sábado, 26 de outubro de 2013

FUGINDO DO COMODISMO - PARASHÁ CHAIEI SARA 5774

 
Alguns estudos biológicos demonstram que é muito positiva a capacidade de adaptação dos animais às modificações que ocorrem no ambiente, mas que algumas vezes também pode ser extremamente negativa. Por exemplo, se um sapo for jogado em um recipiente que contém água fervendo, ele salta imediatamente para fora. Ele pode até ficar um pouco queimado, mas escapa vivo. Porém, o que acontece se o mesmo sapo for colocado em um recipiente que contenha a água de sua lagoa, fresca e límpida, e aquela água for lentamente aquecida? O sapo fica estático durante todo o processo de aquecimento, não se move. Ele não reage ao gradual aumento de temperatura e morre, sem esboçar nenhum tipo de reação, quando a água chega a altas temperaturas. A mesma temperatura, que antes era quente o suficiente para que ele imediatamente saltasse para fora, desta vez nem mesmo o tira de sua apatia.
Às vezes nos comportamos como os sapos. Nos acomodamos às mudanças negativas. Aceitamos tudo com passividade. Achamos que está tudo muito bom, ou que o que esta mal vai passar sozinho, é só questão de tempo. O casamento não anda bem, o relacionamento com os filhos cada vez pior, o trabalho cada vez mais desgastante, mas preferimos ficar boiando, estáveis e apáticos, na água que se aquece a cada instante.
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A Parashá da semana passada, Vayerá, terminou com o último e mais difícil teste de Avraham Avinu, que ele passou com sucesso: o sacrifício de Itzchak. Avraham fez exatamente o que D'us havia lhe ordenado e, vencendo todo o sentimento de amor e misericórdia pelo seu próprio filho Itzchak, colocou-o sobre o altar e preparou a faca para fazer o sacrifício. No último momento um anjo de D'us interrompeu-o e impediu o sacrifício de ser realizado. Aquele teste, que inicialmente parecia que terminaria com muita tristeza e sofrimento, aparentemente terminou bem.

Porém, a Parashá desta semana, Chaiei Sara, nos ensina que o evento do sacrifício de Itzchak sim teve uma consequência dolorosa. A Parashá começa descrevendo a morte de Sara, aos 127 anos. Qual a conexão entre o sacrifício de Yitzchak e a morte de Sara? Explica Rashi, comentarista da Torá, que Sara, ao ficar sabendo que Avraham havia levado Itzchak para sacrificá-lo, não aguentou a emoção e morreu.
 
Mas desta explicação do Rashi fica uma grande pergunta. O Rashi mesmo afirma que o nível de profecia de Sara era ainda maior do que o de Avraham, como D'us explicitamente falou para Avraham: "Tudo o que Sara te disser, escute a voz dela" (Bereshit 21:12). Então como Avraham passou no teste do sacrifício de Itzchak, enquanto Sara, que era mais elevada espiritualmente do que ele, não conseguiu passar?
Responde o Rav Chaim Shmulevitz que houve uma grande diferença na forma como Avraham e Sara foram testados. Avraham foi sendo colocado no teste pouco a pouco, como está escrito: "Pegue seu filho, seu único filho, aquele que você ama, Itzchak, e vá para a Terra de Moriá, e lá o eleve como um sacrifício" (Bereshit 22:2). Por que D'us não disse imediatamente que se tratava de Itzchak e não de Ishmael? Por que esta aparente "enrolação"? Pois D'us não queria dar a notícia de surpresa, Ele foi preparando aos poucos o coração de Avraham. Primeiro Ele falou "pegue seu filho", para Avraham já aceitar a ideia de que precisaria pegar um dos seus filhos. Cada pequena espera até D'us finalmente revelar que se tratava de Itzchak ia dando tempo para Avraham se acostumar com a ideia, e somente assim ele conseguiu vencer o amor por Itzchak e chegar ao nível de aceitar sacrificá-lo, de forma consciente e sem nenhuma confusão em seus pensamentos. Já Sara, ao contrário, escutou a notícia repentinamente, sem preparação nem tempo para absorver o impacto, e não aguentou a forte emoção.

Mas será que esta "preparação" realmente foi o que fez a diferença? Afinal, Avraham escutou de D'us que teria que sacrificar seu próprio filho. Por que ter escutado aos poucos esta notícia fez com que fosse mais fácil passar o teste? Explica o Rav Chaim Shmulevitz que D'us naturalizou na alma do ser humano a característica de se adaptar às situações difíceis, para que o ser humano pudesse resistir mesmo às piores condições de vida. Infelizmente vimos este fenômeno acontecer durante a época das terríveis atrocidades nazistas. Quando visitamos o Museu do Holocausto ou assistimos filmes e documentários sobre os crimes nazistas, sempre nos perguntamos: como houve pessoas que sobreviveram à este inferno? Como as pessoas aguentaram os sofrimentos insuportáveis aos quais passavam todos os dias, por anos, nos guetos e Campos de Concentração? Como suportaram estas condições e não morreram de desgosto?  A resposta é que a transição entre uma vida tranquila e o inferno pelo qual eles passaram ocorreu aos poucos, não foi algo repentino. Os judeus foram passando por várias fases difíceis: a perda dos direitos sociais, a perda dos direitos civis, a obrigação de viver em guetos com terríveis privações, o transporte em trens de carga, até chegar aos horrores dos Campos de Concentração. A cada fase que passavam, as pessoas iam se acostumando, e isto lhes dava força para aguentar a próxima fase. Foi somente assim que muitos conseguiram sobreviver.

Vimos que esta característica que D'us naturalizou em nossa alma, de se adaptar às dificuldades, de se acostumar com uma situação mais difícil, pode ser utilizada de maneira positiva, para dar a força ao ser humano de suportar e passar os piores testes com os quais nos deparamos em nossa vida. Porém, esta característica também pode ser um grande obstáculo para o nosso crescimento espiritual. Muitas vezes passamos por um momento de despertar espiritual. Pode ser por motivações externas, como algum acontecimento que nos faz buscar um sentido para a vida, ou por motivações internas, quando paramos para refletir e começamos a questionar a forma como vivemos. Mas este despertar, que no início surge como um fogo ardente, com o passar do tempo começa pouco a pouco a diminuir. Mesmo pessoas que passam por verdadeiros milagres, com o tempo se acomodam e esquecem tudo o que presenciaram. Pessoas que saíram ilesas de acidentes onde praticamente não havia chances de terem escapado com vida passam por um primeiro momento de despertar espiritual, uma vontade de se conectar à espiritualidade, de deixar de viver tão focada apenas no mundo material, mas em pouco tempo tudo volta ao normal.

A Torá nos traz um exemplo impressionante de como ninguém está a salvo desta acomodação espiritual. Quando nosso patriarca Yaacov morreu no Egito, seus filhos levaram seu corpo para ser enterrado em Israel, na Mearat HaMachpela, onde estavam enterrados Avraham e Itzhak. Mas quando chegaram, tiveram uma surpresa: Essav estava na porta, tentando impedir o enterro, dizendo que era ele, o primogênito, que tinha o direito de ser enterrado lá. Os filhos de Yaacov explicaram que ele havia vendido para seu irmão a primogenitura, mas Essav tentou outro argumento, e depois outro. Os filhos de Yaacov, ao invés de perceberem que aquela demora causava uma vergonha para Yaacov, cujo corpo estava lá, esperando para ser enterrado, entraram cada vez mais na discussão. O tempo foi passando e o enterro não acontecia. Até que Chushim, um dos netos de Yaacov, que era surdo, viu que o corpo de seu avô estava ali parado, em total desprezo, sem ser enterrado. Ao entender que Essav estava impedindo o enterro, Chushim pegou um pedaço de madeira e atingiu a cabeça de Essav com um golpe fatal. Somente depois disso Yaacov pôde ser dignamente enterrado. Mas será que nenhum filho de Yaacov se importou com o desprezo ao corpo do pai, somente Chushim? Isto nos ensina até onde chega a força de acomodação espiritual. Os filhos de Yaacov, ao entrarem na discussão com Essav, foram perdendo a sensibilidade ao fato do corpo de Yaacov estar sendo desprezado. Cada novo argumento os afastava um pouco mais da realidade. Somente Chushim, que era surdo, não entrou na discussão e, por isso, não perdeu a sensibilidade.

Este é um dos principais inimigos do nosso crescimento: o comodismo, se acostumar com a nossa condição espiritual. A força do comodismo entorpece nosso coração e nos faz perder a noção verdadeira das coisas. Nos acostumamos com a desonestidade, com a imoralidade e com a violência. Nos acostumamos a aceitar as coisas erradas como se fossem normais. Mesmo quando temos certezas na vida, se não tomamos atitudes de mudanças, com o tempo vamos perdendo a força de vontade. Temos que lutar para não cair nunca no comodismo. Como? Refletindo sempre sobre os nossos caminhos e as nossas convicções. Tentando melhorar um pouco a cada dia, em pequenos detalhes, consertar atos cotidianos simples. Com pequenos passos de crescimento, um dia olharemos para trás e sentiremos um grande orgulho de tudo o que conquistamos.

"A vida é uma escada rolante que desce. Se não estamos subindo, então estamos automaticamente descendo"

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
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Gn.23:1-25:18, 1Rs.1:1-31, 1 Co. 15: 50-57

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DOAÇÃO DE VIDA - PARASHÁ VAYERÁ 5774


"O sistema escolar de uma grande cidade americana decidiu criar um programa para ajudar crianças hospitalizadas a não perder o ano escolar. Professoras foram contratadas e visitavam as crianças doentes para ensinar o mesmo material que seus colegas de classe estavam estudando. Mary foi uma das professoras contratadas pelo programa. Certo dia ela recebeu um telefonema avisando sobre uma nova criança que entraria no programa e que precisava aprender substantivos e advérbios. Mary foi ao hospital para começar a primeira aula com a criança doente.

Mas o que ninguém havia avisado para Mary é que a criança era um garoto que havia sofrido queimaduras graves e sentia muitas dores. Foi um grande choque para Mary, ela se sentiu muito mal de ver o garoto naquele estado. Gaguejando, ela explicou que havia sido mandada pela escola para ajudá-lo a aprender os substantivos e advérbios. Abriu o livro, procurando não olhar diretamente para o garoto, passou a lição do dia, levantou-se e saiu.

No dia seguinte, Mary não teve vontade de voltar ao hospital, pois achou que não havia acrescentado nada àquele pobre menino. Mas lembrou-se da importância do projeto e, juntando todas as suas forças, foi dar a aula. Quando chegou, antes mesmo de entrar no quarto do garoto, a enfermeira-chefe correu em sua direção e perguntou: "O que você fez com este garoto?". Mary, achando que havia feito algo errado, começou a se desculpar. A enfermeira-chefe interrompeu-a e disse:

- Não, você não está entendendo. A saúde deste garoto estava cada vez pior, principalmente porque ele estava extremamente triste e sem vontade de viver. Nenhum tratamento estava adiantando e as infecções estavam cada vez mais difíceis de serem controladas, mesmo com os medicamentos mais fortes. Mas desde que você saiu daqui ontem, o garoto começou a reagir aos tratamentos e sua atitude mudou. Ele está novamente lutando pela vida. Parece que, depois de sua visita, ele decidiu viver. O que você fez?

Mary não conseguia entender. Afinal, o que ela tinha feito pela criança? Havia apenas dado uma aula de substantivos e advérbios. Duas semanas depois aquele garoto já estava milagrosamente fora de perigo. Sentindo-se muito melhor, ele explicou aos médicos sua mudança de atitude:

- Eu sentia tantas dores que havia perdido a vontade de viver. Eu acreditava que não tinha mais chances de me recuperar e que os médicos estavam apenas me enganando e escondendo a verdade. Mas quando aquela professora entrou e avisou que estava ali para estudar comigo substantivos e advérbios, tudo mudou, pois eu percebi que iria viver. Eu pensei: "Por que mandariam uma professora para estudar substantivos e advérbios com um garoto que está morrendo?". Foi aí que eu decidi lutar pela minha vida".

Desta história vemos a importância da Mitzvá de "Bikur Cholim" (visitar os doentes), uma Mitzvá com a qual podemos literalmente dar vida aos outros.

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Nesta semana lemos a Parashá Vayerá, que começa com as seguintes palavras: "E D'us apareceu para ele (Avraham) nas planícies de Mamré, e ele estava sentado na porta da tenda, no calor do dia" (Bereshit 18:1). Qual o motivo pelo qual D'us apareceu para Avraham neste momento? Explica o Talmud (Sotá 14a) que Avraham estava se recuperando do Brit Milá (circuncisão) que ele havia feito aos 99 anos. Rashi, comentarista da Torá, acrescenta que aquele era o terceiro dia após o Brit Milá, dia em que há mais dor e sofrimento, e D'us apareceu para Avraham com a intenção de visitar o doente e perguntar como ele estava se sentindo. Logo após D'us ter aparecido, Avraham levantou os olhos e viu três beduínos se aproximando. Ele pediu licença para D'us e correu para receber os convidados, tratando-os como reis. Depois disso, quando a conversa foi retomada, D'us avisou para Avraham que os habitantes da cidade de Sdom haviam atingido o limite de maldade e, por isso, a cidade inteira seria destruída.

Deste início da Parashá surgem algumas perguntas. Em primeiro lugar, como o Talmud pode afirmar com tanta certeza que a aparição de D'us foi para fazer Bikur Cholim (visitar um doente)? Se logo depois D'us revelou para Avraham a iminente destruição de Sdom, como o Talmud sabe que D'us não apareceu para Avraham justamente para dar este aviso ou transmitir qualquer outra mensagem profética?

Além disso, vemos que Avraham praticamente deixou D'us "falando sozinho" para receber seus convidados. Desta passagem o Talmud (Shabat 127a) afirma que cumprir a Mitzvá de "Achnassat Orchim" (receber convidados) é maior do que receber a Shechiná (Presença Divina). Por que esta atitude de Avraham não foi considerada um desrespeito com D'us?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está no entendimento mais profundo desta Mitzvá tão importante chamada "Bikur Cholim". O principal propósito de visitar um doente é garantir que todas as suas necessidades estejam devidamente cuidadas. O paciente deve ser o foco principal da visita, o centro das atenções. Ao darmos este respeito e carinho ao doente, ajudamos muito na sua autoestima e, consequentemente, em sua recuperação. A pessoa se sente querida e cuidada, sente que tem pessoas de confiança com quem ela pode contar, e esta tranquilidade ajuda muito na melhoria da sua saúde.

A Torá nos ensina que nunca um ser humano alcançou ou alcançará o mesmo nível profético de Moshé Rabeinu. Uma das características que diferenciava Moshé de todos os outros profetas era que sua comunicação com D'us acontecia enquanto Moshé estava plenamente consciente, enquanto os outros profetas recebiam sua comunicação Divina em um estado de transe momentâneo. Por Avraham ter interrompido a "visita" de D'us para ir receber os beduínos, isto demonstra que ele estava consciente. Portanto, propósito da "visita" de D'us não poderia ter sido para transmitir a ele nenhuma informação profética. Então nossos sábios aprendem deste versículo que o verdadeiro motivo desta aparição foi apenas para D'us visitar Avraham, que estava doente. Como o propósito era proporcionar a Avraham a alegria da visita, e isto ajudaria na sua recuperação, então era necessário que Avraham estivesse totalmente consciente quando D'us apareceu para ele.

A Parashá começa falando que Avraham estava sentado na porta de casa. Qual a importância deste detalhe? Apesar da dor, Avraham queria muito receber convidados. Para ele doía mais não fazer Chessed (bondade) do que a dor do Brit Milá aos 99 anos. Ele deveria estar na cama se recuperando, mas foi para a porta para não perder nenhuma oportunidade de fazer bondades. Isto era algo que o preenchia, que fazia bem para ele. Como o propósito da "visita" de D'us era pelo benefício de Avraham, pela sua cura, então Avraham ter saído no meio da "visita" de D'us para receber os convidados, algo que também o curava e lhe dava vida, não foi considerado um desrespeito. Porém, se o propósito da "visita" de D'us tivesse sido para comunicar algo a Avraham, então qualquer interrupção teria sido considerada um grande desrespeito com D'us, mesmo que a interrupção fosse para cumprir uma grande Mitzvá.

Da Parashá aprendemos o quanto é importante fazer atos de Chessed com o próximo. Vemos o quanto D'us pessoalmente se preocupa com cada criatura, a ponto de "visitar" uma pessoa que está doente. Devemos então nos assemelhar ao nosso Criador e fazer bondades com o próximo, principalmente com aqueles que precisam e dependem da nossa ajuda. A Mitzvá de Bikur Cholim é uma oportunidade de dar um pouco mais de ânimo para uma pessoa doente, de alegrar um enfermo demonstrando que nos importamos com ele. Muitos estudos científicos demonstram que pacientes que estão felizes se recuperam de uma maneira muito mais rápida do que pacientes que estão tristes. Portanto, visitar um doente não é apenas um ato de bondade. Pode significar dar um pouco mais de vida para alguém.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

NÃO DESISTA SEM TENTAR – PARASHÁ LECH LECHÁ 5774


Um dos peixes favoritos de muitos aficionados por aquários é a carpa japonesa, mais conhecida como "Koi". Porém, o que mais chama a atenção nesta carpa não é a sua beleza, e sim o seu fascinante crescimento, que varia de acordo com o ambiente onde ela é criada.

Se você cria um Koi em um pequeno aquário, ele cresce muito pouco e, mesmo adulto, atinge um tamanho máximo de 5 centímetros. Já quando o Koi é criado em uma pequena piscina, em idade adulta ele pode chegar a 25 centímetros de comprimento. Porém, o mais impressionante ocorre quando o Koi é criado em um grande lago. Neste tipo de ambiente, ele pode chegar, em idade adulta, a até 90 centímetros de comprimento. O Koi é um peixe impressionante, pois seu crescimento é diretamente proporcional ao tamanho do local onde ele é criado.

Há uma incrível analogia do Koi com os seres humanos. As pessoas são como as carpas japonesas, pois crescem de acordo com as limitações que colocam em suas próprias cabeças. As pessoas que acham que são pequenas ficam realmente pequenas por toda a vida. Mas as pessoas que decidem ser grandes e que escolhem vencer todas as limitações da vida são aquelas que realmente chegam à grandeza.


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Na Parashá desta semana, Lech Lechá, a Torá começa a descrever a força espiritual de Avraham Avinu, o homem que revolucionou o mundo e deixou seu nome escrito para sempre na história da humanidade. Mesmo após o dilúvio, que ocorreu na geração de Noach (Noé) e quase destruiu a humanidade, as pessoas não aprenderam nada com a lição de D'us e rapidamente voltaram a se desviar dos caminhos corretos. Pouco mais de 300 anos após o dilúvio as pessoas transgrediram gravemente, tentando construir uma enorme torre que levaria o homem até o céu para lutar contra D'us. E assim a humanidade começou a se afastar cada vez mais do Criador e a se apegar na adoração de ídolos. Na geração de Avraham o normal eram as idolatrias, e as pessoas colocavam toda a sua crença em deuses de pedra e madeira. Mesmo o pai de Avracham, Terach, não apenas acreditava nas idolatrias, mas tinha até mesmo uma loja que vendia ídolos. Foi neste péssimo ambiente que Avraham cresceu, mas com uma força descomunal ele conseguiu vencer as pressões sociais e encontrar racionalmente D'us. Graças aos esforços de Avraham as idolatrias foram amplamente abandonadas e se tornaram uma exceção. Pelo seu mérito, atualmente a grande maioria da humanidade acredita em um D'us único. De onde Avraham tirou esta força para lutar contra tantas dificuldades? Como ele conseguiu se levantar contra a crença de uma sociedade inteira?

Avraham passou por muitos testes e dificuldades, e conseguiu vencer todos eles. Um dos grandes testes de Emuná (fé) foi que, até os 99 anos, ele não tinha filhos com sua esposa Sara. Seu desejo por filhos não era por motivos egoístas, ao contrário, ele tinha motivações muito elevadas. Ele ansiava por um descendente que daria continuidade ao seu trabalho de divulgar a unicidade do Criador do mundo. D'us então tranquilizou Avraham e prometeu que ele teria muitos descendentes, como está escrito: "E tirou-o para fora e disse: 'Olhe, por favor, para o céu e conte as estrelas, se você puder contá-las'. E disse para ele: 'Assim serão seus descendentes'" (Bereshit 15:5). O que significam estas palavras de D'us?

O entendimento mais simples do versículo é que D'us estava prometendo para Avraham uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu. Da mesma forma que Avraham não conseguiria contar as estrelas do céu, assim também D'us prometeu que ele teria uma descendência tão numerosa que seria quase incontável. Mas será que a promessa era apenas numérica? Apenas ter descendentes numerosos é suficiente para garantir a permanência de um povo para sempre?

Responde o Rav Yehuda Meir Shapiro, o Lubliner Rav, que nas palavras de D'us estava uma incrível mensagem para o povo judeu, os descendentes de Avraham Avinu. Quando D'us ordenou que Avraham contasse as estrelas, Ele estava pedindo algo quase impossível. Sem nenhum equipamento moderno, como os telescópios e satélites, sem nem mesmo um papel quadriculado para servir de guia para fazer uma contagem aproximada, o pedido de D'us parecia algo inatingível. Apesar disso, mesmo sabendo que era uma tarefa praticamente impossível, Avraham saiu e começou a contar as estrelas. Ele não sabia como terminaria seu trabalho, mas isto não foi motivo para ele não começar. Ele não procurou se esquivar, não tentou fugir da responsabilidade, não se recusou a ao menos tentar.

Isto explica as palavras finais do versículo: "Assim serão seus descendentes". D'us não estava apenas nos dando uma Brachá quantitativa, era também uma Brachá qualitativa. Avraham deu origem a um povo com o potencial de vencer o impossível, de superar os limites, de nunca desistir. Por isso Avraham é chamado de "Avinu" (nosso pai), pois da mesma maneira que um pai transmite aos filhos sua genética, Avraham transmitiu aos seus descendentes sua "genética espiritual".

Contam que no século 17 o rei da Prússia, Frederico II, tinha um conselheiro espiritual muito sábio e certa vez quis desafiá-lo. O rei pediu uma prova, imediata e irrefutável, da existência de D'us. O conselheiro, sem hesitar, respondeu: "Os judeus, majestade. Os judeus". Em todas as gerações o povo judeu passou por muitas dificuldades e perseguições. Os egípcios nos escravizaram, os gregos tentaram nos helenizar à força, os babilônios e romanos destruíram nossos Templos e nos espalharam pelos quatro cantos do mundo, os cruzados e os cossacos nos perseguiram com ódio mortal, os portugueses e espanhóis nos expulsaram sem piedade e os alemães tentaram metodicamente nos exterminar. Deveríamos ser um povo fraco e que anda pelos cantos, com vergonha de levantar a cabeça. Os judeus, que representam menos de 0,5% da humanidade, não deveriam ser nem mesmo conhecidos. Mas, apesar de todas as dificuldades, o povo judeu continua vivo e forte, orgulhoso de sua herança e de cabeça erguida. Nossa existência é tão milagrosa que nos tornamos provas ambulantes da existência de D'us. Como eternizou o escritor Mark Twain em sua famosa pergunta: "Qual é o segredo da imortalidade do povo judeu?". Todos os grandes impérios surgiram, dominaram o mundo, tiveram sua época de esplendor e depois desapareceram. Mas o povo judeu, que viu todos eles, foi o único que venceu o teste do tempo. O segredo é que herdamos de Avraham a característica de fazer o impossível, de ir contra todas as probabilidades.

Mas de onde Avraham tirou forças para fazer o impossível? Quando ele escutou a ordem de D'us, ele não ficou procurando desculpas para não cumprir Suas ordens, ele não desistiu sem antes tentar. Ele sabia que se D'us estava pedindo, mesmo que parecia impossível, então ele deveria ao menos fazer a sua parte. Como ensinam os nossos sábios: "Você não tem a obrigação de terminar todo o trabalho, mas você também não é livre para se isentar de participar dele" (Pirkei Avót 2:16).

Herdamos de Avraham este potencial, mas infelizmente muitas vezes não o utilizamos. Gostaríamos de crescer espiritualmente, mas achamos que nunca vamos chegar lá, então desistimos sem nem mesmo tentar. Lemos os livros de grandes sábios, como o Chafetz Chaim ou o Rambam (Maimônides), e pensamos: "Eles foram grandes pessoas pois já estavam predestinados ao sucesso". Isto é um grande erro. Mesmo os maiores sábios do povo judeu tinham as suas lutas internas e precisavam de muito esforço para vencer as dificuldades. A diferença não é que eles já estavam predestinados. A diferença é que eles acreditaram que poderiam chegar lá e não desistiram até conseguir. A vida deles também foi cheia de tropeços, de falhas, de tentativas frustradas, mas eles nunca pararam diante dos obstáculos. Como eles sempre pensaram grande, eles lutaram e alcançaram o sucesso.

Assim garantem os nossos sábios: "Não há nada que resista à força de vontade". Se realmente decidirmos crescer e fizermos todo o esforço necessário, focando no nosso crescimento e não nas dificuldades, então certamente D'us nos ajudará a alcançar nosso objetivo na vida. Pois somos os descendentes de Avraham Avinu, o homem que tornou possível o que era impossível.

"Não sabendo que era impossível, foi lá e fez" (Mark Twain)

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

BONDADE VERSUS EGOÍSMO – PARASHÁ NOACH 5774

"Jonas era uma pessoa muito esforçada e trabalhadora, mas não tinha muito sucesso na vida. Não passava necessidades, mas o dinheiro estava sempre contado. Pelo menos ele se alegrava por ter um maravilhoso casamento, no qual havia muito respeito mútuo. Mesmo nas épocas de maiores dificuldades era muito raro o casal discutir.

Certa vez, quando Jonas estava viajando, voltando de uma tentativa frustrada de negócios, ele resolveu fazer uma visita a um famoso rabino, cuja santidade e força de suas Brachót (Bençãos) eram muito conhecidas. Esperançoso, Jonas entrou na sala do rabino e pediu para ele uma Brachá. O rabino segurou a mão de Jonas e, com muita concentração, falou:

- Que seja a vontade de D'us que a primeira coisa que você fizer em casa prospere e dure para sempre.

Jonas ficou muito contente com a Brachá do rabino. Conhecendo a sua santidade, Jonas sabia que aquelas palavras certamente se cumpririam. Então ele começou a refletir sobre qual deveria ser seu primeiro ato quando chegasse em casa. Decidiu que contaria várias vezes todo o dinheiro que tivesse em casa, pois assim a Brachá do rabino recairia sobre o seu dinheiro e ele ficaria rico.

Já sonhando com os milhões que ganharia, Jonas entrou em casa e mal cumprimentou sua esposa. Ele então pediu, em tom de urgência, que ela imediatamente trouxesse todo dinheiro que havia em casa. Um pouco assustada com o estranho pedido repentino do marido e se sentindo muito pressionada, a esposa não conseguia lembrar-se onde estavam guardadas as economias que eles haviam juntado. Após a insistência e o mau-humor de Jonas, a esposa começou a desconfiar que havia algo de errado e se recusou a entregar a ele qualquer dinheiro.

Revoltado com a atitude da esposa, Jonas perdeu a cabeça e esqueceu-se completamente das palavras do rabino. O que estava destinado a ser uma Brachá transformou-se então em uma maldição. Jonas já nem se lembrava que havia voltado para casa para procurar seu dinheiro e  começou a gritar com a esposa, iniciando uma troca de acusações e ofensas. As palavras do rabino se cumpriram e, a partir daquele dia, naquela casa o que prosperou e durou para sempre foram as brigas e discussões. Jonas continuou tão pobre quanto era antes, e agora não tinha nem mesmo uma casa com paz e tranquilidade"

Explica o Maguid MiDuvno que às vezes esquecemos nossas prioridades. Quando focamos apenas nas nossas próprias necessidades, de maneira egoísta, podemos perder as coisas mais importantes da vida.

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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que conta a história de uma geração completamente desviada dos caminhos corretos e que praticava apenas maus atos. D'us, descontente com as transgressões daquela geração, decidiu mandar um dilúvio para destruir a humanidade. Os únicos que encontraram graça aos olhos de D'us e tiveram o mérito de serem salvos foram Noach e sua família, como está escrito "Noach era um Tzadik (Justo) e reto em sua geração" (Bereshit 6:9). Mas por que está escrito que Noach era Tzadik "em sua geração"? Explica Rashi, comentarista da Torá, que apesar de Noach ser uma pessoa correta que se destacava em uma geração de Reshaim (malvados), comparado com Avraham Avinu ele não era nada. Onde enxergamos esta diferença tão grande entre Noach e Avraham Avinu?

Em primeiro lugar, enquanto Avraham dedicou sua vida a ajudar e tentar salvar as pessoas e trazê-las aos caminhos corretos, Noach se contentou em salvar a si mesmo e sua família, e não fez grandes esforços para que as pessoas se arrependessem dos seus erros, apesar de D'us ter dado a ele um prazo de 120 anos. Enquanto Avraham implorou a D'us para poupar a cidade de Sdom, onde só havia habitantes Reshaim, Noach pouco fez para salvar a humanidade inteira. É por isso que nossos sábios também chamam o dilúvio de "as águas de Noach", colocando sobre Noach parte da responsabilidade pela terrível tragédia que quase apagou a humanidade, por ele não ter se importado com os outros.

Além disso, após passar um ano na arca, logo que Noach saiu ele fez um ato que não seria esperado de um grande Tzadik: antes de plantar qualquer outra árvore, Noach plantou um vinhedo, para saciar seu desejo de beber vinho. E as consequências deste ato foram trágicas. Noach bebeu do vinho produzido a partir das uvas deste vinhedo, se embriagou e ficou nu dentro de sua tenda. A Torá então descreve que Noach passou por uma enorme vergonha e desonra.

Mas desta passagem da Torá surge uma grande pergunta: se Noach logo que saiu da arca plantou um vinhedo, como pode ser que ele imediatamente conseguiu beber vinho produzido a partir destas uvas? Apesar do plantio das uvas e a fabricação do vinho levar anos, segundo a descrição da Torá tudo aconteceu em poucas horas. Como o processo pode ter sido tão rápido?

Responde o Maguid MiDuvno que logo após o fim do dilúvio, D'us lembrou-se de Noach e quis dar ao mundo uma medida adicional de bondade e misericórdia. Noach deveria ter assumido a liderança na reconstrução do mundo devastado e na recriação de uma nova geração que daria continuidade à humanidade. Contando que Noach estava guiado apenas pelas motivações mais nobres, D'us deu a ele uma Brachá especial: a primeira coisa que ele fizesse ao sair da arca teria muito sucesso e prosperaria de uma maneira sobrenatural.

Infelizmente, ao invés de Noach ter pensamentos elevados, ao invés de investir em algo que pudesse favorecer toda a humanidade, ele pensou apenas em si mesmo e plantou um vinhedo. A palavra de D'us se cumpriu e a grande Brachá dada por Ele foi aplicada ao vinhedo. Noach não teve que esperar anos para ter proveito das uvas, ele pôde colhê-las no mesmo dia em que havia plantado as sementes e transformá-las em vinho.

Portanto, o maior erro de Noach não foi ter perdido o controle e ter se embebedado. O principal erro foi ter perdido o potencial da Brachá que ele havia recebido de D'us. Ao invés de utilizá-la em prol da humanidade, em algo que ajudaria na reconstrução do mundo, Noach preferiu utilizar a Brachá de D'us para um motivo egoísta, que terminou em vergonha e degradação. A própria linguagem utilizada pela Torá nos mostra a queda espiritual de Noach. O versículo no qual Noach plantou o vinhedo começa com as seguintes palavras: "Vayachel Noach" (Bereshit 9:20). Estas palavras podem ser traduzidas como "E começou Noach", mas Rashi comenta que "Vayachel" também significa "E se degradou". A consequência de utilizar a Brachá de D'us para motivos egoístas foi a degradação de Noach.

Já quando a Torá se refere a Avraham, assim está escrito: "E plantou Avraham uma "Eshel" em Beer Sheva, e proclamou o nome de Hashem, D'us do universo" (Bereshit 21:33). O Talmud (Sotá 10a) discute qual o significado da palavra "Eshel". De acordo com uma opinião, Avraham plantou um pomar para que os viajantes que passassem por ali tivessem comida à vontade, enquanto a outra opinião afirma que Avraham construiu uma hospedaria para que os viajantes pudessem descansar. Rashi explica que a palavra "Eshel" é um acróstico de "Achilá, Shtiá e Levaiá" (Comida, bebida e companhia), os três serviços básicos que um anfitrião deve oferecer aos seus convidados. Isto demonstra a enorme diferença espiritual entre Noach e Avraham Avinu. Enquanto Noach plantou um vinhedo para seu próprio prazer, sem pensar nos outros, desperdiçando a Brachá especial de D'us, Avraham se preocupou em fazer atos que beneficiavam as outras pessoas.

Este ensinamento da Parashá é muito importante para nossas vidas, para nos conscientizar que muitas vezes fazemos o mesmo erro de Noach. Ao invés de utilizarmos nossas energias e nossa capacidade para fazer o bem ao próximo, na maioria das vezes utilizamos nosso potencial de maneira egoísta. Aprendemos de Avraham que quando pensamos nos outros, acabamos ajudando também a nós mesmos, mas quando pensamos apenas em nós mesmos, como Noach, somos nós os maiores prejudicados.

"Pois isto é o ser humano: não para si mesmo ele foi criado, e sim para ajudar ao próximo, com toda a força que encontrar" (Rav Chaim Vologzniner)

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5, 1 Pe. 3: 18-22