sábado, 26 de maio de 2012

AMOR ETERNO – PARASHÁ BAMIDBAR E SHAVUÓT 5772

"Fabiana, uma garota adolescente, viajou certa vez para visitar seus avós. Ficou a tarde inteira vendo um álbum de fotografias, onde estavam até mesmo fotos mais antigas, ainda em preto e branco. As fotos que mais chamaram a atenção de Fabiana foram as do casamento dos avós. Fabiana estava orgulhosa de ver como seus avós, após várias décadas de casamento, ainda se amavam e se respeitavam.
Fabiana quis saber mais detalhes do casamento, quando as almas haviam se conectado. Finalmente ela pediu à avó para ver a aliança de casamento, que parecia um anel muito bonito. Ao pegar a aliança na mão, ela estranhou. Era um anel pesado e grosso, diferente das alianças usadas atualmente. Curiosa, perguntou para a avó:
- Vó, por que a sua aliança é tão grossa e pesada?
A avó não resistiu. Abriu um lindo sorriso e disse:
- É por que na nossa época, os casamentos eram feitos para durar para sempre. Então a aliança precisava ser mais grossa, para resistir ao tempo..."
Infelizmente, com casamentos descartáveis, as novas gerações se afastam cada vez mais do conceito de construir um relacionamento para sempre. Mas todo o ano Shavuót nos recorda que o nosso relacionamento com D'us, cujo casamento foi no Monte Sinai, há mais de 3.300 anos, é eterno.
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Nesta semana começamos o quarto livro da Torá, Bamidbar. E a Parashá da semana, Bamidbar, começa com um censo do povo judeu, como está escrito: "E disse D'us para Moshé no deserto... Faça a contagem de toda a assembleia dos Filhos de Israel, de acordo com suas famílias..." (Bamidbar 1:1,2). Mas por que D'us comandou Moshé a contar o povo? Se Ele é onisciente, já não sabia a quantidade de pessoas? E, além disso, várias vezes na Torá o povo foi recontado. Por que a necessidade de tantas contagens?
Nossos sábios explicam através da comparação com um colecionador de moedas raras. O colecionador adora ficar admirando suas moedas. Ele conta e reconta várias vezes, mesmo já sabendo exatamente quantas moedas existem em sua coleção. O mesmo paralelo se aplica ao povo judeu. O amor de D'us pelo povo é tão grande que, mesmo sabendo quantas pessoas existem, Ele se alegra em recontá-las diversas vezes. E este amor entre D'us e o povo judeu é um dos principais temas da festa que se inicia após o Shabat, quando revivemos um dos momentos mais especiais do ano: Shavuót, o dia em que D'us se revelou diante de todo o povo judeu e nos entregou a Torá.
Para poder aproveitar bem o dia de Shavuót, precisamos entender o que a entrega da Torá realmente significou para o povo judeu. Há um Midrash interessante que diz que D'us, antes de entregar a Torá ao povo judeu, ofereceu-a a todos os outros povos, mas eles recusaram, pois não queriam se comprometer com um código de leis e conduta que implicava em mudanças de atitude. Somente após a recusa de todos os povos é que a Torá foi oferecida ao povo judeu e aceita incondicionalmente.
Deste Midrash fica uma grande pergunta. As Parashiót do começo da Torá, no livro de Bereshit, se alongam nos detalhes da vida dos nossos patriarcas, Avraham, Yitzchak e Yaacov, de quem recebemos uma incrível herança espiritual. Poderíamos pensar que nosso mérito de receber a Torá foi consequência do nível espiritual que eles alcançaram. Mas se a Torá foi oferecida para todos os povos, que não tinham nenhuma conexão com os nossos patriarcas, isto quer dizer que a descendência dos patriarcas não era pré-requisito para o recebimento da Torá. Portanto, para que D'us nos entregou o livro de Bereshit, que descreve a vida dos patriarcas, e não começou diretamente no livro de Shemot, na revelação de D'us e a entrega da Torá no Monte Sinai? Que diferença fez o elevado nível espiritual dos nossos patriarcas no relacionamento do povo judeu com D'us?
A resposta está em uma Mishná do Pirkei Avót, que ensina um importante fundamento sobre o relacionamento entre as pessoas: "Todo relacionamento de amor que é dependente de uma razão, quando a razão termina, o amor também termina. E todo relacionamento de amor que não é dependente de uma razão, não termina nunca" (Pirkei Avót 5:16). Mas como entender esta Mishná? Será que existe alguma maneira de uma pessoa amar outra sem nenhuma razão? Se não há nada especial, o que torna o relacionamento algo único e duradouro?
A verdade é que, no início, a construção de qualquer relacionamento depende de uma razão. Tanto se for uma razão física quanto emocional, esta razão é o que faz o relacionamento começar a florescer. Então o que a Mishná está ensinando? Que há dois tipos de relacionamento: aquele que continua dependente de alguma razão inicial, nunca se desenvolvendo para algo maior; e aquele que continua a se desenvolver até transcender a uma relação que não mais necessita daquela razão inicial. O amor que consegue transcender é o amor que durará para sempre, mas o amor que continua preso a uma razão inicial, quando a razão deixar de existir, o amor também deixará de existir.
Esta é a importância do livro de Bereshit, que descreve que os nossos patriarcas foram escolhidos por D'us por suas qualidades exemplares, por terem se destacado, em seus atos e escolhas, dentre toda a humanidade. Mas não apenas eles foram o motivo da escolha de D'us, eles foram capazes de transcender e transformar este relacionamento em um amor que duraria mesmo quando estas qualidades, que originaram a escolha, não mais existissem. Isto possibilitou que o pacto entre D'us e o povo judeu, firmado no Monte Sinai através da entrega da Torá, fosse eterno, mesmo quando o povo judeu não estivesse cumprindo as palavras da Torá.
O que conecta o povo judeu a D'us é que, através do esforço dos patriarcas, nós fomos elevados ao status de "Filhos". O esforço dos patriarcas é a fundação do nosso relacionamento com D'us. Quando o povo judeu transgrediu durante a história, como no caso do Bezerro de ouro, foi o mérito dos patriarcas que impediu que D'us quebrasse o pacto com o povo, como está escrito: "Moshé começou a suplicar diante de D'us... Retire a Sua raiva e não faça mal ao Seu povo. Lembre-se dos teus servos Avraham, Yitzchak e Yaacov, que Você jurou para eles..." (Shemot 32:11,13).
O que teria acontecido se os outros povos também tivessem recebido a Torá? Seria um pacto baseado em um compromisso mútuo, mas sujeito à revogação no caso de uma das partes quebrar o compromisso. Apenas o povo judeu conquistou, pelas fundações cavadas pelos nossos patriarcas, o mérito de construir um relacionamento eterno com D'us, que nunca foi e nunca será revogado. D'us pode ficar bravo quando o povo judeu se desvia dos caminhos corretos, como já ocorreu diversas vezes na história, quando sentimos a Sua fúria por termos nos afastado. Mas, apesar das dificuldades, o pacto com Ele nunca será quebrado.
Portanto, este é o verdadeiro valor de Shavuót. Devemos reviver neste dia o momento em que selamos um pacto de amor eterno com D'us, recebendo novamente a Torá. A Torá não deve ser algo do passado, uma lembrança dos nossos patriarcas, do alto nível em que chegaram. Deve ser parte de nossa vida, um manual de instruções, um modelo de onde podemos, com esforço e perseverança, chegar.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/search?updated-min=2012-01-01T00:00:00-02:00&updated-max=2013-01-01T00:00:00-02:00&max-results=21

Nm. 1:1-4:20, Os 1:10-2:20, Rm. 9:22-33

sábado, 19 de maio de 2012

OLHE SEMPRE PARA CIMA – PARASHIÓT BEHAR E BECHUKOTAI 5772

"O Rav Mendel foi enviado para a Sibéria, onde permaneceu um longo tempo preso. Foram anos muito difíceis, mas lá ele aprendeu uma importante lição, que levou para toda a vida.
Seu companheiro de cela era um senhor cuja profissão era caminhar na corda bamba. Sua especialidade era esticar uma corda entre dois edifícios altos e atravessá-la, diante do olhar maravilhado e ansioso dos espectadores. Quando conseguia chegar ao outro lado, era ovacionado pelo público. O Rav Mendel quis entender como ele conseguia realizar tal proeza e perguntou:
- Eu sempre tive uma grande curiosidade. Quando você está lá no alto, suspenso no ar, sem nenhum lugar para se apoiar, como você faz para manter o equilíbrio?
O equilibrista abriu um sorriso, como uma criança que revela seu segredo, e disse:
- É muito simples. Antes de começar a travessia, procuro do outro lado algum objeto e me concentro nele. Não ouso tirar meus olhos daquele objeto enquanto estou caminhando. Não olho nem para a direita e nem para a esquerda. Somente assim, concentrado no meu objetivo e sem tirar os olhos do objeto, é possível atravessar utilizando uma corda bamba"
Este é um grande ensinamento para nosso cotidiano. Nossa vida é como uma corda bamba, pois se não tomamos cuidado, podemos cair a qualquer momento. O segredo é focar em D'us, colocando toda nossa confiança Nele, para conseguirmos assim vencer os desafios e dificuldades da vida.
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Behar e Bechukotai, que ensinam Mitzvót muito importantes. Por exemplo, a Parashá Behar começa com a Mitzvá de Shmitá, o Ano Sabático. Após seis anos de trabalho, os donos de terras em Israel não podem trabalhar em seus campos durante todo o sétimo ano, e devem deixá-los abertos a qualquer um que queira usufruir de seus frutos. Por um lado é uma Mitzvá muito difícil de ser cumprida, mas por outro lado é uma grande oportunidade espiritual, pois todos os que a cumprem da maneira correta conseguem enraizar no coração um dos fundamentos mais importantes do judaísmo: a Bitachon (confiança em D'us), a certeza de que D'us tem controle sobre tudo e cuida, de cada um de nós, com Hashgachá Pratid (Supervisão particular).
Quando um engenheiro constrói um prédio, precisa construir um sistema de distribuição de água, para que todos os moradores recebam, em seus apartamentos, água corrente para os mais diversos usos. As instalações de água são compostas por uma enorme caixa d'água localizada na cobertura, uma extensa rede de tubulações descendo pelo edifício e torneiras localizadas dentro dos apartamentos. Este sistema, se não for bem projetado e executado, pode trazer enormes dores de cabeça para os moradores. Por exemplo, o que aconteceria se o engenheiro, por desleixo, deixasse de fazer as tubulações? Mesmo se a caixa d'água estivesse cheia, os moradores não conseguiriam utilizar a água, mesmo abrindo as torneiras.
A Bitachón tem alguns pontos em comum com a tubulação de água de um edifício. Por exemplo, da mesma forma que a tubulação é o que faz a ligação entre a caixa d'água e as torneiras, assim também a Bitachón é a força que traz para o nosso mundo as Brachót criadas por D'us nos Mundos espirituais. Da mesma forma que não adianta abrir a torneira se não houver uma tubulação ligada até a caixa d'água, também não é possível receber Brachót sem que a pessoa desenvolva sua Bitachón.
Mas não é suficiente apenas fazer uma tubulação de qualquer jeito, sem o dimensionamento correto. Ela precisa ser larga, pois quanto mais largo for o tubo, maior a vazão de água que pode passar nele. Assim também é a Bitachón, a cada nível maior que chegamos, mais Brachót conseguimos trazer para este mundo.
E mais um ponto em comum interessante é que a tubulação de água precisa ser íntegra, isto é, sem furos ou rachaduras, pois nestes furos e rachaduras a água vaza e não chega às torneiras. Assim também a nossa Bitachón deve ser completa, devemos tirar do nosso coração qualquer dúvida ou insegurança, pois as dúvidas e inseguranças são sinais de que a nossa Bitachón ainda não é tão completa quanto deveria ser.
Mas como saber se estamos crescendo em Bitachón? Como saber, na prática, se a nossa Bitachón é completa ou se ainda temos "furos na nossa tubulação"? O livro "Chovot Halevavot" (Deveres do coração) ensina que há um indicador do nível de Bitachón: a tranquilidade da pessoa, mesmo diante dos testes e das dificuldades. A pessoa com elevado nível de Bitachón não se desespera diante de uma dificuldade ou sofrimento, ao contrário, fica tranquila e em silêncio, sem reclamações ou cobranças, pois sabe que tem em quem se apoiar, sabe que pode contar com o Criador, que controla todo o universo e nos criou apenas por bondade.
Porém, será que podemos aplicar este conceito à Mitzvá de Shmitá? Pois assim está escrito: "E se vocês disserem: O que vamos comer no sétimo ano, já que não vamos semear nem recolher nossas colheitas? Eu ordenarei Minha benção no sexto ano e farei com que tenham uma colheita para os três anos" (Vayikra 25:20,21). O que aprendemos destes versículos? Que as pessoas que questionarem D'us no ano de Shmitá, dizendo "O que comerei", receberão no sexto ano uma produção tripla, suficiente para os três próximos anos, até que a pessoa possa voltar a produzir e a colher suas frutas. Já as pessoas que não questionarem D'us, de acordo com os versículos, não receberão nada a mais de produção no sexto ano.
Estes versículos, portanto, despertam grandes questionamentos. Como se sustentam as pessoas que não questionam D'us, no ano de Shmitá e no ano seguinte? E como entender os ensinamentos sobre Bitachón se o que os versículos sugerem é justamente o oposto do foi ensinado, pois o correto seria a pessoa ficar tranqüila e quieta, com a certeza de que D'us cuidaria de suas necessidades, e qualquer questionamento seria um sinal de falta de Bitachón. Então por que a Torá diz que justamente uma produção tripla viria para aqueles que questionassem D'us, enquanto aqueles que não questionassem receberiam a mesma quantidade de produção? Isto não é completamente contraditório?
Explica o Sforno, comentarista da Torá, que havia duas maneiras da pessoa ter seu sustento garantido durante o ano de Shmitá e o ano seguinte. Uma maneira era a Brachá de D'us que fazia com que a produção no sexto ano fosse tripla. Mas esta Brachá vinha junto com grande dificuldade e esforço, pois no sexto ano a pessoa precisava trabalhar de maneira exaustiva, três vezes mais do que nos outros anos. Porém, havia outra maneira da pessoa ter seu sustento. Para as pessoas que não questionavam, D'us mandava Suas Brachót de maneira oculta, isto é, a pessoa trabalhava e colhia no sexto ano exatamente a mesma quantidade de comida, mas as coisas milagrosamente duravam 3 anos, pois a pessoa se saciava com muito menos.
Portanto, há uma grande diferença entre aquele que se cala e confia em D'us e aquele que reclama. Aquele que tem Bitachón recebe a verdadeira Brachá, de se saciar com o que já tem, sem nenhum esforço extra. Já aquele que reclama recebe, junto com o sustento, o triplo de trabalho e esforço. A reclamação demonstra falta de Bitachón e, por isso, mesmo que a pessoa receba seu sustento, recebe com um nível de Brachá muito menor.
Explica o livro "Lekach Tov" algo ainda mais profundo. Na realidade, a pessoa que reclama com D'us destrói sua tubulação espiritual, não merecendo mais receber, por seus méritos, as Brachót que estavam guardadas para ela no Céu. Então por que acontecia o milagre da produção tripla? Por causa de uma regra espiritual que "quando uma pessoa se ocupa de uma Mitzvá, nenhum mal pode atingi-la". Isto é, como a pessoa está cumprindo a Mitzvá de Shmitá, a Mitzvá a protege de passar fome e por isso a comida vêm, mas junto com um enorme esforço. A verdadeira Brachá, que traria toda a comida necessária sem nenhum esforço a mais, ela não merece, por ter destruído sua Bitachón.
E assim disse o profeta Irmiahu: "Bendito é o homem que confia em D'us" (Irmiahu 17:7). Quando a pessoa confia em D'us, ela torna-se uma pessoa bendita, isto é, merita todas as Brachót do Céu. E como ela demonstra que confia em D'us? Mantendo-se tranquilo e confiante mesmo diante das dificuldades, sabendo que não há nenhuma necessidade de se preocupar.
Este é um grande ensinamento para nossas vidas. Nossa falta de Bitachón nos faz sofrer por antecipação. Imaginamos que coisas terríveis vão acontecer e, na maioria das vezes, nossas previsões negativas não se cumprem. Perdemos a esperança, desistimos fácil demais. Portanto, aquele que tem Bitachón vive mais tranquilo, mais feliz, e garante que todas as Brachót guardadas para ele no Céu chegarão, mais cedo ou mais tarde, para beneficiá-lo.
"Obstáculos são aquelas coisas assustadoras que você vê quando tira os olhos da sua meta"

SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Behár Lv 25:1-26:2, Lc. 4:16-21
Bechukotai Lv 26:3-27:34, Jr 16:19-17:14, Mt.22: 1-14

sexta-feira, 11 de maio de 2012

SANTIFICANDO O NOME DE D'US - PARASHÁ EMOR 5772

"O Sr. Grunenbaum era o chefe de uma família ortodoxa que vivia na cidade de Bnei Brak, em Israel. Além de cumprir com alegria as Mitzvót da Torá, ele tinha uma vontade muito grande de ajudar pessoas afastadas a conhecer um pouco mais dos preciosos ensinamentos da Torá. Mas infelizmente uma das famílias que ele tinha mais dificuldade em ajudar eram justamente seus cunhados, os Weisberg, que não aceitavam seus convites para o Shabat e não estavam abertos para escutar o que ele tinha para ensinar.
Depois de diversas recusas, certa vez os Weisberg aceitaram o convite de passar um Shabat em Bnei Brak. Eles comeram todas as refeições juntos, conversaram bastante, foi um dia muito agradável, mas os Weisberg não queriam nem escutar nada sobre Torá e Mitzvót.
Quando o Shabat terminou, os Grunenbaum acompanharam os Weisberg até o ponto de ônibus, e não sentiram neles nenhuma abertura ou vontade de conhecer mais sobre o judaísmo. De repente, a Sra. Weisberg parou e perguntou para a Sra. Grunenbaum:
- Que ruído é este? - referindo-se a um forte som de vozes que ficava cada vez mais alto.
- Este ruído vem de uma das sinagogas do bairro - respondeu a Sra. Grunenbaum - Tem alguém na cidade muito doente, e centenas de pessoas se juntaram na sinagoga para dizer Tehilim (Salmos) pela recuperação dela. Na verdade, depois de deixar vocês no ponto de ônibus, eu pretendo me juntar a eles também.
- Mas você sabe quem é a pessoa doente? - Perguntou a Sra. Weisberg.
- Não. E a grande maioria das pessoas que estão agora na sinagoga também não a conhecem. Todos sabem apenas que é alguém muito doente que precisa das nossas rezas - respondeu a Sra. Grunenbaum.
- Quer dizer que você vai abrir mão do seu Sábado à noite por alguém que você nem mesmo conhece? - perguntou a Sra. Weisberg, espantada.
_ Sim, pois é isto o que a Torá nos ensina que é correto fazer nesta situação – respondeu, com simplicidade, a Sra. Grunenbaum
O contraste era tão grande entre as pessoas de Bnei Brak, tão desprendidas e prontas para ajudar ao próximo, das pessoas egoístas que moravam no bairro da Sra. Weisberg, em Tel Aviv, que isto tocou o coração dela profundamente. E alguns anos depois os Weisberg haviam voltado para suas raízes judaicas"
As pessoas que naquela noite foram à sinagoga de Bnei Brak rezar pela cura física de um doente também ajudaram outra família a encontrar o seu caminho espiritual. Eles fizeram um grande "Kidush Hashem" (Santificaram o nome de D'us).
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Um dos assuntos da Parashá desta semana, Emor, é a santidade com a qual devem ser tratadas as oferendas do Beit-Hamikdash (Templo). Por exemplo, a Torá descreve algumas imperfeições que desqualificavam um animal de ser oferecido como Korban (sacrifício). Depois disso a Torá novamente menciona algumas leis sobre o "Korban Todá", que era oferecido por uma pessoa que havia escapado de algum perigo de vida. E assim está escrito: "Quando vocês oferecerem um Korban Todá para D'us, vocês devem oferecê-lo de forma que seja aceito em favor de vocês... Eu sou D'us. Vocês devem observar Meus mandamentos e cumpri-los, Eu sou D'us. Você não deve denegrir Meu nome sagrado, ao contrário, Eu devo ser santificado diante dos filhos de Israel, Eu sou D'us" (Vayikrá 22:29-32).
Mas destes versículos surgem algumas perguntas interessantes. Em primeiro lugar, quando todos os Korbanót foram descritos na Parashá Vayikrá, para cada um deles está escrito que ele deve ser sacrificado "de forma que seja aceito em favor de vocês". O que há de especial no Korban Todá, já que a Torá precisou enfatizar outra vez que este Korban deveria ser feito "de forma que seja aceito em favor de vocês"? Além disso, por que a frase "Eu sou D'us" é repetida tantas vezes? E finalmente, qual a conexão entre o Korban Todá e o ato de Santificar o nome de D'us?
Explica o Rav Rafael Yom Tov Lipman Hilfrin que devemos nos lembrar em todos os instantes que D'us nos criou a partir do nada, isto é, sem Ele nem mesmo existiríamos. Todas as nossas forças e aptidões, físicas e espirituais, recebemos Dele. Além disso, além Dele ter nos criado, é Ele que nos mantém a cada instante, e não haveria possibilidade de vida na Terra sem que a vitalidade fluísse Dele de maneira constante e ininterrupta.
De acordo com estes princípios, racionalmente não teríamos nenhuma possibilidade de nos levantar contra D'us e fazer algo contra Sua vontade, já que toda a nossa vitalidade e o movimento dos nossos membros dependem Dele. Mas D'us nos fez uma grande bondade. Quando Ele criou o Mundo material, Ele colocou dentro de nós a livre escolha, isto é, a possibilidade de fazer atos contra a Sua vontade. Porém, que tipo de bondade é esta? O que a possibilidade de fazer o que vai contra D'us nos acrescenta?
Se não tivéssemos livre escolha, não teríamos nenhum mérito pelos nossos bons atos. Com o surgimento da possibilidade de nos desviarmos dos caminhos corretos, cada vez que fazemos as escolhas corretas e cumprimos a vontade de D'us, recebemos uma recompensa pela nossa escolha. Assim conseguiremos meritar nossa eternidade no Mundo Vindouro através dos bons atos que escolhermos acumular.
O Korban Todá era trazido por uma pessoa que queria agradecer a D'us por ter se salvado após ter passado por alguma situação em que sua vida esteve em perigo, como em uma doença ou uma viagem perigosa. Mas qual a definição judaica de vida? Será que uma pessoa que anda e fala é chamada de viva? Não, pois segundo o judaísmo, o conceito de vida verdadeira vai muito além dos sinais vitais. Como a passagem neste mundo é algo apenas temporário e nossa vida verdadeira será no Mundo Vindouro, nossa eternidade depende de como nos comportaremos neste mundo.
Por que no Korban Todá está escrito outra vez "de forma que seja aceito em favor de vocês"? A linguagem "Todá" vem da mesma raiz de "Hodaá", que significa admitir. Somente é considerado que alguém admitiu algo quando existe a possibilidade da negação. O Korban é uma declaração de que, apesar da possibilidade de se voltar contra D'us, de negar os caminhos corretos, a pessoa estava escolhendo seguir os caminhos de D'us. É a admissão de que tudo vem Dele, Ele é a causa de todas as causas, o motivo de todos os motivos. Não queremos que apenas nosso Korban seja aceito, mas sim que nossas escolhas de vida sejam aceitas por D'us em nosso favor, em benefício da nossa vida verdadeira, a vida eterna.
É por isso que o termo "Eu sou D'us" se repete tantas vezes. Antes do comando de cumprir as Mitzvót ele aparece duas vezes, uma pelo reconhecimento de que D'us é o Criador, que nos criou a partir do nada, e a outra é pelo reconhecimento de que é Ele quem nos mantém a cada instante. Declaramos que o propósito de nossa vida é seguir as Mitzvót e os ensinamentos Daquele que nos criou e nos mantém a cada instante.
Portanto, quando a pessoa trazia um Korban Todá, não estava apenas agradecendo que D'us a manteve viva. Estava agradecendo a oportunidade de seguir vivendo uma vida verdadeira, uma vida de reconhecimento, uma vida com os princípios éticos e morais da Torá. De nada adiantaria a pessoa escapar de um acidente e continuar, por dezenas de anos, indo contra o que o seu Criador ensinou, sem acumular méritos para sua vida verdadeira.
Quando a pessoa chega neste nível de entendimento, de que toda sua existência depende de D'us, esta pessoa está pronta a santificar o nome de D'us em todas as situações, sendo em vida e, se necessário, morrendo por isso. Pois o versículo termina com "Eu sou D'us" para nos ensinar que Ele, e apenas Ele, é o dono da vida e da morte.
Não precisamos morrer em um ato de heroísmo para santificarmos o nome de D'us. Se for necessário, devemos estar prontos para dar a vida por isso, mas podemos viver de maneira a santificar o nome de D'us a cada instante. Ao cumprirmos as Suas leis, nos transformamos em pessoas melhores a cada dia. Podemos nos tornar exemplos de bondade, de preocupação com o próximo e de respeito, em um mundo cada vez mais egoísta. Assim, além de ajudar a nós mesmos, ajudaremos a tantos outros que ainda não conhecem os caminhos corretos mas que, de maneira subconsciente, estão em busca de respostas.

SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Lv 21:1-24:23, Ez 44:15-31, Lc. 14:12-24

sexta-feira, 4 de maio de 2012

DISTÂNCIA ENTRE A CABEÇA E O CORAÇÃO- PARASHIÓT ACHAREI MÓT E KEDOSHIM 5772

Os Asseret Iemei Teshuvá são os dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, quando todos os nossos atos passam diante de D'us e somos julgados se merecemos mais um ano de vida. São dias onde cada pequena Mitzvá e cada arrependimento pelos nossos maus atos pode fazer uma grande diferença. Mas como fazer para sentir, na prática, que este momento é tão decisivo? Há uma história sobre o rabino Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que nos ensina como os grandes do nosso povo faziam para despertar seus corações.
Certa vez, durante os Asseret Iemei Teshuvá, um dos alunos do Chafetz Chaim viu que ele subiu sozinho para uma sala no alto da sinagoga, se trancou e começou a falar sozinho em voz alta. Curioso, o aluno aproximou-se da porta da sala para escutar o que ele dizia. O Chafetz Chaim estava descrevendo o que estaria acontecendo em seu próprio julgamento no Tribunal Celestial naquele momento. Primeiro ele convocou os anjos brancos, os advogados de defesa, criados através de cada Mitzvá e bom ato feito durante o ano, e descreveu a enorme quantidade de anjos que se apresentavam diante do Juiz. Depois ele convocou os anjos negros, os advogados de acusação, criados quando havia feito alguma Mitzvá sem a devida intenção ou quando havia cometido algum erro, e também descreveu a enorme quantidade de anjos que se apresentaram. Finalmente ele descreveu que os anjos subiram na balança, mas que esta não pendeu para nenhum dos dois lados, mostrando que o julgamento estava equilibrado. Então o Chafetz Chaim descreveu uma voz celestial que dizia: "Ser mortal, aproveite que você ainda está vivo para se arrepender e consertar os seus erros". Ao pronunciar estas palavras, o Chafetz Chaim começou a chorar sem parar.
Assim o Chafetz Chaim conseguiu chegar a níveis espirituais tão elevados. Ele trabalhava, com todos os seus sentidos e utilizando a força de sua imaginação, para sentir no coração o que ele entendia racionalmente.
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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót e Kedoshim. A Parashá Acharei Mót descreve os serviços realizados pelo Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) em Yom Kipur, o Dia do Perdão, o único dia em que ele podia entrar na parte mais sagrada do Templo Sagrado, o Kodesh Hakodashim. Era um local de muita santidade, onde ficava o Aron Hakodesh (Arca Sagrada). Já a Parashá Kedoshim lista diversas Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante).
Assim começa a Parashá Acharei Mót: "E disse D'us para Moshé, depois da morte dos dois filhos de Aharon, quando eles se aproximaram diante de D'us e morreram. E D'us disse para Moshé: Fale com Aharon, seu irmão – ele não deve entrar em todos os momentos no Santuário... para que não morra" (Vayikrá 16:1,2). D'us estava advertindo Aharon, o Cohen Gadol, a nunca entrar no Kodesh Hakodashim sem a Sua permissão, pois caso contrário ele morreria. Mas qual a relação entre esta proibição e a morte de adav e Avihu, os dois filhos mais velhos de Aharon?
Explicam nossos sábios que os filhos de Aharon morreram justamente por terem entrado no Kodesh Hakodashim sem a permissão de D'us. Agora que D'us estava ensinando a Aharon as leis do serviço do Mishkan (Templo Móvel), Ele relembrou a morte dos seus filhos para ressaltar a gravidade e as pesadas consequências deste tipo de erro.
Rashi, comentarista da Torá, compara esta advertência de D'us a um doente que recebe a visita de dois médicos. O primeiro médico examina o doente, identifica a doença e o proíbe de consumir bebidas geladas, pois isto traria perigo à sua vida. Já o segundo médico é mais direto e, ao identificar a doença, relembra ao doente que daquela mesma doença morreu outra pessoa conhecida, justamente por não ter se cuidado em não tomar coisas geladas. Certamente o doente escuta o segundo médico com muito mais atenção, pois consegue sentir de forma mais clara o perigo que corre se não escutar as orientações médicas. Assim também foi com Aharon, D'us quis ressaltar o perigo de entrar no Kodesh Hakodashim sem permissão relembrando da morte de seus filhos.
Mas é um pouco difícil entender a comparação, trazida pelo Rashi, de Aharon com um doente diante do médico. O doente muitas vezes acha que sabe tudo e, por isso, não precisa escutar os conselhos médicos. São comuns casos de doenças que se agravam justamente pelos pacientes não terem seguido à risca as orientações do médico. Portanto, muitas vezes é necessário e justificável que o médico coloque medo no coração de um paciente mais desleixado, para que ele não seja imprudente em seus atos, colocando sua vida em risco. Mas Aharon, que era um gigante espiritual e cumpria com exatidão tudo o que D'us lhe comandava, precisava deste "reforço"? Não era suficiente D'us apenas avisá-lo da proibição?
Ensinam os nossos sábios que daqui aprendemos uma importante lição: há uma enorme distância entre o nosso intelecto e o nosso coração. Muitas vezes pensamos que é suficiente saber o que é correto e o que é incorreto, e automaticamente nossas ações serão de acordo com as nossas convicções. Mas a verdade é que apenas saber algo não é suficiente para que se transforme em atitudes. Vemos isto na prática todos os dias, em exemplos nos quais nosso bem mais importante, a nossa própria vida, é colocada em risco de maneira estúpida. Por exemplo, todos sabem que dirigir em alta velocidade ou embriagado é um grande perigo para a vida do motorista e dos outros em volta, mas os casos de acidentes com motoristas embriagados ou imprudentes aumentam cada vez mais.Todos sabem que o cigarro causa diversas doenças graves, algumas fatais, mas o número de fumantes aumenta a cada dia. Por que, se é tão racional e lógico, as pessoas não conseguem mudar seus maus hábitos? Pois sabemos as coisas racionalmente, mas não conseguimos colocá-las no coração.
Este conceito também se aplica na forma como vivemos nossas vidas cotidianas. Sabemos que vivemos por tempo limitado, que um dia vamos morrer e deixar este mundo, e ninguém sabe quando será este momento, como ensina Shlomo Hamelech: "Nenhum ser humano sabe sua hora, como um peixe que foi pego na rede ou um pássaro que foi preso na armadilha" (Kohelet 9:12). Shlomo Hamelech ressalta a fragilidade da vida humana que, como um peixe apanhado na rede, pode terminar de um momento para o outro. Se isto é tão óbvio, deveríamos aproveitar cada instante da vida. Por que deixamos tantas coisas importantes para depois? Por que dedicamos tanto tempo buscando aquisições materiais quando sabemos que deveríamos estar adquirindo espiritualidade? Pois apesar de sabermos racionalmente que não vamos viver para sempre, nosso coração nos faz sentir como se nunca fossemos morrer.
Em alguns raros momentos despertamos desta "anestesia". Por exemplo, quando vamos ao cemitério acompanhar o enterro de algum conhecido ou escapamos com vida de algum acidente ou doença grave. Por que? Pois nestes casos o conceito da morte não fica apenas no intelectual, ela entra em nosso coração. O choque psicológico faz com que possamos sentir a morte de perto, não como algo hipotético, mas como algo real, como ensina Shlomo Hamelech: "É melhor ir ao cemitério do que ir a uma festa" (Kohelet 7:2). Na festa nós aproveitamos e nos divertimos, mas é no cemitério que despertamos para o fato de que a vida é limitada e, portanto, precisamos aproveitá-la.
Explica o Rav Yaacov Neiman que este é o ensinamento que a Torá nos ressalta nas primeiras palavras da Parashá. Realmente Aharon era um gigante espiritual, certamente entenderia racionalmente que não podia entrar no Kodesh Hakodashim sem permissão. Mas D'us não queria que Aharon soubesse apenas racionalmente, Ele queria deixar marcado em seu coração este ensinamento, de uma maneira mais forte, de forma que nunca seria esquecido. Por isso mencionou a morte de seus filhos, para que ele utilizasse seus sentidos e colocasse em seu coração as terríveis consequências deste erro.
Também temos que trabalhar muito para que as nossas convicções se transformem realmente em atos. É necessário muito esforço e reflexão, pois um ensinamento somente entra em nosso coração quando o repetimos diversas vezes. Esta é a maneira de despertar da sonolência e da anestesia. Esta é a única maneira de crescer espiritualmente. Saber não é suficiente, é necessário sentir em nosso coração cada uma das nossas certezas. Precisamos lembrar, a cada instante, a fragilidade e a limitação da nossa vida, para que possamos aproveitar cada segundo para crescer um pouco mais.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
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Lv 16:1-18:30, 1Co 6:9-20
Lv 19:1-20:27, Ez 20:2-20, Mt 5:43-48