segunda-feira, 29 de junho de 2015

O GOSTO DAS MITZVÓT - PARASHÁ CHUKAT 5775

"O Rav Israel Salanter zt"l (Lituânia, 1810 - Prússia, 1883) certa vez precisou passar o Shabat na cidade de Kovno. Como ele era uma pessoa ilustre, todos correram para convidá-lo, mas ele escolheu passar o Shabat na casa de um padeiro que não tinha filhos, pois não queria que ninguém deixasse de alimentar seus próprios filhos para alimentá-lo. O padeiro era um judeu observante, mas não se dedicava muito ao estudo da Torá.

Na noite de Shabat, depois da Tefilá (reza), o padeiro entrou em casa com seu ilustre convidado e viu que já estava tudo pronto para o Kidush, mas as Chalót ainda não estavam cobertas. Muito irritado, com vergonha de o Rav Salanter pensar que em sua casa as Mitzvót não eram cumpridas da maneira correta, ele gritou com sua esposa:

- Por que os Chalót não estão cobertas? Quantas vezes eu preciso te lembrar de cobrir as Chalót antes do Kidush?

A pobre mulher, sentindo-se completamente humilhada diante do ilustre convidado, apressou-se em cobrir as Chalót, mas o Rav Salanter não pôde deixar de perceber as lágrimas nos olhos dela. Quando o padeiro quis dar ao rabino a honra de fazer o Kidush, o Rav Salanter perguntou se antes eles poderiam conversar reservadamente. O padeiro dirigiu-se com o rabino ao cômodo ao lado.

- Você pode me dizer por que devemos cobrir as Chalót antes do Kidush? - perguntou o Rav Salanter.

- Rabino, até mesmo uma criança sabe a resposta desta pergunta - respondeu o padeiro - Quando há muitos alimentos diferentes sobre a mesa, a primeira Brachá (benção) é sempre feita sobre o pão, que isenta todos os outros alimentos. Porém, no Shabat à noite, a primeira Brachá tem que ser feita sobre o vinho. Para não envergonhar a Chalá, que está esperando sua Brachá, então é preciso cobri-la até depois do término do Kidush.

- Que seus ouvidos escutem o que sua boca está dizendo - falou o Rav Salanter - Você acha que nossos sábios não entendem que um pedaço de massa não tem sentimentos e nunca se envergonha? Entenda uma coisa importante: um dos principais motivos deste costume é tentar nos sensibilizar em relação aos sentimentos das outras pessoas, para que possamos nos esforçar para nunca magoar ou envergonhar o próximo. Sejam os nossos amigos, nossos vizinhos, e acima de tudo as nossas esposas."

Cada uma das Mitzvót, e até mesmo os costumes instituídos pelos nossos sábios, além de sua implicação espiritual mais profunda, também carregam vários ensinamentos cujo objetivo é nos transformar em pessoas melhores. 
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Nesta semana lemos a Parashá Chukat, que começa descrevendo uma das Mitzvót mais enigmáticas da Torá: a "Pará Adumá", a vaca completamente vermelha cujas cinzas eram utilizadas para a purificação de pessoas que haviam se contaminado com alguns tipos de impureza espiritual. Mas o versículo que apresenta esta Mitzvá desperta um grande questionamento, pois está escrito: "Este é o 'Chok' (lei) da Torá" (Bamidbar 19:2). Existem centenas de leis na Torá, então por que está escrito que esta é a lei da Torá?

Explicam os nossos sábios que existem dois tipos de Mitzvót: os "Chukim" e os "Mishpatim". "Chukim" são as Mitzvót cuja lógica não é compreendida pela mente humana, como a Mitzvá de Shaatnez (proibição de utilizar, na mesma roupa, lã e linho). Já "Mishpatim" são as Mitzvót que fazem sentido ao nosso intelecto e conseguimos entender sua lógica, como as Mitzvót de não roubar e não matar. O Rav Chaim ben Atar zt"l (Marrocos, 1696 - Israel, 1743), mais conhecido como Or HaChaim HaKadosh, afirma que a Mitzvá da Pará Adumá é um modelo de "Chok", por ser completamente ilógica. Ao descrevê-la como sendo a "lei da Torá", o versículo está nos ensinando que aquele que cumpre um "Chok" como este, apesar de não entender as razões, é considerado como se tivesse cumprido toda a Torá, pois é uma grande demonstração da sua vontade incondicional de cumprir a vontade de D'us. Porém, quando cumprimos uma Mitzvá cujas razões são óbvias, não fica claro se a estamos cumprindo apenas porque faz sentido ou simplesmente pois D'us nos comandou.

Através da Mitzvá da Pará Adumá fica claro o quanto a verdadeira razão por trás de cada Mitzvá está muito além do nosso entendimento. Mesmo Shlomo HaMelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens, achou que havia entendido as razões mais profundas de cada uma das Mitzvót da Torá, mas quando chegou na Mitzvá da Pará Adumá, cuja lógica sua mente não conseguiu penetrar, percebeu que não havia entendido as verdadeiras razões de nenhuma das Mitzvót. Este é um dos princípios fundamentais da Torá, de que devemos cumprir a vontade de D'us sem fazer cálculos de acordo com a nossa própria lógica. Mas então por que tantos sábios grandes, como o Rambam zt"l (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) e o Sefer HaChinuch, fizeram um esforço enorme para explicar os "Taamim" (razões) das Mitzvót? Como estes sábios tiveram a pretensão de entender as razões das Mitzvót, se nem mesmo a sabedoria de Shlomo HaMelech conseguiu alcançá-las?

A resposta é que nenhum destes sábios teve a pretensão de explorar as razões mais profundas das Mitzvót. O intelecto limitado do ser humano não consegue conceber as verdadeiras razões por trás das Mitzvót, pois este conhecimento pertence somente a D'us. Mas, por outro lado, isto não quer dizer que os "Taamei HaMitzvót", isto é, as razões mais superficiais descritas pelos nossos sábios, não são verdadeiras. D'us, em Sua infinita sabedoria, fez um arranjo tão perfeito que permite que cada Mitzvá, apesar de sua profundidade, consiga ser percebida de uma maneira específica para cada nível de existência. Portanto, ao estudarmos os "Taamei HaMitzvót", apesar de não conseguirmos penetrar nos segredos mais profundos de cada Mitzvá, ao menos podemos aprender algo que, para o nosso nível, ajuda em nosso trabalho espiritual aqui neste mundo. Por exemplo, entender os "Taamei HaMitzvót" pode nos ajudar a desenvolver traços de caráter desejáveis e pode nos ajudar a melhorar nossos relacionamentos.

Um exemplo interessante são as Mitzvót relacionadas com os conceitos de "Tahará" (pureza) e "Tumá" (impureza), que são extremamente difíceis de serem entendidas de maneira lógica. Porém, apesar desta impossibilidade de entendimento mais profundo, há benefícios óbvios que podemos usufruir ao cumprirmos estas Mitzvót. Dentre as leis de pureza e impureza, talvez uma das mais relevantes atualmente é a "Taharat HaMishpachá" (leis de pureza familiar, que incluem o afastamento entre o marido e a esposa no período em que a mulher está ritualmente impura). O Talmud (Nidá 31b) explica que é extremamente benéfico para o casal um período mensal de separação física, para que o casamento não caia na falta de entusiasmo na área do relacionamento íntimo. Baseado neste ensinamento do Talmud, o Sefer HaChinuch (Mitzvá 166) escreve que este benefício, de trazer um frescor constante para o casamento, é um dos "Taamim" para a Mitzvá de "Taharat HaMishpachá". Isto não significa que a razão pela qual devemos cuidar desta Mitzvá é apenas para melhorar o nosso relacionamento marital. Por outro lado, devemos saber que isto não é apenas uma coincidência, pois certamente D'us também intencionou que, no nosso dia-a-dia, a Mitzvá melhorasse nossa vida.

Portanto, apesar de não podermos nos aprofundar nas reais razões de cada Mitzvá, nós podemos entender os "Taamim" delas, que também são verdadeiros para o nosso nível de entendimento. Foi por isso que alguns sábios se esforçaram tanto para entender os "Taamei HaMitzvót". É verdade que nós devemos cumprir as Mitzvót apenas por D'us ter nos comandado, mas não é suficiente cumpri-las como se fossemos robôs, sem nenhum pensamento ou entendimento do que estamos fazendo. As Mitzvót destinam-se a nos mudar, a nos transformar em pessoas melhores, e a maneira que isto ocorre é justamente através dos "Taamei HaMitzvót". O Sefer HaChinuch traz, para cada uma das 613 Mitzvót da Torá, a raiz que está por trás dela, justamente para que possamos ter ideia do possível ganho espiritual com o cumprimento de cada Mitzvá, e possamos trabalhar para atingir este objetivo.

Aprender sobre os "Taamei HaMitzvót" não é apenas um exercício benéfico, e sim algo essencial para o nosso relacionamento com D'us. Explica o Rambam que o propósito de todas as Mitzvót é nos trazer mais próximos de D'us e reconhecer que Ele é o nosso Criador. Porém, este processo pelo qual a pessoa se aproxima de D'us através do cumprimento das Mitzvót não ocorre de maneira automática. Se a pessoa cumpre as Mitzvót apenas por hábito, apesar de tecnicamente tê-las cumprido, não as utilizou para alcançar seu objetivo verdadeiro, que é a proximidade com D'us.

Este é o importante ensinamento desta Parashá. A Mitzvá da Pará Adumá nos ensina que estamos obrigados a cumprir as Mitzvót sem questionar sua lógica, mas ao mesmo tempo devemos entender os "Taamei HaMitzvót" para que possamos crescer com cada Mitzvá da maneira planejada por D'us, nos tornando a cada dia pessoas melhores. Mesmo em um nível superficial, conseguimos captar intelectualmente a razão das Mitzvót, e isso nos ajuda a crescer em alguma área na vida. Mas isto não é uma tarefa fácil, pois o Yetzer Hará (má inclinação) sabe o quanto podemos crescer com cada Mitzvá. Por isso ele permite que continuemos cumprindo as Mitzvót, mas nos afasta do entendimento do objetivo e dos benefícios de cada uma delas. A consequência é que cumprimos as Mitzvót de forma mecânica, e não conseguimos sentir o gosto de nos aproximarmos de D'us.

A palavra "Taam" significa "razão", mas também significa "gosto". O mais importante da comida não é o gosto, e sim as vitaminas e os nutrientes, que nos sustentam e nos dão energia. Mas o gosto é o que torna a comida atrativa e faz do ato de comer algo prazeroso. Da mesma forma, os "Taamei HaMitzvót" não são as partes mais importantes das Mitzvót, mas são o que as tornam mais gostosas e prazerosas de serem cumpridas.
SHABAT SHALOM                                           
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Nm. 19:1-22:1, Jz. 11:1-33

sexta-feira, 19 de junho de 2015

CEGUEIRA ESPIRITUAL - PARASHÁ KORACH 5775

"Roberto estava distraidamente dirigindo seu carro, mais preocupado com as contas a pagar e com o planejamento das férias de julho do que com o trânsito. De repente, seu celular tocou e ele "despertou". Era sua esposa, aflita, querendo saber onde ele estava.

- Fique tranquila, querida, estou quase chegando em casa. Já estou na Marginal Pinheiros.

- Ai, meu D'us! - interrompeu a esposa, com a voz muito preocupada - Querido, tome cuidado. Acabei de escutar no rádio que tem um maluco na Marginal Pinheiros dirigindo na contra mão.

- Querida, você tem razão. Estou vendo um carro vindo pela contramão. Que maluco, este motorista deveria ser preso! Ei, não é apenas um carro que está na contramão, são 2... não, são 5... são mais de 10..."

A piada é engraçada, mas infelizmente é exatamente assim que vivemos. Sempre nós estamos certos e os outros estão errados. E muitas vezes isto pode acabar custando caro espiritualmente. 
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Nesta semana lemos a Parashá Korach, que nos ensina a gigantesca força da inveja e da busca de honra, que conseguem desviar até mesmo pessoas boas e corretas. Korach, o primo de Moshé, era um homem espiritualmente elevado, da tribo de Levi, que acabou se desviando por causa da vontade de se tornar o líder do povo judeu e se rebelou contra a liderança de Moshé. De acordo com o Rav Avraham ben Meir zt"l (Espanha, 1092 - 1167), mais conhecido como Ibn Ezra, a rebelião ocorreu logo depois da inauguração do Mishkan (Templo Móvel), quando Aharon e seus filhos foram designados, no lugar dos primogênitos, como os responsáveis por todos os serviços espirituais. Korach, que também era primogênito, se enfureceu por não ter sido o escolhido. Ele conseguiu juntar outros 250 homens da tribo de Levi, todos primogênitos, e questionou os cargos de Moshé e de Aharon, utilizando a força da zombaria. Ridicularizou Moshé e as Mitzvót da Torá em público, querendo demonstrar que a escolha de Moshé e as leis que ele havia ensinado ao povo não eram Divinas, e sim frutos de sua cabeça.

Apesar de ter sido humilhado em público, Moshé, o mais humilde de todos os homens, teve tranquilidade. Ele sabia que a rebelião era uma afronta direta a D'us, que o havia escolhido pessoalmente como líder. Moshé entendeu que as consequências seriam trágicas, e por isso tentou convencer Korach e seus seguidores a desistirem da rebelião. Ao perceber que eles estavam obstinados e não conseguiam escutar nenhum argumento racional, Moshé ainda tentou uma última estratégia: adiar a discussão para o dia seguinte, como está escrito: "Ele (Moshé) disse para Korach e para todo o seu grupo: Amanhã D'us fará conhecer aquele que Lhe pertence e aquele que é sagrado" (Bamidbar 16:5). Moshé achou que eles estavam exaltados pelo calor do momento, mas que se acalmariam quando voltassem para casa e acabariam desistindo da rebelião.

Observando com cuidado o versículo desta tentativa de Moshé de ganhar tempo para esfriar os ânimos, há algo que nos chama a atenção. A linguagem utilizada por Moshé foge um pouco do padrão, pois ele não falou "Machar", que literalmente significa "amanhã", e sim "Boker", que significa "manhã". Por que Moshé falou desta maneira com Korach? Qual era a mensagem que ele estava transmitindo?

Infelizmente o ser humano tem uma grande dificuldade em reconhecer seus erros. Estar certo nos causa uma sensação de superioridade, enquanto estar errado nos causa uma sensação de inferioridade. Por isso, qualquer coisa que sugira que estamos errados nos incomoda, pois é uma ameaça à nossa autoestima. Temos um mecanismo de defesa, chamado "dissonância cognitiva", que tenta, de forma subconsciente, bloquear nossa busca pela verdade toda vez que somos ameaçados em nossas certezas. Este mecanismo nos faz procurar justificativas e racionalizações para nossos erros, encobrindo-os e ignorando-os, ao invés de os tratarmos de maneira objetiva. Por isso é tão difícil a pessoa enxergar que errou e desagradou a D'us. Porém, no deserto era diferente, pois havia algo que diariamente demonstrava o nível de conexão das pessoas com D'us: o Man, que caía do céu e alimentava o povo judeu. Quando o Man caía de manhã cedo, não caía para todos no mesmo lugar. Se a pessoa era Tzadik (justa), o Man caía na porta de sua tenda e ela não precisava de nenhum esforço para buscá-lo. Mas se a pessoa não era Tzadik, seu Man caía longe de sua tenda.

Explicam nossos sábios que quando Moshé utilizou a palavra "Boker", ele estava transmitindo a seguinte mensagem para Korach: "Querido primo, até hoje você sempre foi um grande Tzadik, e a prova disso é que o Man cai todas as manhãs na porta da sua tenda. Mas vamos ver amanhã de manhã, após você ter iniciado esta rebelião, onde o seu Man vai cair". Moshé estava demonstrando para Korach, de maneira lógica e verificável, que a rebelião era um grande erro. Ele estava dando a chance de Korach entender que a rebelião era uma transgressão tão grave aos olhos de D'us que mudaria seu status, de um dia para o outro, de Tzadik para Rashá (malvado). Era a chance de Korach enxergar que estava errado e se arrepender.

Korach não se abalou, pois estava confiante na retidão dos seus atos. Mas o que aconteceu na manhã seguinte? O Man de Korach caiu longe de sua tenda, exatamente conforme Moshé havia advertido, demonstrando de forma clara que D'us estava descontente com ele. O que deveria ter ocorrida após esta incrível prova Divina da culpa de Korach? Ele deveria ter se arrependido pelo seu erro, começando com um pedido público de desculpas a Moshé por todas as ofensas e zombarias que ele havia feito. Ao perceber que não estava agradando a D'us com seu ato, Korach deveria ter mudado. Deveria ter reunido todos os rebeldes, que ele havia pessoalmente convencido a se unirem em um plano para derrubar Moshé, e explicado que ele havia se enganado. Mas infelizmente sabemos que não foi este o final da história.

Como pode ser que Korach, uma pessoa tão elevada, não enxergou a mensagem explícita de D'us? Por que ele não mudou, mesmo após ter visto que estava errado? Explica o Rav Shmuel Greineman shlita que quando uma pessoa está obstinada, ela fica cega e não consegue enxergar seus erros, mesmo quando são muito graves. Ao invés de assumir seu erro, a pessoa obstinada procura justificativas e racionalizações para sua transgressão. Foi exatamente isto o que aconteceu com Korach. Ao ver de manhã que o Man realmente havia caído longe de sua tenda, ao invés de entender que ele estava errado e que sua rebelião era uma transgressão, ele racionalizou e interpretou a mensagem de D'us justamente ao contrário. Ele juntou seus seguidores e anunciou: "Hoje meu Man caiu longe da minha tenda. Isto é um sinal de que D'us está bravo conosco. E o único motivo que pode explicar a irritação de D'us é que não estamos nos levantando contra a dominação de Moshé com toda a força que deveríamos. D'us quer que continuemos nossa rebelião contra Moshé, mas com mais força e determinação". Korach continuou com sua rebelião até o fim, completamente obstinado, causando não apenas a sua morte precoce, mas também a morte de sua família e de todos os seus seguidores.

É assustador ver Korach, um homem com um potencial espiritual tão grande, ter caído de maneira tão "infantil", tentando interpretar a bronca de D'us como se tivesse sido um incentivo à sua rebelião. E se alguém naquele nível estava sujeito a esta confusão, muito mais nós, que estamos em um nível espiritual mais baixo. Então o que fazer para não cairmos no mesmo erro de Korach? Como ter certeza de que as nossas decisões não estão sendo influenciadas, de forma subconsciente, pelas nossas vontades de estarmos sempre certos?

A resposta está em um importante ensinamento dos nossos sábios: "Faça para você um rabino e adquira para você um amigo" (Pirkei Avót 1:6). O rabino é um conhecedor das leis do mundo espiritual que, baseado nos ensinamentos da Torá, pode nos aconselhar e nos orientar em diversas áreas da vida. Já um amigo de verdade, cuja amizade valeria a pena mesmo que fosse necessário pagar por ela, é aquele que nos dá uma bronca sempre que nos vê fazendo algo errado. O ponto em comum entre o rabino e o amigo verdadeiro é que, por estarem isentos dos nossos interesses e desejos pessoais que nos desviam da verdade, e por se importarem de verdade com o nosso crescimento, conseguem nos ajudar de uma maneira mais objetiva.

Gostamos da sensação de estarmos sempre certos, e por isso é tão difícil buscar a verdade. Mas aprendemos de Korach que viver em uma mentira pode ser trágico. Não podemos confiar apenas em nós mesmos, pois estamos sempre muito suscetíveis a nos enganarmos. Por isso é importante buscar constantemente o aconselhamento das pessoas que realmente gostam tanto de nós que saberão nos dar, por amor, uma bronca quando for necessário. 

SHABAT SHALOM                                           
Rav Efraim Birbojm
Nm. 16:1-18:32, 1 Sm. 11:14-12:22
 

terça-feira, 16 de junho de 2015

APRENDENDO COM OS ERROS - PARASHÁ SHELACH 5775

 
"Os japoneses sempre foram grandes consumidores de peixe. Porém, chegou um momento em que a pesca era feita de maneira tão indiscriminada que as águas perto da costa do Japão já não produziam mais o suficiente para suprir a demanda. Por isso, para continuar mantendo o mercado abastecido, uma empresa de pesca do Japão aumentou o tamanho dos seus navios pesqueiros e começou a pescar em alto-mar. Mas quanto mais longe os pescadores iam, mais tempo levava para o peixe chegar, e já não estavam mais tão frescos, não agradando ao paladar dos japoneses.
                       
Uma segunda empresa aprendeu com o erro da primeira empresa e teve uma ideia inovadora: instalou congeladores em seus barcos. Eles pescavam em alto-mar e, para evitar que os peixes perdessem o frescor, os congelavam durante a volta. Os congeladores permitiram que os pesqueiros fossem cada vez mais longe e ficassem em alto-mar por muito mais tempo. Entretanto, os japoneses conseguiam sentir no gosto a diferença entre um peixe fresco e um peixe congelado, e o preço do peixe começou a despencar no mercado.

Uma terceira empresa aprendeu com os erros da segunda empresa e tentou mudar a técnica. Esta empresa instalou tanques de água nos navios pesqueiros. Eles podiam pescar em alto-mar e manter os peixes vivos nos tanques até voltarem, mantendo os peixes frescos. Porém, pelo pouco espaço dos tanques, os peixes pescados não se moviam muito. Nestas condições, eles acabavam liberavam toxinas, que causavam diferença no gosto do peixe, além de colocar a saúde dos japoneses em risco. Novamente a solução não agradou aos consumidores.

Finalmente uma quarta empresa, após refletir muito e aprender com os erros das empresas anteriores, desenvolveu uma técnica genial. Para conservar o gosto de peixe fresco, esta empresa de pesca ainda colocava os peixes dentro de tanques. Mas eles adicionavam um pequeno tubarão em cada tanque. O tubarão comia alguns peixes, mas a maioria deles chegava vivo. E não apenas vivos, mas também frescos, pois como havia um tubarão no tanque, os peixes não paravam de se movimentar o tempo inteiro, e por isso as toxinas não eram produzidas. Somente então o consumo de peixe fresco finalmente voltou ao normal".

Podemos viver através de tentativas e erros. Mas podemos fazer algo muito mais genial: aprender com os erros dos outros, para acertar onde os outros erraram. Esta é uma das principais chaves do sucesso na vida.

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A Parashá desta semana, Shelach, começa descrevendo o episódio dos 12 homens que foram enviados para espionar a Terra de Israel, mas 10 deles acabaram cometeram o gravíssimo erro de falar mal da terra, o que causou trágicas consequências, tanto para aquela geração, que foi proibida de entrar em Israel, quanto para as futuras gerações. Ao escutar o relato negativo e a afirmação dos espiões de que não era possível conquistar a Terra de Israel, o povo judeu perdeu a Emuná (fé) em D'us e chorou. D'us decretou que aquele dia, 9 de Av, seria um dia de choro para todas as gerações. Neste mesmo dia os dois Templos Sagrados foram destruídos, os judeus da Espanha e Portugal foram expulsos, e outras tragédias aconteceram ao povo judeu durante a história. Já a Parashá da semana passada, Behaalotechá, terminou com o episódio do castigo que Miriam recebeu por ter falado sobre seu irmão, Moshé, de uma maneira negativa, apesar de seu comentário não ter sido feito com más intenções. Por que a Torá juntou os dois eventos? Qual a conexão entre o erro de Miriam e o erro dos espiões?

Rashi (França, 1040 - 1105) explica a conexão dos dois eventos citando as palavras de um Midrash (parte da Torá Oral): "Pois ela (Miriam) foi punida por causa de sua fala negativa em relação ao seu irmão, e estes Reshaim (malvados) viram e não aprenderam disso". Porém, é difícil entender as palavras do Midrash, pois parece que o foco está no fato dos espiões não terem aprendido com o erro de Miriam. Por que o Midrash focou em algo aparentemente secundário, ao invés de ter ressaltado o erro de terem falado negativamente de Israel, a Terra Prometida ao povo judeu desde a época dos nossos patriarcas?

Responde o Rav Yerucham Leibovitz zt"l (Bielorússia, 1873 - 1936) que certamente o pior erro dos espiões foi ter falado mal da Terra de Israel, mas como este erro é mais facilmente percebido, não precisava de tanto destaque. O que Midrash quer ressaltar é que os espiões também eram culpados por uma outra grave falha, que talvez passaria desapercebida por nós: o fato deles não terem internalizado e, consequentemente não terem aprendido nada para a vida deles, com o incidente de Miriam, que havia ocorrido diante dos olhos deles. O Midrash quis enfatizar que aprender com os erros dos outros é um importante fundamento para o nosso crescimento espiritual, e a perda desta oportunidade é considerada uma grande falha. Os espiões perderam a excelente oportunidade de, ao aprender com o erro dos outros, conseguir evitar o grave erro que eles mesmos cometeram. Se eles tivessem prestado atenção às terríveis consequências da fala negativa, certamente teriam tomado mais cuidado.

Nossos sábios ensinam que é muito importante aprendermos com os nossos erros, para não voltarmos a cair novamente se passarmos pelos mesmos testes. Mas é ainda mais importante aprender com os erros dos outros, pois assim podemos nos cuidar e evitar cometer estes erros. Além disso, há outro grande beneficio em aprender com os erros dos outros. Em relação aos nossos próprios erros, normalmente somos tendenciosos, dificilmente assumimos nossa culpa. Isto dificulta a percepção de qual foi exatamente a nossa falha, nos fazendo perder a objetividade. Mas quando olhamos os erros dos outros não somos tendenciosos, e por isso é muito mais fácil sermos objetivos e aprendermos algo concreto para nossas vidas.

Este conceito ensinado na Parashá nos ajuda a entender um importante ensinamento dos nossos sábios: "Quem é sábio? Aquele que aprende com todas as pessoas" (Pirkei Avót 4:1). É fácil entender o quanto temos para aprender com as pessoas sábias e corretas, mas o que podemos aprender com pessoas que vivem de maneira equivocada? A resposta é que de pessoas corretas e sábias podemos aprender principalmente de sua sabedoria e seus bons exemplos, enquanto de pessoas que não vivem da maneira correta podemos aprender principalmente de seus erros, nos esforçando para evitar estas mesmas falhas e suas consequências.

Este é um dos principais propósitos de estudarmos o Tanach (Torá, Profetas e Escrituras). O Tanach está repleto de histórias, que aconteceram com indivíduos ou até mesmo com povos inteiros, e em nenhum momento D'us tenta encobrir os erros cometidos. Por que o Tanach não foi "embelezado", ressaltando os bons atos e ignorando os erros dos nossos antepassados? Em primeiro lugar, pois a Torá é um livro de Emet (verdade), um livro que descreve seres humanos normais, que fazem coisas boas, mas que algumas vezes também cometem erros. Mesmo os maiores líderes do povo judeu não foram anjos, foram pessoas de carne e osso, como nós, e apesar dos atos grandiosos que fizeram, algumas vezes também cometeram erros. Além disso, D'us não quis ocultar nenhum erro, mesmo aqueles cometidos pelos maiores Tzadikim (justos), justamente para nos dar a possibilidade de aprendermos algo para nossa vida. Podemos extrair, de cada história do Tanach, ensinamentos que nos ajudem a evitar erros em nossas decisões cotidianas.

O Rav Eliahu ben Shlomo Zalman zt"l (Lituânia, 1720 - 1797), mais conhecido como Gaon Mi Vilna, também utiliza este conceito para explicar um interessante ensinamento dos nossos sábios: "Rabi Chanania ben Akashia diz: D'us queria dar méritos para Israel (povo judeu), portanto Ele multiplicou para eles a Torá e as Mitzvót". O que significa "multiplicou a Torá e as Mitzvót"? Segundo o Gaon Mi Vilna, não se refere apenas às 613 Mitzvót da Torá, mas às milhares de Mitzvót que se encontram nas histórias descritas pelo Tanach e pelo Talmud (Torá Oral), pois estas histórias não foram escritas para nos entreter, e sim mas para nos ensinar importantes lições que elas carregam e nos possibilitar aplicar este aprendizado em nossas próprias vidas.

Quando a Torá registrou o Lashon Hará (maledicência) de Miriam e suas graves consequências, não era apenas para que os espiões aprendessem e evitassem o mesmo erro, mas também para cada um de nós. Temos a grande obrigação, que na verdade é uma enorme oportunidade, de aprendermos com os erros dos outros e assim evitarmos cair nestes mesmos erros. Infelizmente muitos enxergam a Torá como se fosse simplesmente um "livro de histórias". Mas a Torá é muito mais do que isso, são instruções, muitas vezes ensinadas através de exemplos, de como viver a vida da maneira correta, de como lidar com cada tipo de situação, um verdadeiro "Manual de Instruções" da vida.

É muito fácil questionarmos como pessoas tão grandes como os espiões acabaram caindo em um erro tão grave. O difícil é enxergar o quanto nós também perdemos oportunidades de aprender como os erros dos outros, através dos quais poderíamos evitar cair exatamente nos mesmos erros.

"Sábios aprendem com os erros dos outros. Espertos aprendem com seus próprios erros. Tolos não aprendem com nada"

SHABAT SHALOM                                           

Rav Efraim Birbojm
Nm. 13:1-15:41, Js 2:1-24

sexta-feira, 5 de junho de 2015

FAGULHA DIVINA - PARASHÁ BEHAALOTECHÁ 5775

"O Rav Elazar Man Shach z"l (Lituânia, 1899 - Israel, 2001), o famoso Rosh Yeshivá (Diretor) de Ponovitch, além de ter sido um gigante espiritual em termos do estudo da Torá, também era muito conhecido por sua incrível sensibilidade e pelo respeito que tinha com todas as pessoas, independentemente de quem fosse.

Talvez uma das histórias que mais demonstram este cuidado com a honra dos outros ocorreu quando o Rav Shach teve que passar por um tratamento médico extremamente doloroso. Além da dor que naturalmente seria causada pelo tratamento, a família do Rav Shach percebeu que o médico não era um profissional muito habilidoso e acabava, sem intenção, causando mais dor do que o necessário durante o tratamento.

Após algum tempo, vendo que a inabilidade do médico persistia e a dor do tratamento era muito intensa, a família do Rav Shach começou a recomendar que ele interrompesse o tratamento com aquele médico e procurasse outro médico para concluir o tratamento, mas O Rav Shach se recusava. E assim ele explicava aos familiares:

- Eu tenho muito medo de mudar de médico, pois este médico acabará sabendo que eu continuei o tratamento com outra pessoa e isso vai certamente ferir os seus sentimentos"

Isto quer dizer que o Rav Shach chegou ao incrível nível de preferir sentir dores físicas intensas a causar qualquer tipo de sentimento negativo em outra pessoa, mesmo que não era ninguém próximo nem famoso.

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A Parashá desta semana, Behaalotechá, termina com um ensinamento que é de extrema importância para a nossa geração. A Torá nos conta que Miriam e Aharon, irmãos de Moshé, estavam conversando e acabaram fazendo um comentário crítico sobre Moshé. No comentário crítico não havia nenhuma maldade, apenas Miriam não havia entendido uma decisão que Moshé havia tomado em sua vida pessoal e ficou incomodada. Qual havia sido o erro nos cálculos de Miriam? Moshé estava em um nível de profecia muito maior do que qualquer outro ser humano, mas ela achou que não havia nenhuma diferença entre Moshé e outros profetas do povo judeu, e por isso pensou que a decisão que ele havia tomado era equivocada. D'us pessoalmente repreendeu Miriam por seu ato, explicando que o nível de Moshé estava muito acima de qualquer outro profeta. Por causa de seu Lashon Hará (maledicência), Miriam foi castigada com Tzaraat (doença espiritual, com manifestações físicas muito parecidas com a lepra) e precisou sair do acampamento, isolando-se do resto do povo por sete dias, e somente depois ela pôde voltar e passar pelos processos necessários de purificação.

Por que D'us deu tanto destaque para o castigo de Miriam, deixando gravado para sempre na Torá este episódio? Pois nos ajuda a fazer uma importante reflexão em relação aos nossos maus atos. Miriam falou mal de Moshé, mas sem nenhuma intenção de denegri-lo ou prejudicá-lo. Ela amava seu irmão e queria apenas o seu bem, e Moshé imediatamente perdoou-a por seu comentário. Apesar disso, seu ato foi considerado um grave Lashon Hará e ela foi duramente castigada. Se mesmo com amor e sem intenção de denegrir o castigo de Miriam foi tão duro, então daqui aprendemos que muito maior será o castigo daqueles que usam um dos maiores dons do ser humano, a fala, para machucar, ofender e denegrir o próximo.

Infelizmente o nosso Beit-Hamikdash (Templo Sagrado) foi destruído por causa do Lashon Hará e, apesar de mais de dois mil anos já terem se passado, ainda não tivemos o mérito de reconstruí-lo, pois continuamos caindo na terrível transgressão de Lashon Hará. Mas por que as pessoas falam tanto Lashon Hará? Nos cuidamos tanto com Kashrut, com o Shabat e com tantas outras Mitzvót, então por que não tomamos cuidado para não falar mal dos outros? Um dos principais motivos é que não damos às pessoas o seu devido valor. Nos achamos melhores que os outros, e por isso pensamos que temos o direito de denegrir e criticar quando alguém faz algo errado. Aos nossos olhos achamos que estamos sempre certos e os outros estão sempre errados. Então como podemos trabalhar nossas Midót (traços de caráter) para conseguir olhar as pessoas de uma maneira mais positiva? Como fazer para evitar a terrível transgressão do Lashon Hará?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em uma incrível característica que Moshé Rabeinu desenvolveu. Quando D'us repreendeu Miriam por ela ter diminuído a importância de Moshé, Ele começou a citar diversas qualidades que tornavam Moshé uma pessoa única e especial. Entre elas, D'us relatou que Moshé tinha a incrível capacidade de "olhar a imagem de D'us" (Bamidbar 12:8). O que isto significa?

Superficialmente a Torá está nos ensinando que Moshé tinha um dom de profecia tão especial que permitia a ele enxergar D'us de uma maneira como nenhum outro ser humano conseguia. Porém, se olharmos com atenção a linguagem do versículo, perceberemos que há algo fora do comum. O verbo utilizado para "olhar" é "Yabit", que não é comumente utilizado na Torá. Outra exceção da Torá onde esse mesmo verbo aparece é um versículo em relação à Avraham Avinu: "E (D'us) levou-o para fora e disse: 'Olhe para o céu e conte as estrelas'" (Bereshit 15:5). Rashi (França, 1040 - 1105), ao comentar este versículo sobre Avraham Avinu, explica que o verbo "Habet" significa "olhar de cima para baixo", isto é, desde um ponto de vista mais alto para um ponto de vista mais baixo.

No caso de Avraham é possível entender a utilização do verbo "Habet". As estrelas e constelações, chamadas de "Mazalót", exercem muita influência sobre a vida dos seres humanos, tudo de acordo com a sabedoria e os decretos de D'us. Quando a Torá escreve que D'us levou Avraham para fora e ordenou-o a olhar as estrelas de cima para baixo, é para nos ensinar que Avraham havia chegado a um nível espiritual tão alto que foi elevado acima da influência espiritual das estrelas, pois havia se conectado diretamente com D'us. A linguagem "Habet", neste caso, ressalta que a partir daquele momento Avraham estava acima das estrelas, e para olhar para elas precisava olhar para baixo. Mas como entender a utilização do verbo "Habet" em relação a Moshé?

De todas as excelentes qualidades de Moshé, a Torá repetidas vezes exalta a maior delas: a humildade. Logo depois de Miriam ter criticado Moshé está escrito: "E o homem Moshé era muito humilde, mais do que qualquer pessoa na face da Terra" (Bamidbar 12:3). Por que justamente neste momento a Torá quis ressaltar a humildade de Moshé? De acordo com o Ramban (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270), apesar de ter sido criticado por Miriam, Moshé era tão humilde que não se defendeu, e por isso D'us veio pessoalmente intervir. Moshé poderia se levantado para defender sua honra, certamente tinha argumentos que comprovavam que ele estava certo, pois até mesmo D'us concordou com sua atitude, mas mesmo assim ele preferiu ficar em silêncio. Poucos são os que conseguem ficar em silêncio quando são ofendidos. E o silêncio de Moshé não vinha de sua natureza pacata ou por ter medo de se levantar e enfrentar os outros, pois quando foi necessário confrontar o Faraó e se levantar contra o egípcio que golpeava um judeu, ele o fez sem hesitar. O silêncio de Moshé vinha de sua incrível humildade.

Mas afinal, o que é humildade? De acordo com o Rav Moshé Cordovero (Israel, 1522-1570), um dos maiores Cabalistas da história do povo judeu, humildade é a habilidade de uma pessoa de grande estatura de se relacionar com pessoas de menor estatura sem demonstrar, e nem mesmo sentir, que é superior. E esta característica vem da capacidade de conseguir enxergar o verdadeiro valor de cada ser humano.

Com todos estes conceitos reunidos conseguimos entender o grande elogio dado por D'us a Moshé. Quando a Torá fala que Moshé "olhava de um ponto de vista mais alto para um ponto de vista mais baixo e enxergava a imagem de D'us", isto significa que Moshé, apesar de estar em um nível espiritual muito acima de qualquer outro ser humano, conseguia enxergar que cada pessoa foi criada à imagem e semelhança de D'us, e por isso ele sabia que cada pessoa é tão especial e única. Ele olhava para baixo e enxergava a imagem de D'us que havia em cada ser humano, e por isso entendia o valor infinito de cada um. Assim ele conseguiu atingir a verdadeira humildade. Mesmo sendo o maior dos profetas, mesmo estando acima de todas as outras pessoas, Moshé conseguia enxergar a grandeza dos outros. Isto fez com que ele, durante toda sua vida, conseguisse lidar com cada ser humano como se ele fosse uma pessoa única e de muito valor.

Normalmente as pessoas que se destacam acabam se considerando melhores do que os outros, e por isso podem acabar até mesmo desprezando e causando sofrimentos a outras pessoas. Moshé é o nosso modelo de conduta. Apesar de ser um gigante espiritual, ele não se sentia melhor do que ninguém, e por isso tratava a todos com o devido respeito. Ele enxergava a fagulha Divina presente em cada ser humano, e por isso tomava muito cuidado para nunca desrespeitar nenhuma pessoa. E muitos gigantes do povo judeu seguiram os ensinamentos de Moshé e, apesar de terem se destacado tanto em seu conhecimento de Torá, conseguiam respeitar cada ser humano e enxergar nele a fagulha Divina presente.

A grande maioria das pessoas, quando quer enxergar D'us, precisa olhar para cima. Mas Moshé, um gigante espiritual, foi um dos poucos que conseguiu enxergar D'us mesmo quando olhava para baixo.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Nm. 8:1-12:16, Zc 2:10 -4:7