sexta-feira, 28 de junho de 2013

CANALIZANDO NOSSAS FORÇAS - PARASHÁ PINCHAS 5773

 
"O Sr. James era um daqueles ingleses que levavam o futebol a sério. Torcedor fanático, ele estava acompanhando atentamente a participação da Inglaterra na Copa do Mundo. A Inglaterra havia chegado às quartas de final, e o Sr. James acreditava que o título viria naquele ano. O jogo começou, e ficava a cada instante mais tenso. Para o desespero do Sr. James, a Inglaterra tomou um gol no final do jogo, deixando a situação ainda mais difícil. O Sr. James não conseguia acreditar quando o juiz finalmente apitou o final do jogo, decretando mais uma vez a desclassificação da seleção inglesa. Não podia ser verdade, simplesmente não podia. Em um impulso descontrolado, o Sr. James se levantou e deu um chute tão violento na televisão que arrebentou a tela toda.

Algumas horas depois, quando o fervor já havia passado, ele percebeu a besteira que havia feito e ficou desesperado. Ele havia arrebentado sua única televisão! Em pânico, ligou para uma empresa autorizada que fazia manutenção de televisões, explicou o caso e solicitou a visita urgente de um técnico. Do outro lado da linha, o atendente explicou que a visita somente poderia acontecer dentro de três dias. Quando o Sr. James, indignado, perguntou o motivo de tanta demora, o atendente respondeu calmamente:

- O Sr. não foi o único que destruiu a sua televisão após o jogo. Estamos tão saturados de chamadas que temos trabalho agendado para todos os nossos técnicos nos próximos três dias..." (História Real)

A impulsividade pode ser uma característica muito negativa. Se não for canalizada, pode deixar consequências indesejáveis, que nem sempre podem ser consertadas depois.

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Na Parashá desta semana, Pinchás, a Torá traz o desfecho da história que começou no final da Parashá passada, quando Zimri, o líder da tribo de Shimon, fez um grande "Chilul Hashem", denegrindo o nome de D'us ao cometer uma grande imoralidade em público, de forma desafiadora, ignorando até mesmo a presença de Moshé Rabeinu. D'us mandou uma grande praga sobre o povo judeu, na qual 24 mil pessoas morreram. A praga somente parou quando Pinchás, neto de Aharon HaCohen, da tribo de Levi, se levantou contra a imoralidade de Zimri e o matou. E D'us recompensou Pinchás por seu ato heroico, como está escrito: "Portanto diga a ele que Eu lhe dei o Meu pacto de paz" (Bamidbar 25:12). Mas por que um ato tão violento como o de Pinchás foi recompensado justamente com um "pacto de paz"?

É interessante perceber que as duas tribos envolvidas neste acontecimento, Shimon e Levi, tem algo em comum, que vem desde os tempos do nosso patriarca Yaacov. Quando Diná, a filha de Yaacov, foi sequestrada e violada pelo príncipe Shechem, os filhos de Yaacov bolaram um plano para resgatá-la, convencendo o povo de Shechem a fazer Brit Milá com intenção de enfraquecê-los. Mas Shimon e Levi tinham outros planos, eles não queriam apenas enfraquecer o povo para resgatar Diná. No terceiro dia depois do Brit Milá, no qual as pessoas ficam mais debilitadas, eles mataram todos os habitantes da cidade, por considerarem todos coniventes com o sequestro e a violação de sua irmã Diná. Mesmo quando Yaacov demonstrou profunda irritação com o ato impulsivo dos dois filhos, que poderia ter causado um ataque dos povos vizinhos e a destruição de Yaacov e seus filhos, eles se defenderam, argumentando: "Nossa irmã deve ser tratada como uma prostituta?" (Bereshit 34,31).

Anos mais tarde, antes de seu falecimento, Yaacov deu Brachót (Bençãos) para todos os seus filhos. Mas Shimon e Levi foram duramente repreendidos por Yaacov, justamente por sua impulsividade. E, entre outras palavras, assim Yaacov disse para eles: "Eu vou separá-los em Yaacov e dispersá-los em Israel" (Bereshit 49:7). O entendimento mais simples destas palavras de Yaacov é que ele queria separar os irmãos Shimon e Levi para que eles não cometessem mais nenhum ato impulsivo de violência. Mas Rashi, comentarista da Torá, dá outra explicação para estas palavras de Yaacov. Ele explica que Yaacov estava determinando que as tribos de Shimon e Levi futuramente seriam escribas e professores de crianças, e se espalhariam por toda a terra de Israel, viajando de cidade em cidade e mantendo a transmissão ininterrupta da Torá.

Mas por que justamente as tribos de Shimon e Levi seriam os transmissores da Torá? A impulsividade deles não era algo negativo? E qual a relação destas palavras de Yaacov com o evento ocorrido entre Pinchás, da tribo de Levi, e Zimri, da tribo de Shimon? Por que desta vez eles estavam em lados opostos?

Explica o Rav Yaacov Kamenetzki que Yaacov percebeu em seus dois filhos, Shimon e Levi, uma qualidade que seus irmãos não tinham. Quando eles destruíram a cidade de Shechem, eles demonstraram estar dispostos a colocar suas próprias vidas em risco para defender a honra de sua irmã. Todos os filhos de Yaacov tinham visto o que havia ocorrido, mas apenas Shimon e Levi sentiram a dor de sua irmã como se fosse sua própria dor. E esta capacidade de sentir a dor do próximo foi o que os levou a esta impulsividade, este fervor sem limites, cuja única forma de acalmar os ânimos foi através da destruição de toda a cidade de Shechem. Yaacov percebeu que esta força impulsiva de Shimon e Levi poderia ser utilizada de maneira positiva, em benefício do povo judeu. Ele entendeu que somente alguém que naturalmente sente a dor do próximo como se fosse sua própria dor, a ponto de abrir mão de seu conforto em prol do próximo, poderia ser capaz de abrir mão de sua comodidade e viajar, de cidade em cidade, transmitindo a Torá ao povo judeu.

Mas então o que deu errado? Por que as tribos de Shimon e Levi se "reencontraram" na geração do deserto, porém em situações opostas? Explicam nossos sábios que a palavra "Midót", que significa "traços de caráter", também significa "medidas". Por que? Pois não existe nenhum traço de caráter que é totalmente bom ou totalmente ruim, depende de como ele é utilizado, para onde é canalizado. É como o sal, que não é bom nem ruim, depende da medida em que é utilizado. Por exemplo, muito sal estraga a comida, enquanto pouco sal deixa a comida sem gosto. O ideal é sal na medida certa, que ressalta o gosto dos alimentos. Assim também acontece com nossas características, todas devem ser canalizadas para poderem ser utilizadas na medida correta.

Apesar dos dois irmãos, Shimon e Levi, terem transmitido aos seus descendentes esta característica de impulsividade, as diferenças começaram a surgir após o primeiro exílio do povo judeu, quando Yaacov e seus filhos desceram ao Egito. Enquanto a tribo de Levi nunca abandonou o estudo da Torá, e justamente por isso nunca foi escravizada, a tribo de Shimon passou pelos horrores da pesada escravidão no Egito. O tempo em que se dedicou ao estudo da Torá permitiu que a tribo de Levi internalizasse esta característica de impulsividade e fervor explosivo e canalizasse para coisas positivas e construtivas. Já a tribo de Shimon, que não teve esta oportunidade espiritual, canalizou esta característica para o lado negativo. Zimri utilizou a impulsividade de forma negativa, para desafiar Moshé Rabeinu e D'us em um ato público de imoralidade. Já Pinchás utilizou sua impulsividade para fazer a vontade de D'us. Mesmo sendo através de um ato de violência, Pinchás reestabeleceu a paz entre o povo judeu e D'us, terminando com a terrível praga que dizimava o povo. E a recompensa que Pinchas recebeu de D'us, o "pacto de paz", demonstra o quanto sua atitude agradou a D'us. Por um lado era uma atitude impulsiva, mas por outro lado havia sido canalizada para fazer o que era correto e cumprir a vontade de D'us.

Fica desta Parashá um ensinamento importante para nossas vidas. Não existe nenhuma característica intrinsecamente boa ou mal, tudo depende de como vamos canalizá-la. É verdade que existem características com certa tendência positiva, como o altruísmo, e características com certa tendência negativa, como a impulsividade. Mas mesmo as piores características que D'us colocou dentro de nós podem ser utilizadas para servi-Lo, enquanto mesmo as melhores características, sem o direcionamento correto, podem ser desastrosas. D'us nos deu a Torá, o nosso "Manual de Instruções", para nos ensinar como utilizar todas as forças e potenciais contidos dentro de cada ser humano. Quanto mais nos aprofundarmos no conhecimento e no cumprimento da Torá, melhor utilizaremos as nossas forças e potenciais, chegando ao nível de que todos os nossos atos possam ser um grande "Kidush Hashem" (santificação do nome de D'us).

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 25:10-29:40, 1 Rs. 18:46-19:21, Jo. 2:13-22

sexta-feira, 21 de junho de 2013

TRAZENDO O CÉU PARA A TERRA - PARASHÁ BALAK 5773


Havia em Israel um grupo de empresários que se reuniam todas as noites na sinagoga para estudar Torá. Certa vez o Rav Shlomo Wolbe zt"l escutou que o tema das aulas deste grupo era as leis relacionadas com a Mitzvá de Tsitsit. Ele ressaltou que estudar aquelas leis era algo realmente muito importante, mas sugeriu que o grupo, justamente por ser formado por empresários, deveria estudar o Choshen Mishpat, a parte do Shulchan Aruch (Código de leis judaico) que trata das leis relacionadas aos negócios.

Em um primeiro momento eles não gostaram muito da ideia. Eles preferiam estudar assuntos mais espirituais, não queriam assuntos "pequenos", que envolviam atividades do dia a dia. Queriam ser mais espiritualizados, queriam assuntos mais elevados. Mas como viram que o Rav Shlomo Wolbe insistia tanto, aceitaram a mudança.

Quando começaram as aulas de Choshen Mishpat, foi um grande choque. Eles começaram a perceber quantas leis eles desconheciam, quantas vezes eles haviam sido desonestos, com a melhor das intenções, e haviam prejudicado clientes e concorrentes! Foi então que eles perceberam que a espiritualidade verdadeira não está nos assuntos mais místicos e nem nas Mitzvót mais elevadas, e sim nos assuntos do nosso cotidiano. A espiritualidade está nos assuntos mais simples do dia a dia, justamente para que possamos, com cada pequeno ato, contribuir para que o mundo inteiro possa se elevar espiritualmente.

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Durante a história do povo judeu, poucas vezes tivemos inimigos tão perversos quanto Balak, o rei do povo de Moav, e Bilaam, o profeta de elevado nível espiritual que, ao invés de utilizar seu potencial para ajudar as pessoas, utilizou seu poder para amaldiçoar e destruir. E a Parashá desta semana, Balak, é inteira dedicada a descrever os esforços destes dois Reshaim (perversos), junto com o povo de Midian, para prejudicar o povo judeu. Eles entenderam que não poderiam vencer fisicamente os judeus e, por isso, utilizaram seus conhecimentos espirituais para tentar atingir seus objetivos abomináveis.

Mas de todos os esforços de Balak e Bilaam, ficam algumas dúvidas. Em primeiro lugar, ao utilizar seus conhecimentos espirituais, aparentemente eles queriam que D'us se voltasse contra o povo judeu para destruí-los. Isto parece um propósito fútil, até mesmo tolo, pois todos sabiam do relacionamento eterno e do pacto inquebrável criado entre D'us e o povo judeu, desde a época dos nossos patriarcas, Avraham, Yitzchak e Yaacov. Portanto, qual era a real intenção de Balak e Bilaam? Além disso, Balak declarou seu objetivo como sendo "talvez eu poderei golpeá-los e expulsá-los da terra" (Bamidbar 22:6). Explica o Midrash (parte da Torá Oral) que o objetivo de Balak era impedir o povo judeu de entrar na Terra de Israel. Mas as terras de Moav e Midian não estavam no caminho do povo judeu e, portanto, a entrada deles em Israel não oferecia nenhuma ameaça à Balak e Bilaam. Então por que esta obstinação em não permitir a entrada do povo judeu em Israel?

Há um interessante versículo nos Tehilim (Salmos), escritos por David Hamelech (Rei David), que nos ajuda a encontrar a resposta: "O Céu é de D'us, e a terra Ele deu ao ser humano" (115:1). Poderíamos pensar que este versículo significa que D'us cuida das coisas espirituais, e Ele nos deu a terra para que possamos nos dedicar ao que é apenas material. Mas explica o Rav Yitzchak Meir Rottenburg, mais conhecido como "Chidushei Harim", que o entendimento correto do versículo é completamente diferente. Neste versículo está contido o propósito da Criação do mundo. D'us deu ao ser humano a terra, isto é, tudo o que está contido no mundo material, para que possamos, através das Mitzvót que Ele nos ordenou, elevar o mundo material e transformá-lo em um "Céu", em espiritualidade.

Portanto, desta explicação, aprendemos que a meta de nossas vidas não é viver uma vida puramente espiritual. Devemos nos envolver com o mundo material, isto faz parte do nosso objetivo. E a missão do povo judeu é justamente transformar o uso do mundo material em algo espiritual. Quando este objetivo for atingido, chegará o Fim dos Tempos e toda a existência humana mudará completamente. Isto influenciará profundamente também as outras nações do mundo, forçando que todos abandonem qualquer forma de comportamento imoral e incorreto, e todos se esforcem para elevar sua existência física.

Explica o Rav Shmuel Bornsztain, mais conhecido como "Shem MiShmuel", que isto poderia acontecer no momento em que o povo judeu entrasse na Terra de Israel. Por que eles não poderiam atingir este nível tão elevado ainda no deserto? Pois durante os 40 anos em que estavam no deserto, os judeus viveram uma vida completamente desconectada das necessidades do mundo material, já que elas eram supridas de maneira sobrenatural e eles estavam livres para se dedicar integralmente ao serviço Divino. Como a existência espiritual do povo judeu estava completamente desconectada do mundo material, eles ainda não tinham conseguido atingir o objetivo da Criação. Mas no momento em que o povo entrasse na Terra de Israel, eles passariam por uma mudança significativa em seu estilo de vida. Eles precisariam lutar pela sua subsistência, elevando o mundo físico, principalmente através das Mitzvót conectadas com a agricultura.

Com esta explicação podemos entender melhor qual era a motivação verdadeira de Balak e Bilaam. Eles sabiam que quando o povo judeu entrasse na Terra de Israel eles poderiam atingir o propósito da Criação, e todas as outras nações se sentiriam obrigadas a mudar também seus estilos de vida. Balak e Bilaam se sentiram pessoalmente ameaçados pelo povo judeu, pois desejavam manter separado o mundo material do mundo espiritual. Apesar de terem um potencial espiritual muito grande, eles não queriam abrir mão de suas vidas completamente conectadas ao mundo material, repleta de prazeres momentâneos. Balak, e principalmente Bilaam, eram pessoas que buscavam prazeres de maneira incessante, e desejavam manter a espiritualidade afastada do mundo material, como se fosse possível se comportar como um animal e, ao mesmo tempo, ser elevado espiritualmente.

Portanto, Balak e Bilaam não queriam necessariamente destruir o povo judeu. O que eles queriam era evitar que o povo judeu conectasse o material com o espiritual. Eles não haviam entendido que parte fundamental do propósito do povo judeu é justamente se envolver com o mundo material para santificá-lo, elevando os elementos da terra, o mundo material, ao status de "Céu", injetando espiritualidade em cada pequeno ato cotidiano. Por isso eles tentaram evitar que o povo judeu entrasse em Israel. Se eles permanecessem no deserto, o propósito de elevação do mundo material nunca seria alcançado e eles não teriam suas vidas alteradas.

Após algumas vezes tentar amaldiçoar o povo judeu, Bilaam finalmente entendeu seu grande erro, o que pode ser percebido em uma das Brachót (Bençãos) que saiu de sua boca: "Quem contou o pó de Yaacov?" (Bamidbar 23:10). Explica o Midrash que Bilaam está se referindo às inúmeras Mitzvót relacionadas ao pó da terra, isto é, as leis que envolvem a agricultura. As leis agrícolas são aquelas que estão relacionadas à vida no mundo material, que representam a forma mais básica de buscar a subsistência. É justamente por isso que D'us nos deu tantas Mitzvót relacionadas com a agricultura, para que mesmo as atividades mais mundanas possam ser elevadas a atos de santidade.

Não apenas Balak e Bilaam cometeram este erro, de tentar separar o mundo material do mundo espiritual, como se fossem duas coisas contraditórias. Infelizmente nós também cometemos este grande erro conceitual. A espiritualidade não está apenas dentro da sinagoga ou do Beit Midrash (centro de estudos de Torá). Nossas atividades cotidianas também contém muita espiritualidade. Por exemplo, existem muitas Halachót (leis) que nos ajudam a sermos honestos nos negócios. O simples ato de comer requer um significativo conhecimento das leis de Kashrut e das Brachót (bênçãos) que devem ser pronunciadas antes e depois de cada tipo de alimento. E entre centenas de religiões existentes no mundo, apenas o judaísmo tem uma Brachá especialmente pronunciada após a utilização do banheiro. Mesmo um dos atos mais baixos e animalescos do ser humano, de expulsar os restos da comida que não foram absorvidos pelo corpo, pode ser transformar em espiritualidade e santidade. De todas as Brachót estabelecidas pelos nossos sábios, a Brachá dita depois de irmos ao banheiro é a única que menciona o "Kissê HaKavód" (Trono Celestial de D'us), o ápice de santidade e elevação espiritual. Tudo isto para nos ensinar que, mesmo os atos mais mundanos, e até mesmo os aparentemente mais baixos, são queridos aos olhos de D'us, pois podem ser transformados em espiritualidade.

A Parashá nos ensina que temos duas escolhas de como viver nossas vidas. Quando a pessoa se conecta de forma desenfreada ao mundo material, termina se afundando, como Bilaam, e se torna completamente dependente dos prazeres físicos, que não nos preenchem. Mas quando a pessoa utiliza o mundo material com controle, com direcionamento, ela transforma a terra em Céu. Este é o papel do povo judeu e, portanto, o papel de cada um de nós.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 22:2-25:9, Mq 5:6-6:8, 1 Co. 1:20-31

sexta-feira, 14 de junho de 2013

FAZENDO CÁLCULOS ERRADOS - PARASHÁ CHUKAT 5773

 
"O Rav Chaim Shmulevitz era uma pessoa extremamente humilde, e fugia de qualquer tipo de honrarias e títulos. Quando ele enviava cartas às pessoas, assinava sempre como "Chaim Shmulevitz", nunca colocando a palavra "rabino" como título, apesar de toda a sua fama e a sua grandeza em conhecimentos de Torá.

Certa vez, o Rav Chaim Shmulevitz pediu para que uma pessoa de sua família o ajudasse a escrever uma carta para um amigo que estava em um asilo. Mas desta vez, por algum motivo, o Rav Chaim Shmulevitz pediu ao seu parente que escrevesse, no remetente, o título de "Rabino". O parente não entendeu o pedido. Ele sempre fugia de qualquer reconhecimento e honra, por que desta vez havia até mesmo insistido para que seu nome viesse acompanhado de um título? Sorrindo, o Rav Chaim Shmulevitz explicou:

- Não se preocupe, eu não deixei o orgulho subir à minha cabeça. Este senhor para quem eu estou mandando a carta é um brilhante "Talmid Chacham" (estudante de Torá). Mas atualmente ele está muito velhinho e vive sozinho em um asilo. É muito provável que não estão tratando-o com o devido respeito. Por isto, desta vez eu pedi para que você escrevesse um título junto ao meu nome, pois talvez se alguém perceber que é um rabino conhecido que está mandando cartas para ele, vão tratá-lo de maneira mais honrosa".

Para si mesmo, o Rav Chaim Shmulevitz nunca buscava nenhuma honra. Ele não deixava seus conhecimentos o transformarem em uma pessoa orgulhosa, que não consegue mais enxergar os outros. Esta é a verdadeira humildade.
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A Parashá desta semana, Chukat, descreve uma das Mitzvót mais enigmáticas da Torá: as cinzas da vaca vermelha. Esta Mitzvá guarda grandes segredos, pois nosso intelecto não consegue entender como as cinzas de uma vaca completamente vermelha, misturadas com as cinzas da casca do cedro e as cinzas do hissopo, podem purificar alguém que está espiritualmente impuro. Ensinam os nossos sábios que apenas Moshé chegou ao entendimento completo desta Mitzvá.

Mas explica Rashi, comentarista da Torá, que há certo entendimento intelectual para esta misteriosa Mitzvá. Ele compara esta Mitzvá ao filho de uma criada do rei que sujou o chão do palácio, e sua mãe foi chamada pelo rei para limpar a sujeira que seu filho fez. Assim também D'us ordenou a Mitzvá da vaca vermelha para limpar a sujeira deixada pela terrível transgressão do bezerro de ouro.

Porém, esta comparação feita por Rashi para explicar a Mitzvá da vaca vermelha é muito estranha. Entendemos que o bezerro é o filho da vaca, mas por que considerar que o bezerro de ouro é o filho da vaca vermelha? Qual a relação entre os dois assuntos? E qual sujeira do bezerro de ouro que a vaca vermelha veio purificar? E finalmente, por que apenas Moshé entendeu a Mitzvá da vaca vermelha, um grande mistério até mesmo para Shlomo Hamelech (Rei Salomão), o mais sábio de todos os homens?

Também há outra questão que surge ao observarmos um ensinamento do Talmud (Chulin 88b) sobre este assunto. O Talmud afirma que o mérito da Mitzvá das cinzas da vaca vermelha veio de Avraham Avinu, quando ele, em sua enorme humildade, declarou: "E eis que eu quis falar com D'us, mas eu sou apenas pó e cinzas" (Bereshit 18:27). Qual a relação entre a humildade de Avraham Avinu e a Mitzvá das cinzas da vaca vermelha?

A resposta está em outro ensinamento interessante do Talmud (Shabat 145b), que afirma que quando Adam e Chava pecaram no Gan Éden, a cobra injetou no mundo uma imundície espiritual. Quando o povo judeu recebeu a Torá no Monte Sinai, esta imundície foi completamente limpa, mas quando o povo judeu construiu o bezerro de ouro, logo depois, parte da imundície espiritual voltou. As cinzas da vaca vermelha vieram justamente para limpar esta imundície espiritual que voltou ao mundo após o bezerro de ouro. Mas de que imundície espiritual o Talmud está falando?

Precisamos entender qual foi a fonte do erro de Adam Harishon. Apesar de D'us ter explicitamente ordenado para que ele não comesse do fruto do conhecimento do bem e do mal, ele descumpriu a vontade de D'us. Ele deu ouvidos à cobra, que quis desviá-lo do caminho correto com argumentos intelectuais. Nossos sábios explicam que a imundície não veio ao mundo após o ato de comer o fruto proibido. A imundície que a cobra injetou no mundo foi convencer Adam a fazer cálculos intelectuais ao invés de escutar o que D'us havia ordenado explicitamente. Este erro foi completamente consertado pelo povo judeu no Monte Sinai, quando todos declararam "Naassê VeNishmá" (faremos e entenderemos), demonstrando que estavam dispostos a cumprir a vontade de D'us sem fazer cálculos, sem buscar desculpas intelectuais para se desviar da verdade. O Sfat Emet, comentarista da Torá, explica que quando eles estavam no Monte Sinai, entenderam a grandeza da Torá e o quanto estavam longe do seu entendimento, em uma imensa demonstração de humildade. Mas o povo judeu logo escorregou de novo. Ao errarem a conta da volta de Moshé Rabeinu, eles novamente começaram a fazer cálculos, indo contra a vontade de D'us. Quando a mente humana não conseguiu entender a vontade de D'us, eles tentaram "consertar" a situação da sua própria maneira, trazendo de volta a sujeira espiritual, a sujeira da arrogância, de acharmos que podemos entender intelectualmente tudo e criar as nossas próprias regras espirituais.

Qual é o ponto em comum entre o erro de Adam Harishon e o bezerro de ouro? A falta de humildade, a arrogância de se considerar no mesmo nível de D'us, de querer tomar as decisões do que é correto ou incorreto sozinhos, mesmo indo contra a vontade Dele e Sua sabedoria ilimitada. É por isto que Rashi explica que a vaca vermelha é a mãe que veio limpar a sujeira do bezerro de ouro. O erro do bezerro de ouro surgiu do desconforto do ser humano perceber que não pode entender tudo. Nós queremos entender, nós buscamos, de forma incessante, dominar o desconhecido. Então veio a Mitzvá das cinzas da vaca vermelha consertar nosso erro, nos trazendo de volta à humildade. O orgulhoso sente-se como um cedro, a maior das árvores, mas precisa entender que seu conhecimento não passa de um hissopo, uma planta muito baixa. Mesmo que temos conhecimento em várias áreas, se pararmos para refletir, perceberemos que, na realidade, nós não sabemos nem entendemos quase nada.

Por isso a Mitzvá da vaca vermelha, que vem nos ensinar humildade, foi mérito de Avraham, alguém que mudou a humanidade mas, ao mesmo tempo, se sentia pó e cinzas diante de D'us. Apesar de ser um gigante espiritual, Avraham não fazia cálculos, ele cumpria exatamente o que D'us ensinava para ele, mesmo quando a vontade de D'us ia contra a lógica humana. E por isso Moshé, o mais humilde de todos os homens, meritou entender a Mitzvá da vaca vermelha, algo que nem Shlomo HaMelech conseguiu. A Mitzvá da vaca vermelha está acima de qualquer entendimento lógico. Enquanto a pessoa não é completamente humilde, enquanto ela tenta entender as coisas com seu intelecto limitado, ela não consegue entender a Mitzvá da vaca vermelha. Moshé aceitou o fato de que a Mitzvá não podia ser entendida da maneira que a lógica humana está acostumada a pensar. Ele chegou a um nível de humildade tão grande, se sentia tão insignificante perante a grandeza de D'us, que meritou entender a Mitzvá.

Este é o segredo da vaca vermelha: o profundo entendimento de que não entendemos nada. A lição de humildade, que coloca o ser humano de volta ao seu lugar. Achamos que, por causa de nossas evoluções tecnológicas, podemos ditar as regras, podemos enfrentar D'us. Esta é a fonte da imundície espiritual que veio ao mundo com Adam Harishon e com o bezerro de ouro. E este deve ser o nosso trabalho de limpeza do mundo, começando com cada um de nós. O trabalho de sabermos o quanto somos limitados. O trabalho de aceitar a vontade de D'us, mesmo quando não conseguimos entender, por causa das nossas limitações intelectuais. Somente assim conseguiremos chegar ao nosso objetivo, da total consciência de que a única coisa correta, fazendo ou não sentido para o nosso intelecto limitado, é cumprir a vontade de D'us.

SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 19:1-22:1, Jz. 11:1-33, Jo. 3:10-21

sexta-feira, 7 de junho de 2013

FAZENDO A JOIA BRILHAR - PARASHÁ KORACH 5773

 

"Alexandre estava com um grupo de amigos fazendo turismo em Hong Kong. Certo dia eles foram conhecer uma famosa joalheria, conhecida pela diversidade de pedras preciosas. O grupo ficou maravilhado com a quantidade de pedras preciosas diferentes que estavam em exposição. Mas a que mais chamou a atenção de Alexandre não foram as pedras brilhantes e coloridas. Ao contrário, havia em um canto da loja uma pedra opaca, completamente desprovida de brilho, nem parecia uma pedra preciosa. Ao chegar perto, Alexandre viu que era uma pedra cara. Curioso em saber quem se interessaria por uma pedra daquelas, cara e completamente sem graça, ele questionou o joalheiro.

O joalheiro explicou que aquela era uma pedra cara por causa do seu brilho maravilhoso. Vendo a cara de espanto de Alexandre, o vendedor abriu um sorriso, retirou a pedra da vitrine, colocou-a no centro de sua mão e fechou. Alguns instantes depois, ele abriu a mão e, para a surpresa de Alexandre, a pedra brilhava com uma beleza incomum.

- Esta pedra – ensinou o joalheiro – é uma opala, mais conhecida como "joia sentimental". Ela parece opaca e apagada, mas tudo o que ela necessita é do contato com a mão humana para irradiar brilho e luz"

As crianças são joias como opalas. Podemos dar presentes caros, viagens extravagantes, os mais modernos jogos, mas isto tudo não é suficiente para deixar uma criança realmente feliz. O que preenche de verdade uma criança é o carinho e a proximidade dos pais, a "mão humana" que faz a luz delas brilhar.
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Na Parashá desta semana, Korach, a Torá descreve uma grande rebelião organizada contra Moshé e Aharon, na qual suas posições de destaque, respectivamente como líder do povo e Cohen Gadol (Sumo sacerdote), foram questionadas. A rebelião terminou de forma trágica, com centenas de pessoas mortas através de castigos aplicados diretamente por D'us. Em seguida a Torá lista os serviços pelos quais os Cohanim (sacerdotes) eram responsáveis e uma série de presentes que o povo judeu deveria dar a eles. Qual a conexão entre estes assuntos?

Os Cohanim eram os responsáveis pelos serviços espirituais do Mishkan (Templo Móvel), e por isso D'us deu a eles presentes, como uma recompensa por sua dedicação. Além disso, D'us queria afirmar publicamente que os Cohanim eram Sua "legião pessoal". Esta afirmação foi feita justamente depois da rebelião de Korach e seu grupo, na qual eles haviam questionado Aharon, o Cohen Gadol, pois D'us queria afirmar o quanto os Cohanim eram queridos e próximos Dele.

Entre os vários presentes listados na Parashá, há um que nos chama a atenção: "Aqueles que necessitam ser redimidos, a partir de 1 mês de idade você deve redimir, de acordo com o seu valor, cinco shekels de prata, do shekel sagrado, que são vinte guerá" (Bamidbar 18:16). Sobre o que está falando este versículo e onde está o presente aos Cohanim?

Explica o Sefer HaChinuch (Mitzvá 18) que existe uma Mitzvá de oferecer a D'us nossos primeiros frutos, para nos lembrarmos que tudo é Dele. Quando o ser humano se esforça para produzir algo, os primeiros frutos são muito queridos, e mesmo assim imediatamente oferecemos para D'us. Entre as coisas que oferecemos a D'us está o filho primogênito, que é o primeiro fruto do ventre. Por isso, o pai precisa resgatar seu filho, que simbolicamente pertence a D'us, através de um Cohen, dando para ele cinco moedas de prata, em uma cerimônia chamada "Pidion Haben" (resgate do filho). Estas cinco moedas de prata, que o pai da criança dava para resgatar seu filho, era um dos presentes que os Cohanim recebiam.

Há um detalhe muito interessante nesta cerimônia do "Pidion HaBen". Nossos sábios estabeleceram que durante o resgate o Cohen deve fazer ao pai da criança a seguinte pergunta: "Qual deles você prefere?". Em outras palavras, o Cohen está perguntando ao pai: "Você prefere seu filho ou as cinco moedas de prata?". Mas esta pergunta do Cohen desperta uma série de questionamentos. Em primeiro lugar, parece uma pergunta tola, sem o menor sentido. Que pai em sã consciência escolheria o dinheiro ao invés do próprio filho, e ainda mais o primogênito? Além disso, há aparentes problemas com a Halachá (lei judaica), pois se a Torá exige que o pai redima seu filho, então por que o Cohen propõe que o pai deixe de redimir seu filho e fique com o dinheiro? E finalmente, mesmo se o pai se recuse a redimir seu filho, o Cohen não tem nenhum direito de ficar com a criança, pois ela não é sua propriedade, o Cohen é apenas um intermediário nesta transação entre o pai e D'us. Portanto, por que nossos sábios estabeleceram esta estranha pergunta do Cohen no momento da realização desta interessante Mitzvá de "Pidion HaBen"?

Explica o Rav Yochanan Zweig que nossos sábios querem chamar nossa atenção para um triste fenômeno. Se uma pessoa oferecesse a qualquer pai a proposta de comprar seu filho por 10 milhões, alguém aceitaria? Certamente que não. Isto quer dizer que temos um verdadeiro tesouro em nossas casas. Uma pessoa que tem 4 filhos é um verdadeiro milionário, pois tem mais de 40 milhões dentro de casa. A grande pergunta é: sabemos realmente dar o verdadeiro valor para os nossos filhos e para a nossa família? Quantas vezes nós trocamos nossos filhos por um pouco mais de conforto em nossas vidas? Muitas vezes um pai trabalha duro para dar uma vida mais confortável aos seus filhos, mas deixa seu filho sem o mais importante, que é a presença do pai. Estamos sempre racionalizando nossos atos, nos enganando, tentando mostrar a nós mesmos que precisamos realmente trabalhar tanto, mesmo às custas de ficarmos muito tempo fora de casa, transferindo nossa obrigação de educar nossos filhos à escola e à babá.

Os pais dizem que trabalham tanto justamente para poderem dar um futuro decente aos seus filhos. Mas será que a presença dos pais em casa, apesar de optarem por uma vida mais simples, não seria muito mais benéfica a eles? A verdade é que a ideia de que estamos ajudando o futuro dos nossos filhos dando a eles uma vida material confortável é apenas uma racionalização, pois visto através da ótica correta, se assemelha muito ao ato de trocar o filho pelo dinheiro.

Por isto nossos sábios inseriram na cerimônia de "Pidion HaBen" esta pergunta tão chocante, na qual o Cohen oferece ao pai a opção de trocar seu filho pelo dinheiro. O propósito dos nossos sábios é nos despertar, para que sejamos mais exigentes ao avaliar nossas motivações. Quando o dinheiro deixa de ser uma necessidade de prover o bem estar da família e se torna uma busca por um conforto desnecessário, às custas do tempo com a família? Quanto o conforto que oferecemos aos nossos filhos é realmente mais importante do que a nossa presença e atenção?

Vivemos em uma geração que vê os pais cada vez mais comprometidos com o trabalho, uma geração na qual cada vez menos faltam para as famílias recursos materiais, mas cada vez mais falta atenção e carinho em casa. O resultado é o aumento da violência, da delinquência juvenil, dos casos cada vez mais frequentes de depressão atacando jovens em idades ainda muito tenras. Uma geração de crianças que tem tudo – dos jogos mais caros até os tablets mais tecnológicos – e ao mesmo tempo não tem nada. Uma geração que tem o brilho da opala, mas que falta a mão humana que faça esta joia brilhar. Esta é a lição da pergunta do Cohen, e ela deve ajudar a direcionar nossas escolhas na vida. O conforto é importante, uma boa fonte de sustento é essencial, mas não podem estar acima dos nossos próprios filhos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 16:1-18:32, 1 Sm. 11:14-12:22, Ro. 13:1-7