sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

EDUCANDO COM ATITUDES - PARASHÁ VAERÁ 5777

"Naquela noite, Ricardo voltava para casa com o mesmo mau humor que o caracterizava há alguns meses. Eram tantos problemas e dificuldades que ele havia se transformado em uma pessoa amarga, triste e mal humorada. Já era tarde da noite quando ele finalmente entrou em casa. Estava tudo escuro, apenas a luz acesa da cozinha iluminava fracamente a sala. Ricardo então ouviu a voz do seu filho de quatro anos de idade vinda da cozinha:

- Mãe, por que o papai está sempre tão triste e bravo?

- Não sei, meu amor - respondeu a mãe, com paciência - Ele deve estar preocupado com os negócios. Sustentar uma família não é fácil.

- Mas o papai também fica assim bravo e triste no trabalho?

- Nas lutas diárias, seu pai precisa sempre demonstrar força e controle. Ele deve parecer alegre para agradar o chefe e os clientes. É importante para o trabalho dele. Mas quando ele volta para casa, traz muitas preocupações. Fora de casa ele precisa se cuidar para não ser grosseiro com ninguém, demonstrando estar sempre alegre e otimista. Mas o mesmo não acontece aqui em casa. Aqui, filho, ele não precisa esconder de ninguém o cansaço e as preocupações.

A criança pareceu escutar atenta. Depois, após ter refletido por algum tempo, suspirou e desabafou:

- Que pena, mãe. Não poderia ser o contrário? A família não deveria ser mais importante que os negócios? Eu gostaria tanto de ter um pai feliz em casa, pelo menos de vez em quando. Gostaria que ele chegasse em casa e me pegasse no colo, brincasse comigo, me desse um sorriso...

Naquele momento, Ricardo não aguentou as emoções. As lágrimas começaram a cair, inicialmente aos poucos, depois se transformaram em um choro compulsivo. Ele percebeu como estava maltratando sua própria família. Emocionado, ele entrou na cozinha, abriu os braços, correu para o filho, abraçou-o com força e convidou:

- Filhão, cheguei. Que saudades! Vamos brincar?"

Quando estamos em público, no trabalho ou em eventos sociais, vestimos máscaras e nos transformamos em outras pessoas. Somente quando estamos em casa é que somos nós mesmos de verdade. E precisamos prestar atenção às mensagens que transmitimos às nossas crianças quando estamos em casa, pois elas aprendem com nossas palavras, mas acima de tudo elas aprendem com as nossas atitudes. 
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Na Parashá desta semana, Vaerá (literalmente "Apareci"), após a recusa do Faraó em deixar o povo judeu sair do Egito, D'us começou a mandar terríveis pragas milagrosas, que causaram muito sofrimento aos egípcios, medida por medida por tudo o que eles haviam causado de mal ao povo judeu em mais de 200 anos de escravidão. As pragas foram minando, pouco a pouco, a resistência do Faraó e dos egípcios. Quando finalmente o povo judeu saiu em liberdade, o Egito estava completamente devastado. Mas antes de iniciar a descrição das incríveis pragas milagrosas que aconteceram no Egito, realizadas através de Moshé e seu irmão Aharon, a Torá traz uma breve genealogia do povo judeu, identificando as famílias que descenderam de cada um dos filhos de Yaacov. Por que a Torá resolveu trazer esta genealogia justamente neste momento, antes de começar a descrever as milagrosas pragas do Egito?

Explica o Rav Shimshon Raphael Hirsch zt"l (Alemanha, 1808 - 1888) que a maioria das religiões atribui aos seus líderes e fundadores descendências divinas. A Torá, ao contrário, quer ressaltar que nossos maiores líderes eram pessoas comuns, nascidas de pai e mãe, sem poderes sobrenaturais. Mesmo gigantes espirituais como Moshé e Aharon eram pessoas de carne e osso, seres humanos normais. É por isso que, justamente antes de começar o assunto das milagrosas pragas realizadas por Moshé e Aharon, a Torá mostra a genealogia deles, para deixar claro que Moshé e Aharon eram apenas intermediários de D'us, pessoas comuns, sem descendência Divina e sem poderes milagrosos. O único que verdadeiramente faz milagres é D'us.

Porém, se prestarmos atenção, perceberemos um detalhe interessante no versículo que descreve a genealogia de Aharon: "E Aharon tomou como esposa Elisheva, filha de Aminadav, irmã de Nachshon" (Shemot 6:23). Este versículo foge da normalidade, pois ao mencionar algumas personalidades, em geral a Torá identifica quem é o pai delas. Em relação a Elisheva, além do pai, a Torá escreveu também quem era seu irmão. Mas se ela era filha de Aminadav, já saberíamos automaticamente que ela é irmã de Nachshon, pois ele é identificado na Torá como "Nachshon ben Aminadav". Então por que a Torá fugiu da normalidade e mencionou também o irmão de Elisheva?

Deste pequeno detalhe do versículo, algo aparentemente insignificante, o Talmud (Baba Batra 110a) aprende algo muito importante: antes de se casar, um homem deve checar bem as características de sua futura esposa. E como isto deve ser feito? Observado as características do irmão dela. É por isso que o versículo trouxe, além do nome do pai de Batsheva, também o nome do irmão dela.

Mas este ensinamento do Talmud não parece ser muito lógico. Os filhos herdam muitas características de seus pais. Para conhecer a natureza de uma futura esposa, seria muito mais razoável investigar diretamente os pais dela. O próprio Talmud, em diversas ocasiões, ressalta a importância de se esforçar para se casar com uma mulher cujo pai seja uma pessoa com boas qualidades. Então, se são tão importantes as qualidades dos pais, por que o versículo que fala do casamento de Aharon com Batsheva enfatiza que o homem deve investigar o irmão de sua futura esposa para conhecer a verdadeira natureza dela, ao invés de incentivar a investigar diretamente os pais dela?

Explica o Rav Yohanan Zweig que muitas vezes vivemos uma vida de aparências. As pessoas não se comportam na rua da mesma maneira que se comportam dentro de casa. Quando sabemos que as pessoas estão olhando, nos comportamos de maneira exemplar, para que as pessoas nos valorizem. Nossa real personalidade, que é revelada apenas quando estamos dentro de casa, quando ninguém mais está olhando, poucas pessoas conhecem de verdade.

É isto que o versículo está nos ensinando ao incentivar o homem a investigar as características do irmão de sua futura esposa. Um adulto é capaz de projetar uma imagem que não necessariamente reflete sua verdadeira essência. As fachadas que as pessoas criam tornam praticamente impossível ter acesso à sua verdadeira natureza. Por outro lado, diferente dos adultos, as crianças não têm tanta necessidade de projetar uma imagem que dê a elas um bom status social. Portanto, o comportamento de uma criança normalmente é genuíno e reflete sua verdadeira natureza.

Porém, uma criança ainda está em fase de construção dos seus traços de caráter. Quando vemos o comportamento de uma criança, estamos enxergando não apenas suas características particulares, mas principalmente as características de seus pais, que ela intuitivamente imita por serem seus principais modelos de comportamento. Durante os anos de formação do caráter das crianças, são os pais que vão moldando os padrões de comportamento de seus filhos, através de ensinamentos e educação, mas principalmente através de exemplos.

Quando um homem investiga o irmão da sua futura esposa, desta maneira ele pode verdadeiramente investigar os pais dela, pois o comportamento de uma criança é "imune" à fachada que seus pais podem ter criado para ocultar algum mau comportamento. Portanto, o comportamento de uma criança reflete cada pequeno detalhe do comportamento dos seus pais. E é muito provável que, caso os pais tenham maus traços de caráter, estes também tenham sido absorvidos pela sua futura esposa.

Porém, se este é o motivo, então por que não procurar diretamente na própria futura esposa os traços de caráter dela? Pois as mulheres são naturalmente mais reservadas e recatadas, impedindo a detecção imediata dos traços de caráter inseridas nelas pelos seus pais. Já os homens normalmente costumam se expor mais e serem bem menos reservados e recatados. Por isso, permitem uma avaliação muita mais acurada e abrangente da natureza dos pais.

É responsabilidade dos pais educar seus filhos. A educação certamente deve vir dos ensinamentos de Torá que eles recebem na escola e das intervenções constantes dos pais para ajustar seus traços de caráter, ressaltando as boas características e canalizando as más características. Os pais precisam estar atentos a qualquer desvio dos filhos e devem aprender a criticá-los da maneira correta e no momento correto. Além disso, os pais também precisam saber elogiar e incentivar muito seus filhos, para que eles possam crescer e se tornar adultos saudáveis.

Porém, este pequeno detalhe do versículo da nossa Parashá carrega um ensinamento extremamente importante: a melhor forma de educar os nossos filhos, e certamente a mais eficiente, é através de exemplos. Se as crianças vivem cercadas de críticas, aprendem a condenar os outros. Se vivem em um ambiente com hostilidades, aprendem a brigar e a serem intransigentes. Se vivem com zombarias, aprendem a ser tímidas e retraídas. Mas se vivem com tolerância, aprendem a ser pacientes e compreensivas. Se vivem com incentivos e elogios, aprendem a ter autoconfiança e a apreciar o que os outros fazem de bom. Se vivem com justiça, aprendem a ser pessoas honestas. A forma como tratamos as crianças e, acima de tudo, a forma como nos comportamos diante das crianças, é a melhor forma de ensinamento. Se quisermos crianças melhores, antes de tudo precisamos nos transformar em seres humanos melhores. Somente assim teremos realmente um mundo melhor.
SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 6:2-9:35, Ez. 28:25-29:21

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

ULTRAPASSANDO SEU POTENCIAL - PARASHÁ VAYECHI 5777

"Um fazendeiro possuía terras ao longo do litoral. Ele constantemente anunciava estar precisando de empregados, mas a maioria das pessoas estava pouco disposta a trabalhar em sua fazenda, pois temia as terríveis tempestades que varriam aquela região, fazendo estragos nas construções e plantações. Procurando por novos empregados, o fazendeiro recebeu muitas recusas. Finalmente, um homem baixo e magro, de meia-idade, se mostrou interessado.

- Você é um bom lavrador? - perguntou o fazendeiro, desconfiado.

- Bem, eu posso dormir enquanto os ventos sopram - respondeu o pequeno homem.

Embora confuso com a resposta, o fazendeiro, desesperado por ajuda, o empregou. O pequeno homem trabalhou bem, mantendo-se ocupado do alvorecer até o anoitecer. O fazendeiro estava muito satisfeito com o trabalho de seu novo funcionário. Então, certa noite, um vento ruidoso veio anunciando uma forte tempestade que se aproximava. O fazendeiro pulou da cama, agarrou um lampião e correu até o alojamento do empregado. Sacudiu o pequeno homem e gritou:

- Levante rápido! Uma tempestade está chegando! Amarre as coisas antes que tudo seja arrastado!

O pequeno homem virou-se na cama e disse tranquilamente:

- Não, senhor. Eu lhe falei que posso dormir enquanto os ventos sopram.

Dizendo isso, deitou-se para o outro lado e voltou a dormir. Enfurecido pela resposta descarada, o fazendeiro quis despedi-lo imediatamente, mas se apressou em sair para preparar tudo antes da tempestade. Trataria depois daquele empregado preguiçoso. Porém, para seu assombro, ele descobriu que todos os montes de feno já tinham sido cobertos com lonas firmemente presas ao solo. As vacas estavam bem protegidas no celeiro, os frangos estavam bem guardados nos viveiros, as portas estavam muito bem travadas e as janelas estavam bem fechadas e seguras. Tudo estava amarrado e bem preso, nada poderia ser arrastado pela tempestade. Somente então o fazendeiro entendeu o que seu empregado quis dizer sobre "dormir enquanto o vento soprava". Aquele não era apenas um bom trabalhador, era bem melhor do que o fazendeiro imaginava".

Existem trabalhadores que fazem seu trabalho de maneira correta e honesta, mas existem alguns poucos que fazem ainda mais do que é esperado deles. O mesmo vale na vida, pois muitos se esforçam para alcançar seu potencial espiritual, mas há aqueles que conseguem se superar e ultrapassar seus próprios limites. 
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Nesta semana lemos a Parashá Vayechi (literalmente "E viveu"), que conta sobre a morte do nosso último patriarca, Yaacov Avinu. Ele viveu seus últimos anos no Egito, após o reencontro com seu filho Yossef. Antes de falecer, Yaacov falou suas últimas palavras para cada um de seus filhos. Alguns receberam Brachót (Bênçãos), enquanto outros foram repreendidos por algum ato errado ou por algum traço de caráter negativo. Mas talvez a Brachá que mais chama a atenção é a que Yaacov deu a Efraim e Menashé, seus netos, filhos de Yossef. Assim Yaacov disse para eles: "Israel (o povo judeu) será abençoado através de vocês, dizendo: 'Que D'us possa fazer de você como Efraim e Menashé' " (Bereshit 48:20). Esta Brachá de Yaacov é utilizada na noite de Shabat e na véspera de Yom Kipur, quando os pais abençoam seus filhos com estas palavras.

Porém, esta Brachá de Yaacov desperta um enorme questionamento. Sobre personagens incríveis como Avraham, Ytzchak, Yaacov e Moshé, a Torá se alongou bastante, descrevendo os enormes testes que eles venceram na vida e os traços de caráter desenvolvidos por cada um deles. Já em relação a Efraim e Menashé, a Torá não conta absolutamente nada sobre suas vidas e sobre seus traços de caráter. Então, entre todas as personalidades da Torá e entre todos os personagens ilustres da história do povo judeu, por que justamente Efraim e Menashé foram os escolhidos para serem eternos modelos para os filhos do povo judeu? O que Yaacov percebeu de tão especial neles?

Explica o Rav Shmuel Hoiminer zt"l (Bielorússia, 1913 - Israel, 1977) que os filhos e netos de Yaacov estiveram sempre perto dele, recebendo uma forte influência espiritual de crescimento e temor a D'us. Quando Yaacov voltou para Israel, saindo da casa de Lavan, seus filhos e netos puderam também estar perto de Ytzchak, um incrível modelo de santidade. Por muitos anos eles puderam viver na Terra de Israel, uma terra sagrada, se dedicando ao estudo da Torá.

Mas não foi assim com Efraim e Menashé. Diferente dos outros filhos e netos de Yaacov, eles nasceram e cresceram no Egito, uma terra estranha e imersa em impureza espiritual. Eles estavam distantes da sagrada Terra de Israel e da influência positiva dos patriarcas. Além disso, como Yossef era o vice-rei do Egito, um homem extremamente poderoso, em sua casa entravam e saíam constantemente ministros, magos e pessoas importantes. Efraim e Menashé cresceram rodeados de riqueza, poder e luxúria.

O que se poderia esperar da educação de Efraim e Menashé? O normal seria eles terem se tornado crianças mimadas, acostumadas ao luxo e à ostentação. Rodeados pelas idolatrias e promiscuidades egípcias, dificilmente eles conseguiriam manter a retidão e o temor a D'us. Yaacov, quando escutou que seu filho Yossef havia passado 22 anos no Egito, achou que ele já havia morrido espiritualmente. Porém, quando Yaacov chegou ao Egito, ficou impressionado ao perceber que Efraim e Menashé não haviam sido afetados pela impureza egípcia e nem por todo o materialismo que os cercava. Eles não admiravam o grande império egípcio e não haviam aprendido nenhum dos seus costumes e condutas. Eles haviam sido educados no colo de Yossef, com um incrível temor a D'us, apesar de todas as dificuldades. Certamente não havia sido um caminho repleto de rosas. Sem dúvida eles passaram por muitos testes e se depararam com dificuldades enormes em seu caminho, mas conseguiram vencer e superar todos os obstáculos, se blindando contra qualquer influência negativa egípcia.

Foi exatamente por este motivo que Yaacov escolheu Efraim e Menashé como modelos de todas as crianças do povo judeu. Pelo seu poder de superação e pela capacidade de vencer as dificuldades sem se deixar influenciar pelos maus exemplos em volta. É uma Brachá importante para todo o povo judeu, em todas as épocas, mas principalmente quando estamos no exílio, cercados de ideias estranhas ao judaísmo e de más influências.

Porém, de acordo com o Rav Yaacov Wainberg zt"l (EUA, 1923 - 1999), há um entendimento mais profundo nesta Brachá de Yaacov. A esperança de todos os pais é conseguir ver seus filhos tendo sucesso na vida. E o que significa sucesso? É conseguir completar nosso potencial. Mas Efraim e Menashé fizeram mais do que isso. Eles ultrapassaram seu potencial, eles alcançaram mais do que Yossef esperava deles. As tribos de Israel foram formadas por cada um dos filhos de Yaacov. Porém, Efraim e Menashé, apesar de serem apenas netos de Yaacov, atingiram um status tão elevado quanto o dos filhos de Yaacov, a ponto de cada um deles ter se tornado uma tribo em Israel. Efraim e Menashé tinham seu lugar dentro do acampamento do povo judeu no deserto e receberam suas porções na Terra de Israel, além de várias outras implicações. Tudo isso foi uma consequência de Yaacov, com sua Brachá, ter elevado Efraim e Menashé ao mesmo nível das outras tribos. E foi justamente esta a Brachá que Yaacov quis dar para todo o povo judeu: que não apenas possamos cumprir o nosso objetivo na vida, mas que possamos ultrapassá-lo, como fizeram Efraim e Menashé.

Infelizmente vivemos muito longe desta realidade. Não apenas não ultrapassamos nossas expectativas espirituais, mas acabamos nem mesmo as alcançando. De acordo com o Zohar, uma das principais fontes místicas judaicas, a alma da pessoa, alguns instantes antes do seu falecimento, dá um grito que pode ser escutado de um extremo do mundo ao outro extremo. O que é este grito, que pode ser ouvido em todos os mundos espirituais? No momento em que a pessoa está pronta para sair deste mundo, D'us mostra para ela uma imagem do que ela deveria ter alcançado durante sua estadia temporária no mundo material. A alma fica desesperada ao perceber a enorme diferença que há entre o que ela deveria ter alcançado e o que ela realmente alcançou. Neste grito amargo, que ecoa em todo o universo, é como se a alma estivesse dizendo: "Pobre de mim, que não cheguei nem perto do meu potencial!".

Por isso, devemos nos inspirar em Efraim e Menashé. Em primeiro lugar, saber que nenhum sucesso espiritual vem sem esforço. E em segundo lugar, lembrar que devemos almejar em nossas vidas alcançar até mais do que o nosso potencial. Se nos esforçarmos muito neste mundo, como fizeram Efraim e Menashé, e não desistirmos diante das dificuldades, poderemos "dormir tranquilamente enquanto os ventos sopram".
SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 47:28-50:26, 1 Rs. 2:1-12

sábado, 7 de janeiro de 2017

A SOBREVIVÊNCIA DO POVO JUDEU - PARASHÁ VAYIGASH 5777

"Após uma aula de Torá, um homem se aproximou do Rav Baruch Ber Leibowitz zt"l (Bielorrússia, 1862 - Lituânia,1939) e perguntou:

- Rabino, desculpe a franqueza, mas se alguém que apoia o estudo da Torá recebe a mesma recompensa do que aquele que estuda Torá, então qual é a diferença entre eles? Em outras palavras, por que devo me esforçar para estudar Torá, se posso doar muito dinheiro e sustentar diversas instituições de Torá?

O Rav Leibowitz abriu um enorme sorriso e respondeu:

- Sua pergunta é excelente. É verdade que os dois terão Olam Habá (Mundo Vindouro). A diferença, meu querido, é que aquele que estuda Torá também tem Olam Hazé (Mundo material)".

O que significa esta resposta do Rav Leibowitz? Algumas pessoas veem o estudo da Torá apenas como um meio para ganhar sua recompensa no Olam Habá. Mas aquele que já provou a doçura da Torá sabe que não há maior alegria neste mundo do que o estudo da Torá. 
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Através das gerações, a sobrevivência milagrosa do povo judeu é surpreendente. Diante de uma história de sofrimentos, tristezas e perseguições, o povo judeu enfrentou suas adversidades com resiliência e, mesmo sendo derrubado milhares de vezes, sempre conseguiu se reerguer. Muitos na história já questionaram: afinal, qual é o segredo da sobrevivência do povo judeu? Como o povo judeu venceu, através dos milênios, a assimilação, se mantendo um povo diferente e com tradições únicas? A resposta está em um detalhe interessante da Parashá desta semana, Vayigash (literalmente "se aproximou"). Na Parashá ocorre o desfecho de uma das histórias mais dramáticas da Torá. Yossef, depois de ter sido vendido e ter permanecido 22 anos longe de seu pai, finalmente se reencontrou e se revelou aos seus irmãos. Após uma série de acontecimentos que pareciam sem sentido para os irmãos de Yossef, como um governante insistentemente acusando-os de serem espiões, o dinheiro que sempre reaparecia nas sacolas de produtos comprados no Egito e a prisão de Shimon, tudo se esclareceu com as palavras "Eu sou Yossef" (Bereshit 45:3). Os irmãos, ao escutarem, ficaram em estado de choque e não puderam dizer nada.

Os comentaristas explicam que o silêncio dos irmãos de Yossef era por vergonha, por terem entendido que haviam julgado Yossef de maneira equivocada. Naquele momento eles perceberam que Yossef era um Tzadik (Justo) e que seus sonhos eram profecias que estavam se materializando. Yossef, ao perceber o grande choque que havia causado aos seus irmãos, tentou confortá-los, expressando seu perdão e deixando claro que não havia guardado nenhum rancor no coração. Ele também instruiu seus irmãos a trazerem Yaacov e suas famílias para morarem no Egito, para poderem ter sustento durante os anos de terrível seca e escassez. No final das instruções, Yossef acrescentou uma frase enigmática: "Não fiquem agitados no caminho" (Bereshit 45:24). De acordo com Rashi (França, 1040 - 1105), Yossef estava aconselhando seus irmãos a não se envolverem durante o caminho em acaloradas discussões de Halachá (Lei judaica), para não acabarem se perdendo.

Porém, esta explicação de Rashi é difícil de ser entendida, pois faz com que o conselho de Yossef pareça algo sem sentido. Os irmãos de Yossef haviam acabado de passar pelo maior choque de suas vidas ao reencontrar seu irmão desaparecido. Será que durante o caminho de volta para casa os irmãos de Yossef não estariam refletindo sobre sua decisão incorreta de vender o próprio irmão? Então por que Yossef ficou preocupado que eles se concentrariam tanto no estudo da Torá e nas discussões de Halachá que acabariam se perdendo? Por que era tão óbvio para Yossef que seus irmãos naturalmente se dedicariam ao estudo da Torá em sua viagem?

Poderíamos pensar que Yossef se baseou na existência da Mitzvá de estudar Torá mesmo quando estamos no caminho, como repetimos diariamente no Shemá Israel: "E você deve dizê-las (as palavras de Torá) quando estiver sentado na sua casa ou quando estiver andando no caminho" (Devarim 6:7). Porém, isto se aplicaria também a momentos de stress e de profunda reflexão sobre um grave erro cometido? Certamente os irmãos de Yossef deviam estar em um momento de extremo sofrimento e stress, pois sabiam que teriam que encarar seu pai e revelar a ele que haviam mentido nos últimos 22 anos sobre o destino de Yossef. Quem, nestas condições, teria a presença de espírito necessária para se dedicar ao estudo de Torá?

Explica o Rav Yaacov Weinberg zt"l (EUA, 1923 - 1999) que no judaísmo, quanto mais nos aprofundamos em um questionamento e repetimos a pergunta em nossas cabeças, mais começamos a perceber que a pergunta já é parte da resposta. Isto também se aplica à nossa pergunta. Estamos acostumados a enxergar o cumprimento das Mitzvót, e em especial o estudo da Torá, como algo que traz frutos apenas para o "Olam Habá" (Mundo Vindouro). Às vezes chegamos a acreditar que viemos a este mundo para terríveis sacrifícios e dificuldades apenas para podermos futuramente aproveitar do fruto dos nossos esforços. Mas isto é um grande equívoco, pois o cumprimento das Mitzvót, e em particular o estudo da Torá, já nos trazem inúmeros benefícios no mundo material.

Quando as pessoas estão em momentos de stress, elas procuram formas de relaxar. Alguns saem para praticar esportes, outros preferem escutar uma música tranquila. Mas aqueles que já sentiram a doçura da Torá sabem que não há nada mais relaxante do que se envolver com o estudo da Torá, como afirmou David Hamelech: "Se não fosse Sua Torá o meu prazer, eu teria perecido em minha aflição" (Tehilim 119:92). David Hamelech passou por terríveis sofrimentos na vida. Foi perseguido por diversos inimigos, perdeu filhos tragicamente e sofreu tentativas de golpe. E qual era o único antídoto para se manter tranquilo? O seu estudo de Torá.

Portanto, a pergunta não é "como os irmãos de Yossef poderiam estudar Torá em um momento tão conturbado?", e sim "como os irmãos de Yossef poderiam não estudar Torá em um momento tão conturbado?". Sob uma pressão tremenda, seria natural os irmãos de Yossef buscarem a tranquilidade mental através do estudo da Torá. Isto é ainda mais verdade em uma situação como a que os irmãos de Yossef se encontravam. A Torá é o nosso "Manual de Instruções" da vida e, portanto, era natural que eles quisessem se envolver com um estudo mais sério da Torá, em busca de orientação Divina sobre como lidar com os problemas do momento.

Este é o segredo da imortalidade do povo judeu: o estudo da Torá. A Torá uniu os judeus através da história e nos salvou da assimilação. O povo judeu somente pode ser uma nação única por causa da Torá. Não somos uma nação baseada em uma terra, em uma língua ou em uma cultura. Se não fosse pela Torá, este povo espalhado pelo mundo inteiro já teria rapidamente desaparecido, afogado na assimilação.

É interessante perceber que a Torá garante a sua própria continuidade de geração em geração. Valores como educação e alfabetização para as massas são conceitos modernos no mundo. A até cerca de 200 anos atrás, a educação era vista apenas como um privilégio das elites. Muitas religiões inclusive tinham interesse de que as massas permanecessem analfabetas e sem acesso à educação, pois assim garantiam que poucas pessoas tivessem acesso a livros e pudessem questionar sua fé. Mas o judaísmo, ao contrário, sempre buscou a educação das massas, desde a entrega da Torá no Monte Sinai, há mais de 3.300 anos. D'us nos ordenou o estudo da Torá todos os dias das nossas vidas. Por isso, os judeus sempre foram incentivados a saber ler e escrever, garantindo a alfabetização e a educação das massas. Desde o Monte Sinai, o início do povo judeu como uma nação, o estudo da Torá e o aprimoramento intelectual foram, e continuam sendo, nossa força vital. Somente através do estudo da Torá é que nós, o "Povo do Livro", podemos viver de acordo com nosso nome.

Durante toda a história do povo judeu sempre houveram pessoas que dedicaram suas vidas ao estudo da Torá. Para que isto fosse possível, sempre existiram doadores caridosos que sustentavam estas pessoas e ajudavam a manter as instituições de Torá. Desde a época das tribos, quando a tribo de Yssachar se dedicava ao estudo da Torá, enquanto a tribo de Zevulun se dedicava ao comércio e sustentava a tribo de Yssachar, dividindo com eles o mérito do estudo da Torá. Porém, apesar do ato de doar dinheiro para sustentar instituições de Torá ser algo muito grandioso, isto não nos isenta do nosso próprio estudo. D'us quer que o povo judeu seja um povo de pessoas com educação aprimorada. O judaísmo não tem medo dos questionamentos e das discussões que envolvem a religião. Somente poderemos ser boas pessoas se estivermos sempre conectados ao estudo da Torá, de forma séria e consistente. Assim, estaremos garantindo não apenas o sucesso e a tranquilidade para o Mundo Vindouro, mas também para nossas vidas no mundo material. Este é o segredo do povo judeu.
SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn. 44:18-47:27, Ez. 37:15-28