sexta-feira, 27 de março de 2015

SER HUMANO, UM PEQUENO GIGANTE - PARASHÁ TZAV 5775

"Certa vez um jovem de uma importante Yeshivá da Europa, que estava se tornando um grande estudioso da Torá e tinha excelentes traços de caráter, ficou noivo. No discurso de noivado ele fez vários agradecimentos, mas em especial agradeceu ao seu professor do 2° ano. Todos estranharam, pois não era muito comum o agradecimento a um professor que havia ensinado há tanto tempo. Mas o jovem explicou que somente por causa da sensibilidade daquele professor ele havia conseguido chegar até onde chegou. E, para que todos entendessem, contou uma história comovente.

Quando ele estava no 2° ano, na época com 7 anos, havia na classe um garoto de família muito rica. Certo dia este garoto rico levou para a escola um caríssimo relógio de pulso. As outras crianças ficaram com inveja, pois naquela época os relógios de pulso eram muitos raros, e nenhuma outra criança possuía um. Na hora do intervalo o garoto saiu para brincar e esqueceu o relógio em cima de sua mesa, mas quando voltou descobriu que o relógio havia desaparecido. Como suspeitaram que um dos colegas de classe havia roubado o relógio, o professor pediu para que todos se levantassem e ficassem de pé ao lado de suas carteiras, enquanto ele revistava os bolsos e as mochilas de cada aluno.

O noivo contou, com a voz emocionada, que ficou apavorado quando o professor começou a chegar perto, pois era ele quem havia roubado o relógio. Ele imaginava a humilhação pública que passaria quando fosse descoberto. Mas algo incrível aconteceu. Quando o professor aproximou-se dele e colocou a mão em seu bolso, encontrou o relógio. Porém, ao invés de anunciar que havia descoberto o ladrão, ele agiu com muita sabedoria. Sem ninguém perceber, escondeu o relógio dentro da manga do seu terno e continuou fingindo que procurava nos outros alunos. Quando terminou, ele voltou para seu lugar e anunciou:


- Eu encontrei o relógio. Mas ao contrário do que vocês imaginaram, não foi nenhum aluno desta sala que o roubou. Foi o Yetzer Hará (má inclinação), que entrou em um dos alunos e conseguiu convencê-lo a roubar o relógio. Mas como ele é um excelente menino, tenho certeza que de hoje em diante se o Yetzer Hará tentar convencê-lo a novamente fazer algo errado ele conseguirá juntar forças para vencê-lo.

Com sua incrível sensibilidade, o professor havia mudado a vida daquele rapaz. Quanta vergonha e humilhação ele poderia ter causado caso revelasse quem era o ladrão? Talvez o aluno até merecesse mesmo uma enorme bronca naquele momento, mas graças à misericórdia daquele professor, o jovem pôde continuar em um caminho correto e conseguiu chegar a ser um estudante de Torá de destaque.
 

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Na Parashá desta semana, Tzav, a Torá continua descrevendo alguns dos serviços executados no Mishkan (Templo Móvel) pelos Cohanim (sacerdotes). A Parashá começa descrevendo um dos serviços mais estranhos que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) fazia: o "Trumat HaDeshen", que consistia basicamente em limpar o Mizbeach (altar de sacrifícios). Os Korbanót, após serem abatidos, eram queimados durante todo o dia e parte da noite sobre o altar, acumulando uma grande quantidade de cinzas. O primeiro serviço matinal do Cohen Gadol era remover do Mizbeach as cinzas que haviam sobrado do dia anterior. Mas por que este serviço, aparentemente tão "baixo", era atribuído justamente ao Cohen Gadol, alguém espiritualmente tão elevado?

Explica o Rabeinu Bechaye (Espanha, 1255 - 1340) que este serviço demonstra o quanto devemos ser humildes diante de D'us, e mesmo o Cohen Gadol precisava se rebaixar e fazer um ato aparentemente degradante. O Rav Shlomo Ephraim (Polônia, 1550 - Praga, 1619), mais conhecido como Kli Yakar, ressalta que as cinzas eram um lembrete para o Cohen Gadol de que, apesar de seu elevado status, ele deveria se comportar com a mesma humildade de Avraham Avinu, que reconheceu o quanto o ser humano é pequeno e insignificante diante de D'us ao declarar: "E eu sou pó e cinzas" (Bereshit 18:27).

Há outro ensinamento que enfatiza a importância de reconhecer o quanto o ser humano é pequeno: "Saiba de onde você veio e para onde você vai... De onde você veio? De uma gota podre. E para onde você vai? Para um lugar de pó, vermes e larvas" (Pirkei Avót 3:1). Nossos sábios também ensinam: "Tenha um espírito muito muito humilde, pois a esperança do "Enosh" (ser humano) são as larvas" (Pirkei Avót 4:4).

Por outro lado, também há diversos ensinamentos dos nossos sábios que parecem ressaltar a grandeza inerente do ser humano. O Talmud (Sanhedrin 37a) afirma que aquele que salva uma única alma de Israel é considerado pela Torá como se tivesse salvado o mundo inteiro. Nossos sábios também ensinam: "O ser humano é muito precioso pois foi criado à Imagem [de D'us]" (Pirkei Avót 3:14).

Em uma análise superficial, parece que há uma enorme contradição entre os ensinamentos dos nossos sábios, pois de um lado parece que o homem é um ser muito elevado, mas de outro lado parece que o homem é um ser inferior. Como entender esta aparente contradição?

Explica o Rav Yehonasan Gefen que, na realidade, não há absolutamente nenhuma contradição, pois as diferentes opiniões refletem duas diferentes abordagens em relação ao status do ser humano. Enquanto uma abordagem foca no corpo do ser humano, caracterizado pelos desejos materiais mais baixos, a outra abordagem foca a alma do ser humano, cuja grandeza é incomparável.

Uma análise mais detalhada das fontes citadas pelos nossos sábios demonstra esta diferença de abordagem. O serviço de "Trumat HaDeshen" era um lembrete ao Cohen Gadol da natureza passageira do seu corpo, recordando-o que seu final seria o pó. A Mishná no Pirkei Avót também foca apenas na parte corpórea do ser humano e utiliza a linguagem "Enosh" (ser humano), ao invés de utilizar a linguagem mais comum, "Ish". A linguagem "Enosh" representa os aspectos mais baixos do ser humano, como os seus desejos físicos. A Mishná está nos advertindo para não nos tornarmos orgulhosos por causa das nossas realizações materiais, pois como todas as coisas finitas, elas não duram muito. A Mishná não está ensinando que devemos nos sentir como pessoas inerentemente sem valor, e sim que o sucesso na área material não tem nenhum valor intrínseco. O mesmo vale para a Mishná que ensina que viemos de uma gota podre e iremos para um lugar de vermes e larvas, ela está se referindo apenas à natureza provisória e passageira do nosso corpo. Em contraste, o ensinamento do Talmud que ressalta a inerente grandeza de cada ser humano está focando no nosso potencial espiritual. A Mishná do Pirkei Avót também ressalta que somos queridos aos olhos de D'us pois fomos criados à Sua Imagem e Semelhança, o que certamente se refere à nossa alma.

Mas por que algumas vezes nossos sábios focam na parte baixa e finita do nosso corpo, enquanto outras vezes eles focam na parte elevada e infinita da nossa alma? Nos ensina o Rav Shlomo Wolbe zt"l (Alemanha, 1914 - Israel, 2005) que há momentos na vida nos quais devemos focar no status baixo e pequeno do nosso corpo, enquanto em outros momentos devemos focar na elevação e na grandeza da nossa alma. O ideal seria lembrarmos sempre que somos limitados, que nossas conquistas materiais e nosso corpo são finitos, pois assim evitaríamos o orgulho e a busca desenfreada pela satisfação dos desejos físicos. Mas é muito arriscado focarmos em como somos pequenos sem antes apreciar nossa grandeza intrínseca. Se a pessoa não tem uma autoestima saudável, focar no quanto ela é pequena pode ser algo muito perigoso. Ao invés da pessoa perceber que não deve se portar com arrogância em relação às suas conquistas e realizações materiais, isto pode fazer a pessoa questionar o valor da sua própria essência. Somente uma pessoa sintonizada com a inerente grandeza da sua essência pode utilizar de uma maneira positiva a ideia de que sua parte física é extremamente baixa.

Este mesmo conceito deve ser aplicado aos pais e professores. É muito comum os educadores focarem nos aspectos negativos de seus alunos ou filhos, justificando que da mesma forma que eles receberam uma educação severa de seus pais e por isso conseguiram se transformar em pessoas saudáveis, assim também eles querem educar seus alunos e filhos. Mas muitos educadores defendem a ideia de que as pessoas das gerações passadas tinham a autoestima muito mais saudável e, portanto, os pais e professores podiam utilizar uma educação mais rígida sem medo de consequências negativas. Porém, atualmente as crianças e jovens são muito mais sensíveis e têm menos autoestima. Por isso é muito perigoso focar de forma muito severa o lado negativo delas, mesmo que seja com a intenção de educar.

Além disso, mesmo se um pai ou um professor sente que seu aluno ou seu filho pode lidar com um tipo de abordagem mais rigorosa, é bom levar em consideração um importante ensinamento do Talmud (Sotá 47a): "Sempre a mão esquerda deve afastar, enquanto a mão direita deve aproximar". O Talmud está nos ensinando que a abordagem mais rígida deve ser utilizada com a nossa mão mais fraca, a esquerda, enquanto que a abordagem mais leve e bondosa deve ser utilizada com nossa mão mais forte, a direita. O Talmud enfatiza a palavra "sempre", indicando que é um princípio que deve ser utilizado sem exceções. Alguns educadores atuais sugerem que, para cada crítica feita a um filho ou um aluno, devem ser feitos quatro comentários positivos.

Do serviço de "Trumat HaDeshen" aprendemos que, para manter nossa humildade, é necessário lembrar sempre da natureza passageira e finita do nosso corpo. Mas apesar desta ser uma lição muito importante, não é uma lição completa, e devemos sempre nos lembrar também do nosso incrível valor espiritual. Pois o segredo do verdadeiro sucesso no judaísmo, em todas as áreas, é o equilíbrio.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 
Lv 6:8 -8:36, Jr. 7:21-8:3; 9:23-24

sábado, 21 de março de 2015

NASCENDO DE NOVO - PARASHÁ VAYIKRÁ 5775

 
"Jason, um jovem rapaz judeu, era o típico adolescente californiano, que gostava de liberdade e não queria saber de responsabilidades. Estava sempre "curtindo a vida", e não escutava os apelos dos pais, que preocupados com sua vida desregrada, imploravam para que ele tomasse um rumo na vida. Não levava a sério os estudos na faculdade, não pensava no futuro e desde seu Bar-Mitzvá estava completamente desconectado do judaísmo.

Certa vez Jason decidiu passar o dia caminhando sozinho pelo Parque Nacional de Redwood. Depois de um dia inteiro curtindo o contato com a natureza, quando começou a escurecer ele decidiu dormir para recobrar as forças. Procurou um bom lugar para arrumar suas coisas e encontrou, quando já estava bem escuro, uma pequena clareira na floresta. O chão era de pedra, e parecia que havia alguns desenhos no piso, mas ele estava cansado demais para verificar o que era aquele local. Longe de qualquer preocupação, esticou seu "sleeping bag" e dormiu.

Jason acordou de manhã se sentindo desconfortável e um pouco perturbado. Quando ele se sentou, ainda sonolento, percebeu que estava coberto de teias de aranha. Assustado, ele deu um salto e começou a limpar sua roupa. Quando olhou para trás, levou um grande susto ao ver uma enorme lápide ao lado do seu "sleeping bag". Sem perceber, Jason havia dormido sobre o túmulo de alguém.

O choque foi muito grande. Jason, aquele garoto livre e sem responsabilidades, entendeu que aquele era um sinal de que estava vivendo uma vida sem sentido. Decidiu que a partir daquele dia ele mudaria. Começou a se esforçar mais nos estudos, decidiu frequentar as aulas de Torá em uma sinagoga e pediu para que as pessoas o chamassem pelo seu nome em hebraico, Yaacov. Em pouco tempo Yaacov havia se tornado um Baal Teshuvá (pessoa afastada do judaísmo que se reconecta à Torá e às Mitzvót). Quando as pessoas questionavam os motivos de sua mudança tão repentina, ele contava, dando risada:

- Na verdade foi como um novo nascimento. Eu deitei em um túmulo como Jason, e acordei para a vida como Yaacov" (História Real, retirada do livro "Major Impact!", de autoria de Dovid Kaplan. 
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Nesta semana começamos o terceiro livro da Torá, Vayikrá, que descreve principalmente os serviços realizados pelos Cohanim (sacerdotes) no Mishkan (Templo Móvel). E a Parashá desta semana, Vayikrá, começa justamente falando sobre um dos principais serviços feitos pelos Cohanim: a oferenda de Korbanót (sacrifícios), como está escrito: "Quando um 'Adam' (pessoa) entre vocês trouxer um Korban para D'us (Vayikrá 1:2). Mas algo nos chama a atenção neste versículo, pois normalmente a Torá utiliza a expressão "Ish" para descrever uma pessoa, e não a expressão "Adam". Então por que justamente neste versículo a Torá utilizou a linguagem "Adam"?

Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que este versículo está fazendo uma alusão a Adam Harishon (Adão), o primeiro homem criado por D'us. Qual a conexão entre os Korbanót oferecidos no Mishkan e Adam Harishon? Da mesma maneira que não havia como Adam Harishon trazer um Korban que fosse roubado, pois tudo pertencia a ele, então também aprendemos que é proibido oferecer para D'us um Korban roubado.

Mas este ensinamento do Midrash é difícil de ser entendido. Existem muitas Mitzvót da Torá que não têm nenhuma validade caso sejam feitas com objetos roubados. Por exemplo, a Mitzvá das 4 espécies de Sucót só pode ser cumprida se a pessoa adquiriu para si as 4 espécies, mas a Mitzvá não é válida caso a pessoa as tenha roubado, pois a Torá afirma: "E pegarão para vocês no primeiro dia" (Vayikrá 23:40). Como a Torá enfatiza "para vocês", nossos sábios aprendem que para a Mitzvá ser válida, as 4 espécies devem pertencer à pessoa. Portanto, vemos que a Torá tem formas diretas de invalidar o uso de objetos roubados no cumprimento de uma Mitzvá. Então por que em relação aos Korbanót foi necessário fazer uma conexão indireta com Adam Harishon para nos ensinar a proibição de oferecer um Korban roubado?

Outro questionamento vem de um ensinamento do Talmud (Baba Metzia 114b), que afirma que a palavra "Adam" se refere especificamente ao povo judeu e não aos outros povos do mundo. Então por que este termo é utilizado em relação à oferenda de Korbanót, se havia Korbanót que podiam ser oferecidos também pelos outros povos, como os Korbanót de "Olá" (elevação) voluntários?

Além disso, o Talmud Yerushalmi (Shekalim 1:4) aprende da palavra "Adam" que este versículo da Parashá se aplica também àqueles que se converteram ao judaísmo. Mas por que nós precisaríamos de um versículo para incluir os convertidos na Mitzvá de oferecer Korbanót, se a Torá nos ensina que mesmo os não judeus já estavam incluídos nesta Mitzvá?

E finalmente o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) nos ensina que o posicionamento do Mizbeach (altar de sacrifícios) do Beit Hamikdash de Jerusalém precisou ser feito de forma muito meticulosa, pois ele deveria ficar no exato local onde Noach (Noé), Cain e Hevel (Cain e Abel) e Adam Harishon haviam oferecido seus Korbanót para D'us. O Rambam conclui afirmando que foi daquele exato local que D'us retirou a terra utilizada para criar Adam Harishon. Por que o Mizbeach precisava ficar exatamente no local da criação de Adam? Para que o homem recebesse expiação dos seus pecados exatamente no mesmo lugar em que havia sido criado. Porém, qual é a conexão entre a expiação de uma transgressão e o local onde o ser humano foi criado?

Explica o Rav Yohanan Zweig que, ao fazer com que o local da expiação dos pecados através do oferecimento de Korbanót fosse exatamente o mesmo lugar da criação do ser humano, D'us estava dando ao homem a capacidade de se "recriar" toda vez que ele oferecia um Korban. O Korban era a representação simbólica do próprio dono do animal, e por isso não podia ser algo roubado, deveria ser um animal de sua propriedade. Quando a pessoa trazia um Korban, ela estava declarando sua vontade de se reconectar a D'us e voltar ao ponto no qual o relacionamento ainda não havia sido manchado pela transgressão, como se ela estivesse se recriando. É por isso que nos Korbanót a Torá utiliza a linguagem "Adam", pois aquele que oferece o Korban demonstra que gostaria de voltar ao ponto da criação de Adam Harishon, antes do seu pecado, no qual ele ainda estava completamente puro.

Apesar de todos os povos também terem a permissão de oferecer Korbanót "Olá" para D'us, entretanto os Korbanót deles não têm a mesma função dos Korbanót do povo judeu. Os Korbanót dos outros povos eram uma forma de pagamento de uma dívida ou uma demonstração de gratidão, mas não serviam como uma forma de recriação do ser humano, pois esta função dos Korbanót estava reservada apenas ao povo judeu. É por isso que a Torá precisou "gastar" este versículo também para incluir os convertidos, para nos ensinar que, ao se unir ao povo judeu, os convertidos também recebiam esta capacidade de se recriar através da oferenda de Korbanót.

Realmente havia várias maneiras diretas de a Torá ter invalidado a utilização de um animal roubado como Korban, mas a Torá escolheu ensinar esta lição através da conexão com Adam Harishon para nos transmitir o conceito de que a criação do ser humano foi no exato local onde ocorre sua expiação espiritual, ressaltando o potencial dos Korbanót de nos recriar, de nos dar a chance de um recomeço, de refazer nossa conexão com D'us mesmo após termos transgredido contra Ele.

Cada vez que cometemos uma transgressão, manchamos nossas almas e nos desconectamos de D'us. O Korban não consistia apenas em oferecer um animal para ser sacrificado após uma transgressão. A parte mais importante era o arrependimento pelo erro cometido e a vontade de não voltar a transgredir. Apesar de não termos mais a oportunidade de oferecer Korbanót por nossos erros, ainda nos restou a possibilidade de nos recriar através da Teshuvá (retorno aos caminhos corretos). O povo judeu vive um milagre de renascimento, com milhares de judeus, no mundo inteiro, voltando às suas raízes espirituais após um terrível período de assimilação. Judeus completamente afastados praticamente renasceram e se recriaram. Famílias inteiras, completamente afastadas do cumprimento de Mitzvót, voltam lentamente aos caminhos da Torá. Jovens que viviam sem nenhum propósito se reconectam e decidem frequentar aulas de Torá. É uma verdadeira "ressurreição dos mortos" que ocorre dentro do povo judeu, um movimento de Teshuvá que já mudou a vida de milhares de pessoas no mundo inteiro.

A linguagem "Korban" vem da mesma raiz de "Karov", que significa "estar próximo". Não podemos por enquanto oferecer Korbanót para D'us, mas podemos nos recriar e querer voltar, com todo nosso coração, ao mesmo nível de Adam Harishon antes de seu pecado, no qual sua conexão com D'us era completamente limpa e perfeita. E como ensina o Talmud (Shabat 104a): "Todo aquele que quer se purificar recebe uma ajuda especial dos Céus". Se quisermos de verdade nos reaproximar de D'us, certamente teremos uma enorme ajuda espiritual em nossos caminhos de crescimento, pois D'us é um Pai Misericordioso que espera ansiosamente o momento em que Seus filhos decidirão voltar para casa.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
LEVÍTICO l:1-6:7, Is. 43:21-44:23

sexta-feira, 13 de março de 2015

INFLUÊNCIA DOS NOSSOS ATOS - PARASHIÓT VAYAKEL E PEKUDEI 5775

 
"Yaacov era um homem de bom coração, sempre que podia ajudava os outros. Certo dia ele caminhava com alguns amigos por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. Yaacov teve misericórdia e não pensou duas vezes, correu pela margem do rio, entrou na água e pegou o escorpião na mão para salvá-lo. Porém, quando o trazia para fora, o escorpião picou sua mão. Devido à dor, Yaacov deixou o escorpião cair novamente no rio, e ele foi arrastado novamente pelas águas. Mas Yaacov não desistiu, ele foi até a margem, pegou um galho de árvore caído, alcançou novamente o  escorpião e o salvou, mas desta vez sem encostar a mão no bicho. Os amigos, que haviam assistido a cena, ficaram perplexos e disseram:

- Yaacov, deve estar doendo muito. Por que você foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse, seria um a menos! Veja como ele retribuiu a sua ajuda, picando a mão que o havia salvado! Este bicho não merecia sua misericórdia.

Yaacov, sem demonstrar nenhum tipo de arrependimento, respondeu:

- O escorpião me picou porque agiu conforme a sua natureza, e eu o salvei pois agi de acordo com a minha natureza".

De acordo com os nossos atos nós moldamos a nossa natureza e o nosso coração. Bons atos repetidos continuamente resultam em um bom coração, enquanto maus atos repetidos continuamente resultam em um mau coração. 
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Vayakel e Pekudei, que descrevem respectivamente as atividades de construção do Mishkan e a prestação de contas que Moshé fez dos materiais doados para a construção o Mishkan. A Parashá Vayakel também descreve o momento em que as pessoas escolhidas para construir o Mishkan terminaram seu serviço: "E eles trouxeram o Mishkan para Moshé: a Tenda e todos os seus utensílios..." (Shemot 39:33). Por que o Mishkan foi levado até Moshé, e já não foi montado pelos próprios construtores?

Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que quando Moshé anunciou ao povo que todos poderiam participar na construção do Mishkan através da doação dos materiais, eles se alegraram muito e doaram com entusiasmo e agilidade, atingindo a meta em apenas dois dias. Depois que os trabalhos foram concluídos, o povo inteiro ficou muito ansioso, esperando pelo momento em que a "Shechiná" (Presença de D'us) repousaria entre eles. Os sábios construtores tentaram montar o Mishkan, mas ele não conseguia se manter de pé e caía. Por que eles não conseguiam montar o Mishkan, se D'us havia dado a eles a sabedoria necessária para construir cada parte do Mishkan e cada um dos seus utensílios?

Continua o Midrash e explica que Moshé estava sofrendo muito por não ter participado ativamente na construção do Mishkan. D'us viu o sofrimento de Moshé e disse para ele: "Como você está sofrendo por não ter participado da construção do Mishkan, então Eu não deixarei que os homens sábios que construíram o Mishkan consigam montá-lo sem você, para que todo o povo judeu saiba que somente através de você o Mishkan pode ser montado". É por isso que o versículo enfatiza que o Mishkan foi levado até Moshé, pois ele foi o único que realmente conseguiu montá-lo.

Mas desta explicação surge uma grande pergunta, pois o Midrash afirma que Moshé estava muito triste por não ter participado da construção do Mishkan. Porém, há outro Midrash que afirma que Moshé estava muito presente durante toda a construção do Mishkan e teve uma participação fundamental, pois ele circulava o tempo inteiro entre os profissionais que estavam construindo o Mishkan para ensiná-los como fazer cada parte e cada utensílio com perfeição, sem nenhum erro. Moshé foi tão zeloso e tão minucioso em construir o Mishkan exatamente da maneira como D'us havia ensinado que diversas vezes a Torá repete que os objetos foram feitos "conforme D'us ordenou a Moshé".

Além disso, está escrito na Torá: "E foi no dia em que Moshé terminou de construir o Mishkan" (Bamidbar 7:1). Rashi questiona por que está escrito que foi Moshé quem construiu o Mishkan, como se ele tivesse o mérito de ter construído o Mishkan sozinho, ao invés de atribuir o mérito a Betzalel, Ahaliav e os outros tantos homens sábios que haviam se voluntariado para fazer as atividades construtivas do Mishkan? Ele responde que Moshé se entregou completamente à tarefa de construir o Mishkan, checando uma por uma todas as formas de todos os utensílios e partes do Mishkan e ensinando a cada construtor todos os minuciosos detalhes conforme D'us havia mostrado para ele no Monte Sinai. E o empenho de Moshé teve frutos, pois nenhum formato continha nenhum erro, tudo saiu exatamente como D'us havia mostrado. A dedicação de Moshé foi tanta que ele meritou um versículo que atribui a ele sozinho a construção de todo o Mishkan. quem estabeleceu o Mishkan, e nbçstruçatamente da maneira como D'turesençade  Então por que ele se entristeceu por não ter "colocado a mão na massa", se sua participação na construção havia sido tão fundamental? O que faltava para Moshé?

Responde o Rav Bentzion Bamberg zt"l (Alemanha, 1920 - Israel, 1981) que da tristeza de Moshé aprendemos qual é a importância de fazer bons atos na prática. Apesar de toda a sua dedicação e sua participação "intelectual" no Mishkan, Moshé estava triste por não ter participado diretamente na construção física do Mishkan, isto é, por não ter colocado a mão na massa, com atos físicos de construção. Mas o que teria mudado se ele tivesse feito algum ato na prática? Por que não foi suficiente sua participação "intelectual"?

Um dos motivos pelos quais D'us nos ordenou Mitzvót que necessitam da utilização de objetos e partes do nosso corpo, como colocar Tefilin no braço e na cabeça ou segurar os Arba Minim em Sucót, é para que as Mitzvót possam ser internalizadas, através dos atos, em nossos corações. O ser humano não consegue, apenas através de seu intelecto, canalizar seus desejos e mudar características que estão naturalizadas. Cada ato externo que fazemos funciona como um contrapeso para as tendências naturais do nosso corpo, como ensinam os nossos sábios: "Atrás dos nossos atos é levado o nosso coração". Por isso muitas Mitzvót envolvem atos físicos, para poderem nos ajudar no processo de purificação e elevação espiritual.

Há uma Mitzvá interessante que demonstra o quanto este conceito é verdadeiro. Em relação ao Korban Pessach (sacrifício de Pessach), há uma proibição na Torá de quebrar qualquer osso do Korban. Qual é o motivo desta Mitzvá? Ensina o Sefer HaChinuch (Mitzvá 16) que quebrar os ossos é a forma como os animais e as pessoas pobres e famintas comiam. Mas como o povo judeu foi tirado do Egito para se tornar uma luz para as nações do mundo, um povo sagrado e elevado, não era apropriado que eles se comportassem com atos que não condiziam com o seu novo status, pois os atos que uma pessoa faz ficam gravados em sua alma para sempre. O coração e os pensamentos de uma pessoa sempre vão atrás de seus atos, tanto para o bem quanto para o mal.

O Sefer HaChinuch revela algo ainda mais impressionante: mesmo um Rashá Gamur (pessoa completamente má), se ele começar a fazer constantemente bons atos, como estudar Torá, cumprir Mitzvót e fazer atos de caridade, mesmo que não seja com as intenções corretas, sua natureza finalmente penderá para o lado positivo, pois cada ato externo influencia seu interior. E assim nos ensina o Talmud (Makot 23b): "D'us quis trazer méritos ao povo judeu, por isso multiplicou para eles a Torá e as Mitzvót". Como há muitas Mitzvót na Torá, praticamente o dia inteiro estamos nos ocupando com elas. Quando acordamos, quando nos vestimos, quando nos alimentamos, e até mesmo quando vamos ao banheiro. A repetição constante de Mitzvót nos torna, a cada instante, pessoas melhores. O mesmo conceito é ensinado em outro Tratado do Talmud (Menachót 43b): "Aquele que tem Tefilin no braço e em sua cabeça, fios de Tsitsit em sua roupa e uma Mezuzá em sua porta, é garantido que não vai cometer transgressões". Por que justamente estas Mitzvót? Pois são Mitzvót constantes, que cumprimos o tempo inteiro, e por isso elas vão purificando nosso coração e nos afastando das transgressões.

Desta Parashá aprendemos o quanto devemos ter cuidado com nossos atos, pois atrás dos nossos ato
s será levado o nosso coração. Moshé sofreu por não ter colocado a mão na massa na construção do Mishkan, pois sabia o quanto cada bom ato que fazemos nos influencia para o bem e purifica nossos corações e pensamentos. Mesmo Mitzvót pequenas e bons atos aparentemente sem importância contribuem para o nosso crescimento constante. Por isso devemos procurar o tempo inteiro oportunidades de cumprir Mitzvót e fazer bons atos, mesmo que em um primeiro momento não façamos com as intenções mais puras e elevadas, pois a repetição de bons atos faz com que nos elevemos e consigamos, em algum momento, atingir também as intenções puras e elevadas, como afirmam os nossos sábios: "Através da repetição de bons atos, mesmo que em um primeiro momento sejam sem intenções puras, virão atos com as intenções mais puras e elevadas".

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Ex. 35:1-38:20
Ex. 38:21-40:38

sexta-feira, 6 de março de 2015

NÃO SE ENGANE - PARASHÁ KI TISSÁ 5775

 
"As filas na porta da casa do Rav Simcha Bunim Alter (Israel, 1898 - 1992), mais conhecido como Gerer Rebe, normalmente eram muito longas. Ele era muito querido, e por isso multidões iam diariamente à sua casa, para pedir uma Brachá (Benção) ou simplesmente para vê-lo. Certo dia a fila estava especialmente longa e as pessoas começaram a ficar impacientes. No desespero, um homem começou a empurrar os outros para forçar sua entrada na casa do Rebe, mas o Gabai (pessoa responsável pelo controle de entrada das pessoas nas casas de grandes rabinos) o empurrou de volta. O homem, muito irritado, protestou em voz alta, e o Gabai, não aguentando aquele desaforo, lhe deu um sonoro tapa na cara. Ao ver aquela cena, todos na fila ficaram em silêncio e pararam de reclamar e empurrar. O Gabai ficou feliz, imaginando que o Rebe ficaria orgulhoso ao saber de sua atitude, que havia colocado ordem na casa.

Mais tarde, naquele mesmo dia, um grupo de homens estava reunido na sala do Rebe para Minchá (reza da tarde). Apesar de já haver dez homens, o Gabai estranhou que o Rebe não autorizava o início da reza, como se ainda estivesse esperando alguém para completar o Minian. O Gabai perguntou se podia começar a reza, mas o Rebe, com sofrimento no olhar, respondeu:

- Eu sinto muito, mas nós não podemos começar ainda, pois falta uma pessoa para o Minian. Apesar de termos 10 homens aqui na sala, você não pode ser contado como parte do Minian, pois a Halachá diz que alguém que bate em seu companheiro é desqualificado para fazer parte de um Minian..."

O Gabai pensou que havia feito uma grande Mitzvá, mas descobriu, de forma amarga, que na realidade havia feito uma grave transgressão. Precisamos tomar cuidado com cada ato que fazemos, para não nos enganarmos e cometermos transgressões achando que estamos fazendo Mitzvót. 
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Nesta semana lemos a Parashá Ki Tissá, que descreve um dos erros do povo judeu mais difíceis de serem entendidos: a construção do Bezerro de Ouro. Como os judeus puderam fazer um erro tão grave como este, de construir uma estátua de ouro, apenas quarenta dias após D'us ter se revelado diante de todo o povo no Monte Sinai? Como abandonaram tão rapidamente Moshé, o líder que havia tirado o povo judeu do Egito, e criaram o Bezerro de Ouro como um novo intermediário?

Nossos sábios explicam como o erro começou. Moshé subiu no Monte Sinai para receber a Torá, e avisou que permaneceria no alto da montanha por 40 dias. Porém, houve um erro no cálculo de quando Moshé deveria retornar, e o povo esperou por ele um dia antes da data correta. Como Moshé não voltava, o povo se desesperou. O Talmud (Shabat 89a) se aprofunda um pouco mais e explica que o Yetser Hará (nossa má inclinação) tentou confundir os judeus com argumentos de que Moshé tinha morrido, mas não conseguia convencê-los. Então ele mostrou aos judeus uma imagem de Moshé morto, deitado em uma cama. Aquela imagem mostrada pelo Yetser Hará causou um enorme pânico no povo, que acreditou no que viu e passou a exigir de Aharon um novo intermediário, através do qual eles reestabeleceriam sua conexão com D'us.

Mas há algo nesta explicação do Talmud que nos chama a atenção: o método utilizado pelo Yetser Hará para confundir o povo judeu em relação à morte de Moshé. Mostrar falsas imagens não é a tática tradicionalmente utilizada pelo Yetser Hará para nos enganar. Normalmente ele causa em nós apenas a confusão de ideias, como tentou fazer em um primeiro momento com o povo judeu. Por que neste caso o Yetser Hará mudou sua forma de atuação e mostrou ao povo judeu uma imagem falsa?

Para entendermos a transgressão do Bezerro de Ouro, precisamos voltar ao primeiro erro da história da humanidade, o erro de Adam e Chavá (Adão e Eva), que comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, apesar de D'us ter proibido. Explica o Rav Chaim Vologziner (Lituânia, 1749 - 1821) que antes desta transgressão, Adam e Chavá não tinham Yetser Hará dentro deles. Porém, isto não quer dizer que eles não tinham livre arbítrio, pois eles também tinham um relacionamento com o mal, através do contato com a serpente que existia no Gan Éden. Mas a forma de contato com o mal era completamente diferente, pois o mal era algo externo, completamente fora deles. O objetivo do mal era persuadir Adam e Chavá a fazerem atos que fossem repugnantes ou logicamente errados, como convencer uma pessoa de que seria bom para ela pisar em uma fogueira acesa. De alguma maneira a serpente conseguiu convencê-los a comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, causando consequências como convencer uma pessoa de que seria bom para ela pisar em uma fogueira acesa para eles e para todos os seus descendentes. Ao comer do fruto proibido, Adam e Chavá trouxeram aquele Yetser Hará, que antes era algo apenas externo, para dentro deles. A partir daquele momento eles se transformaram em seres cuja essência era uma combinação de bom e mal.

O resultado foi que eles e seus descendentes ficaram sujeitos à principal força do Yetser Hará: a confusão. Quando uma pessoa sabe que um ato é claramente errado, ele não o comete. Da mesma maneira que uma pessoa não coloca a mão no fogo pois sabe das consequências negativas deste ato, assim também as pessoas deveriam racionalmente se cuidar das transgressões por causa de todas as suas consequências negativas. Porém, a tática do Yetser Hará é convencer a pessoa de que aquele ato equivocado não é uma transgressão, ao contrário, é a coisa certa a se fazer. É por isso que o Talmud (Sotá 3a) nos ensina que uma pessoa somente comete uma transgressão quando entra nela um espírito de estupidez ou insanidade, isto é, quando ela perde completamente o senso de certo e errado, e faz o que é errado por estar plenamente convencido de que é realmente a coisa certa a se fazer.

O Talmud (Shabat 146a) explica que este novo status da humanidade continuou até a entrega da Torá no Monte Sinai, mas naquele momento o "veneno" engolido por Chavá foi completamente anulado. Os judeus conseguiram se elevar ao ponto de atingir o mesmo nível de Adam Harishon antes de seu pecado, alcançando novamente a imortalidade. Neste novo status, eles estavam tão elevados que não havia mais Yetser Hará dentro deles, e novamente o mal havia se tornado algo apenas externo. De acordo com este nível que eles atingiram, não havia mais sentido para o Yester Hará enganá-los com sua arma tradicional de confusão interna. A forma de persuasão precisou ser algo externo, da mesma maneira que a serpente fez com Chavá, e por isso o Yetser Hará apelou para a falsa imagem de Moshé morto em uma cama. Quando o povo judeu caiu na enganação do Yetser Hará, o "veneno" da transgressão de Adam e Chavá voltou para dentro do ser humano, permitindo ao Yetser Hará novamente causar em nós confusão interna.

Deste ensinamento podemos entender o nosso Yetser Hará e sua forma de atuação. Desde o momento em que o Yetser Hará entrou em nós e passou a fazer parte de nossa própria essência, vivemos com a difícil tarefa de discernir entre o bem o mal que há dentro de nós. A principal arma do Yetser Hará é nos convencer que a transgressão que estamos fazendo é algo permitido. Em alguns casos o Yetser Hará consegue nos convencer de que o erro é até mesmo uma Mitzvá. Isto pode acontecer até mesmo em transgressões graves, como o Lashon Hará (maledicência). Muitos denigrem outras pessoas com sua fala e se justificam dizendo que aquele tipo de comentário é permitido, ou que é permitido falar Lashon Hará daquela pessoa em particular. A pessoa que transgride não assume para si mesma que está falando Lashon Hará, ao contrário, ela racionaliza que está completamente coberta pela Halachá (Lei judaica) em suas palavras. Se oferecêssemos muito dinheiro para que uma pessoa que cumpre as Mitzvót da Torá falasse Lashon Hará, ela certamente recusaria, pois reconhece, intelectualmente, que nenhuma quantia de dinheiro vale a transgressão de uma única Mitzvá da Torá. Então como pode ser que esta mesma pessoa fala Lashon Hará muitas vezes durante o dia sem receber absolutamente nenhum ganho monetário? Pois ela engana a si mesma e se convence de que não está falando Lashon Hará.

Na prática, como podemos discernir entre o bem e o mal que há dentro de nós? Explica o Rav Yehonasan Gefen que uma das ferramentas mais importantes é o estudo da Torá e de todos os detalhes de suas Mitzvót. Se uma pessoa estuda diariamente as Halachót de Shmirat Halashon (cuidados com a fala), por exemplo, será muito mais difícil para ela racionalizar que o Lashon Hará que ela quer falar é permitido. Outra ferramenta fundamental é o estudo diário de Mussar (ética), que auxilia nossos passos de autoaprimoramento e nos ajuda a entender como o Yetser Hará funciona, para sabermos como lutar contra ele. E, por último, outra ferramenta essencial é o "Cheshbon Hanefesh" (reflexão sobre os nossos atos) diário. Normalmente o Yetser Hará nos ataca e nos engana nos momentos em que os desejos nos puxam em direção às transgressões. Na hora em que os desejos estão muito fortes, tudo parece permitido. Mas quando fazemos uma reflexão diária, nos momentos em que o Yetser Hará já não está nos atacando de maneira tão forte, este é o momento propício para enxergarmos que a "Mitzvá" que pensamos ter feito foi na verdade uma grande transgressão. O Cheshbon Hanefesh diário nos permite olhar para trás e racionalmente analisar a verdadeira natureza dos nossos atos.

A combinação destas três ferramentas, associado a um investimento de longo prazo, certamente nos colocará no caminho correto, o caminho que nos trará a clareza de ideias necessária para um real autoconhecimento. Somente assim conseguiremos discernir entre o bem e o mal que existe dentro de nós, para investirmos sempre no bem e anularmos, como no momento da entrega da Torá, o lado negativo que existe em nós.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 30:11-34:35, 1Rs. 18:1-39