sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

UM POUCO MAIS DE SENSIBILIDADE - PARASHÁ VAERÁ 5774


"Carlos era uma pessoa simples. Teve uma infância muito pobre, mas batalhou na vida e conseguiu dar boas condições para sua família. Apesar de nunca ter estudado, conseguiu mandar seu filho para uma boa universidade fora do país. Certo dia, chegou em seu escritório um telegrama do seu filho, mas como ele não sabia ler, pediu para que um dos seus funcionários lesse. O funcionário, que havia crescido em uma casa muito abastada, leu o telegrama sem nenhuma sensibilidade, quase aos gritos:

- Pai, terminou meu dinheiro!!! Não tenho dinheiro nem mais para comer ou comprar roupas!!! Preciso de dinheiro urgente!!!

Carlos ficou muito irritado com o descaramento do filho. Jogou o telegrama sobre a mesa e decidiu que não mandaria nem mesmo um centavo ao filho. Ele que aprendesse a ser mais educado.

No dia seguinte, sua esposa passou no escritório e viu o telegrama sobre a mesa. Ela, que também tinha tido uma infância dura, com muitas privações, começou a ler e se emocionou muito:

- Pai, terminou meu dinheiro – e começou a chorar – Não tenho dinheiro nem mais para comer ou comprar roupas – Parou mais uma vez para chorar e finalizou – Preciso de dinheiro urgente...

A mãe mal conseguiu terminar de ler a carta, de tão emocionada. Carlos, ao escutar, falou:

- Já que agora ele está pedindo de maneira tão educada, com certeza vou mandar tudo o que ele precisa..."


A piada pode ser engraçada, mas a falta de sensibilidade com as necessidades do próximo não tem graça nenhuma. Temos que trabalhar muito para desenvolver nossa sensibilidade, a ponto de conseguirmos sentir de verdade o que o outro precisa.


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Na Parashá desta semana, Vaerá, após o Faraó ter se recusado a deixar o povo judeu sair em liberdade, D'us começou a demonstrar a Sua força através das terríveis pragas que devastaram completamente o Egito. Mas D'us não falava diretamente com o Faraó, e sim através de intermediários, como está escrito: "D'us falou com Moshé e Aharon e comandou a eles em relação aos Filhos de Israel e em relação ao Faraó, rei do Egito, para tirar os Filhos de Israel da terra do Egito" (Shemot 6:13). Mas o que significa este versículo? Podemos entender que D'us comandou ao Faraó que libertasse os judeus da escravidão, mas o que D'us comandou ao povo judeu em relação à sua própria libertação?

Explica o Talmud Yerushalmi (Rosh Hashaná 3:5) que o versículo está nos ensinando que os judeus, no momento de sua libertação, receberam um mandamento, a Mitzvá de "Shiloach HaEved". Que Mitzvá é esta? Havia algumas situações em que um judeu poderia se tornar escravo de outro judeu. Por exemplo, se alguém roubava e não tinha dinheiro para devolver o roubo, ele era vendido como escravo e o dinheiro da venda era utilizado para pagar a dívida. Porém, esta escravidão era apenas temporária, pois no ano de Shmitá (ano de descanso das terras em Israel, que ocorre a cada sete anos), os proprietários dos escravos tinham a Mitzvá de libertá-los. Este conceito também é mencionado nas palavras do profeta Irmiahu: "Assim disse Hashem, D'us de Israel: Eu fiz um pacto com seus antepassados no dia em que Eu os retirei do Egito, da casa da escravidão, dizendo: 'No final de sete anos, cada pessoa deve libertar seu irmão judeu'" (Irmiahu 34:13). Estas palavras enfatizam que a Mitzvá de "Shiloach HaEved" foi entregue no momento da libertação dos judeus.

Porém, esta explicação do Talmud Yerushalmi e as palavras do profeta Irmiahu despertam questionamentos. Em primeiro lugar, a Mitzvá de "Shiloach HaEved" somente se aplicava quando estava em vigor a Mitzvá do Yovel (Jubileu), que ocorria a cada 50 anos, ao fim de sete ciclos de Shmitá. Porém, a Mitzvá de Yovel somente começou a vigorar depois que o povo judeu conquistou e dividiu a Terra de Israel entre as tribos, anos depois da morte de Moshé. Portanto, por que D'us achou necessário nos ordenar esta Mitzvá antes mesmo da entrega da Torá no Monte Sinai? Algumas Mitzvót, como o Shabat, foram entregues antes do Monte Sinai para que o povo judeu pudesse cumpri-las imediatamente, mas por que a urgência na Mitzvá de "Shiloach HaEved", se de qualquer maneira ela só poderia ser cumprida depois?

Além disso, ensinam os nossos sábios que o decreto do primeiro exílio do povo judeu foi selado justamente pelo povo ter abandonado a Mitzvá de "Shiloach HaEved". Entendemos que D'us se aborrece quando não cumprimos Suas Mitzvót, mas o que há de tão especial nesta Mitzvá, cujo descumprimento resultou em um castigo tão duro?

Explica o Rav Chaim Shmulevitz (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) que antes de tudo precisamos sentir o quanto era difícil para o povo judeu cumprir a Mitzvá de "Shiloach HaEved". Temos que imaginar como se sentia uma pessoa que havia se acostumado, durante sete anos, com o escravo que ele havia adquirido, e o quanto ele dependia do trabalho deste escravo. Por isso, quando chegava o ano de Shmitá, era um teste muito difícil para as pessoas libertarem seus escravos. Porém, por outro lado, as pessoas não podiam esquecer que o escravo não estava contente com a sua situação e desejava muito ser libertado. Ele contava os dias que faltavam para tirar de suas costas o terrível peso da escravidão. Portanto, o que significa que as pessoas deixaram de cumprir a Mitzvá de "Shiloach HaEved"? Que elas se tornaram egoístas, começaram a pensar apenas nas suas próprias necessidades, ignorando os sofrimentos e o sonho de liberdade dos escravos.

Mas se esta Mitzvá era tão difícil de ser cumprida, pelo apego que os donos tinham com seus escravos, por que D'us foi tão duro quando o povo judeu deixou de cumpri-la? Pois D'us havia nos comandado a Mitzvá de "Shiloach HaEved" justamente quando saímos do Egito, da "casa da escravidão", no momento em que estávamos sentindo na própria pele a alegria da grande libertação. Este momento, em que saímos da escravidão para a liberdade, da escuridão para a luz, era o momento ideal para aprender e guardar para sempre a Mitzvá de libertar os escravos, mesmo que o cumprimento dela só ocorreria muitos anos depois. D'us queria aproveitar aquele sentimento, vivenciado pelo povo inteiro, para deixar para sempre a marca nos nossos corações. Ele nos ensinou que, da mesma maneira que estávamos nos sentindo eufóricos com a nossa libertação, assim também futuramente deveríamos ter a sensibilidade com os nossos escravos, que queriam muito voltar para casa, e este sentimento deveria nos ajudar a vencer a dificuldade de libertá-los. D'us foi tão rigoroso no nosso castigo pelo fato de termos sentido na pele o peso da escravidão e mesmo assim não termos nos importado com o sofrimento dos escravos. E mesmo se nós não sentimos pessoalmente, nós relembramos todos os anos, em especial no Seder de Pessach, o quanto foi pesada a nossa escravidão no Egito. Isto deveria ter aberto o coração do povo judeu em todas as gerações.

Desta Parashá aprendemos o quanto D'us exige que sejamos sensíveis com as pessoas que estão passando por dificuldades e sofrimentos. Como chegar neste nível e vencer o nosso egoísmo? Uma das Mitzvót mais importantes da Torá é "Ame ao teu próximo como a ti mesmo" (Vayikrá 19:18). O nosso sábio Hilel (Babilônia, 110 a.e.c – Israel, 10 e.c) explicou esta Mitzvá de uma maneira mais prática: "Não faça aos outros o que você não gosta que te façam". Refletindo sobre as coisas que nos incomodam e nos causam sofrimento, desenvolveremos nossa sensibilidade com os outros. É importante sempre tentar sentir a dor do próximo, mas é ainda mais importante entender a dor dos outros quando nós já passamos pela mesma dificuldade e sentimos, na nossa própria pele, o quanto doeu.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 6:2-9:35, Ez. 28:25-29:21

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

LUTANDO CONTRA D'US - PARASHÁ SHEMOT 5774

Há cerca de 200 anos viveu um homem temente a D'us, chamado Sr. Moshe Soloveitchik. Como ele havia herdado uma grande fortuna dos seus pais, e entre os bens estavam gigantescas florestas, decidiu entrar no ramo madeireiro, cortando árvores e vendendo com um bom lucro. Na época, a madeira era muito necessária, tanto para cozinhar quanto para o aquecimento das casas no rigoroso inverno europeu.

O Sr. Moshe também era uma pessoa de bom coração. Ele não media esforços para ajudar os necessitados. Sua casa estava com as portas sempre abertas para os pobres, e ele sustentava com alegria muitas instituições de Torá. Porém, por causa dos seus negócios, ele não podia dedicar muito tempo para o estudo da Torá, apesar de gostar muito.

Mas apesar de tanta filantropia, um dia os negócios começaram a desandar e o Sr. Moshe perdeu toda sua fortuna. Todos questionaram como um homem tão caridoso poderia perder de repente toda a sua fortuna. Até mesmo o Rav Chaim Vologziner (Lituânia, 1749 - 1821), o maior rabino da geração, que era muito próximo do Sr. Moshe, se preocupou e convocou algumas pessoas para investigarem as causas espirituais de tamanha perda financeira. Talvez o Sr. Moshe estivesse fazendo transações ilegais, por isso eles foram diretamente procurar nos livros de contabilidade, mas absolutamente nada, nem mesmo uma única transação suspeita, foi encontrada. A única falha que eles encontraram foi que o Sr. Moshe doava para caridade muito mais do que 20% dos seus lucros, ultrapassando o limite permitido pela Halachá (Lei Judaica). Mas o Rav Chaim Vologziner imediatamente rechaçou a hipótese, pois era inaceitável que D'us puniria de forma tão dura uma pessoa por ter um coração tão caridoso.

O que aconteceu após o Sr. Moshe perder todo o seu dinheiro? Ele poderia ter trabalhado dia e noite até reconstruir sua fortuna, de uma forma obstinada e sem limites. Mas ele fez diferente. Ele aceitou a vontade Divina e, agora que lhe sobrava tempo, foi para o Beit Midrash (Centro de estudos de Torá) se dedicar exclusivamente ao estudo da Torá. Pouco a pouco ele revelou talentos ocultos e foi avançando firmemente, até se tornar um dos maiores estudantes de Torá de sua cidade. O Sr. Moshe Soloveitchik, um homem de negócios com poucos conhecimentos de Torá, tornou-se em poucos anos o Rav Moshe Soloveitchik. Com o tempo, ele assumiu o posto de "Av Beit Din" (Chefe do Tribunal Rabínico) da cidade de Kovno. Ele encorajou seus filhos a seguirem seus passos e eles aceitaram o desafio, tornando-se também pessoas muito sábias. Começava então a dinastia dos "Brisk Rav", que encheu o mundo de sabedoria da Torá. Desta dinastia saíram gigantes de Torá como o Beit HaLevi (1820 - 1892), o Rav Chaim Soloveitchik (1853 - 1919) e o Brisker Rav (1886 – 1959).

Somente muito tempo depois o Rav Chaim Vologziner entendeu porque o Rav Moshe Soloveitchik havia perdido toda sua fortuna de uma só vez. Suas ocupações com os negócios não deixavam ele se ocupar com seu maior potencial: o estudo da Torá. D'us então removeu o que o impedia de crescer, abrindo o caminho para que o mundo se enchesse um pouco mais com a luz da Torá.
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Nesta semana começamos o segundo livro da Torá, Shemot. E a Parashá da semana, Shemot, começa a descrever a terrível escravidão do povo judeu no Egito. Um dos piores sofrimentos pelos quais o povo judeu passou foi quando os astrólogos do Faraó previram que estava para nascer o salvador do povo judeu. O Faraó fez grandes esforços para impedir a vinda deste salvador, incluindo o decreto de que todo bebê que nascesse fosse atirado no rio Nilo. O Rav Yaacov Kanievsky, mais conhecido como Steipler (Ucrânia, 1899 – Israel, 1985), ressalta a ironia dos eventos que sucederam o decreto do Faraó. Para salvar a vida de Moshé, sua mãe Yocheved o colocou em uma cesta à deriva no rio Nilo. E ninguém menos do que Batia, a filha do Faraó, encontrou a cesta onde estava Moshé e decidiu criá-lo. Isto quer dizer que o Faraó fez todos os esforços possíveis para matar o salvador do povo judeu, mas acabou criando e alimentando-o em seu próprio palácio.

Explica o Steipler que daqui aprendemos um importante fundamento: quando D'us decreta algo, é impossível mudar Seus planos, mesmo com os maiores esforços. O Faraó se equivocou, achando que seus atos seriam suficientes para mudar o que estava decretado nos mundos espirituais. Ele quis que sua vontade se cumprisse à força, pois vivia na ilusão de que tinha o controle de tudo.

Infelizmente muitas vezes nós também nos comportamos como o Faraó e achamos que temos o controle de tudo. Somos teimosos a ponto de colocarmos nossas forças e energias para tentar mudar decretos Divinos. Um exemplo é na área da nossa Parnassá (sustento). Ensina o Talmud (parte da Torá Oral) que todos os ganhos e perdas de uma pessoa são decretados em Rosh Hashaná. Porém, o que fazemos quando nossa fonte de sustento diminui? Dobramos os nossos esforços, trabalhamos até mais tarde, nos finais de semana, abandonamos nossas famílias. Será que funciona? Será que não estamos fazendo exatamente o que o Faraó fez, lutando contra algo que D'us decretou?

Então o que fazer quando passamos por dificuldades, como uma perda financeira? Explica o Rav Yonathan Guefen que devemos fazer apenas o que é considerado um esforço "normal", isto é, que não ultrapasse os limites do bom senso. Dedicar nosso tempo para recuperar o dinheiro perdido à custa de todo o resto certamente não é o caminho correto. Por exemplo, quando acontece uma grande crise econômica, qual é a primeira coisa que as pessoas cortam nos seus gastos? A Tsedaká (caridade). Será que não deveríamos fazer justamente o contrário? Ao invés de diminuir nossos méritos espirituais, não deveríamos tentar aumentá-los, para conseguir reverter o mau decreto? Será que as perdas não podem ter sido um sinal de que não estamos dando atenção para as coisas mais importantes da nossa vida, como nossos valores espirituais e nossas famílias?

Por que é tão fácil se enganar e cair neste erro de lutar contra os decretos Divinos? Pois quando fazemos um esforço e obtemos bons resultados, achamos que somos nós os responsáveis pelo sucesso, esquecendo que tudo passa pela Supervisão Divina. Por exemplo, uma pessoa compra ações da bolsa e logo depois estas ações sobem muito, resultando em um excelente lucro. Normalmente pensamos que o lucro foi o resultado do esforço, a consequência de um investimento correto. Mas isto é uma forma enganosa de ver a realidade. Na verdade, já estava decretado nos mundos espirituais que a pessoa deveria receber aquele dinheiro. D'us tem muitas formas para cumprir a Sua vontade e fazer com que este dinheiro chegue às mãos daquela pessoa. Ele pode colocar na cabeça da pessoa a ideia de investir justamente nas ações que futuramente subiriam, ou pode fazer com que as ações que a pessoa comprou mudem seu comportamento e subam. No final, o lucro já havia sido decretado, e o esforço foi somente para fazer o decreto Divino se cumprir. Qualquer esforço adicional teria sido em vão, e até mesmo negativo caso a pessoa tivesse deixado de lado coisas mais importantes apenas para receber aquele dinheiro que já estava decretado.

Mas explica o Steipler que há algo que pode efetivamente causar mudanças nos decretos espirituais: os esforços espirituais. Através da Tefilá (reza) e da Teshuvá (arrependimento pelos erros cometidos) podemos interferir nos mundos espirituais. Nem sempre é possível cancelar decretos Divinos, mas quando mudamos nossos atos, podemos ao menos diminuir o impacto de decretos negativos em nossas vidas. Por exemplo, se foi decretado para um agricultor que, por causa de alguma transgressão que ele cometeu, apenas uma pequena quantidade de chuva vai cair durante o ano em sua plantação, o que causaria um tremendo prejuízo, a Tefilá pode fazer com que esta pequena quantidade de chuva caia no lugar certo e de forma mais propícia. Outra possibilidade é que mesmo se em Rosh Hashaná for decretado para uma pessoa, por causa do seu baixo nível espiritual naquele momento, apenas uma pequena quantia de dinheiro para o ano, a Teshuvá pode fazer com que ela consiga se saciar mesmo recebendo pouco.

Porém, não podemos esquecer que, apesar do crescimento espiritual ajudar a reverter problemas financeiros e diminuir outros tipos de sofrimentos e dificuldades, o principal benefício do nosso crescimento espiritual, através da Tefilá, da Teshuvá e do cumprimento das Mitzvót, é nos aproximarmos de D'us. Muitas pessoas, como o Rav Moshe Soloveitchik, aproveitaram as dificuldades para crescer em espiritualidade, ao invés de se afundarem de maneira desesperada no mundo material.

É muito difícil encarar as dificuldades de forma positiva. Mesmo sabendo que é a vontade de D'us que sempre se cumpre, é difícil não querer fazer esforços para mudar as coisas para que fiquem do nosso jeito. Mas temos que saber que cada desafio é uma oportunidade de mudar a direção de nossas vidas. Cada dificuldade é uma comunicação de D'us, que quer que ao menos possamos parar para escutá-Lo. Com muita reflexão, poderemos chegar ao nível de entender que não apenas a vontade de D'us sempre se cumpre, mas que também a vontade Dele é o melhor para nós.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
ÊXODO l:1-6:1, Is. 27:6-28:13, 29:22-23, At. 7:17-29

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ESCRAVOS OU HOMENS LIVRES? - PARASHÁ VAIEHI 5774

"Biniamin estava no leito de morte, cercado pelos familiares mais próximos. Ele já não tinha mais forças nem mesmo para abrir os olhos. Com muito esforço ele perguntou:

- Sara, minha querida esposa, você está aqui?

- Sim, meu querido. Estou aqui ao seu lado – respondeu Sara.

- E você, minha filha Rivkale, também está aqui? – perguntou Biniamin.

- Sim papai, estou aqui – respondeu Rivkale.

- E você, meu filho Yankele, está aqui? – perguntou Biniamin.

- Sim, papai, estou – respondeu Yankele.

Juntando todas as forças, Biniamin conseguiu levantar a cabeça e, desesperado, perguntou:

- Meu D'us, se estão todos aqui, quem está tomando conta da lojinha???"

Pode parecer brincadeira, mas será que muitas vezes nós também não trocamos momentos preciosos de espiritualidade por preocupações com o mundo material?

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Com a Parashá desta semana, Vaiehi, terminamos o primeiro livro da Torá, Bereshit. Yaacov, ao sentir que sua morte se aproximava, reuniu todos os filhos e falou suas últimas palavras para cada um deles. E nossos sábios explicam que muitas das palavras de Yaacov foram profecias que se cumpriram durante nossa história.

Mas não apenas com as palavras escritas na Torá nós aprendemos lições para nossas vidas. Por exemplo, há um ensinamento muito interessante nesta Parashá que demonstra como cada pequeno detalhe da Torá carrega consigo preciosos ensinamentos. Existem muitas regras de como um Sefer Torá deve ser escrito, e uma delas é o espaçamento mínimo entre duas Parashiót, que deve ser de nove letras. Porém, este padrão não é seguido na nossa Parashá, e esta distância mínima não é cumprida. Explica Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, que justamente por causa desta diferença esta Parashá é chamada de "Stumá" (fechada), e foi escrita assim para nos ensinar que depois da morte de Yaacov, os olhos e os corações dos judeus se fecharam por causa das dificuldades da escravidão. Isto significa que, segundo Rashi, a escravidão do povo judeu no Egito começou imediatamente depois da morte de Yaacov.

Mas aparentemente este comentário do Rashi é contraditório com algo que ele mesmo comentou quando explicou o versículo "os anos da vida de Levi foram 137 anos" (Shemot 6:16). Rashi questiona o motivo de a Torá ter relatado a idade de falecimento de Levi, algo aparentemente desnecessário, e responde que esta informação é necessária para calcular a data de início da escravidão do povo judeu, uma vez que a escravidão somente começou após a morte de Levi, o último dos filhos de Yaacov a falecer. Como entender esta aparente contradição nos comentários do Rashi? Afinal, quando a escravidão do povo judeu começou, após a morte de Yaacov ou somente algum tempo depois, após a morte de Levi?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está nas palavras do Shemá Israel. No terceiro parágrafo está escrito: "Não sigam seus corações nem seus olhos, atrás dos quais vocês se desviam" (Bamidbar 15:39). Rashi explica que os olhos e o coração são os espiões que fazem o corpo pecar, pois os olhos veem, o coração deseja e corpo comete a transgressão. Mas será que D'us criou estes órgãos tão importantes apenas com propósitos negativos?

Quando D'us nos deu o livre arbítrio, Ele deixou em nossas mãos a escolha de como utilizar as ferramentas existentes no mundo material, entre elas o nosso próprio corpo. Podemos escolher como vamos utilizar a energia do nosso coração e dos nossos olhos. Se o foco da pessoa e sua motivação são os desejos do seu corpo, seus órgãos funcionam como um combustível para estes desejos, levando-a para o caminho das transgressões. Por outro lado, se a pessoa foca na sua alma e no seu crescimento espiritual, cada parte do seu corpo será utilizada como um auxílio no cumprimento das suas metas espirituais.

A pessoa que vive focada apenas nas suas necessidades materiais acaba cegando seus olhos e fechando seu coração para o lado espiritual. Como ela foca apenas no mundo material, se torna uma pessoa egoísta e não consegue mais perceber as necessidades do próximo. Já a pessoa que foca seus esforços no seu crescimento espiritual consegue abrir seus olhos e seu coração, despertando uma sensibilidade espiritual que estava anteriormente dormente. Esta sensibilidade faz com que ela consiga se preocupar mais com o próximo e com as necessidades alheias.

Além do comodismo e da busca desequilibrada dos desejos, há outras influências externas que podem ter como consequência uma maior conexão com o mundo material. Por exemplo, quando uma pessoa se sente em perigo por estar sendo fisicamente ameaçada, isto ativa uma necessidade natural de preservação do seu corpo. Esta atitude de autopreservação leva a pessoa a focar nas necessidades do corpo, e muitas vezes negligenciar as necessidades da alma. Embora a escravidão física do povo judeu não tenha começado efetivamente até a morte de Levi, o povo judeu começou a sentir o perigo iminente da opressão egípcia logo depois da morte de Yaacov. Enquanto Yaacov estava vivo, os judeus estavam tranquilos, pois os egípcios o respeitavam muito. Um dos motivos pelos quais Yaacov não quis ser enterrado no Egito foi para que o seu túmulo não se tornasse um local de idolatria egípcia. Mas quando ele faleceu, uma enorme dúvida pairou no ar. O que seria do povo judeu sem os méritos de Yaacov? Esta sensação de insegurança despertou no povo judeu uma necessidade de autopreservação. Como eles começaram a se focar fortemente em seu bem-estar físico, iniciou-se um processo de perda de sensibilidade espiritual, e com isso seus olhos e corações se fecharam.

A palavra "Mitzraim", que significa "Egito", também é a mesma raiz da palavra "Metzarim", que significa "limitações". Apesar da escravidão do Egito ter sido uma escravidão física, com trabalhos pesados e muito sofrimento, também foi uma escravidão espiritual, pois nos desconectou do nosso foco correto, limitou nossa espiritualidade e nos conectou ao materialismo, aos desejos e à percepção enganosa de que o nosso corpo é o principal. Esta terrível escravidão espiritual começou muitos anos antes da escravidão física. Começou logo depois da morte de Yaacov, quando os olhos e corações do povo judeu se fecharam para a espiritualidade.

Quando a pessoa está sob uma escravidão física, ela tem consciência de sua situação e está constantemente desejando escapar. Mas a escravidão espiritual é muito mais difícil, pois a maioria dos que estão escravizados nem mesmo sabem disso. Não apenas a geração dos filhos e netos de Yaacov foi submetida a este teste, mas nós também estamos constantemente sendo testados. Vivemos em uma geração onde o valor das pessoas é proporcional às suas posses. Onde um jogador de futebol ganha milhares de dólares por mês, enquanto um professor recebe um salário mínimo. Onde cada vez mais se busca a satisfação imediata dos nossos desejos, mesmo que seja através de atos de traição, roubo e enganação. Comemos sem limites, sem se importar com os efeitos nocivos de uma alimentação desequilibrada sobre nossa saúde. Bebemos sem moderação, sem levar em conta as futuras consequências. Somos escravos e nem mesmo percebemos o quanto somos completamente controlados por nossos desejos.

Quanto mais a pessoa foca na satisfação imediata dos seus desejos, mais ela fica presa ao seu materialismo. A solução, portanto, é focar mais na nossa espiritualidade e na valorização das pessoas pelo que elas são, não pelo que elas têm.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 47:28-50:26, 1 Rs. 2:1-12, 1 Pe. 1:3-9
 
 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CUIDADO COM A HONRA DOS OUTROS - PARASHÁ VAYIGASH 5774


O Rav Elazar Man Shach (Lituânia, 1899 - Israel, 2001), um dos maiores sábios da geração passada, era frequentemente visitado por um jovem emocionalmente desequilibrado. Toda vez que o rapaz se sentia triste ou deprimido, ele procurava o Rav Shach, que o recebia com alegria e passava horas sentado com ele, tranquilizando-o. Certa vez um familiar do Rav Shach, incomodado com o fato de ele dedicar tanto tempo para este rapaz, disse:

- Rav, não há um limite de quanto você deve ajudar outras pessoas? Se você fosse uma pessoa normal, com tempo sobrando, eu entenderia. Mas você é um dos grandes rabinos da geração, você não tem um minuto sobrando nem para você mesmo. Você não acha que deveria proibir este rapaz de vir aqui e dedicar seu precioso tempo para o seu próprio crescimento espiritual?

- Este rapaz tem sérios problemas psiquiátricos – respondeu o Rav Shach. Ele veio me visitar mês passado, e veio novamente há duas semanas. Certamente ele estará de volta em duas semanas, e também daqui a um mês. Eu o encorajo, eu o acalmo, mas vejo que isso não é suficiente para curá-lo. Certamente é um caso no qual a cura somente virá através de um milagre, diretamente das mãos de D'us.

- Mas então por que você se esforça tanto, conversando intermináveis horas com ele? – insistiu o familiar.

- Pois eu acredito que D'us fará um milagre acima das leis da natureza apenas se nós também nos esforçarmos acima das leis da natureza. É por isso que, apesar de ter uma vida tão corrida, eu faço minha parte dedicando bastante tempo a este rapaz. Pois eu acredito que ele merece uma cura completa da sua doença, e isto vem antes do meu próprio bem estar.


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Na Parashá desta semana, Vayigash, a Torá descreve o feliz desfecho da história de Yossef e o emocionante reencontro com Yaacov, seu pai, depois de 22 anos de separação, como está escrito: "E Yossef preparou sua carruagem e subiu ao encontro de seu pai Israel em Goshen. Ele apresentou-se diante dele, e atirou-se sobre seu pescoço e chorou muito sobre seu pescoço" (Bereshit 46:29). Depois disso, Yaacov ainda viveu mais 17 anos no Egito, até o seu falecimento.

Yossef, que era apenas um jovem imaturo quando foi vendido como escravo por seus irmãos, aos 17 anos, agora havia se tornado o vice rei do Egito e tinha em suas mãos muito poder, como está escrito no final da Parashá: "E fez o povo (egípcio) trocar de cidades, de um extremo ao outro extremo das fronteiras" (Bereshit 47:21). Yossef obrigou todos os egípcios a saírem de suas casas e mudarem de cidade, até que ninguém mais permanecesse no mesmo lugar em que vivia anteriormente. Por que ele fez isto? O Faraó havia sonhado que viriam sete anos de fartura e sete anos de fome, e Yossef aconselhou-o a armazenar comida durante os anos de fartura. Quando chegaram os anos de fome, as pessoas precisaram vender até mesmo suas terras para poder comprar comida. Assim, todas as terras do Egito passaram a ser propriedade do Faraó. Portanto, um dos motivos pelo qual Yossef mudou os egípcios de cidade foi para que ficasse claro que as terras não pertenciam mais a eles.

Mas sabemos que a Torá é um livro de ensinamentos para nossa vida e, portanto, nenhuma informação foi escrita desnecessariamente. Se a atitude de Yossef tivesse apenas motivações administrativas, não haveria necessidade da Torá nos contar este detalhe. Então por que a Torá quis ensinar que Yossef mudou todas as pessoas de lugar no Egito?

Explica Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, que o versículo foi escrito para louvar um excelente traço de caráter desenvolvido por Yossef. Apesar do final feliz, Yossef poderia ter guardado muito rancor dos seus irmãos por terem-no vendido como escravo ao Egito. Tendo tanto poder, Yossef poderia até mesmo ter se vingado deles. Mas Yossef conseguiu perdoar seus irmãos e chegou ao nível de colocar seu poder em risco apenas para cuidar da honra deles. Quando Yossef mudou as pessoas de uma cidade para outra, sua verdadeira intenção era que seus irmãos não fossem vistos como "os exilados". Yossef fez com que todos os egípcios também se transformassem em exilados, tirando dos irmãos este "rótulo" negativo. Yossef poderia ter causado uma rebelião popular, poderia perder seu cargo caso o Faraó não gostasse de sua atitude. Apesar disso, Yossef não mediu esforços para poupar a honra dos irmãos.

E esta não foi a única vez em que Yossef demonstrou este cuidado com a honra dos irmãos. No momento de se revelar para eles, Yossef sabia que seus irmãos sentiriam vergonha. Por isso, ele pediu para que todos os egípcios saíssem do salão, inclusive os homens da sua guarda pessoal, colocando sua própria vida em risco para não envergonhar publicamente seus irmãos. Também sempre que Yossef resolvia problemas de ordem pública, ele o fazia em seu gabinete. Mas quando ele quis aplicar seu plano para testar se seus irmãos estavam arrependidos de tê-lo vendido, ele recebeu-os na sua própria casa, e não no seu gabinete, para não humilha-los em público.

Há um Midrash (parte da Torá Oral) que ensina algo ainda mais impressionante sobre esta característica de Yossef. O Midrash afirma que durante os 17 anos em que seu pai esteve no Egito, Yossef não o procurou, pois não queria ficar sozinho com ele. Mas esta informação do Midrash é um pouco estranha, pois a Torá descreve o enorme amor que havia entre Yaacov e Yossef, o seu filho preferido. Eles estavam há 22 anos separados, certamente estavam com muitas saudades um do outro, teriam muito o que conversar. Além disso, Yossef poderia ter crescido muito estudando com seu pai, poderia ter alcançado níveis espirituais muito mais elevados. Então por que Yossef não procurou Yaacov durante todos estes anos? Pois Yossef sabia que se ficasse sozinho com seu pai, Yaacov perguntaria como ele havia chegado ao Egito, e Yossef precisaria contar sobre a sua venda. Para não envergonhar seus irmãos, Yossef abriu mão do amor que sentia pelo pai e do seu próprio crescimento espiritual.

Até onde vai a obrigação de se preocupar com a honra do próximo? Se prestarmos atenção no versículo que descreve o reencontro entre Yaacov e Yossef, há algo que nos chama a atenção. Explica o Talmud (Tratado de Kalá, capítulo 3) que quando Yossef e seu pai se reencontraram, Yaacov não o beijou. Por que? Pois ele suspeitava que Yossef, um homem extremamente bonito, havia se impurificado com as mulheres egípcias durante os anos em que esteve sozinho no Egito. Yossef, que era muito sábio, rapidamente entendeu o motivo pelo qual seu pai, que o amava tanto, não o havia beijado. Yossef tinha, portanto, mais um importante motivo para ter procurado seu pai durante aqueles anos. Yossef poderia se explicar para ele, poderia provar que se manteve o tempo inteiro em um nível espiritual elevado. Se Yossef tivesse contado para o pai todos os testes que havia vencido, como quando fugiu das investidas da bela esposa do Potifar, certamente Yaacov teria mudado de opinião sobre seu filho. Apesar de tudo isso, Yossef nunca foi procurar seu pai. Ele preferiu ficar com a sua própria honra manchada e sob suspeita de ter cometido graves transgressões apenas para poupar seus irmãos. Daqui vemos que para Yossef, a honra dos seus irmãos estava acima da sua própria honra.

Aprendemos de Yossef o quanto devemos nos esforçar para cuidarmos da honra dos outros. Quando uma pessoa não se importa com a honra dos outros, pode acabar cometendo algumas das piores transgressões da Torá, como falar Lashon Hará (maledicência sobre o próximo) ou humilhar alguém em público, que é considerada pelos nossos sábios algo tão grave quanto o assassinato.

Esta característica de Yossef também foi ensinada pelos nossos sábios: "Que a honra do seu companheiro seja tão preciosa para você quanto a sua própria honra" (Pirkei Avót 2:10). Da mesma maneira que não gostamos de ser humilhados, principalmente em público, também devemos tomar muito cuidado com a honra dos outros. Apesar de vermos o esforço de Yossef para cuidar da honra de seus irmãos, muitas vezes, mesmo sem más intenções, nos descuidamos e acabamos humilhando outras pessoas. Atitudes aparentemente inofensivas, como contar uma piada que denigre os outros ou dar apelidos pejorativos, podem causar muito sofrimento. Por isso, temos que ser muito mais cuidadosos e sempre pensar bastante antes de falar. Assim estaremos garantindo que nunca estaremos desrespeitando outras pessoas.

"Quem é a pessoa honrada? Aquele que honra e respeita as outras pessoas" (Pirkei Avót 4:1).

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 44:18-47:27, Ez. 37:15-28, Lc. 6:9-16

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

ILUMINANDO A ESCURIDÃO - CHÁNUKA 5774

"No dia do Yortzait (aniversário de falecimento) do pai de Aharon, ele estava especialmente emocionado e queria fazer o máximo para elevar a alma do seu falecido pai. Ele acendeu a vela de Yortzait, que deveria ficar acesa até a próxima noite, e começou a estudar Mishnaiót (parte da Torá Oral). A palavra "Mishná" contém as mesmas letras da palavra "Neshamá", que significa "alma", e por isso se costuma estudar no dia do Yortzait algumas Mishnaiót para elevar a alma da pessoa falecida.

Depois de horas de estudo, Aharon estava cansado e fechou o livro de Mishnaiót para descansar. Seu filho pequeno, que havia visto tudo o que o pai havia feito, estranhou e perguntou:

- Pai, se você fechou o livro, por que você também não apagou a vela?

- Filhão – falou Aharon com carinho – sua pergunta é excelente. E a resposta é um importante ensinamento que você deve levar para toda a sua vida. Mesmo que é permitido momentaneamente fechar o livro de Torá, você nunca deve deixar a chama apagar"

Esta é a essência de Chánuka: fortalecer o estudo e o cumprimento da Torá, que é o que nos dá vida e ilumina o mundo. Nossa responsabilidade, e atualmente nosso desafio, é nunca deixar esta luz se apagar.


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Nesta semana o Shabat coincide com a festa de Chánuka, na qual relembramos grandes milagres que aconteceram ao povo judeu na época do exílio grego. O Império Grego, em seu avanço militar esmagador, havia dominado muitas nações do mundo, entre elas o povo judeu. Mas por que a dominação grega também foi considerada um dos nossos exílios, se durante este período não fomos expulsos de Israel, como ocorreu em outros exílios? Pois os gregos, que inicialmente vieram em paz, com o tempo tentaram nos helenizar à força, proibindo o estudo da Torá e o cumprimento das Mitzvót. O Beit Hamikdash (Templo Sagrado), nosso centro de espiritualidade, foi transformado em um local de idolatrias. Mesmo vivendo em nossa terra, não podíamos cumprir as Mitzvót, e muitos se viram tentados a seguir as ideias gregas, que pregavam a adoração ao corpo e aos prazeres materiais.

E quais são os milagres que nós relembramos? O primeiro é o milagre da guerra. Após a proibição de fazer os serviços do Beit Hamikdash, um pequeno grupo de Cohanim (sacerdotes) iniciou uma rebelião contra os gregos. Era uma luta de muitos contra poucos, do maior exército do mundo, com as melhores técnicas militares e os melhores armamentos, contra um grupo desorganizado, mal armado e sem nenhum treinamento militar. Com a ajuda de D'us, este pequeno grupo conseguiu acumular vitória atrás de vitória, até que os gregos desistiram e abandonaram Israel. E o segundo é o milagre do azeite. Após expulsar os gregos e limpar o Beit Hamikdash de todas as idolatrias, os Cohanim se prepararam para retomar todos os serviços, entre eles o acendimento da Menorá. Porém, os gregos haviam impurificado todos os potes de azeite, e seriam necessários mais 8 dias até que um novo azeite fosse produzido. Apenas um pote de azeite foi encontrado com o lacre do Cohen Gadol, e era suficiente para manter a Menorá acesa por apenas um dia. Um grande milagre aconteceu e aquela pequena quantidade de azeite durou oito dias.

Durante os oito dias de Chánuka, além do acendimento diário da Chanukiá, que nos faz lembrar dos milagres ocorridos, nós agregamos um pequeno trecho nas três Tefilót (rezas) do dia, chamado "Al Hanissim" (sobre os milagres), que é uma declaração de agradecimento a D'us, em especial pela vitória milagrosa na batalha contra os nossos inimigos gregos, como está escrito: "E Você, em Sua grande misericórdia, esteve ao lado deles em sua aflição... Você entregou os fortes nas mãos dos fracos, os numerosos nas mãos de poucos, os impuros nas mãos dos puros, os maus nas mãos dos justos, os frívolos nas mãos dos que cumprem a Sua Torá". Porém, se analisarmos o texto do "Al Hanissim" com cuidado, perceberemos que há uma grande dificuldade no seu entendimento. É fácil enxergar o milagre que há em entregar os fortes nas mãos dos fracos e os numerosos nas mãos de poucos, mas que milagre há em entregar os impuros nas mãos dos puros e os maus nas mãos dos justos? Havia alguma desvantagem na luta pelo fato dos judeus serem justos e puros, enquanto os gregos eram impuros e maus?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está nas palavras de David Hamelech (Rei David): "Você faz a escuridão e é noite, na qual se movem todos os animais da floresta" (Salmos 104:20). Explica o Talmud (Baba Metzia 83b) que este versículo é figurativo, e a linguagem "animais da floresta" é uma alusão às forças do mal que atuam no mundo. Para manter o equilíbrio entre o bem e o mal, D'us permite que as forças do mal prevaleçam durante o período de escuridão, que no versículo é representado pela noite. Durante este período, o equilíbrio entre o bem e o mal pende esmagadoramente para o lado do mal.

Quando a Torá descreve a criação do mundo, assim está escrito: "E a Terra estava sem forma e vazia, e a escuridão pairava sobre a face do abismo" (Bereshit 1:2). Diz o Midrash (parte da Torá Oral) que estas palavras do versículo são uma alusão aos quatro exílios pelos quais o povo judeu passaria durante sua história. "Sem forma" se refere ao exílio da Babilônia, "Vazio" se refere ao exílio da Pérsia-Média, "Escuridão" se refere ao exílio grego e "Abismo" se refere ao exílio de Edom. Mas por que os gregos representam a escuridão? Eles não trouxeram ao mundo muito conhecimento, como nas áreas das ciências e filosofia? Eles não ajudaram a iluminar o mundo? Eles deveriam representar a luz, não a escuridão!

O conceito de escuridão ao qual a Torá se refere é um conceito espiritual, não físico. Segundo o judaísmo, não existe nenhum uso do mundo material que não tenha influência sobre o mundo espiritual. Em cada ato que fazemos, podemos estar acendendo uma luz espiritual ou apagando-a. Através da utilização correta do mundo material podemos criar uma grande luz espiritual, como quando utilizamos objetos físicos para cumprir as Mitzvót. Com madeiras e pedras foi construído o Beit Hamikdash, o lugar onde repousava a "Shechiná" (Presença Divina). Porém, a pessoa que utiliza os objetos do mundo material de maneira negativa, como para agredir outra pessoa ou para se tornar orgulhoso, está apagando a espiritualidade que existe em cada objeto que utiliza.

É verdade que os gregos trouxeram ao mundo muitos avanços, em várias áreas, mas seu único propósito era acabar com a espiritualidade que há no mundo material. Por exemplo, eles propagaram a filosofia do "Carpe Diem", na qual a principal meta da vida deveria ser aproveitar os prazeres sem limites. Eles criaram as olimpíadas, com o objetivo de demonstrar a perfeição e o culto ao corpo material, ofuscando a ideia de que a nossa essência verdadeira é a nossa alma, não o nosso corpo. Após influenciar muitos povos, os gregos encontraram um grande obstáculo para atingir seu objetivo: o povo judeu, que representa a espiritualidade no mundo material. Mas eles tinham um plano para nos derrotar, como está escrito em outro trecho do "Al Hanissim": "Quando se levantou o malévolo Império Grego contra Seu povo Israel, para fazê-lo esquecer Sua Torá". A palavra "Choshech" (escuridão) contém exatamente as mesmas letras da palavra "Shachach", que significa "esquecer". A forma de apagar a espiritualidade do povo judeu, e assim do mundo todo, seria fazê-los esquecer do estudo o do cumprimento da Torá.

A época em que os gregos dominaram o mundo era um momento de escuridão espiritual e, por isso, as forças do mal, e todos aqueles que as representam, estavam em vantagem. A luta era desigual, não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. É por este motivo que agradecemos a vitória dos puros sobre os impuros e dos justos sobre os maus, pois foi um grande milagre naquele momento as forças do bem vencerem as forças do mal. Somente com a ajuda de D'us conseguimos nos levantar e derrotar os gregos, reestabelecendo a Luz da Torá no mundo.

A verdade é que vencemos apenas uma batalha contra os gregos, mas o mal e a escuridão que eles representam ainda precisam ser vencidos em cada geração. Para nos afastar da espiritualidade, os gregos fizeram decretos severos que impediam o estudo e o cumprimento dos ensinamentos da Torá. Nossa luta atual é contra a assimilação e o desinteresse do povo judeu pela sabedoria da Torá. Infelizmente a Torá está sendo esquecida sem nenhuma guerra nem decretos dos nossos inimigos. Portanto, cada um que acende sua Chanukiá está acrescentando um pouco mais de luz para o mundo. Cada um que estuda um pouco mais de Torá, que se conecta com seu lado espiritual, que se esforça para cumprir as Mitzvót, está participando ativamente da batalha contra os gregos, a guerra da luz contra a escuridão.

Os Cohanim não sabiam lutar, mas mesmo assim receberam sobre si a responsabilidade de defender a Torá. Assim também cada um de nós deve receber sobre si a responsabilidade de ser parte desta luta do bem contra o mal. Somente assim conseguiremos vencer, não apenas mais uma batalha, mas a guerra definitiva.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Festa da Dedicação Nm. 7:1-11, Zc 2:14-4:7, 1Re 7:40-50, Jo. 9:1-7, 10:22-29


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SAINDO DA PRISÃO DO EGOÍSMO - PARASHÁ VAIESHEV 5774


Um jovem rapaz inglês começou a sentir fortes dores de cabeça. Os exames detectaram um tumor não maligno no cérebro e o jovem foi operado, mas infelizmente o tumor voltou em pouco tempo. Ele procurou muitos médicos, e o consenso foi de que não havia mais nada a fazer a não ser esperar a morte.

Porém, aquele rapaz não queria partir do mundo sem deixar a sua marca. Ele começou a pedir para que as pessoas mandassem para ele cartões de "melhoras", para entrar no livro de recordes do "Guiness Book" como a pessoa que mais recebeu cartões de "melhoras". A história chegou aos jornais e se espalhou pelo mundo inteiro, e muitas pessoas se sensibilizaram e mandaram para ele cartões. Em pouco tempo seu quarto estava completamente lotado de malotes do correio abarrotados de cartas e cartões postais.

Uma das pessoas que também escutou sobre o sofrimento daquele jovem rapaz foi John Kluge, um americano que era um dos homens mais ricos do mundo. Apesar de ser tão rico, ele era uma pessoa simples, com um coração misericordioso e se sensibilizava com o sofrimento dos outros. John Kluge pensou que se mandasse mais um cartão de "melhoras" deixaria o rapaz feliz, mas estaria fazendo muito pouco por ele. John Kluge decidiu que faria muito mais do que isso. Ele daria ao rapaz a chance de escutar uma nova opinião médica, mas desta vez de um grande especialista. Entrou em contato com um famoso médico, um conhecido seu que vivia na Virgínia, e fez todos os acertos necessários para que ele examinasse o rapaz doente.

O especialista também não trouxe boas notícias para o rapaz. Apesar de afirmar que havia uma maneira de operá-lo, ressaltou que o procedimento seria extremamente arriscado, com poucas chances de dar certo. John Kluge ligou para o médico e perguntou:

- Se fosse o seu próprio filho que estivesse com este tumor no cérebro, você o operaria?

O médico pensou um pouco e respondeu que sim. Então John Kluge pediu que ele operasse o rapaz como se estivesse operando seu próprio filho. O garoto e a mãe consentiram, e a operação foi feita. Após muitas horas, o médico saiu da sala de cirurgia com as boas notícias: a operação havia sido um enorme sucesso e o rapaz ficaria bem.

Quando John Kluge e o rapaz se encontraram pessoalmente, eles se abraçaram e choraram muito. Daquele dia em diante, sempre quando John Kluge era questionado em alguma entrevista sobre qual havia sido a maior conquista da sua vida, ele abria um sorriso e respondia: "Ter sido um instrumento de D'us para salvar a vida de um garoto". (História Real)

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A Parashá desta semana, Vaieshev, descreve um pouco da vida de Yossef, o filho preferido de Yaacov, que passou por muitos altos e baixos. Uma das grandes dificuldades de sua vida foi ter ficado muito tempo na prisão, acusado falsamente de ter atacado a mulher do Potifar, um dos ministros do Faraó. Quando Yossef já estava perdendo as esperanças de um dia ser libertado, iniciou-se um processo repentino de libertação e ascensão ao poder. Após tantos anos de completa estagnação, o que desencadeou este processo? A resposta está em uma passagem aparentemente sem muita importância, que descreve que certa manhã Yossef olhou para outros dois prisioneiros e percebeu que seus rostos estavam transtornados. Preocupado, Yossef perguntou: "Madua Pneichem Raim Haiom?" (Por que vocês estão tão abatidos hoje?) (Bereshit 40:7). Estas quatro simples palavras foram responsáveis pela salvação de Yossef. Como?

Aqueles prisioneiros eram o copeiro-chefe e o padeiro-chefe, dois importantes ministros do Faraó. Naquela noite ambos tiveram sonhos estranhos e estavam transtornados por não entenderem seu significado. Quando questionados sobre o motivo de estarem tão abatidos, cada um confidenciou o seu estranho sonho e Yossef soube interpretá-los corretamente. Os sonhos revelavam o que aconteceria com cada um dos ministros e as palavras de Yossef se cumpriram com exatidão. Esta interpretação dos sonhos dos ministros foi o que deu início ao processo de subida meteórica de Yossef, pois dois anos mais tarde ele foi indicado pelo copeiro-chefe para interpretar dois sonhos que haviam deixado o Faraó muito angustiado. O Faraó sabia que seus sonhos tinham um importante significado, mas nenhum dos magos egípcios conseguia decifrá-lo. Não apenas Yossef interpretou os sonhos do Faraó, que revelavam que muitos anos de fome assolariam o Egito, mas também sugeriu como resolver o problema. O Faraó percebeu a grandeza de Yossef e imediatamente nomeou-o vice-rei. Em um piscar de olhos Yossef passou de um prisioneiro sem esperança a vice-rei, o segundo maior cargo em todo o Egito.

Explicam os nossos sábios que cada um dos sofrimentos pelos quais Yossef passou na vida foram mandados por D'us "sob medida", para que expiassem os erros que ele, apesar de seu nível espiritual tão elevado, havia cometido. Os 10 primeiros anos em que ele estava na prisão foram para expiar a transgressão de ter falado mal de seus 10 irmãos, um ano por cada irmão, como está escrito: "E Yossef trazia maus relatos sobre eles (seus irmãos) ao seu pai" (Bereshit 37:2). Depois disso Yossef recebeu o decreto de ficar mais 2 anos preso por ter colocado suas esperanças de libertação no copeiro-chefe, ao invés de ter confiado em D'us. Isto quer dizer que Yossef foi libertado somente quando terminaram os decretos espirituais. Mas no mundo material, como começou a salvação de Yossef? Justamente quando ele se preocupou com os outros prisioneiros. Deste ensinamento aprendemos que, caso Yossef não tivesse se importado com os rostos preocupados dos outros prisioneiros, ele teria perdido sua preciosa chance de salvação, mesmo após o fim dos decretos espirituais. Por que D'us escolheu justamente esta maneira para iniciar o processo de salvação de Yossef? O que havia de tão especial em Yossef ter perguntado aos outros prisioneiros o motivo deles estarem tão angustiados?

Para entender a grandeza do ato de Yossef, temos que refletir sobre suas condições de vida naquele momento. Ele já estava há 10 anos vivendo na prisão, condenado injustamente por algo que nunca fez e sem nenhuma perspectiva de ser libertado. Ele tinha todo o direito de estar totalmente focado apenas nos seus próprios problemas, que não eram poucos, e a tendência natural seria nem perceber as dificuldades pelas quais outras pessoas em volta estavam passando. Além disso, enquanto os outros dois prisioneiros eram importantes ministros do faraó, Yossef era um simples escravo, acusado de ter cometido um ato abominável. Provavelmente Yossef era constantemente desprezado e ignorado pelos ministros do Faraó. Apesar de tudo isso, Yossef conseguiu superar seu egoísmo e, ao invés de se preocupar somente com seus próprios sofrimentos, percebeu que os ministros estavam angustiados e se preocupou com eles também. Esta preocupação com o próximo foi a chave para a sua liberdade.

Este ensinamento da Parashá é muito importante para nós. Vivemos em um mundo onde as pessoas estão imersas em seus próprios problemas e dificuldades, a ponto de não conseguirem perceber as necessidades dos outros. Portanto, uma das principais maneiras de se tornar uma pessoa verdadeira altruísta, que busca sempre o bem do próximo, é conseguir sair desta "prisão", se esforçando continuamente para perceber o próximo. Para fugir deste egoísmo, precisamos até mesmo nos acostumar a abrir mão das nossas próprias necessidades em prol dos outros. Além dos inúmeros modelos de bondade que temos na Torá, mesmo hoje em dia temos grandes sábios que se esforçaram para anular o egoísmo intrínseco ao ser humano. São inúmeras histórias de superação, de se preocupar mais com os outros do que consigo mesmo. O problema é que, quando lemos as biografias destes grandes sábios, pensamos que eles foram pessoas predestinadas à grandeza espiritual. Porém, isto não é verdade, pois cada um deles precisou de muito esforço até começar a colher os frutos. Nenhum deles nasceu já em níveis elevados de bondade, eles foram crescendo aos poucos, investindo no seu lado espiritual, e assim conseguiram atingir o sucesso. Ser uma boa pessoa não é algo que cai do céu, é uma conquista, que depende de muito suor e dedicação.

Às vezes imaginamos que se desenvolver nesta característica de pensar no próximo se aplica apenas às grandes situações de necessidade, como em épocas de terríveis tragédias coletivas. Mas no nosso dia a dia desperdiçamos infinitas oportunidades de ajudar ao próximo. Quando estamos simplesmente caminhando na rua, vale a pena prestar um pouco mais de atenção nas necessidades dos outros, ao invés de estar sempre absortos nas nossas próprias necessidades. Perceberemos que há pessoas idosas carregando pacotes pesados, que agradeceriam profundamente uma pequena mãozinha. Há pessoas perdidas, necessitando de uma dica para encontrar o caminho certo. Há pessoas com dificuldades para estacionar o carro, que precisam de uma simples orientação. E não apenas na rua, mas em qualquer ambiente onde estivermos, sempre há oportunidades de como pensar mais no próximo. Por exemplo, quando vamos a uma aula e percebemos que não há mais cadeiras na sala, ao invés de trazer apenas uma cadeira, devemos trazer duas, pensando já na próxima pessoa que vai chegar.

Para Yossef, a chave para sair da prisão foi se preocupar com o próximo, apesar de seus próprios problemas. Para nós, a chave para sair desta terrível "prisão" chamada egoísmo é lembrar que, da mesma maneira que nós temos problemas, o mundo está cheio de pessoas que também têm problemas e precisam da nossa ajuda. Não apenas nas grandes tragédias, mas principalmente nas pequenas situações do cotidiano. São nestes momentos que podemos descobrir se somos livres ou apenas prisioneiros.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Gn. 37:1-40:23, Am. 2:6-3:8, At. 7:9-16

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CUIDE DO QUE VOCÊ TEM - PARASHÁ VAISHLACH 5774

 

"Roberto era um jovem jornalista recém-formado. Ao ser contratado por um famoso jornal, recebeu como primeiro trabalho uma entrevista exclusiva com Arnaldo, um velho fazendeiro que havia se tornado muito rico. Seu desafio era tentar descobrir o segredo de tanto sucesso daquele homem. Roberto viajou muitas horas para chegar ao sitio de Arnaldo, passando inclusive por várias estradas de terra. A fazenda era tão afastada que não tinha nem mesmo energia elétrica. A noite começou a cair quando eles se sentaram para conversar, e então o fazendeiro acendeu uma vela.

Estavam amigavelmente conversando por algum tempo até que Roberto tomou coragem de fazer a verdadeira pergunta que o havia levado até aquele "fim de mundo":

- Sr. Arnaldo, qual é o segredo do seu sucesso? Como você conseguiu juntar tanto dinheiro?

Arnaldo deu uma gargalhada e explicou que era uma longa história, mas que estava disposto a contá-la. Mas como a história era demorada, ele falou:

- Já que você vai somente escutar e não precisa olhar nada, então enquanto eu conto a história de como fiquei rico, vou apagar a vela para economizar.

Foi então a vez de Roberto dar uma gargalhada e dizer:

- Não precisa mais me contar como você ficou tão rico. Eu já entendi..."

Há pessoas que dão valor para cada pequena coisa que tem na vida, e não querem desperdiçar nada. Se esta característica for canalizada da maneira incorreta, a pessoa vira um grande pão-duro e egoísta. Mas se for canalizada da maneira correta, pode ajudar muito no nosso trabalho espiritual neste mundo.

 
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Na Parashá desta semana, Vaishlach, a Torá nos conta sobre a volta de Yaacov para a terra de Israel, após 20 anos vivendo com seu tio Lavan. Yaacov foi solteiro, mas voltava agora com uma enorme família. A Torá então descreve um acontecimento estranho, que levanta muitos questionamentos. Em certo momento Yaacov ficou sozinho e um homem veio lutar com ele, uma luta difícil que durou toda a noite. Mas quem era aquele homem e por que atacou Yaacov? Além disso, por que Yaacov estava sozinho, se até aquele momento ele estava acompanhado de toda a família? E por que a Torá se importou em registrar esta luta?

A resposta está no Talmud (Chulin 91a), que afirma que Yaacov estava sozinho pois havia esquecido pequenos potes no acampamento anterior e, quando se lembrou, voltou para busca-los. Mas por que Yaacov se importou com pequenos potes? Isto não é contraditório com o conceito de que os Tzadikim (Justos) são desapegados das posses materiais?

Para aumentar ainda mais o questionamento, baseado justamente neste fato ocorrido com Yaacov, o Talmud aprende algo difícil de ser entendido: "Daqui aprendemos que para os Tzadikim seu dinheiro é mais querido do que o seu próprio corpo. E por que tanto? Pois eles não estendem sua mão para o roubo". Como pode ser que o Tzadik, espiritualmente tão elevado, ama mais o dinheiro do que seu próprio corpo? E se os Tzadikim têm tanto apego aos bens materiais, então deveriam estar muito mais propensos a roubar do que as outras pessoas. Por que o Talmud afirma que o fato deles amarem mais os seus bens do que seu próprio corpo está conectado com o fato deles não cometerem roubo?

Explica o Gaon Mi Vilna (1720 - 1797, Vilna) que o Talmud não está ensinando que os Tzadikim estão dispostos a colocar a própria vida em risco para juntar mais bens, de maneira esganada e desequilibrada. O ensinamento é que os Tzadikim estão dispostos a qualquer tipo de esforço, mesmo que causem um grande desgaste físico ao corpo, apenas para cuidar dos bens que já têm, como fez Yaacov, que já havia atravessado o rio Yabok com toda a família e voltou apenas para buscar seus pequenos potes.

Mas por que os Tzadikim sentem tanto amor pelos seus bens materiais? De acordo com o Rav Yossef Zundel Salant (1786, Lituânia – 1866, Israel), o valor que os Tzadikim dão aos seus bens, mesmo para as coisas mais simples, não é por causa do seu valor monetário, muito menos pelo apego ao mundo material, e sim por entenderem que existe uma "Hashgachá Pratid" (Supervisão Particular), isto é, tudo é calculado por D'us nos mínimos detalhes. Apesar dos Tzadikim não viverem correndo atrás de bens e de prazeres materiais, eles sabem que tudo o que recebem na vida foi dado diretamente por D'us, sob medida, como ferramenta para ser utilizada no seu crescimento espiritual, e por isso dão muito valor para tudo o que recebem.

Além disso, há outra grande vantagem em saber que tudo depende da Hashgachá Pratid de D'us. Por que as pessoas roubam? Pois a inveja faz com que elas racionalizem que o que os outros têm, na verdade elas próprias que mereciam ter, e consideram que foi apenas um "engano" o outro ter recebido. Já os Tzadikim sabem que D'us manda exatamente tudo o que necessitam e, portanto, o que eles não receberam é porque não era algo necessário para o seu crescimento espiritual. Eles têm a claridade de que D'us controla cada pequeno detalhe do que ocorre em nossas vidas, como ensina o Talmud (Ioma 38b): "Uma pessoa não consegue pegar o que está destinado ao seu companheiro, nem mesmo um fio de cabelo". Os Tzadikim sabem que D'us manda para cada um exatamente o que ele necessita, não há nada faltando, por isso não se envolvem em roubo.

Mas quem era aquele homem com quem Yaacov lutou, e qual foi o motivo da luta? Explica Rashi, comentarista da Torá, que aquele homem era, na verdade, o anjo da guarda de Essav, o próprio Yetser Hará (má inclinação) encarnado. Quando o Yetser Hará percebeu a claridade que Yaacov tinha da importância de cada pequeno objeto como um utensílio mandado por D'us para o seu crescimento espiritual, ele veio pessoalmente para lutar com Yaacov, para tentar tirar sua Emuná (fé). O Yetser queria plantar na cabeça de Yaacov a dúvida e o questionamento. Esta foi a luta que durou toda a noite, a luta filosófica entre Yaacov e o Yetser Hará. Enquanto Yaacov afirmava que D'us controla até mesmo cada pequeno objeto que nós recebemos, e por isso temos obrigação de cuidar deles com o máximo de esforço, o Yetser tentava convencê-lo de que não existe Supervisão Particular a tal ponto, e que nem sempre as pessoas recebem exatamente o que precisam receber. A luta espiritual durou toda a noite, até que o Yetser percebeu que não conseguiria derrotar Yaacov e retirar dele a Emuná perfeita e pura.

Segundo o Talmud, a luta foi tão intensa que a poeira formada subiu até o céu e alcançou o "Kissê HaKavód" (Trono Celestial). O que isto significa? A poeira, que é algo muito fino, simboliza os menores e mais simples objetos. E o Talmud está nos afirmando que mesmo estes utensílios mais simples sobem até o Trono Celestial, isto é, estão sob a Supervisão Particular de D'us. É pelo mesmo motivo que, segundo o Gaon MiVilna, mencionamos o termo "Kissê HaKavod" na Brachá de "Asher Yatsar", que pronunciamos após fazer nossas necessidades no banheiro, pois assim fixamos no nosso coração que não existe nada, absolutamente nada, por mais desprezível que pareça, que não está sob a Supervisão Divina.

A Torá deixou esta luta de Yaacov registrada para nos ensinar que cada um de nós também precisa vencê-la. Muitas vezes desprezamos coisas simples do nosso cotidiano, de pouco valor, pois não percebemos que D'us nos manda com exatidão tudo o que necessitamos, que tudo é calculado de maneira precisa e não existe acaso nem coincidência. Internalizando este conceito da "Hashgachá Pratid" também conseguimos vencer a terrível característica da inveja, ao refletirmos que, se o outro recebeu algo e não nós, é porque aquilo é necessário para o trabalho espiritual dele e não para o nosso.

Por outro lado, precisamos tomar cuidado para que esta característica de cuidar das nossas coisas não nos transforme em pessoas egoístas. Muito do que D'us nos manda é para podermos dividir com os outros e ajudar os necessitados. A Torá proíbe o desperdício e o desprezo com os nossos objetos, mas não proíbe compartilhar com o próximo. Portanto, se conseguirmos atingir o equilíbrio necessário, certamente esta característica nos ajudará a chegar, como Yaacov Avinu, um pouco mais perto da perfeição.

 
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
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Gn. 32:3 -36:43, Ob.1:1-21, Mt. 26: 36-46

sábado, 9 de novembro de 2013

UMA CASA COM HARMONIA - PARASHÁ VAIETSE 5774


Com paciência e sabedoria, um professor ensinava seu aluno a ler a Torá. Quando chegou a um determinado versículo, vendo que o rapaz não sabia pronunciar uma palavra, o professor explicou:

- Estas duas letras "yud" juntas representam o sagrado nome de D'us, que não deve ser mencionado a não ser em ocasiões especiais. Este nome é tão sagrado que muitas vezes ele não é nem mesmo escrito nos livros, e sim substituído por estas duas letras "yud". Portanto, quando estas letras aparecerem, substitua por "Hashem", que significa literalmente "o Nome de D'us".

Com este novo entendimento, o menino tentou ler sozinho. Mas na conclusão de cada versículo, para a surpresa do professor, o aluno dizia "Hashem".

- Onde você vê o Nome de D'us após cada versículo? - perguntou o professor, curioso.

O menino apontou os dois pontos que apareciam no final de cada versículo. Eram pontos que lembravam duas letras "Yud", mas que ficavam um em cima do outro e separavam os versículos. O professor sorriu e explicou:

- Meu querido, um judeu é representado pela letra "yud". Quando dois "yud" estão lado a lado, unidos, D'us fica feliz e habita ali. Estes são os dois "yud" que são pronunciados como o Nome de D'us. Porém, se um judeu fica acima do outro, significa que eles não estão em harmonia, e então D'us não habita ali. Estes são os dois "yud" do final de cada versículo. Eles representam o fim, não o sagrado Nome de D'us.
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Na Parashá desta semana, Vaietse, a Torá descreve uma experiência sobrenatural pela qual passou nosso terceiro patriarca, Yaacov. Para fugir da fúria de seu irmão Essav, ele partiu para o exílio, para a terra de seu tio Lavan, pai de suas futuras esposas Rachel e Léa. Quando escureceu, Yaacov estava no lugar onde futuramente seria construído o Beit Hamikdash (Templo Sagrado), e ali ele deitou para dormir. Durante a noite, ele sonhou com uma escada que chegava até o céu, de onde desciam e subiam anjos. Neste mesmo sonho D'us se revelou para ele e prometeu protegê-lo durante todo o tempo em que estivesse no exílio. Quando Yaacov acordou, ele disse: "Certamente D'us está neste lugar e eu não sabia... Como é incrível este lugar. Aqui é nada menos do que a Casa de D'us, e este é um portão para o Céu" (Bereshit 28:16,17). Mas o que Yaacov quis dizer quando afirmou que aquele lugar era a "Casa de D'us"?

Esta pergunta se conecta com uma intrigante afirmação do Talmud (Pessachim 88a): "Não como Avraham, que chamou (o Templo) de 'montanha', como está escrito: "Na montanha D'us será visto" (Bereshit 22:14), e não como Itzchak, que chamou (o Templo) de 'campo', como está escrito: "E Itzchak saiu para rezar no campo" (Bereshit 24:63), mas como Yaacov, que chamou (o Templo) de 'casa', como está escrito: "Ele chamou o lugar de 'Bet-El' (Casa de D'us)" (Bereshit 28:19). O que os nossos patriarcas estavam nos ensinando ao se referirem ao Templo como uma montanha, um campo e uma casa?

A resposta está nas palavras do Rambam (Maimônides), que ensina que o Beit Hamikdash tinha três propósitos: ser literalmente uma Casa de D'us, isto é, o local onde repousava a Shechiná (Presença Divina); ser um local para a oferenda de Korbanót (sacrifícios); e ser um local para que o povo judeu pudesse subir, três vezes ao ano, para comemorar as Festas Judaicas (Pessach, Shavuot e Sucót) e se inspirar.

Explica o Rav Zev Leff que Avraham referiu-se ao local do Beit Hamikdash como uma montanha, isto é, um lugar onde a pessoa pode subir e se inspirar. Avraham estava referindo-se ao nosso Primeiro Beit Hamikdash, onde a Presença Divina era mais evidente e aconteciam muitos milagres abertos, como a ausência de moscas no local onde os animais eram sacrificados e a coluna de fumaça que subia do Mizbeach (altar de sacrifícios) e que não se desviava nem mesmo com os ventos mais fortes, causando um enorme reforço espiritual em cada judeu que entrava pelos seus portões.

Já Itzchak referiu-se ao local do Beit Hamikdash como um "campo". O campo é um lugar propício para o crescimento e o desenvolvimento das sementes. Assim também é o Beit Hamikdash, um ambiente que conduz o ser humano ao seu crescimento e desenvolvimento espiritual. Mas o campo não inspira as pessoas como uma montanha alta. Itzchak estava referindo-se ao Segundo Beit Hamikdash, onde a Presença Divina já não era mais tão perceptível e muitos dos milagres que ocorriam no Primeiro Beit Hamikdash já não ocorriam mais no Segundo. Porém, mesmo assim era um lugar incrível para as Tefilót (rezas) e para a oferenda dos Korbanót.

Finalmente Yaacov referiu-se ao local do Beit Hamikdash como a "Casa de D'us". O que ele queria nos ensinar ao fazer este paralelo com uma casa? Para responder, precisamos antes entender qual é a função de uma casa. Ela é composta basicamente por quatro paredes, uma porta e uma janela, e tem principalmente três funções: criar um domínio interno privado, separado do domínio público; formar um ambiente que envolve e une os indivíduos que vivem nesta área interna; e servir como proteção contra as influências externas hostis. Yaacov estava referindo-se ao nosso futuro Terceiro Beit Hamikdash, que será um lugar com muita santidade, harmonia e proteção contra as más influências.

Por que Yaacov percebeu o aspecto daquele local como sendo a "Casa de D'us" justamente quando estava indo para o exílio? Para nos ensinar que durante o nosso exílio, enquanto ainda não temos o nosso Terceiro Beit Hamikdash construído, o conceito da "Casa de D'us" se materializa através de três locais: a "Casa de Rezas" (Beit Haknesset), a "Casa de Estudo de Torá" (Beit Midrash) e a "Casa judaica". Estas três "Casas" são as responsáveis por manter o povo judeu vivo mesmo durante a escuridão espiritual do exílio, e nos darão a força necessária para um dia voltarmos para Israel e meritarmos a verdadeira e definitiva "Casa de D'us": o Terceiro Beit Hamikdash.

Obviamente que não podemos desprezar a santidade necessária nas nossas "Casas de Reza" e nas nossas "Casas de Estudo", mas será que nos preocupamos com a santidade das nossas próprias casas? Será que entendemos que o nível espiritual dos nossos lares é tão importante quanto o nível espiritual das sinagogas e centros de estudo de Torá?

Precisamos transformar nossas casas em um Beit Hamikdash em miniatura, isto é, devemos criar um ambiente de morais e valores judaicos, um santuário interno de espiritualidade que serve como fundação para o estudo e a observância da Torá. Além disso, nossas casas devem transbordar harmonia e entendimento. O conceito de "Shalom Bait" (paz familiar) refere-se à harmonia perfeita que a casa cria, onde cada indivíduo se sente parte de uma unidade que funciona apenas quando todos trabalham juntos, cada um com seus talentos, para atingir uma meta em comum. E finalmente nossa casa deve ser uma fortaleza, que nos protege dos valores deturpados que vão contra os princípios da Torá e das Mitzvót. Uma vez que a área interna da casa está repleta de santidade e propósito, a luz interior pode ser projetada através da janela, e a intensa santidade deste ambiente familiar pode ser exposta ao mundo externo.

É interessante perceber que estes importantes valores podem ser alcançados através de algumas Mitzvót relacionadas justamente com as nossas casas. Por exemplo, a Mitzvá de acender as velas de Shabat simboliza a santidade que a casa deve produzir e a iluminação dos valores e da ética da Torá. Além disso, as velas de Shabat representam a harmonia que é produzida quando cada um dos membros cuida para não pisar nos outros, pois a luz espiritual criada afasta a escuridão da ignorância e do egoísmo. As Mitzvót da Mezuzá e do Maakê (proteger com um parapeito os locais da casa que possam oferecer perigo, como uma varanda) simbolizam a proteção que a casa oferece contra os perigos físicos e espirituais do mundo externo. A Mitzvá de checar e exterminar o Chametz (farinha fermentada) antes de Pessach nos ensina que, de tempos em tempos, precisamos checar se influências externas estranhas conseguiram invadir nossa casa e, caso isto tenha ocorrido, devemos nos esforçar para removê-las completamente. E, finalmente, a Mitzvá de acender as velas de Chánuka e colocá-las fora de casa ou em uma janela de onde podem ser vistas da rua, simbolizando a influência que uma casa judaica deve ter sobre o mundo externo.

Para sobrevivermos espiritualmente ao nosso exílio e meritarmos o Terceiro Beit Hamikdash, que influenciará positivamente o mundo inteiro, devemos preparar nossas Casas de estudo e nossas Casas de reza para que elas estejam sempre com alto nível de santidade. Mas, acima de tudo, devemos preparar as nossas próprias casas para que elas possam refletir as reais funções da futura "Casa de D'us", que são a santidade, a harmonia e a proteção contra os valores incorretos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn. 28:10-32:2, Os.11:7-14:9, Jo. 1:43-51




Gn. 28:10-32:2, Os.11:7-14:9, Jo. 1:43-51
 

sábado, 2 de novembro de 2013

SENSIBILIDADE COM O PRÓXIMO – PARASHÁ TOLDOT 5774

 
Era a primeira noite de Pessach e o Rabi Akiva Eiger (Hungria, 1761 - Prússia, 1837) estava sentado à mesa celebrando o Seder de Pessach com vários convidados. As belas peças de prata, louças e cristais, que brilhavam após terem sido lustrados em honra daquela noite especial, foram colocadas sobre a mais fina toalha de linho branca, a melhor que a família Eiger possuía, e que ficava o ano inteiro guardada apenas para esta ocasião especial.

O Seder seguia tranquilo, com todos os convidados se sentido muito à vontade e revivendo juntos a saída do Egito. Quando todos estavam prestes a levantar as taças para cumprir a Mitzvá de beber um dos quatro copos de vinho, um dos convidados se descuidou e derrubou sua taça. Imediatamente o vinho tinto espirrou sobre toda a linda toalha de linho branca, deixando uma enorme mancha.

Antes que as pessoas pudessem ter qualquer reação, e sem pensar duas vezes, o Rabi Akiva Eiger começou a balançar a mesa até que sua própria taça também virou, derramando todo o conteúdo na toalha branca. Fingindo estar aborrecido consigo mesmo, ele falou em voz alta, olhando para a pessoa que havia derramado a taça:

"Não acredito, esta mesa está balançando muito, deve ser por isto que os copos caíram. Eu devia tê-la consertado antes do Seder. Me desculpe"

O convidado respirou aliviado. Com aquela enorme agilidade, o Rabi Akiva Eiger poupou sua visita de passar por uma grande vergonha pública. Ele já tinha tão internalizada a preocupação com o próximo que não foi necessário nem pensar antes de tomar aquela atitude rápida em prol da honra do próximo.

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Na Parashá desta semana, Toldot, a Torá começa a contar um pouco da vida do nosso patriarca Itzchak e sua esposa Rivka, como está escrito: "E Itzchak tinha quarenta anos quando tomou Rivka, filha de Betuel, o Arameu, de Padam Aram, e irmã de Lavan, o Arameu, como esposa para si" (Bereshit 25:20). A Torá nos ensina que tanto Betuel quanto Lavan eram pessoas desonestas e trapaceiras, que não mediam esforços para enganar os outros e sempre levar vantagem. Além disso, a Torá já havia descrito anteriormente (na Parashá da semana passada) quem eram os familiares de Rivka. Então por que repetir novamente? Não é uma vergonha para Rivka ser mencionada junto com seus parentes Reshaim (malvados)?

Explica Rashi, comentarista da Torá, que a intenção do versículo é justamente o contrário, isto é, os parentes Reshaim de Rivka foram mencionados como forma de louvá-la. Rashi, citando um Midrash (parte da Torá Oral), explica que Rivka tinha a enorme força espiritual de não aprender com os maus atos de seus parentes e vizinhos. O entendimento mais simples das palavras do Rashi é que, apesar de Rivka ter nascido em um ambiente tão ruim, em uma casa com valores tão distorcidos, ela conseguiu superar as más influências e manter sua retidão, tornando-se uma das matriarcas do povo judeu.

Porém, se nos aprofundarmos um pouco mais nas palavras do Midrash trazido por Rashi, perceberemos que não é exatamente esta ideia que a Torá quer nos transmitir. O Midrash, citando um versículo de Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos, do Rei Salomão), define Rivka como "uma rosa entre os espinhos". Se o Midrash estivesse querendo ensinar que Rivka continuou sendo Tzadiká (Justa) apesar das adversidades, então os espinhos representariam as adversidades e a rosa representaria a superação. Mas esta analogia não está correta, pois a rosa não desabrocha apesar dos espinhos, ao contrário, é a proteção dos espinhos que permite que a rosa possa se desenvolver e desabrochar. Então qual é o grande louvor que o versículo está nos ensinando sobre Rivka?

Segundo o Rav Yochanan Zweig, para responder esta pergunta precisamos fazer uma análise psicológica dos Arameus, o povo da região onde Rivka vivia. O Talmud (Meguilá 13b) define Lavan, o irmão de Rivka, como sendo um "Ramai" (trapaceiro). A palavra "Ramai" contém exatamente as mesmas letras da palavra "Arami" (Arameu). Isto significa que não apenas Lavan era desonesto, mas todas as pessoas daquela região também eram trapaceiras. Porém, é necessário fazer uma distinção entre um ladrão e um "Ramai". O ladrão, quando age, em nenhum momento finge que suas ações são pelo bem da vítima. Já o "Ramai" se faz passar por alguém de confiança. Ele tem a habilidade de enganar a vítima, fazendo-a pensar que ela está ganhando algo, enquanto está na verdade sendo trapaceada. Somente mais tarde é que a vítima percebe que foi enganada. Para que um "Ramai" consiga cometer crimes desta maneira, é necessário que ele saiba exatamente o que a vítima está pensando. Ele precisa desenvolver a habilidade de ver as coisas a partir da perspectiva do outro. Esta característica era dominante entre os Arameus, e foi neste ambiente que Rivka cresceu.

Mas então surge outra pergunta: se Avraham sabia que todas as pessoas daquela região eram trapaceiras e enganadoras, por que pediu para que fosse trazida uma esposa para seu filho Itzchak justamente de lá? Que tipo de qualidades ele esperava de alguém que vivia naquele ambiente tão negativo?

Ensinam os nossos sábios que todas as características, mesmo as mais negativas, também podem ser utilizadas de maneira positiva. Até mesmo a característica de ser um "Ramai", apesar de normalmente ser utilizada para enganar e trapacear, também pode ser usada de maneira construtiva. Os maiores atos de bondade são feitos pelas pessoas que desenvolvem uma sensibilidade em relação às necessidades do próximo. Rivka utilizou a habilidade de um "Ramai", isto é, de entender profundamente a cabeça da outra pessoa, de ver a situação com os olhos do outro, para atingir um alto grau de sensibilidade com as necessidades do próximo. Esta era a característica que Avraham queria para a esposa do seu filho, para que fosse futuramente transmitida, através da "genética espiritual" dos patriarcas, ao povo judeu.

Portanto, esta é a mensagem mais profunda do Midrash citado pelo Rashi. A característica negativa de ser um "Ramai" são os espinhos. Quando Rivka chegou ao nível de ser uma "rosa", isto é, uma das matriarcas do povo judeu, não foi apesar de ter vivido com pessoas trapaceiras, mas justamente por causa disso, por ter aprendido com os arameus, trapaceiros e desonestos, a entender o coração e as necessidades do próximo. Isto permitiu que ela chegasse a um nível de Chessed (bondade) muito elevado.

Esta capacidade dos Arameus de enxergar as coisas a partir da perspectiva do outro pode ser percebida até mesmo em algumas sutilezas de sua linguagem, o aramaico. Há na Torá um versículo difícil de ser entendido: "Um homem que tiver relações com sua irmã... é um 'Chessed', e eles devem ser banidos diante do seu povo" (Vayikra 20:17). A tradução de "Chessed", em hebraico, é "bondade". Como este versículo pode estar ensinando que este tipo de relacionamento, que envolve relações ilícitas, uma abominação aos olhos de D'us, é uma bondade? Explica Rashi que a linguagem "Chessed" em aramaico significa vergonha, e é isto o que o versículo está ensinando, que este relacionamento é uma grande vergonha. Mas por que a palavra Chessed tem sentidos tão contraditórios e, enquanto em hebraico tem uma conotação tão positiva, em aramaico é tão negativo? E por que o versículo escreveu uma palavra com o seu significado em aramaico e não em hebraico?

Responde o Rav Yochanan Zweig que os sentidos da palavra Chessed em hebraico e em aramaico não são contraditórios, e sim complementares. O sentido em hebraico foca na perspectiva daquele que faz a bondade, pois aquele que faz o bem ao próximo se sente preenchido com seu ato, enquanto o sentido em aramaico foca na perspectiva daquele que recebe a bondade, pois quem precisa estender a mão para receber ajuda sente vergonha.

Quando a Torá utiliza a palavra Chessed em aramaico, ela nos ensina que quando vamos fazer bondades, devemos ter a sensibilidade com a vergonha daquele que está recebendo. O ideal é tentar sempre fazer o Chessed de uma maneira que não envergonhe aquele que recebe, como doar de forma que a pessoa que recebeu não saiba quem está doando. Mas o maior nível de Chessed é, ao invés de dar algo pronto, ajudar a pessoa necessitada a conquistar o que lhe falta, para que ela não precise mais passar pela vergonha de pedir ajuda aos outros. Por exemplo, ao invés de dar esmola para um pobre todo mês, podemos ajudá-lo a conseguir um emprego, para que ele receba seu sustento de forma honrosa, sem sentir nenhum tipo de vergonha nem depender de ninguém.

Este é o incrível ensinamento da Parashá: para fazer Chessed de verdade não é suficiente apenas a vontade de fazer o bem, mas também é necessário a sensibilidade para evitar causar qualquer tipo de vergonha ou constrangimento para aquele que recebe. Somente assim poderemos sentir a alegria verdadeira de ter feito a bondade de maneira completa.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Gn. 25:19-28:9, Ml. 1:1-2:7, Rm.9:1-13
 

sábado, 26 de outubro de 2013

FUGINDO DO COMODISMO - PARASHÁ CHAIEI SARA 5774

 
Alguns estudos biológicos demonstram que é muito positiva a capacidade de adaptação dos animais às modificações que ocorrem no ambiente, mas que algumas vezes também pode ser extremamente negativa. Por exemplo, se um sapo for jogado em um recipiente que contém água fervendo, ele salta imediatamente para fora. Ele pode até ficar um pouco queimado, mas escapa vivo. Porém, o que acontece se o mesmo sapo for colocado em um recipiente que contenha a água de sua lagoa, fresca e límpida, e aquela água for lentamente aquecida? O sapo fica estático durante todo o processo de aquecimento, não se move. Ele não reage ao gradual aumento de temperatura e morre, sem esboçar nenhum tipo de reação, quando a água chega a altas temperaturas. A mesma temperatura, que antes era quente o suficiente para que ele imediatamente saltasse para fora, desta vez nem mesmo o tira de sua apatia.
Às vezes nos comportamos como os sapos. Nos acomodamos às mudanças negativas. Aceitamos tudo com passividade. Achamos que está tudo muito bom, ou que o que esta mal vai passar sozinho, é só questão de tempo. O casamento não anda bem, o relacionamento com os filhos cada vez pior, o trabalho cada vez mais desgastante, mas preferimos ficar boiando, estáveis e apáticos, na água que se aquece a cada instante.
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A Parashá da semana passada, Vayerá, terminou com o último e mais difícil teste de Avraham Avinu, que ele passou com sucesso: o sacrifício de Itzchak. Avraham fez exatamente o que D'us havia lhe ordenado e, vencendo todo o sentimento de amor e misericórdia pelo seu próprio filho Itzchak, colocou-o sobre o altar e preparou a faca para fazer o sacrifício. No último momento um anjo de D'us interrompeu-o e impediu o sacrifício de ser realizado. Aquele teste, que inicialmente parecia que terminaria com muita tristeza e sofrimento, aparentemente terminou bem.

Porém, a Parashá desta semana, Chaiei Sara, nos ensina que o evento do sacrifício de Itzchak sim teve uma consequência dolorosa. A Parashá começa descrevendo a morte de Sara, aos 127 anos. Qual a conexão entre o sacrifício de Yitzchak e a morte de Sara? Explica Rashi, comentarista da Torá, que Sara, ao ficar sabendo que Avraham havia levado Itzchak para sacrificá-lo, não aguentou a emoção e morreu.
 
Mas desta explicação do Rashi fica uma grande pergunta. O Rashi mesmo afirma que o nível de profecia de Sara era ainda maior do que o de Avraham, como D'us explicitamente falou para Avraham: "Tudo o que Sara te disser, escute a voz dela" (Bereshit 21:12). Então como Avraham passou no teste do sacrifício de Itzchak, enquanto Sara, que era mais elevada espiritualmente do que ele, não conseguiu passar?
Responde o Rav Chaim Shmulevitz que houve uma grande diferença na forma como Avraham e Sara foram testados. Avraham foi sendo colocado no teste pouco a pouco, como está escrito: "Pegue seu filho, seu único filho, aquele que você ama, Itzchak, e vá para a Terra de Moriá, e lá o eleve como um sacrifício" (Bereshit 22:2). Por que D'us não disse imediatamente que se tratava de Itzchak e não de Ishmael? Por que esta aparente "enrolação"? Pois D'us não queria dar a notícia de surpresa, Ele foi preparando aos poucos o coração de Avraham. Primeiro Ele falou "pegue seu filho", para Avraham já aceitar a ideia de que precisaria pegar um dos seus filhos. Cada pequena espera até D'us finalmente revelar que se tratava de Itzchak ia dando tempo para Avraham se acostumar com a ideia, e somente assim ele conseguiu vencer o amor por Itzchak e chegar ao nível de aceitar sacrificá-lo, de forma consciente e sem nenhuma confusão em seus pensamentos. Já Sara, ao contrário, escutou a notícia repentinamente, sem preparação nem tempo para absorver o impacto, e não aguentou a forte emoção.

Mas será que esta "preparação" realmente foi o que fez a diferença? Afinal, Avraham escutou de D'us que teria que sacrificar seu próprio filho. Por que ter escutado aos poucos esta notícia fez com que fosse mais fácil passar o teste? Explica o Rav Chaim Shmulevitz que D'us naturalizou na alma do ser humano a característica de se adaptar às situações difíceis, para que o ser humano pudesse resistir mesmo às piores condições de vida. Infelizmente vimos este fenômeno acontecer durante a época das terríveis atrocidades nazistas. Quando visitamos o Museu do Holocausto ou assistimos filmes e documentários sobre os crimes nazistas, sempre nos perguntamos: como houve pessoas que sobreviveram à este inferno? Como as pessoas aguentaram os sofrimentos insuportáveis aos quais passavam todos os dias, por anos, nos guetos e Campos de Concentração? Como suportaram estas condições e não morreram de desgosto?  A resposta é que a transição entre uma vida tranquila e o inferno pelo qual eles passaram ocorreu aos poucos, não foi algo repentino. Os judeus foram passando por várias fases difíceis: a perda dos direitos sociais, a perda dos direitos civis, a obrigação de viver em guetos com terríveis privações, o transporte em trens de carga, até chegar aos horrores dos Campos de Concentração. A cada fase que passavam, as pessoas iam se acostumando, e isto lhes dava força para aguentar a próxima fase. Foi somente assim que muitos conseguiram sobreviver.

Vimos que esta característica que D'us naturalizou em nossa alma, de se adaptar às dificuldades, de se acostumar com uma situação mais difícil, pode ser utilizada de maneira positiva, para dar a força ao ser humano de suportar e passar os piores testes com os quais nos deparamos em nossa vida. Porém, esta característica também pode ser um grande obstáculo para o nosso crescimento espiritual. Muitas vezes passamos por um momento de despertar espiritual. Pode ser por motivações externas, como algum acontecimento que nos faz buscar um sentido para a vida, ou por motivações internas, quando paramos para refletir e começamos a questionar a forma como vivemos. Mas este despertar, que no início surge como um fogo ardente, com o passar do tempo começa pouco a pouco a diminuir. Mesmo pessoas que passam por verdadeiros milagres, com o tempo se acomodam e esquecem tudo o que presenciaram. Pessoas que saíram ilesas de acidentes onde praticamente não havia chances de terem escapado com vida passam por um primeiro momento de despertar espiritual, uma vontade de se conectar à espiritualidade, de deixar de viver tão focada apenas no mundo material, mas em pouco tempo tudo volta ao normal.

A Torá nos traz um exemplo impressionante de como ninguém está a salvo desta acomodação espiritual. Quando nosso patriarca Yaacov morreu no Egito, seus filhos levaram seu corpo para ser enterrado em Israel, na Mearat HaMachpela, onde estavam enterrados Avraham e Itzhak. Mas quando chegaram, tiveram uma surpresa: Essav estava na porta, tentando impedir o enterro, dizendo que era ele, o primogênito, que tinha o direito de ser enterrado lá. Os filhos de Yaacov explicaram que ele havia vendido para seu irmão a primogenitura, mas Essav tentou outro argumento, e depois outro. Os filhos de Yaacov, ao invés de perceberem que aquela demora causava uma vergonha para Yaacov, cujo corpo estava lá, esperando para ser enterrado, entraram cada vez mais na discussão. O tempo foi passando e o enterro não acontecia. Até que Chushim, um dos netos de Yaacov, que era surdo, viu que o corpo de seu avô estava ali parado, em total desprezo, sem ser enterrado. Ao entender que Essav estava impedindo o enterro, Chushim pegou um pedaço de madeira e atingiu a cabeça de Essav com um golpe fatal. Somente depois disso Yaacov pôde ser dignamente enterrado. Mas será que nenhum filho de Yaacov se importou com o desprezo ao corpo do pai, somente Chushim? Isto nos ensina até onde chega a força de acomodação espiritual. Os filhos de Yaacov, ao entrarem na discussão com Essav, foram perdendo a sensibilidade ao fato do corpo de Yaacov estar sendo desprezado. Cada novo argumento os afastava um pouco mais da realidade. Somente Chushim, que era surdo, não entrou na discussão e, por isso, não perdeu a sensibilidade.

Este é um dos principais inimigos do nosso crescimento: o comodismo, se acostumar com a nossa condição espiritual. A força do comodismo entorpece nosso coração e nos faz perder a noção verdadeira das coisas. Nos acostumamos com a desonestidade, com a imoralidade e com a violência. Nos acostumamos a aceitar as coisas erradas como se fossem normais. Mesmo quando temos certezas na vida, se não tomamos atitudes de mudanças, com o tempo vamos perdendo a força de vontade. Temos que lutar para não cair nunca no comodismo. Como? Refletindo sempre sobre os nossos caminhos e as nossas convicções. Tentando melhorar um pouco a cada dia, em pequenos detalhes, consertar atos cotidianos simples. Com pequenos passos de crescimento, um dia olharemos para trás e sentiremos um grande orgulho de tudo o que conquistamos.

"A vida é uma escada rolante que desce. Se não estamos subindo, então estamos automaticamente descendo"

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn.23:1-25:18, 1Rs.1:1-31, 1 Co. 15: 50-57

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DOAÇÃO DE VIDA - PARASHÁ VAYERÁ 5774


"O sistema escolar de uma grande cidade americana decidiu criar um programa para ajudar crianças hospitalizadas a não perder o ano escolar. Professoras foram contratadas e visitavam as crianças doentes para ensinar o mesmo material que seus colegas de classe estavam estudando. Mary foi uma das professoras contratadas pelo programa. Certo dia ela recebeu um telefonema avisando sobre uma nova criança que entraria no programa e que precisava aprender substantivos e advérbios. Mary foi ao hospital para começar a primeira aula com a criança doente.

Mas o que ninguém havia avisado para Mary é que a criança era um garoto que havia sofrido queimaduras graves e sentia muitas dores. Foi um grande choque para Mary, ela se sentiu muito mal de ver o garoto naquele estado. Gaguejando, ela explicou que havia sido mandada pela escola para ajudá-lo a aprender os substantivos e advérbios. Abriu o livro, procurando não olhar diretamente para o garoto, passou a lição do dia, levantou-se e saiu.

No dia seguinte, Mary não teve vontade de voltar ao hospital, pois achou que não havia acrescentado nada àquele pobre menino. Mas lembrou-se da importância do projeto e, juntando todas as suas forças, foi dar a aula. Quando chegou, antes mesmo de entrar no quarto do garoto, a enfermeira-chefe correu em sua direção e perguntou: "O que você fez com este garoto?". Mary, achando que havia feito algo errado, começou a se desculpar. A enfermeira-chefe interrompeu-a e disse:

- Não, você não está entendendo. A saúde deste garoto estava cada vez pior, principalmente porque ele estava extremamente triste e sem vontade de viver. Nenhum tratamento estava adiantando e as infecções estavam cada vez mais difíceis de serem controladas, mesmo com os medicamentos mais fortes. Mas desde que você saiu daqui ontem, o garoto começou a reagir aos tratamentos e sua atitude mudou. Ele está novamente lutando pela vida. Parece que, depois de sua visita, ele decidiu viver. O que você fez?

Mary não conseguia entender. Afinal, o que ela tinha feito pela criança? Havia apenas dado uma aula de substantivos e advérbios. Duas semanas depois aquele garoto já estava milagrosamente fora de perigo. Sentindo-se muito melhor, ele explicou aos médicos sua mudança de atitude:

- Eu sentia tantas dores que havia perdido a vontade de viver. Eu acreditava que não tinha mais chances de me recuperar e que os médicos estavam apenas me enganando e escondendo a verdade. Mas quando aquela professora entrou e avisou que estava ali para estudar comigo substantivos e advérbios, tudo mudou, pois eu percebi que iria viver. Eu pensei: "Por que mandariam uma professora para estudar substantivos e advérbios com um garoto que está morrendo?". Foi aí que eu decidi lutar pela minha vida".

Desta história vemos a importância da Mitzvá de "Bikur Cholim" (visitar os doentes), uma Mitzvá com a qual podemos literalmente dar vida aos outros.

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Nesta semana lemos a Parashá Vayerá, que começa com as seguintes palavras: "E D'us apareceu para ele (Avraham) nas planícies de Mamré, e ele estava sentado na porta da tenda, no calor do dia" (Bereshit 18:1). Qual o motivo pelo qual D'us apareceu para Avraham neste momento? Explica o Talmud (Sotá 14a) que Avraham estava se recuperando do Brit Milá (circuncisão) que ele havia feito aos 99 anos. Rashi, comentarista da Torá, acrescenta que aquele era o terceiro dia após o Brit Milá, dia em que há mais dor e sofrimento, e D'us apareceu para Avraham com a intenção de visitar o doente e perguntar como ele estava se sentindo. Logo após D'us ter aparecido, Avraham levantou os olhos e viu três beduínos se aproximando. Ele pediu licença para D'us e correu para receber os convidados, tratando-os como reis. Depois disso, quando a conversa foi retomada, D'us avisou para Avraham que os habitantes da cidade de Sdom haviam atingido o limite de maldade e, por isso, a cidade inteira seria destruída.

Deste início da Parashá surgem algumas perguntas. Em primeiro lugar, como o Talmud pode afirmar com tanta certeza que a aparição de D'us foi para fazer Bikur Cholim (visitar um doente)? Se logo depois D'us revelou para Avraham a iminente destruição de Sdom, como o Talmud sabe que D'us não apareceu para Avraham justamente para dar este aviso ou transmitir qualquer outra mensagem profética?

Além disso, vemos que Avraham praticamente deixou D'us "falando sozinho" para receber seus convidados. Desta passagem o Talmud (Shabat 127a) afirma que cumprir a Mitzvá de "Achnassat Orchim" (receber convidados) é maior do que receber a Shechiná (Presença Divina). Por que esta atitude de Avraham não foi considerada um desrespeito com D'us?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está no entendimento mais profundo desta Mitzvá tão importante chamada "Bikur Cholim". O principal propósito de visitar um doente é garantir que todas as suas necessidades estejam devidamente cuidadas. O paciente deve ser o foco principal da visita, o centro das atenções. Ao darmos este respeito e carinho ao doente, ajudamos muito na sua autoestima e, consequentemente, em sua recuperação. A pessoa se sente querida e cuidada, sente que tem pessoas de confiança com quem ela pode contar, e esta tranquilidade ajuda muito na melhoria da sua saúde.

A Torá nos ensina que nunca um ser humano alcançou ou alcançará o mesmo nível profético de Moshé Rabeinu. Uma das características que diferenciava Moshé de todos os outros profetas era que sua comunicação com D'us acontecia enquanto Moshé estava plenamente consciente, enquanto os outros profetas recebiam sua comunicação Divina em um estado de transe momentâneo. Por Avraham ter interrompido a "visita" de D'us para ir receber os beduínos, isto demonstra que ele estava consciente. Portanto, propósito da "visita" de D'us não poderia ter sido para transmitir a ele nenhuma informação profética. Então nossos sábios aprendem deste versículo que o verdadeiro motivo desta aparição foi apenas para D'us visitar Avraham, que estava doente. Como o propósito era proporcionar a Avraham a alegria da visita, e isto ajudaria na sua recuperação, então era necessário que Avraham estivesse totalmente consciente quando D'us apareceu para ele.

A Parashá começa falando que Avraham estava sentado na porta de casa. Qual a importância deste detalhe? Apesar da dor, Avraham queria muito receber convidados. Para ele doía mais não fazer Chessed (bondade) do que a dor do Brit Milá aos 99 anos. Ele deveria estar na cama se recuperando, mas foi para a porta para não perder nenhuma oportunidade de fazer bondades. Isto era algo que o preenchia, que fazia bem para ele. Como o propósito da "visita" de D'us era pelo benefício de Avraham, pela sua cura, então Avraham ter saído no meio da "visita" de D'us para receber os convidados, algo que também o curava e lhe dava vida, não foi considerado um desrespeito. Porém, se o propósito da "visita" de D'us tivesse sido para comunicar algo a Avraham, então qualquer interrupção teria sido considerada um grande desrespeito com D'us, mesmo que a interrupção fosse para cumprir uma grande Mitzvá.

Da Parashá aprendemos o quanto é importante fazer atos de Chessed com o próximo. Vemos o quanto D'us pessoalmente se preocupa com cada criatura, a ponto de "visitar" uma pessoa que está doente. Devemos então nos assemelhar ao nosso Criador e fazer bondades com o próximo, principalmente com aqueles que precisam e dependem da nossa ajuda. A Mitzvá de Bikur Cholim é uma oportunidade de dar um pouco mais de ânimo para uma pessoa doente, de alegrar um enfermo demonstrando que nos importamos com ele. Muitos estudos científicos demonstram que pacientes que estão felizes se recuperam de uma maneira muito mais rápida do que pacientes que estão tristes. Portanto, visitar um doente não é apenas um ato de bondade. Pode significar dar um pouco mais de vida para alguém.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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Gn.18:1-22:24, 2Rs. 4:1-37, 2 Pe. 2: 4 -11