sexta-feira, 5 de junho de 2015

FAGULHA DIVINA - PARASHÁ BEHAALOTECHÁ 5775

"O Rav Elazar Man Shach z"l (Lituânia, 1899 - Israel, 2001), o famoso Rosh Yeshivá (Diretor) de Ponovitch, além de ter sido um gigante espiritual em termos do estudo da Torá, também era muito conhecido por sua incrível sensibilidade e pelo respeito que tinha com todas as pessoas, independentemente de quem fosse.

Talvez uma das histórias que mais demonstram este cuidado com a honra dos outros ocorreu quando o Rav Shach teve que passar por um tratamento médico extremamente doloroso. Além da dor que naturalmente seria causada pelo tratamento, a família do Rav Shach percebeu que o médico não era um profissional muito habilidoso e acabava, sem intenção, causando mais dor do que o necessário durante o tratamento.

Após algum tempo, vendo que a inabilidade do médico persistia e a dor do tratamento era muito intensa, a família do Rav Shach começou a recomendar que ele interrompesse o tratamento com aquele médico e procurasse outro médico para concluir o tratamento, mas O Rav Shach se recusava. E assim ele explicava aos familiares:

- Eu tenho muito medo de mudar de médico, pois este médico acabará sabendo que eu continuei o tratamento com outra pessoa e isso vai certamente ferir os seus sentimentos"

Isto quer dizer que o Rav Shach chegou ao incrível nível de preferir sentir dores físicas intensas a causar qualquer tipo de sentimento negativo em outra pessoa, mesmo que não era ninguém próximo nem famoso.

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A Parashá desta semana, Behaalotechá, termina com um ensinamento que é de extrema importância para a nossa geração. A Torá nos conta que Miriam e Aharon, irmãos de Moshé, estavam conversando e acabaram fazendo um comentário crítico sobre Moshé. No comentário crítico não havia nenhuma maldade, apenas Miriam não havia entendido uma decisão que Moshé havia tomado em sua vida pessoal e ficou incomodada. Qual havia sido o erro nos cálculos de Miriam? Moshé estava em um nível de profecia muito maior do que qualquer outro ser humano, mas ela achou que não havia nenhuma diferença entre Moshé e outros profetas do povo judeu, e por isso pensou que a decisão que ele havia tomado era equivocada. D'us pessoalmente repreendeu Miriam por seu ato, explicando que o nível de Moshé estava muito acima de qualquer outro profeta. Por causa de seu Lashon Hará (maledicência), Miriam foi castigada com Tzaraat (doença espiritual, com manifestações físicas muito parecidas com a lepra) e precisou sair do acampamento, isolando-se do resto do povo por sete dias, e somente depois ela pôde voltar e passar pelos processos necessários de purificação.

Por que D'us deu tanto destaque para o castigo de Miriam, deixando gravado para sempre na Torá este episódio? Pois nos ajuda a fazer uma importante reflexão em relação aos nossos maus atos. Miriam falou mal de Moshé, mas sem nenhuma intenção de denegri-lo ou prejudicá-lo. Ela amava seu irmão e queria apenas o seu bem, e Moshé imediatamente perdoou-a por seu comentário. Apesar disso, seu ato foi considerado um grave Lashon Hará e ela foi duramente castigada. Se mesmo com amor e sem intenção de denegrir o castigo de Miriam foi tão duro, então daqui aprendemos que muito maior será o castigo daqueles que usam um dos maiores dons do ser humano, a fala, para machucar, ofender e denegrir o próximo.

Infelizmente o nosso Beit-Hamikdash (Templo Sagrado) foi destruído por causa do Lashon Hará e, apesar de mais de dois mil anos já terem se passado, ainda não tivemos o mérito de reconstruí-lo, pois continuamos caindo na terrível transgressão de Lashon Hará. Mas por que as pessoas falam tanto Lashon Hará? Nos cuidamos tanto com Kashrut, com o Shabat e com tantas outras Mitzvót, então por que não tomamos cuidado para não falar mal dos outros? Um dos principais motivos é que não damos às pessoas o seu devido valor. Nos achamos melhores que os outros, e por isso pensamos que temos o direito de denegrir e criticar quando alguém faz algo errado. Aos nossos olhos achamos que estamos sempre certos e os outros estão sempre errados. Então como podemos trabalhar nossas Midót (traços de caráter) para conseguir olhar as pessoas de uma maneira mais positiva? Como fazer para evitar a terrível transgressão do Lashon Hará?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em uma incrível característica que Moshé Rabeinu desenvolveu. Quando D'us repreendeu Miriam por ela ter diminuído a importância de Moshé, Ele começou a citar diversas qualidades que tornavam Moshé uma pessoa única e especial. Entre elas, D'us relatou que Moshé tinha a incrível capacidade de "olhar a imagem de D'us" (Bamidbar 12:8). O que isto significa?

Superficialmente a Torá está nos ensinando que Moshé tinha um dom de profecia tão especial que permitia a ele enxergar D'us de uma maneira como nenhum outro ser humano conseguia. Porém, se olharmos com atenção a linguagem do versículo, perceberemos que há algo fora do comum. O verbo utilizado para "olhar" é "Yabit", que não é comumente utilizado na Torá. Outra exceção da Torá onde esse mesmo verbo aparece é um versículo em relação à Avraham Avinu: "E (D'us) levou-o para fora e disse: 'Olhe para o céu e conte as estrelas'" (Bereshit 15:5). Rashi (França, 1040 - 1105), ao comentar este versículo sobre Avraham Avinu, explica que o verbo "Habet" significa "olhar de cima para baixo", isto é, desde um ponto de vista mais alto para um ponto de vista mais baixo.

No caso de Avraham é possível entender a utilização do verbo "Habet". As estrelas e constelações, chamadas de "Mazalót", exercem muita influência sobre a vida dos seres humanos, tudo de acordo com a sabedoria e os decretos de D'us. Quando a Torá escreve que D'us levou Avraham para fora e ordenou-o a olhar as estrelas de cima para baixo, é para nos ensinar que Avraham havia chegado a um nível espiritual tão alto que foi elevado acima da influência espiritual das estrelas, pois havia se conectado diretamente com D'us. A linguagem "Habet", neste caso, ressalta que a partir daquele momento Avraham estava acima das estrelas, e para olhar para elas precisava olhar para baixo. Mas como entender a utilização do verbo "Habet" em relação a Moshé?

De todas as excelentes qualidades de Moshé, a Torá repetidas vezes exalta a maior delas: a humildade. Logo depois de Miriam ter criticado Moshé está escrito: "E o homem Moshé era muito humilde, mais do que qualquer pessoa na face da Terra" (Bamidbar 12:3). Por que justamente neste momento a Torá quis ressaltar a humildade de Moshé? De acordo com o Ramban (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270), apesar de ter sido criticado por Miriam, Moshé era tão humilde que não se defendeu, e por isso D'us veio pessoalmente intervir. Moshé poderia se levantado para defender sua honra, certamente tinha argumentos que comprovavam que ele estava certo, pois até mesmo D'us concordou com sua atitude, mas mesmo assim ele preferiu ficar em silêncio. Poucos são os que conseguem ficar em silêncio quando são ofendidos. E o silêncio de Moshé não vinha de sua natureza pacata ou por ter medo de se levantar e enfrentar os outros, pois quando foi necessário confrontar o Faraó e se levantar contra o egípcio que golpeava um judeu, ele o fez sem hesitar. O silêncio de Moshé vinha de sua incrível humildade.

Mas afinal, o que é humildade? De acordo com o Rav Moshé Cordovero (Israel, 1522-1570), um dos maiores Cabalistas da história do povo judeu, humildade é a habilidade de uma pessoa de grande estatura de se relacionar com pessoas de menor estatura sem demonstrar, e nem mesmo sentir, que é superior. E esta característica vem da capacidade de conseguir enxergar o verdadeiro valor de cada ser humano.

Com todos estes conceitos reunidos conseguimos entender o grande elogio dado por D'us a Moshé. Quando a Torá fala que Moshé "olhava de um ponto de vista mais alto para um ponto de vista mais baixo e enxergava a imagem de D'us", isto significa que Moshé, apesar de estar em um nível espiritual muito acima de qualquer outro ser humano, conseguia enxergar que cada pessoa foi criada à imagem e semelhança de D'us, e por isso ele sabia que cada pessoa é tão especial e única. Ele olhava para baixo e enxergava a imagem de D'us que havia em cada ser humano, e por isso entendia o valor infinito de cada um. Assim ele conseguiu atingir a verdadeira humildade. Mesmo sendo o maior dos profetas, mesmo estando acima de todas as outras pessoas, Moshé conseguia enxergar a grandeza dos outros. Isto fez com que ele, durante toda sua vida, conseguisse lidar com cada ser humano como se ele fosse uma pessoa única e de muito valor.

Normalmente as pessoas que se destacam acabam se considerando melhores do que os outros, e por isso podem acabar até mesmo desprezando e causando sofrimentos a outras pessoas. Moshé é o nosso modelo de conduta. Apesar de ser um gigante espiritual, ele não se sentia melhor do que ninguém, e por isso tratava a todos com o devido respeito. Ele enxergava a fagulha Divina presente em cada ser humano, e por isso tomava muito cuidado para nunca desrespeitar nenhuma pessoa. E muitos gigantes do povo judeu seguiram os ensinamentos de Moshé e, apesar de terem se destacado tanto em seu conhecimento de Torá, conseguiam respeitar cada ser humano e enxergar nele a fagulha Divina presente.

A grande maioria das pessoas, quando quer enxergar D'us, precisa olhar para cima. Mas Moshé, um gigante espiritual, foi um dos poucos que conseguiu enxergar D'us mesmo quando olhava para baixo.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Nm. 8:1-12:16, Zc 2:10 -4:7

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