sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SENTINDO A PRESENÇA DIVINA - PARASHAT HAAZINU E SUCÓT 5776

"Por volta de 1985 foi criado o "Prêmio Darwin". Trata-se de uma brincadeira, uma versão irônica do famoso "Prêmio Nobel", cujo objetivo é escolher e premiar anualmente as pessoas que fizeram os atos mais estúpidos. Em geral o "Prêmio Darwin" é entregue postumamente, pois os vencedores costumam não sobreviver à sua própria estupidez. Os "homenageados" com o "Prêmio Darwin" de 1999 foram três terroristas palestinos. Qual foi a "genialidade" deles?

No dia 5 de setembro de 1999, um domingo, exatamente às 17h30, dois carros-bomba explodiram coordenadamente em duas diferentes cidades de Israel. Porém, apesar do susto, apenas os três terroristas que transportavam as bombas morreram nas explosões. Em um primeiro momento acreditou-se que se tratava de terroristas amadores, e que alguma falha havia ocorrido nas bombas, causando o acionamento prematuro delas. Porém, futuras investigações mostraram a verdade que estava por trás daquele aparente acidente.

Para a maioria das pessoas no mundo inteiro a mudança do horário de verão ocorre sem grandes traumas ou dificuldades. Mas não para os palestinos. Em 1999 Israel decidiu antecipar o fim do horário de verão por causa de rezas da manhã que começavam antes do nascer do sol. Mas os palestinos se recusaram a aceitar o "horário sionista" e não quiseram antecipar o fim do horário de verão deles, causando uma enorme confusão sobre qual era o horário "correto".

Os dois carros-bomba, que explodiram duas semanas depois do fim do horário de verão israelense, haviam sido preparados em uma área controlada pelos palestinos, e haviam sido programados para explodir às 17h30, mas ainda levando em consideração o horário de verão. Os terroristas palestinos, confusos com os dois horários vigentes, já haviam mudado seus relógios de pulso para o horário israelense normal. Quando eles pegaram os carros-bomba e se dirigiram para áreas de grande concentração de pessoas, tentando matar o máximo número de homens, mulheres e crianças, eles esqueceram um pequeno detalhe: não perguntaram se o horário da explosão havia sido programado em relação ao horário de verão ou ao horário normal.

A conclusão da história, que rendeu aos terroristas palestinos o "Prêmio Darwin" daquele ano, foi que os carros explodiram enquanto ainda estavam a caminho de seus alvos, matando apenas os terroristas e salvando a vida das centenas de pessoas inocentes que seriam alvo daquelas terríveis explosões."

Algumas vezes D'us nos protege de maneira oculta, sendo difícil enxergar Sua mão. Mas algumas vezes é quase impossível não enxergar a mão de D'us no nosso dia a dia, nos protegendo de perigos e de dificuldades. 
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Nesta semana lemos a Parashá Haazinu, que traz um cântico entoado por Moshé, chamando os céus e a terra como testemunhas das calamidades que ocorreriam ao povo caso eles se desviassem do caminho correto. O cântico de Moshé também profetiza a enorme alegria que virá com a redenção final do povo judeu. E neste Domingo de noite (27/09) começa a Festa de Sucót, também conhecida como "Zman Simchateinu" (A época da nossa alegria). A festa de Sucót é representada pelas suas duas principais Mitzvót: a "Sucá", uma cabana provisória na qual habitamos durante todos os dias de Sucót, e os "Arbaat Haminim", as 4 espécies (Lulav, Etróg, Adass e Aravá), que trazem simbolismos interessantes.

Apesar de a Sucá parecer apenas uma simples cabana construída com materiais rústicos, sua construção envolve o conhecimento de muitas Halachót (Leis judaicas). Por exemplo, a cobertura da Sucá, chamada de "Schach", deve ser obrigatoriamente construída com materiais que cresceram da terra. Galhos de árvores, bambus e folhas de palmeira são os materiais normalmente utilizados para cobrir a Sucá. Além disso, o Schach deve ser colocado de forma que a área sombreada da Sucá seja maior do que a área ensolarada. Por outro lado, o Schach não pode ser espesso demais, pois deve ser possível olhar para o céu e, através do Schach, enxergar as estrelas. A própria estrutura da Sucá também segue leis rígidas e deve ter um caráter temporário. Mesmo que suas paredes podem ser permanentes, sua cobertura deve ser de natureza provisória, sendo anualmente renovada.

De acordo com uma das opiniões trazidas pelo Talmud, o motivo de habitarmos em uma Sucá é para lembrarmos que, desde a saída do Egito, estávamos envolvidos pela Presença de D'us. A manifestação física da proximidade e do amor de D'us pelo povo judeu eram as "Ananei HaCavód" (Nuvens de Glória), que envolveram e protegeram o povo de qualquer perigo e qualquer tipo de desconforto durante os 40 anos nos quais permaneceram no deserto. Mas se é este o motivo de habitarmos em cabanas, a época do ano na qual nós comemoramos a Festa de Sucót é um pouco estranha. Durante todos os dias de Sucót devemos passar o máximo de tempo possível dentro da Sucá, tratando-a como se fosse a nossa verdadeira residência. Porém, se a Festa de Sucót tivesse sido comemorada há um mês, a Sucá teria sido um agradável local de sombra para sentarmos confortavelmente e nos refrescar um pouco nos dias quentes. Se a Sucá é para lembrar a proteção de D'us no deserto, e nossa estadia durou 40 anos, então qualquer dia do ano seria propício para relembrarmos. Então por que D'us nos comandou ficarmos na Sucá agora, justamente quando o clima começa a se tornar um pouco incômodo? E apesar de todas estas dificuldades, cuidados com as Halachót e desconforto, por que ainda assim Sucót é chamada de "Zman Simchateinu", como se nos trouxesse mais alegria do que as outras festas?

Na verdade todas estas leis, que parecem ser completamente misteriosas, são fascinantes ensinamentos de como devemos nos relacionar com o nosso Criador. Sentir a Presença de D'us no deserto era algo fácil, pois era uma realidade, algo quase palpável. Mas como fazer para sentirmos hoje em dia esta proximidade de D'us? Explicam os nossos sábios que as leis relacionadas com a construção da Sucá são uma oportunidade para revivermos a experiência de sentir, de uma maneira mais palpável, a força vital de D'us nos rodeando, sem as distrações que nos cegam e não nos permitem enxergar a Presença Divina durante o nosso cotidiano.

Ao abandonarmos as nossas casas para habitarmos em cabanas provisórias, nos afastamos de uma das ilusões mais prejudiciais ao ser humano: a sensação de que a segurança material nos protege da nossa vulnerabilidade. A verdade é que nada material é eterno. A sensação de segurança e estabilidade que vem das nossas posses materiais é algo passageiro, e a única coisa que possuímos que é verdadeiramente duradoura é a nossa essência espiritual. Porém, é muito difícil para o ser humano derrubar a ilusão de que o que temos é duradouro e verdadeiro, pois sem esta falsa sensação de segurança, nos sentimos abandonados e nas mãos de um destino desconhecido. Por isso, enquanto as pedras, tijolos e argamassa de nossas casas criam uma falsa sensação de segurança, a fragilidade e instabilidade da Sucá nos ajuda a confrontarmos a realidade. É justamente na fragilidade da nossa Sucá que reside a nossa segurança. Na Sucá nós percebemos que não estamos sozinhos, e por isso não precisamos nos atemorizar com a realidade da nossa vulnerabilidade. Apesar de sermos pequenos e frágeis, percebemos que a mão de D'us está constantemente nos guiando e nos protegendo, como fazia no deserto.

O Schach traz ainda um simbolismo mais forte, pois representa o mundo no qual nós vivemos. Apesar de haver mais sobra do que sol, isto é, mais escuridão do que luz, ainda assim nós conseguimos ver as estrelas. Vivemos em um mundo no qual as perguntas e questionamentos são mais numerosos do que as respostas que nossa sabedoria alcança. Apesar disso, o que faz deste mundo um lugar de sentido e não um lugar de desespero é que podemos ver o que as estrelas representam: brilho e luz. Nós passamos a vida buscando por sentido, e encontramos quando focamos no brilho das estrelas. Nos sentir amados por D'us não é algo fácil de ser atingido, principalmente nos momentos em que somos intensamente testados com sofrimentos e dificuldades. Nestes momentos é muito fácil perder de vista as "Nuvens da Glória" invisíveis que nos cercam o tempo inteiro. Sucót nos ajuda a redefinir o nosso conceito de "possível". Devemos entender que para D'us tudo é possível, pois Ele não tem nenhuma limitação ou restrição. Nada pode acontecer contra Sua vontade, e nada pode impedir a Sua vontade de se cumprir. Quando observamos o incessante movimento das estrelas e constelações e sua eterna beleza, isto nos ajuda a enxergar a grandeza de D'us. Da mesma maneira que cada estrela, dentre os bilhões e bilhões existentes, foi pessoalmente criada e cuidadosamente colocada no céu por D'us, assim também Ele cuida de cada um de nós com "Hashgachá Pratid" (Supervisão Particular). Esta é a lição eterna da Sucá.

E da mesma forma que nada é por acaso, tudo passa por uma Supervisão Particular de D'us, também a época escolhida para comemorarmos Sucót não é uma data aleatória, e sim uma declaração da nossa identidade judaica. Em Sucót nós não saímos das nossas casas para buscarmos um alívio do calor do verão, nós saímos para experimentar a sensação de vulnerabilidade. Isto nos ajuda a curar a cegueira que nos impede de enxergarmos o amor de D'us. Explica o Rav Moshe Chaim Luzzato zt"l (Itália, 1707 - Israel, 1746) que D'us criou este mundo para nos dar a oportunidade de enfrentarmos dificuldades e desafios. O povo judeu não foi projetado para viver em "moradias permanentes". O povo judeu foi projetado para viver uma vida de "Sucá". Um judeu nunca se acomoda, nunca está satisfeito com o que tem, sempre quer crescer mais, ganhar mais conhecimento, atingir mais um nível de espiritualidade. A Sucá representa a vontade de fugir da mesmice, o desejo de crescimento constante. E justamente os testes e dificuldades são as ferramentas que D'us utiliza para nos ajudar a crescer.

Alguém que viaja na "pista expressa" de uma rodovia pode se sentir energizado ou amedrontado. É a escolha que todos nós temos quando passamos por testes e dificuldades na vida, quando nossa Emuná (fé) é colocada à prova. Quanto mais conseguirmos enxergar a eternidade da Sucá, mais receberemos com alegrias as viagens por qualquer tipo de "deserto" que D'us queira nos levar. Esta é a grande alegria da Festa de Sucót: o reconhecimento de algo que sempre foi verdade, mas que nossos olhos não conseguem enxergar. Todos nós estamos, e sempre estivemos, permanentemente na Sucá de D'us. As "Nuvens de Glória" não nos protegeram somente no deserto, mas continuam nos protegendo, com um amor infinito de D'us, em cada pequeno "deserto" que passamos no nosso dia a dia.
SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH
Rav Efraim Birbojm
Dt. 32:1-52, II Sm.22:1-51

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A FRAGILIDADE DO SER HUMANO - PARASHAT NITZAVIM 5775 E ROSH HASHANÁ 5776

"Todos os anos o rabino chefe de New York, o Rav Yaacov Yossef zt"l (Lituânia, 1840 - EUA, 1902), dava uma importante "Drashá" (discurso) de Shabat Teshuvá (Shabat entre Rosh Hashaná e Yom Kipur). Ele era um grande "Talmid Chacham" (erudito no estudo da Torá) e podia falar por horas, citando dezenas de ensinamentos do Talmud, sem abrir um único livro ou anotação. Suas palavras entravam no coração, e por isso este discurso anual era um grande evento, fazendo com que os lugares da sinagoga fossem muito disputados.

Mas um triste incidente ocorreu quando o Rav Yaacov Yossef ainda era jovem. Com pouco mais de 55 anos, ele teve um derrame. Ninguém sabia se ele se recuperaria a tempo de dar a Drashá. Algum tempo antes de Rosh Hashaná os organizadores confirmaram, para a alegria de todos, que a Drashá aconteceria. O Rav Yaacov Yossef, apesar de debilitado, tentaria reunir forças para fazer seu discurso. Os organizadores avisaram que haveria duas diferenças em relação aos anos anteriores: o Rav falaria sentado, por sua dificuldade de permanecer de pé por muito tempo, e utilizaria livros para fazer suas citações, ao invés de falar tudo de cor.

No dia da Drashá, a sinagoga estava completamente lotada, não havia nem mesmo um único lugar vazio. O Rav Yaacov Yossef começou a Drashá com as seguintes palavras: "Diz o Talmud", mas logo depois ele parou, ficando em silêncio total. Recomeçou com as mesmas palavras: "Diz o Talmud", mas novamente permaneceu um longo tempo em silêncio. Finalmente ele começou pela terceira vez seu discurso com as palavras "Diz o Talmud", e mais uma vez estas palavras foram seguidas por um terrível silêncio. Após alguns instantes, o Rav Yaacov Yossef começou a chorar. Quando se acalmou, olhou fixamente para o público e disse:

- Até a Drashá do ano passado eu sabia todo o Talmud de cor, mas apesar de ter preparado a Drashá deste ano, eu não consigo lembrar nem mesmo qual era o assunto! Despertem, vejam qual é o fim do ser humano. Eu sou um exemplo vivo. Aprendam com o que aconteceu comigo e se arrependam enquanto ainda há tempo de consertar seus atos".

Esta Drashá, de apenas 9 palavras, talvez tenha sido a melhor Drashá da vida do Rav Yaacov Yossef. Certamente naquele dia as pessoas saíram da sinagoga sensibilizadas, muito mais conscientes da fragilidade da vida humana e de que tudo, absolutamente tudo, está nas mãos de D'us.

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Nesta semana lemos a Parashá Nitzavim que, entre outros assuntos, fala sobre o processo de Teshuvá, no qual a pessoa, através de reflexões, se arrepende dos seus maus atos e decide mudar de atitude na vida, como está escrito: "E você voltará para D'us, e escutará Sua voz... com todo seu coração e toda a sua alma" (Devarim 30:2). E no Domingo de noite (13 de setembro) começa Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, uma das datas mais importantes do calendário judaico, um dia muito conectado com a Teshuvá e com o nosso compromisso de mudanças para o próximo ano. Será que estamos nos preparando bem? Entendemos a importância deste dia?

O Talmud (Rosh Hashaná 16b) nos ensina algo impressionante sobre como se comportar no dia de Rosh Hashaná: "Todo ano que é pobre no seu começo se torna rico no seu final". Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que a expressão "pobre no começo" se refere a quando os judeus se fazem pobres em Rosh Hashaná em súplicas e rezas, isto é, quando sentem que não tem nada na vida, como uma pessoa completamente destituída, e derramam seu coração diante de D'us, implorando e rezando. Quando uma pessoa se comporta desta maneira, o Talmud nos garante que seu ano terminará rico, com muitas Brachót.

Para entender um pouco melhor as palavras do Talmud, podemos utilizar como ilustração a forma como os empresários fazem os cálculos de orçamento de suas empresas. A maioria dos empresários, quando faz seus planejamentos orçamentários para o próximo ano, utiliza como base o que aconteceu nos anos anteriores. Os gestores apenas discutem as prováveis modificações no orçamento do ano anterior, mas as partes que se manterão nem mesmo são discutidas, pois já são consideradas como "pré-aprovadas". Porém, há outra maneira de fazer o planejamento orçamentário, chamado de "Zero Based Budgeting" (Orçamento Base Zero), quando nada do orçamento do ano anterior é levado em consideração. Neste sistema, cada item do orçamento precisa ser novamente aprovado, e não apenas as alterações em relação ao ano anterior. É como se a empresa estivesse começando novamente do zero.

É exatamente esta a diferença de como nos sentimos e como deveríamos nos sentir em Rosh Hashaná. Sentimos como se tudo o que temos já está garantindo, somente precisamos pedir para D'us coisas a mais. Mas o Talmud está nos ensinando que precisamos começar o nosso novo ano com o sistema de "Zero Based Budgeting", isto é, como se não tivéssemos nada do que tínhamos no ano anterior, como se fossemos completamente pobres e destituídos, começando do zero, sem nenhuma garantia de nada.

Mas isto é verdade? Como podemos nos sentir assim, como pobres destituídos, se temos os nossos bens, nosso dinheiro, nossos talentos, nossos amigos e nossa família? Explica o Rav Yssocher Frand que temos um conceito equivocado de como funciona o mundo espiritual e os decretos de D'us. Achamos que apenas pelo fato de termos dinheiro e saúde hoje, certamente teremos o mesmo no dia seguinte. Mas a verdade é que não existe nenhuma garantia. Todos conhecem pessoas milionárias que, do dia para a noite, perderam tudo. Todos têm algum conhecido que, sem nenhum aviso prévio, perdeu completamente a saúde ao descobrir que tinha uma doença incurável. Nossos sábios ressaltam que isto se aplica em especial ao novo ano, quando D'us decide tudo o que vai acontecer no próximo ano. Não há garantia de nada, e o que foi no ano passado não é garantido que será de novo no próximo ano.

Por que existe esta diferença de percepção da realidade? Pois pensamos que as coisas que temos na vida são fruto do nosso esforço e dos nossos méritos. Mas a verdade é que tudo é uma grande bondade de D'us. Ele nos dá vida, Ele nos dá nossos dinheiro e bens, Ele nos dá nossa saúde. A pessoa que pensa que está saudável está apenas se iludindo, pois a vida do ser humano está sempre apenas por um fio. É por isso que D'us nos criou tão frágeis, para que possamos perceber que nossa vida está sempre nas mãos Dele.

Esta verdadeira percepção da realidade foi um dos últimos ensinamentos da vida de Moshé. A Parashá lida na semana que vem, Vaielech, começa com as seguintes palavras: "E foi Moshé (Vaielech Moshé) e disse: Hoje eu completo 120 anos. Já não posso mais sair e entrar. E D'us me disse: 'Não passará este (rio) Jordão' " (Devarim 31:2). Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina que a linguagem "Vaielech" sempre indica uma advertência. Mas se procurarmos neste ou nos próximos versículos, aparentemente não encontraremos nenhuma advertência ou bronca. Então será que a regra ensinada pelo Midrash se aplica no nosso caso?

A resposta está nas seguintes palavras: "Hoje eu completo 120 anos. Já não posso mais sair e entrar. E D'us me disse: 'Não passará este Jordão' ". De acordo com os nossos sábios, estas palavras contêm uma terrível advertência de Moshé ao povo judeu, que ele deixou para o fim de sua vida justamente para ensinar ao povo de forma marcante. Moshé estava dizendo ao povo que ele, aquele mesmo homem que há pouco tempo atrás havia subido até o céu como uma águia, que havia permanecido 40 dias e 40 noites sem comer e sem dormir para receber a Torá, no mesmo nível dos anjos, agora não podia nem mesmo atravessar um simples rio como as outras pessoas. Por que? "E D'us me disse: 'Não passará este Jordão' ". Quando D'us decreta algo, não existe nenhuma garantia de nada. Ontem foi ontem, hoje é um novo dia. O mesmo Moshé que subiu aos céus não podia mais atravessar nem mesmo um simples rio, pois esta era a vontade de D'us.

Quem percebe isso, quem sabe que estamos sempre na corda bamba, age de forma diferente.  Quem sabe que tudo está em jogo em Rosh Hashaná, o dia do nosso julgamento, age diferente. Todos nós já passamos por momentos de ansiedade, principalmente quando parentes próximos estiveram sob risco de vida. Quando uma pessoa está na sala de espera de um hospital, aguardando as notícias vindas da sala cirúrgica, ela sente de verdade o que é ser um pobre destituído, o que é estar completamente nas mãos de D'us. E neste momento a pessoa age de maneira diferente. Seu coração se conecta com D'us, e ao invés de atos vãos e vazios, a pessoa se ocupa com rezas e Tehilim (Salmos). Esta é a forma de despertar para Rosh Hashaná: lembrar como a condição humana é frágil, lembrar que tudo está nas mãos de D'us, e não há garantia de nada. Todo nosso ano depende dos momentos de conexão com D'us em Rosh Hashaná, pois tudo estará sendo decretado neste dia.

Assim podemos entrar no clima de Rosh Hashaná, entendendo o que está realmente em jogo neste dia. Precisamos lembrar que nossa vida em Rosh Hashaná é julgada de acordo com o "Zero Based Budgeting", isto é, não há garantia de nada. Se entrarmos em Rosh Hashaná nos sentindo como pobres, sem nada garantido na vida, abrindo nosso coração para D'us, teremos muito mais chances de ter bons decretos e um ano com muitas Brachót. Como ensina o Talmud, que nosso ano comece pobre, para terminar muito rico.

"SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA) 

SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ        

Rav Efraim Birbojm
Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A ALEGRIA DO RECONHECIMENTO - PARASHAT KI TAVÔ 5775

"O rabino de uma comunidade judaica Sefaradi dos Estados Unidos certa vez desmaiou no meio de uma aula. Ele foi imediatamente levado ao hospital pelo Dr. Goldman (nome fictício), um dos frequentadores da sinagoga. Lamentavelmente a situação do rabino era muito crítica, pois ele não voltava a si e seus sinais vitais começaram a enfraquecer. Depois de uma série de exames, o Dr. Goldman constatou com tristeza que eram poucas as chances de recuperação do rabino. Já esperando pelo pior, ele pediu a alguns alunos do rabino que rapidamente juntassem um "Minian" (grupo de dez homens judeus) para que pudessem fazer o "Vidui" (confissão) antes do falecimento. Infelizmente poucos alunos puderam ser contatados naquele momento e havia apenas nove judeus presentes. Seria uma pena, por tão pouco, não fazer o Vidui com Minian.

Mas o Dr. Goldman não desistiu. Ele revisou a lista de todos os pacientes internados no hospital e descobriu que havia um paciente judeu no último andar. O problema é que aquele doente estava de cama, conectado a tubos e máquinas, muito fraco. Mesmo assim, o Dr. Goldman pediu aos médicos uma permissão especial para mover aquele paciente com sua cama e seus aparelhos e levá-lo até o quarto do rabino, para assim completar o Minian. Mas quando os médicos vieram perguntar ao doente se ele aceitava ir completar o Minian, ele começou a chorar. Quando se acalmou, explicou que justamente aquele dia era o "Yortzait" (data do falecimento) de seu pai, e que ele estava extremamente triste por estar internado no hospital e não poder dizer o "Kadish" (reza em elevação da alma dos falecidos). Ele percebeu que um enorme milagre havia acontecido, pois a Supervisão Divina havia reunido um Minian em pleno hospital sem que ele precisasse fazer nenhum esforço. O paciente pediu permissão para dizer o Kadish por seu pai antes de fazerem o Vidui do rabino. Todos os presentes concordaram e, com muito respeito, escutaram o Kadish que o paciente pronunciou lentamente, enquanto lágrimas corriam dos seus olhos.

Ao terminarem de responder o Kadish mais emocionante de suas vidas, todos se surpreenderam com o que aconteceu. Os batimentos cardíacos do rabino imediatamente começaram a voltar ao normal e, pouco a pouco, ele foi recuperando as forças e a consciência. Parecia que o Vidui não seria mais necessário.

Depois de uma semana, milagrosamente o rabino voltou para casa totalmente curado. Além disso, aquele paciente judeu que havia falado o Kadish por seu pai, que estava há muito tempo à espera da doação de um fígado, conseguiu naquela mesma semana um doador compatível. O transplante foi feito, salvando a vida dele."

Existem alguns momentos nos quais a "Mão de D'us" parece mais evidente. Porém, a verdade é que D'us está presente em cada pequeno detalhe das nossas vidas, e somos nós que não percebemos. Se reconhecêssemos mais as bondades de D'us em nossas vidas, certamente seríamos muito mais felizes. 
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A Parashat desta semana, Ki Tavô, começa descrevendo uma incrível cerimônia, na qual os judeus levavam ao Beit Hamikdash (Templo Sagrado) seus "Bikurim" (primícias, as primeiras frutas colhidas de algumas espécies específicas). Estas frutas, que tinham um enorme valor sentimental para os seus donos, eram colocadas em belas cestas e presenteadas ao Cohen (sacerdote). O dono das frutas também recitava diante do Cohen uma enorme declaração de agradecimento a D'us por todas as bondades recebidas, que começava desde a época dos patriarcas e passava por eventos marcantes do povo judeu, como a saída do Egito e a conquista da Terra de Israel. A declaração terminava com o agradecimento por D'us ter dado a possibilidade de colherem os frutos da terra. E logo depois do assunto dos "Bikurim", a Torá dá uma grande advertência ao povo judeu e descreve as terríveis maldições que poderiam recair sobre eles durante a história. Qual é a relação entre os dois assuntos?

Poderíamos imaginar que estas maldições seriam consequência de terríveis transgressões cometidas pelo povo judeu. Porém, surpreendentemente, a Torá nos traz o motivo explícito delas acontecerem: "Pelo fato de vocês não terem servido a Hashem, teu D'us, com alegria e bondade no coração, quando vocês tinham tudo em abundância" (Devarim 28:47). É interessante perceber que D'us não está nos cobrando atitudes positivas em momentos de testes, dificuldades e sofrimentos. A cobrança é por não fazermos nosso serviço espiritual com alegria mesmo em épocas de abundância, na qual não temos outras preocupações nos desviando do nosso crescimento espiritual. Nos momentos nos quais a tranquilidade permite que o nosso foco esteja na nossa conexão espiritual, fazer o serviço Divino sem alegria é considerado algo grave, quase um desprezo.

Será que estas terríveis maldições previstas na Torá já se cumpriram em algum momento da história? De acordo com o Ramban zt"l (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270), estas palavras, que incluem muitas tragédias pessoais e coletivas do povo judeu, se cumpriram durante o período do Segundo Beit Hamikdash, incluindo sua destruição e o subsequente exílio do povo judeu. Porém, esta explicação desperta um grande questionamento. De acordo com as palavras do Ramban, o motivo da destruição do Segundo Beit HaMikdash foi o fato de não termos servido a D'us com alegria mesmo quando tínhamos tudo em abundância. Porém, o Talmud (Yoma 9b) traz uma opinião completamente diferente ao afirmar que o motivo da destruição do Segundo Beit Hamikdash foi o "Sinat Chinam" (ódio gratuito) que havia dentro do povo judeu. Afinal, qual dos dois motivos é o correto?

A chave para entendermos que não existe nenhuma contradição entre estes dois motivos é observarmos o que ocorre em nossa sociedade. Este conceito trazido pela Torá, das pessoas estarem infelizes apesar de terem tudo, reflete um pouco da realidade em que vivemos atualmente, onde uma grande porcentagem de pessoas, apesar de ter sucesso no trabalho e uma alta posição social, se afunda em depressão e desilusão. Por que tantas pessoas, que aparentemente têm tudo que a vida pode oferecer, ainda demonstram uma total falta de alegria na vida? O que falta para elas serem felizes de verdade?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a pessoa somente é verdadeiramente feliz se ela consegue enxergar e apreciar o que D'us manda para ela na vida. Enxergar as bondades de D'us é saber que tudo é um presente, que não merecemos nada do que recebemos, tudo é parte da Misericórdia Divina. Quem vive desta maneira aprende a dar valor para cada coisa que recebe e a apreciar cada pequeno detalhe da vida. Mas, por outro lado, se a pessoa é egocêntrica e sente que merece tudo o que tem, então ela nunca vai estar contente com o que já conquistou. Ao contrário, vai estar sempre focando nas coisas que ainda não são dela, mas que ela já se acha no direito de ter.

Quando uma pessoa vive sua vida com este tipo de atitude egocêntrica, com a sensação de que todos devem algo a ela, então estará constantemente infeliz. Além disso, pelo fato dela se sentir no direito de ter tudo o que tem vontade, caso outra pessoa tenha algo que ela deseja, acabará sendo vista como uma ameaça. A pessoa egocêntrica começará a sentir aversão pela outra pessoa, mesmo que não exista nenhum motivo real para isso, apenas por causa da percepção de que a outra pessoa a está impedindo de ter algo que, por direito, deveria pertencer a ela. Em outras palavras, este tipo de atitude leva a pessoa a odiar o próximo absolutamente sem nenhum motivo verdadeiro. E é justamente este sentimento de aversão sem justificativas reais que os nossos sábios chamaram de "Sinat Chinam".

Isto significa que, se rastrearmos o que está por trás do Sinat Chinam, encontraremos lá no início a falta de apreciação correta pelo que D'us fez e continua fazendo por nós. Portanto, o Sinat Chinam não é uma razão diferente da trazida pela Parashat Ki Tavô para a destruição do Beit HaMikdash. Na verdade, o Sinat Chinam é apenas uma manifestação de quando a pessoa está infeliz ao fazer o seu serviço Divino. E esta infelicidade ocorrerá apesar de toda a abundância que a pessoa tem na vida.

É por isso que a Torá junta o assunto dos Bikurim com o assunto da advertência. Quando a pessoa levava seus Bikurim para o Beit HaMikdash e fazia a declaração diante do Cohen, ela aprendia a dar valor ao que tinha recebido. Quando uma pessoa planta e colhe, normalmente pensa que o sucesso depende apenas da sua força e da sua inteligência. Mas a verdade é que tudo depende de D'us. A força não é nossa, pois a cada instante é D'us quem está nos mandando energia para os movimentos dos nossos membros e órgãos, como se estivéssemos conectados a um fio de energia. A inteligência para tomarmos as decisões corretas também não é nossa, é um presente de D'us, o Dono de toda a sabedoria. A Terra de Israel depende das chuvas, isto é, depende de D'us, e todo esforço e inteligência não são suficientes se não houver chuvas no momento certo. Até mesmo a existência de uma terra para plantarmos foi um presente de D'us, que nos tirou da escravidão do Egito e nos trouxe, com milagres e sinais, para a Terra de Israel. Sem a ajuda Divina, os Bikurim não poderiam ser oferecidos.

Os Bikurim são um ensinamento de que esta é a fonte de toda a alegria verdadeira: o reconhecimento de que tudo o que temos é um grande presente de D'us, e que não recebemos por causa dos nossos méritos, e sim pela bondade Dele. Vivendo com esta nova ótica, podemos apreciar mais o que temos, e nos alegrar também com as alegrias dos outros, acabando com o "ódio gratuito" e trazendo ao mundo mais harmonia e companheirismo. 

"SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA)

SHABAT SHALOM                                           
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Dt. 26:1-29:9, Is. 60:1-22