista novamente os Dez Mandamentos, que foram entregues a Moshé no Monte Sinai. Mas percebemos algo interessante quando observarmos atentamente os Mandamentos. No sétimo Mandamento está escrito: "Não cometerás adultério" (Devarim 5:17), enquanto no décimo Mandamento está escrito "Não cobiçarás a mulher do próximo, não desejarás a casa do próximo, nem seu campo, nem seu escravo..." (Devarim 5:18). Aparentemente estes dois Mandamentos estão ensinando a mesma coisa, pois se o sétimo Mandamento já proibiu o adultério, por que foi necessário escrever, no décimo Mandamento, a proibição de cobiçar a mulher do próximo?

Além disso, há uma diferença entre os dois Mandamentos. No Mandamento de "Não cometerás adultério", não está escrito "com a mulher do próximo", isto é, a Torá não escreve explicitamente que se trata de uma transgressão envolvendo uma mulher casada. Mas no Mandamento de "Não cobiçarás", a Torá enfatiza o status de casada da mulher desejada. Por que esta diferença?

Estes questionamentos se conectam, de maneira interessante, com os testes que Avraham Avinu passou na vida. Está escrito no Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas 5:3) que Avraham Avinu foi testado por 10 vezes e passou por todos os testes. Explica o Rambam (Maimônides) que o propósito de um teste é dar para a pessoa a consciência do seu próprio potencial. A partir do momento em que uma pessoa passou por um teste e percebeu seu potencial, não há mais nenhum sentido em repetir o mesmo teste. Mas sabemos que Sara foi raptada por duas vezes, uma vez pelo Faraó, rei do Egito, e outra vez por Avimelech, rei dos Plishtim. Segundo muitos comentaristas, cada sequestro de Sara é contado separadamente como um dos testes de Avraham. Mas se o Pirkei Avót diz explicitamente que ele teve sucesso nos 10 testes, então por que D'us fez com que ele passasse duas vezes pelo mesmo teste?

Podemos responder esta pergunta prestando atenção nos detalhes descritos em cada uma das vezes em que Sara foi sequestrada. Quando Avraham e Sara se aproximaram do Egito, ele pediu para que ela dissesse que era sua irmã, pois havia percebido o quanto a beleza de Sara contrastava com a das mulheres do Egito. Avraham notou que os egípcios eram tão dominados pelos seus desejos materiais que sua própria vida corria risco, pois os egípcios eram pessoas imorais e promíscuas, certamente estariam dispostos a matá-lo para ficar com sua esposa. E suas suspeitas se mostraram verdadeiras, pois logo que eles chegaram ao Egito, Sara foi sequestrada por oficiais egípcios e entregue ao Faraó. Já nos versículos que descrevem o sequestro de Sara pelo rei Avimelech, não há menção da beleza de Sara ter sido o fator motivador da transgressão. Explica o Rav Nissim, mais conhecido como Ran, que o sequestro foi motivado pelo desejo de Elimelech de incorporar um membro da família de Avraham em sua casa. Avimelech sequestrou Sara motivado pelo desejo de poder e dominação. Ele estava usando seu poder de rei para afirmar-se sobre Avraham, tomando à força um membro de sua família como sua esposa.

Portanto, os dois sequestros de Sara são dois testes diferentes de Avraham, pois desenvolveram diferentes sensibilidades nele. A vítima do primeiro sequestro era Sara, e o teste de Avraham era a maneira como ele reagiria à perda de sua amada esposa. Já a vítima do segundo sequestro era Avraham, sobre quem Avimelech estava tentando exercer seu poder e controle, um teste completamente diferente. Os próprios nomes dos reis representam a motivação de cada um deles. O nome "Faraó", em hebraico, vem da raiz "Parua", que significa "nu, imoral", enquanto o nome "Avimelech" significa "o pai do poder".

Esta explicação nos ajuda a entender que há uma diferença entre o sétimo e o décimo Mandamentos. Explica o Rav Yochanan Zweig que o adultério pode ocorrer por dois motivos diferentes: pode ser por um desejo descontrolado, uma atração física muito forte, como aconteceu com o Faraó, mas também pode ser pelo desejo de exercer controle sobre o marido da mulher casada, como aconteceu com Avimelech. O décimo Mandamento, "Não cobiçarás", está enfatizando a proibição de controlar outra pessoa. Por isso, neste Mandamento a Torá lista as coisas com as quais a pessoa cria mais conexão: sua esposa, sua casa, seu campo e seus escravos. A Torá também ressalta neste Mandamento o status de comprometimento da mulher, pois este é o fator motivador da transgressão, isto é, a vontade de exercer controle sobre o próximo. Já o sétimo Mandamento se refere ao ato de adultério motivado pelo desejo físico. Por isso, embora a transgressão só ocorra realmente se a mulher for casada, o status marital da esposa é deixado de lado e não é nem mesmo mencionado, pois o fator motivador principal, neste caso, é a busca por desejos.

Estamos acostumados a ver o invejoso apenas como alguém que está insatisfeito com o que tem e quer tirar o que é do outro. Mas a Parashá nos ensina algo impressionante: a inveja também é motivada pela vontade de querer controlar o próximo, envolve também a utilização do poder e da influência para dominar e controlar outras pessoas. Este sentimento vem da falta de entendimento de que o mundo tem um Criador, que criou e mantém o mundo a cada instante com supervisão particular. Vem da prepotência de pensar que somos nós que temos o controle. Pois aquele que sabe que nem mesmo da sua própria vida ele tem controle, como vai querer controlar a vida dos outros?

Novamente vemos a grandeza dos ensinamentos dos nossos sábios, que declararam: "A inveja, a busca pelos desejos e a honra tiram a pessoa do mundo" (Pirkei Avót 4:28). Estas são três transgressões tão terríveis que fazem com que a pessoa se desvie, perdendo o seu mundo material e seu mundo espiritual. Perdem o seu mundo material, pois se autodestroem com atos motivados por sentimentos e desejos duvidosos. E perdem o seu mundo espiritual, pois acumulam transgressões. Não é por acaso que os Dez Mandamentos terminam com a inveja. O "Não cobiçarás" é tão forte que engloba todos os outros Mandamentos anteriores. Quem sente inveja pode acabar roubando, matando e até mesmo cometendo idolatria. Pois não há idolatria pior do que pensar que somos nós que estamos no controle, e não D'us.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 3:23·7:11, Is. 40:1-26, Mc. 12: 28-34 (Shabat Nachamú)

sexta-feira, 12 de julho de 2013

ÓDIO GRATUITO - PARASHÁ DEVARIM E TISHÁ BE AV 5773


Certa vez o Rav Elazar Menachem Man Shach zt"l, o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) da Yeshivá de Ponovitch, em Bnei Brak, e um dos maiores sábios de Torá de sua geração, pediu para que um de seus alunos, chamado Yaacov, fosse procurado na sinagoga e trazido para sua sala. Quando o jovem chegou, o Rav Shach perguntou a ele sobre um certo comentário feito por um grande sábio de Torá, e questionou se o rapaz sabia onde este comentário poderia ser encontrado, já que ele não o estava encontrando. O jovem, muito contente de poder ajudar o Rosh Yeshivá, explicou onde se encontrava aquele comentário.

A história se espalhou por toda a Yeshivá, dando a Yaacov um novo status. Ele havia sido chamado pessoalmente pelo Rosh Yeshivá, um dos maiores rabinos da geração, para responder uma dúvida de Torá! As pessoas passaram a olhá-lo com respeito e admiração. Porém, a história não conseguiu "enganar" a todos. Uma pessoa muito próxima do Rav Shach, que o conhecia profundamente, sabia que ele tinha um conhecimento gigantesco da Torá e que aquele comentário questionado ao aluno certamente já era do seu conhecimento. Então por que ele havia chamado um dos alunos para responder algo que ele certamente sabia responder sozinho? Curioso, ele foi até o Rav Shach questionar sua conduta. O Rav Shach, ao ter seu "plano" descoberto por seu amigo, abriu um sorriso e explicou:
- É verdade, você tem razão, eu sabia onde estava aquele comentário. Mas eu tive um bom motivo para fazer isso. Aquele jovem que eu chamei, o Yaacov, estava noivo, porém recentemente seu noivado foi desfeito pela família da noiva. Eu tenho certeza de que isto destruiu sua autoestima, além de dificultar um futuro compromisso com outras moças. Eu o via nas aulas completamente quebrado e distante, e decidi que precisava fazer algo para ajudá-lo. Mas pelo seu estado, calculei que uma simples conversa de encorajamento não seria suficiente. Por isso eu mandei chamá-lo e perguntei algo que eu tinha certeza de que ele saberia responder, para fazer com que ele se sentisse bem e confiante. Além disso, as proporções públicas do acontecimento certamente o ajudarão a encontrar novamente uma boa moça para casar.

O Rav Shach estava certo. Depois de duas semanas o rapaz estava novamente noivo" (História Real, retirada do livro "Major Impact", de autoria do Rav Dovid Kaplan)
A grandeza dos nossos sábios pode ser verificada na sensibilidade em relação às necessidades do próximo. Não apenas na vontade de ajudar quando são procurados, mas até mesmo na sensibilidade de perceber quando a pessoa tem vergonha ou não sabe nem mesmo pedir ajuda. Este é um nível de amor ao próximo que todos nós devemos desejar atingir algum dia.

*******************************************
Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim. E na Parashá desta semana, Devarim, Moshé começa um longo discurso, relembrando os principais acontecimentos dos 40 anos no deserto e criticando alguns dos erros mais marcantes cometidos pelo povo judeu. Entre eles, o erro dos espiões, que ocorreu em Tishá be Av (dia nove do mês judaico de Av) e deixou esta data marcada para sempre. Como o povo judeu chorou sem razão, D'us prometeu que aquele dia se transformaria, durante toda nossa história, em um dia de choro e lamentações. E assim realmente aconteceu.

Na próxima segunda-feira de noite (15/07) começa Tishá Be Av, um dos dias mais tristes do ano. Exatamente neste dia nossos dois Templos Sagrados foram destruídos. Por isso, neste dia jejuamos e recitamos as "Kinót" (Lamentações), chorando pela enorme perda espiritual que sofremos. Mas por que chorar por algo que aconteceu há mais de 2000 anos? Nossos sábios ensinam que toda geração que não reconstruiu o Templo é como se o tivesse destruído. Isto quer dizer que estamos cometendo o mesmo erro que nossos antepassados cometeram e que causaram a destruição do Templo. Enquanto não consertarmos nossos atos, não teremos o mérito de reconstruir o nosso Templo.

Mas afinal, qual foi o erro do povo judeu que levou à destruição do Templo? Segundo o Talmud, no Tratado de Yomá (9b), nosso Segundo Templo foi destruído por causa do ódio gratuito que havia dentro do povo judeu, há mais de 2000 anos, e nunca mais foi reconstruído.

Porém, o próprio Talmud, no Tratado de Guitin (55b), dá outra explicação. O Talmud explica que Yerushalaim foi destruída por causa de um incidente que envolveu duas pessoas, Kamtza e Bar Kamtza. Uma pessoa era amiga de Kamtza e inimiga de Bar Kamtza. Ele mandou seu servo convidar Kamtza para um banquete, mas o servo se enganou e convidou Bar Kamtza. Quando o dono da festa viu Bar Kamtza, seu inimigo, sentado na mesa, ficou furioso e pediu para que ele fosse embora. Bar Kamtza, envergonhado, chegou a oferecer pagar todo o banquete para não ser humilhado em público, mas sua oferta não foi aceita e ele foi expulso. Indignado com o grande número de sábios que estavam presentes e não fizeram nada para evitar sua humilhação pública, Bar Kamtza caluniou os judeus às autoridades romanas, dando o início a vários eventos que culminaram com a destruição do Templo.

Desta fonte trazida pelo Talmud no Tratado de Guitin surgem dois questionamentos. Em primeiro lugar, por que está escrito que Jerusalém foi destruída por causa de Kamtza e Bar Kamtza? Segundo a história descrita pelo Talmud, a culpa foi apenas de Bar Kamtza, e Kamtza, cujo nome foi confundido, aparentemente em nada participou do problema. Então por que está escrito no Talmud que ele também teve culpa? Além disso, como entender a aparente contradição entre os motivos trazidos pelo Tratado de Yomá e o Tratado de Guitin? Em um está explícito que o motivo foi o ódio gratuito, enquanto no outro está explícito que o motivo foi a falta de preocupação com a honra do próximo. Qual a conexão entre estes dois motivos?

Explica o Rabino Yossef Chaim, mais conhecido como Ben Ish Chai, que Kamtza também estava presente no banquete. Mas apesar de testemunhar o que aconteceu com Bar Kamtza, ele se calou e não fez nada para ajudá-lo. Segundo o judaísmo, quando alguém tem a oportunidade de protestar contra uma injustiça e não o faz, é considerado como se ele mesmo tivesse cometido o mau ato. O Rav Shmuel Eidels, mais conhecido como Maharsho, vai além e explica que em hebraico a palavra "Bar" significa "filho". Bar Kamtza era, portanto, o filho de Kamtza. Sendo pai, certamente Kamtza sabia muito bem do ódio que havia entre seu filho e o dono da festa, mas não se esforçou para que houvesse paz entre eles. Por sua passividade, Kamtza é considerado como parcialmente responsável pela destruição do Templo, junto com todos os sábios que também estiveram presentes no banquete e não se levantaram para protestar contra a humilhação pública de Bar Kamtza.

Deste ensinamento do Talmud em Guitin aprendemos algo impressionante para nossas vidas. Quando escutamos o termo "ódio gratuito", imaginamos duas pessoas que se odeiam com todas as suas forças, ódio que muitas vezes pode levar até mesmo a agressões físicas. Mas a verdade é que o conceito de ódio gratuito é muito mais amplo, não se restringe somente a um ódio ativo. Não há contradição entre as duas explicações que o Talmud traz sobre o motivo da destruição do Templo. Passividade e falta de interesse nas necessidades do próximo também são consideradas ódio gratuito.

Este conceito pode ser aprendido da própria Torá. Segundo o Rav Tzadok HaCohen, a primeira vez em que uma palavra aparece na Torá define o seu verdadeiro significado. A primeira vez em que a raiz da palavra "Siná", que significa ódio, aparece na Torá, é em relação a um dos nossos patriarcas, Yaacov Avinu. Depois que Yaacov casou-se com Rachel e Lea, a Torá nos conta: "D'us viu que Lea era 'snuá' (literalmente, odiada)" (Bereshit 29:31). Mas como entender este versículo? Yaacov, um dos pilares espirituais do mundo, odiava sua própria esposa?

Responde o Ramban (Nachmanides) que antigamente, um homem tinha permissão de se casar com mais de uma mulher. E, entre duas esposas, aquela que ele menos amava era chamada de "snuá". Portanto, não quer dizer que Yaacov odiava Lea, simplesmente ele a amava menos do que sua esposa favorita, Rachel. Daqui aprendemos que a palavra "Siná" não necessariamente significa um ódio ativo. Ódio gratuito também se refere à falta de atenção para alguém que precisa, falta de amor entre as pessoas. A apatia diante de uma pessoa que está precisando de ajuda, a omissão diante de uma pessoa necessitada, também estão contidas no ódio gratuito. Se alguém na festa tivesse se levantado e lutado para evitar que uma injustiça acontecesse, o Templo não teria sido destruído. A indiferença das pessoas em relação às tragédias que ocorrem com os outros foi o que causou esta apatia e, consequentemente, a destruição.

Tishá Be Av é uma época de introspecção, um momento de refletirmos sobre os nossos erros. O fato de não termos o Beit Hamikdash nos nossos dias significa que continuamos cometendo o mesmo erro dos nossos antepassados. Isto significa que não nos esforçamos para sentir a dor do próximo, para ajudar aqueles que necessitam. A cura do ódio gratuito é o amor gratuito. Não precisamos esperar as pessoas virem pedir ajuda, precisamos desenvolver a sensibilidade de sentir quando uma pessoa precisa de auxílio, mesmo sem ela precisar falar nada. O coração de uma mãe sempre sabe quando um filho precisa de ajuda, pelo enorme amor que ela sente por ele. Assim precisamos nos esforçar para sentir a dor e a necessidade das outras pessoas.

Que possamos consertar nossos erros para que, neste próximo Tishá Be Av, ao invés de chorarmos pela destruição do nosso Templo, possamos nos alegrar pela sua reconstrução.

SHABAT SHALOM e TZOM KAL (Um jejum leve para todos)

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

DEUTERONÔMIO 1:1-3:22, Is.1:1-27, 1 Tm. 3: 1-7 (Shabat Chazon)

sábado, 6 de julho de 2013

MEDO DO CASTIGO - PARASHIÓT MATÓT E MASSEI 5773

Certa vez, em uma pequena cidade do interior, um grande incêndio se alastrou e começou a destruir as casas. As notícias do incêndio correram e chegaram à cidade vizinha, onde morava Alberto, o sobrinho de um dos moradores mais ricos daquela cidade. Quando ele escutou sobre o incêndio, imediatamente pediu ajuda a um amigo para tentar salvar a casa de seu tio da destruição. Correram o mais rápido que puderam para tentar chegar a tempo de ajudar.

Porém, quando Alberto chegou ao portão da casa de seu tio, viu que as coisas mais preciosas que ele tinha, como um antigo relógio de família, a caixa de joias de sua esposa e a sua coleção de moedas antigas, estavam espalhadas por todo o jardim. Alberto parou e, com tristeza, avisou ao amigo que de nada havia adiantado a corrida deles, pois haviam chegado tarde demais. Certamente o estrago já estava feito e a casa já havia sido completamente destruída pelo fogo.

Mas o amigo de Alberto não entendeu. Eles haviam chegado apenas até o portão da casa, não tinham nem visto se a casa havia sido atingida ou não. Como ele podia ter tanta certeza da destruição sem nem mesmo ter visto a casa do seu tio? Alberto explicou para ele:

- Normalmente, a pessoa guarda seus objetos mais valiosos nos lugares mais seguros dentro da casa. Mas podemos ver que os objetos mais valiosos estão completamente expostos, espalhados pelo jardim da casa. Isto significa que a casa já foi completamente consumida pelo fogo, e estas são as poucas coisas de valor que eles conseguiram salvar"

Explica o Chafetz Chaim que todo judeu tem uma "mansão" guardada para ele no Mundo Vindouro, que é construída através de cada bom ato e cada Mitzvá que ele cumpre na vida. Mas quando a pessoa se desvia do caminho correto, suas transgressões podem destruir sua "mansão espiritual". Ao viver apenas em busca do preenchimento dos seus desejos, a pessoa pode acabar com sua eternidade. E tudo o que restará a ela será aproveitar, ainda neste mundo, as poucas Mitzvót que ele conseguir salvar deste terrível "incêndio espiritual". Por isso, refletir sobre a consequência dos nossos maus atos nos ajuda a garantir a nossa eternidade.

********************************************

Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Matot e Massei, terminando o quarto livro da Torá, Bamidbar. Na Parashá Matót, a Torá fala, entre outros assuntos, sobre a guerra de vingança contra o povo de Midian e o pedido das tribos de Reuven e Gad para se estabelecerem do lado de fora da Terra de Israel. Já a Parashá Massei descreve as várias viagens que o povo judeu fez no deserto.

Também na Parashá Massei a Torá nos ensina qual a punição de uma pessoa que comete um assassinato não intencional. Por exemplo, se uma pessoa fosse cortar árvores e o machado escapasse de sua mão e atingisse letalmente outra pessoa, ela não era punida com a pena de morte, já que não havia a intenção de matar, mas deveria pagar pelo seu erro indo para o exílio. O exílio não poderia ser em qualquer lugar, havia cidades específicas para este fim, chamadas "Arei Miklat" (cidades de refúgio). O assassino não intencional precisava ir imediatamente para a cidade de refúgio e permanecer ali até a morte do Cohen Gadol (Sumo sacerdote).

Podemos perceber que estas cidades de refúgio envolvem dois conceitos diferentes: a salvação e o castigo. Por um lado, as cidades eram construídas pelo bem do assassino não intencional. De acordo com a Torá, apesar do assassinato não ter sido cometido com nenhuma má intenção, havia a permissão para que um parente do falecido vingasse a sua morte. Este parente era conhecido como "Goel HaDam" (vingador de sangue). Mas o assassino estava protegido dentro da cidade de refúgio, pois o "Goel HaDam" não tinha nenhuma permissão de causar qualquer mal ao transgressor lá dentro. A Torá exigia que os caminhos que levavam às cidades de refúgio fossem bem sinalizados, possibilitando que o assassino não intencional pudesse correr e salvar sua vida. Além disso, dois sábios de Torá acompanhavam o assassino não intencional até a cidade de refúgio, para acalmar e clamar pela sua vida caso o "Goel HaDam" o alcançasse no caminho. Portanto, as cidades de refúgio eram uma enorme bondade de D'us com o transgressor.

Mas, por outro lado, se o assassino saísse da cidade de refúgio, mesmo que por alguns poucos instantes, o "Goel HaDam" poderia matá-lo sem nenhum tipo de aviso ou advertência. A cidade de refúgio se tornava, portanto, uma prisão, um castigo para o transgressor. Não é contraditório que D'us por um lado se preocupe tanto com a vida do transgressor, mas que por outro lado mande um castigo tão duro, facilitando com que o "Goel HaDam" possa matá-lo caso ele apenas pise fora da cidade de refúgio?

A resposta começa em um dos fundamentos principais do judaísmo: nada acontece por acaso, tudo é supervisionado pelo Criador do mundo. Ninguém morre acidentalmente, tudo já está previsto e decretado. Se o machado voou da mão de uma pessoa e atingiu letalmente outra pessoa, é porque a outra pessoa já estava destinada a morrer naquele momento. Mas por outro lado, se uma pessoa mata outra, mesmo que não intencionalmente, isto significa que há algo de errado em sua alma. Por ela ter sido utilizada por D'us como um "instrumento" para cumprir uma pena de morte já decretada nos mundos espirituais, isto significa que esta pessoa perdeu a sensibilidade de qual o valor da vida.

Este era o motivo pelo qual o assassino deveria ficar na cidade de refúgio. Em primeiro lugar, o decreto espiritual de exílio era uma Kapará (expiação) pelo seu erro. Todo o sofrimento de estar longe da família e dos amigos limpava a sua alma do erro cometido. Além disso, nas cidades de refúgio morava a tribo de Levi, composta por pessoas que se dedicavam ao estudo de Torá e ao autoaprimoramento. A influência espiritual positiva da tribo de Levi ajudava a pessoa a crescer e a se arrepender dos erros que a levaram ao assassinato não intencional.

Mas se este conserto era tão importante para a alma do infrator, e D'us protegia tanto a vida dele para permitir que ele chegasse a esta cidade de refúgio, por que D'us permitiu ao "Goel HaDam" matá-lo caso saísse de lá, mesmo que só por alguns instante? Não era óbvio que a pessoa racionalmente gostaria de ficar ali, consertando seus erros e obtendo uma limpeza espiritual por sua terrível transgressão? Não era desnecessária esta ameaça à vida do assassino não intencional?

D'us criou todo o universo e, por isso, Ele conhece cada pequeno detalhe de cada uma de Suas criaturas. Ele sabe que no momento em que o transgressor sentisse saudades de sua família, ele teria vontade de sair da cidade de refúgio. Se não houvesse o medo do "Goel HaDam", no momento em que os desejos falassem mais alto, as suas convicções intelectuais seriam facilmente deixadas de lado. A ameaça do "Goel HaDam" era o que, na prática, mantinha a pessoa na cidade de refúgio, mesmo quando apertava a vontade de abandonar tudo e ir embora.

Este conceito ensinado na Parashá nos ajuda a entender algo que nos incomoda. Em geral, as pessoas não gostam de sentir medo. O medo inibe, assusta, trava. Mas sabemos que há na Torá inclusive uma Mitzvá de sentir medo: a Mitzvá de temer a D'us. O temor principal que precisamos sentir para cumprir esta Mitzvá é um temor mais elevado, chamado "Irat Haromemut", que se refere ao medo que devemos sentir por causa da grandeza de D'us. É um temor que vem do reconhecimento de quanto D'us é grande e perfeito, enquanto nós somos pequenos e imperfeitos. É um temor que vem junto com uma admiração. Mas existe também um nível de temor mais baixo, chamado "Irat HaOnesh", o medo do castigo. É o medo de que, se cometermos um erro, D'us nos punirá. Porém, se o principal temor para cumprir a Mitzvá de "temer a D'us" é o medo da grandeza Dele, para que serve este nível mais baixo de temor, o medo do castigo? Se o ideal é realmente sentir um temor que vem da admiração da grandeza de D'us, qual o benefício que nos traz sentir medo da punição?

Ensina o Rav Yaacov Kanievsky, mais conhecido com "Staipler", que muitas vezes uma pessoa sente uma forte atração e desejo para cometer uma transgressão. Neste momento, em que o Yetser Hará (má inclinação) está atacando a pessoa com força máxima, os desejos quase incontroláveis da pessoa entorpecem seu coração, a ponto da pessoa não levar em consideração as consequências espirituais negativas de seu ato. Por isto, a única coisa que realmente funciona neste momento é o medo do castigo, a pessoa se lembrar de que toda transgressão será duramente castigada. Este medo é o único freio que consegue parar a pessoa que está sendo levada atrás dos seus desejos. É por isso que quanto mais a pessoa internalizar as consequências negativas de suas transgressões, quanto mais ela refletir sobre o peso do castigo que virá caso cometa um erro, maior a chance de ela conseguir vencer suas tentações. Da mesma forma que o medo do "Goel HaDam" ajudava o assassino não intencional a vencer a sua vontade irracional de sair da cidade de refúgio, o que interromperia seu conserto espiritual, assim também o medo do castigo serve para nos despertar, quando o desejo fala mais alto do que as nossas convicções.

Por isso, o sentimento de medo não é algo negativo. Se o medo for mal utilizado, ele realmente nos bloqueia e não nos deixa crescer. Mas quando bem utilizado, o medo nos ajuda a cumprir a nossa missão neste mundo e a fugir dos erros e tentações que nos desviam. Como em uma escada, começamos a subir pelo primeiro degrau, o medo do castigo, para somente depois atingir o degrau mais alto, o medo da grandeza de D'us. Assim, poderemos utilizar o nosso medo para garantir que a nossa "mansão espiritual" estará guardada, são e salva, para quando chegar o momento de partir deste mundo.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 33:1-36:13, Je 2:4 – 28, 3:4, 4:1-2, Tg. 4:1-12