sábado, 31 de outubro de 2015

QUANTO VALE UM BOM PENSAMENTO? - PARASHAT VAIERÁ 5776

"Há muitos anos, um rabino certa vez entrou em uma pequena loja de Tel Aviv e viu que havia dois jovens, vestidos com roupas de alunos de Yeshivá, atendendo clientes. O homem descobriu que os dois rapazes eram filhos do dono da loja, e como estavam de férias, aproveitavam para ajudar o pai. Eram extremamente educados e responsáveis, e o comportamento deles chamou a atenção do rabino. O rabino perguntou ao pai dos rapazes:

- Desculpe a curiosidade, mas que bom ato você fez para ter o mérito de ter filhos assim tão maravilhosos?

O homem respondeu que não se lembrava de nada especial, porém o rabino insistiu, dizendo que era impossível que ele tivesse filhos tão especiais sem nenhum mérito. O homem ficou pensativo por alguns instantes e depois disse:

- Lembrei-me de algo, mas acho que foi um ato pequeno. Quando eu era jovem e vivia na Rússia, certa vez consegui juntar uma quantia um pouco maior de dinheiro para Tzedaká. Perguntei para o rabino da cidade o que fazer com aquela soma, e ele me falou que havia dois estudantes que estavam começando a se destacar no estudo da Torá, e que ele gostaria de mandá-los para a Yeshivá de Slobodka, na Lituânia, onde eles poderiam crescer muito mais. Aquele dinheiro seria muito importante para eles se manterem lá por algum tempo e poderem se dedicar integralmente aos estudos. Então eu dei para o rabino o dinheiro, e depois escutei que os rapazes realmente tiveram sucesso nos estudos.

- Que interessante - falou o rabino - Mas você se lembra do nome dos dois rapazes que você ajudou?

- Os nomes eram Yaacov e Aharon. Se não me engano, as famílias eram Kamenetzki e Kotler..."

Simplesmente aquele homem havia ajudado dois jovens estudantes de Torá a se transformarem em dois dos maiores líderes espirituais da geração passada, o Rav Yaacov Kamenetzki zt"l e o Rav Aharon Kotler zt"l. Pequenos bons atos e boas intenções podem trazer para nós mesmos, e para todo o povo judeu, muitos bons frutos (História Real). 

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Nesta semana a Parashat Vaierá continua descrevendo os 10 testes de Avraham, até chegar ao teste mais difícil, a "Akeidat Itzchak", no qual Avraham teve que controlar suas emoções ao nível de estar pronto a sacrificar seu próprio filho. No final, apesar de toda a preparação de Avraham, o sacrifício não ocorreu, como está escrito: "Avraham construiu um altar, arrumou as madeiras, amarrou seu filho Itzchak e colocou-o sobre o altar... E Avraham estendeu sua mão e pegou a faca para sacrificar seu filho. E um anjo de D'us chamou-o dos céus... Então ele disse: "Não estenda sua mão contra o rapaz, não faça nada a ele, pois agora eu sei que você tem temor a D'us" (Bereshit 22:9-12).

Porém, destes versículos surge uma pergunta: por que o anjo repetiu o comando a Avraham? Se ele já havia dito "não estenda sua mão contra o rapaz", por que acrescentou "não faça nada a ele"? Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que quando o anjo pediu a Avraham para que parasse, Avraham respondeu: "Então me deixe ao menos fazer um pequeno corte no meu filho Itzchak, para que minha vinda até aqui não tenha sido em vão". É por isso que o anjo acrescentou: "Não faça nada a ele", isto é, não faça nem um pequeno corte. Neste momento o anjo exclamou: "Agora eu sei que você tem temor a D'us", pois a reação de qualquer pessoa, ao receber o aviso de que não precisava mais sacrificar seu filho, seria pular de alegria. Mas Avraham estava mais preocupado com o comando de D'us do que com suas próprias emoções. Por isso o anjo declarou como era incrível o temor a D'us de Avraham.

Mas o que exatamente incomodou Avraham, que o levou a pedir ao anjo a permissão de fazer ao menos um pequeno corte em seu filho Itzchak? Responde o Rav Yechiel Tauber que todas as vezes que fazemos uma Mitzvá, recitamos uma Brachá imediatamente antes do seu cumprimento. Por exemplo, antes do acendimento das velas de Shabat recitamos "Lehadlik Ner Shel Shabat". Se Avraham estava sacrificando seu filho para cumprir um comando de D'us, e já estava com a faca na mão, então certamente já havia pronunciado a Brachá referente à oferenda de sacrifícios. E se o anjo interrompeu-o no meio, significa que Avraham pronunciou a Brachá mas não conseguiu finalizar o ato. Avraham tinha tanto temor a D'us que ficou desesperado com a possibilidade de ter feito a transgressão de pronunciar uma Brachá em vão. Por isso Avraham pediu para pelo menos fazer um pequeno corte em seu filho, para que a Brachá pudesse recair sobre algo e não fosse em vão. Mas se realmente havia o problema de uma Brachá em vão, então por que o anjo não salvou Avraham da transgressão, permitindo-o de fazer um pequeno corte em seu filho? A recompensa desta incrível Mitzvá de Avraham, de estar disposto a sacrificar seu próprio filho, foi uma transgressão?

Existe um conceito transmitido pelos nossos sábios de que todo aquele que morre "Al Kidush Hashem" (santificando o Nome de D'us) tem o mérito de ir diretamente para o Olam Habá (Mundo Vindouro). Algumas gerações do povo judeu foram confrontadas com a escolha de se converter para outra religião ou morrer, e muitos conseguiram vencer o teste. Isto também se aplica a um judeu que morre em um atentado terrorista, pois ele morreu pelo simples fato de ser judeu, e isto santifica o Nome de D'us.

Porém, sabemos que as Mitzvót precisam ser feitas com "Kavaná" (intenção). Alguém que cumpre uma Mitzvá "sem querer", sem saber que a está cumprindo, certamente não receberá recompensa por isso. Mas aparentemente este conceito não se aplica a todos os que morrem "Al Kidush Hashem". Por exemplo, nos casos em que terroristas suicidas entram em um ônibus lotado e matam muitos inocentes, todos os que faleceram estão incluídos entre os que santificaram o nome de D'us. Porém, quantos deles tinham realmente intenção de morrer em nome de D'us? Entendemos o mérito das pessoas que na Inquisição deram suas vidas por escolha, mas como isto se aplica àqueles que morreram em um atentado sem nenhuma intenção de dar suas vidas por D'us?

Explica o Rav Ezriel Tauber que a resposta está em um incrível conceito ensinado pelo Talmud (Kidushin 40a): "D'us junta uma boa intenção a um bom ato". Isto significa que, se uma pessoa tem boas intenções mas as circunstâncias não permitem que ela faça o que pretendia, então D'us pega esta boa intenção e conecta com outro ato para que ela possa receber o mérito. Na prática como isto funciona? Muitas vezes temos boas intenções, mas não conseguimos realizá-las por motivos alheios à nossa vontade. Por exemplo, uma pessoa vai visitar um doente no hospital, mas seu carro quebra no meio do caminho. Outras vezes fazemos bons atos, mas sem nenhuma intenção. Por exemplo, quando fazemos a nossa Tefilá (reza) pensando nos negócios ou planejando as férias. D'us, em Sua misericórdia infinita, pega aquela boa intenção que não estava associada a nenhum ato e conecta com algum ato que ficou sem a intenção apropriada, dando méritos para a pessoa.

Isto ocorre também a nível comunitário. O povo judeu inteiro está conectado entre si, como se fosse uma única entidade. Há uma conexão espiritual entre todos os judeus do mundo, fazendo com que os méritos dos bons atos de cada judeu também beneficiem outros judeus. Por exemplo, quando um judeu faz uma incrível doação de milhões de reais para a construção de uma sinagoga, mas exige que seu nome apareça com muito destaque, demonstra estar procurando apenas reconhecimento e honra pelo seu ato. Neste caso temos um incrível ato de doação, mas com uma intenção inadequada. Do outro lado do mundo, um judeu muito pobre está para comer seu prato de comida, que é tudo o que ele tem na vida, quando chega outra pessoa que não tem o que comer. Em um incrível ato de doação, o homem pobre divide seu prato com o outro pobre esfomeado. Neste caso foi feita uma doação pequena, de meio prato de comida, mas com uma intenção incrível, de alguém que doou metade de tudo o que tinha. Então D'us une os dois, o ato da doação da sinagoga com a intenção daquele que doou metade de tudo o que tinha, e o benefício de um grande ato com uma grande intenção vai para o povo judeu inteiro.

Com este incrível conceito espiritual podemos responder nosso questionamento. Quando Avraham foi sacrificar seu filho, ele tinha a intenção perfeita de cumprir a vontade de D'us, mesmo acima de suas próprias emoções. Cada pensamento, cada ato de preparação, cada palavra da Brachá que ele pronunciou antes de sacrificar seu filho não foram em vão. Eles ficaram guardados para sempre, para os seus descendentes. Avraham teve a intenção, mas no final faltou-lhe o ato. Então todo judeu que morre "Al Kidush Hashem", mesmo que não tenha nenhuma intenção, recebe aquela Brachá de Avraham, fazendo com que seu ato fique completo e sagrado. É como se o ato de Avraham, de sacrificar seu filho para D'us, tivesse realmente acontecido, mas com um lapso de tempo, durante toda a nossa história, se materializando em cada judeu que morre santificando o nome de D'us. Cada vez que um judeu dá a vida por D'us, é como se Itzchak estivesse sendo sacrificado por Avraham sobre o altar.

Aprendemos daqui o valor de cada bom ato, e mais do que isso, o valor de cada boa intenção. Podemos receber o benefício imediatamente, mas às vezes o mérito fica guardado para o futuro. Algumas vezes pode até mesmo beneficiar outras pessoas e não a nós mesmos. Um bom ato ou uma boa intenção nunca voltam vazios, sempre trazem consigo muita Brachá, para cada indivíduo ou para o povo judeu como um todo. A força dos bons atos e das boas intenções é tão grande que até hoje, quase 4 mil anos depois, ainda recebemos os benefícios dos atos de Avraham Avinu, que mesmo quando era submetido a difíceis testes, encontrava forças para cumprir a vontade de D'us. Da mesma maneira, se nos esforçarmos, nossos bons atos e intenções poderão iluminar o mundo inteiro.  

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn.18:1-22:24

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

FUGINDO DA BRIGA - PARASHAT LECH LECHÁ 5776

"Manter financeiramente uma Yeshivá envolve um esforço quase sobre-humano. São muitos gastos, como os salários dos funcionários e a manutenção diária. Um dos maiores gastos é com o aluguel de um local para a Yeshivá, que precisa ser grande o suficiente para abrigar todas as atividades necessárias para o seu bom funcionamento.

A Yeshivá de Novardok, na Rússia, como todas as Yeshivót, também passava por estas dificuldades financeiras, mas parecia que a sorte da Yeshivá estava mudando. Um judeu muito rico morreu na Alemanha e deixou em seu testamento um prédio inteiro para a Yeshivá de Novardok. O Rav Yosef Yoizel Horowitz zt"l (Lituânia, 1847 - Ucrânia, 1919), fundador da Yeshivá, rapidamente embarcou em um trem em direção à Alemanha para cuidar pessoalmente do caso.

Porém, durante a viagem, o Rav Yosef Yoizel recebeu uma mensagem de que outra Yeshivá também estava enviando uma delegação à Alemanha para competir pelo prédio. Imediatamente ele interrompeu sua viagem e voltou para a Yeshivá, abrindo mão daquela herança. Ele entendeu que a situação facilmente poderia se transformar em uma Machlóket (disputa), e por isso desistiu, mesmo sabendo que estava certo"

O Rav Yosef Yoizel sabia quanto valia a doação de um prédio, mas acima de tudo ele sabia quais eram as consequências destruidoras de uma Machlóket. Ao abrir mão da herança, ele demonstrou a sua grandeza espiritual. 
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A Parashat desta semana, Lech Lechá, começa a contar detalhes da vida do nosso primeiro patriarca, Avraham Avinu, focando em especial os 10 testes que ele passou com sucesso. Em um dos testes, Avraham teve que ir com sua esposa Sara e seu sobrinho Lót para o Egito, após uma grande fome na terra de Israel. No Egito eles enriqueceram e voltaram com muitos rebanhos.

Porém, algo aconteceu no caminho de volta. Os pastores de Avraham começaram a brigar com os pastores de Lót, pois os pastores de Lót não se importavam em deixar seus animais pastarem sem autorização dos donos dos campos, o que é considerado roubo, enquanto Avraham era muito rigoroso e nunca permitia que seus animais comessem em campos particulares. Os pastores de Avraham começaram a repreender os pastores de Lót, e a discussão começou a se inflamar. Neste momento Avraham tomou uma atitude drástica, sugerindo a Lót que se separassem imediatamente, como está escrito: "E disse Avram para Lót: 'Por favor, que não haja briga entre mim e você, e entre meus pastores e seus pastores, pois nós somos irmãos… Por favor, se separe de mim. Se você for para a esquerda eu irei para a direita, e se você for para a direita então eu irei para a esquerda" (Bereshit 13:8,9). Porém, sabemos que Lót nunca foi uma boa companhia para Avraham. Lót tinha uma péssima índole e traços de caráter muito negativos, o que ele demonstrou ao escolher viver em Sdom, um lugar de pessoas egoístas e cruéis. Então por que Avraham esperou até este momento para se separar dele?

A pergunta fica ainda mais forte ao observarmos o versículo que vem logo após a separação: "E D'us disse para Avram após Lót ter se separado dele" (Bereshit 13:14). As palavras "após Lót ter se separado dele" parecem ser desnecessárias. Segundo Rashi (França, 1040 - 1105), a Torá está nos ensinando que todo o tempo em que Lót estava com Avraham, D'us não se revelou para ele. Isto significa que Avraham não pôde experimentar seu alto nível de profecia, pois a influência negativa de Lót mantinha a Presença Divina afastada dele. O versículo veio ressaltar que apenas quando Lót se afastou de Avraham é que D'us apareceu novamente para ele. Por que Avraham não havia se afastado desde o início de Lót? E após ter aguentado a presença de Lót por tanto tempo, por que ele resolveu justamente neste momento se separar?

Responde o Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) que do comportamento de Avraham aprendemos duas lições extremamente preciosas. A primeira lição é que certamente Avraham entendeu que Lót "bloqueava" sua espiritualidade. Para resolver o problema bastaria ele se afastar de seu sobrinho. Apesar disso, Avraham continuou próximo de Lót, em um enorme esforço para influenciá-lo de maneira positiva. Daqui aprendemos que ajudar de verdade o próximo implica em estar disposto a até mesmo abrir mão dos nossos ganhos e da nossa própria comodidade.

Porém, há uma lição talvez até mais importante. Se Avraham estava tão preocupado com o bem estar de Lót, então por que acabou se separando dele? Pois havia algo que Avraham não podia tolerar: uma Machlóket (disputa). Quando ele viu a briga que se iniciou entre seus pastores e os pastores de Lót, percebeu que a tendência era a briga esquentar cada vez mais, tomando proporções cada vez maiores, e terminaria envolvendo também ele e Lót. Por isso Avraham sentiu a necessidade de imediatamente se separar de Lót. Apesar de saber o prejuízo que seria para Lót, Avraham entendeu que ainda assim era melhor do que permitir que uma Machlóket se iniciasse. Daqui podemos entender um pouco melhor o poder destrutivo de uma Machlóket, e até onde devem ir nossos esforços para evitá-la. A Machlóket é como um fogo, e depois de iniciada, é inevitável que traga brigas, amargura, ódio e Lashon Hará (malediscência).

Infelizmente nem sempre aprendemos esta importante lição de Avraham. Atualmente as Machlokót são uma verdadeira praga na nossa sociedade, afetando e dividindo até mesmo famílias e amigos. Quanta destruição é causada nas discussões por questões simples, que certamente não valem a pena quando comparadas com todo o sofrimento que causam. E o que mais dificulta o fim das Machlokót é que nenhuma das partes envolvidas está disposta a dar o primeiro passo em direção à paz. A honra não nos deixa buscarmos a reconciliação, pois temos medo de parecermos fracos. E esta nossa teimosia acaba nos causando muita dor e sofrimento.

O Rav Israel Meir HaCohen (Bielorússia, 1838 - Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, exemplifica o efeito destrutivo que a honra pode causar ao ser humano utilizando uma história que aconteceu em sua época. Uma Machlóket iniciou-se entre dois homens por motivos banais, mas alcançou proporções tão absurdas que chegou a ameaçar destruir a família de uma das partes envolvidas, a ponto de a família inteira ficar sob risco de ir para a prisão. Quando a esposa, desesperada, implorou para que seu marido desistisse daquela Machlóket tão destrutiva, ele respondeu: "Estou disposto que minha família inteira vá para a prisão, contanto que eu possa vencer esta discussão!".

É raro o risco de uma Machlóket chegar ao nível de alguém ser fisicamente preso, mas certamente todos aqueles que se envolvem em Machlokót com amigos e familiares acabam entrando em outro tipo de prisão: a prisão emocional. A pessoa se torna incapaz de se livrar do constante ódio e negativismo, e vive sob constante ansiedade pela possibilidade de encontrar com a pessoa com quem está discutindo. Com isso, até as festas familiares se transformam em verdadeiras torturas, cheias de tensão e desconforto. Certamente é muito melhor passar por cima da nossa honra e ativamente iniciar o processo de paz, mesmo quando achamos que o outro lado é que está errado, do que todas as consequências negativas de uma Machlóket.

Uma das fontes da Torá da gravidade das Machlokót e das trágicas consequências àqueles que não as evitam é a história de Korach. Em uma disputa com Moshé Rabeinu pelo poder, Korach acabou morrendo em desgraça e causando a morte de centena de pessoas, incluindo sua família. E assim a Torá diz sobre esta disputa: "Nunca mais haverá como Korach e como seus seguidores" (Bamidbar 17:5). A priori poderíamos pensar que a Torá se refere a nunca mais haver uma Machlóket tão violenta e trágica como esta, mas esclarece o Rav Meir Leibush zt"l (Rússia, 1809 - 1879), mais conhecido como Malbim, que na verdade a Torá está nos ensinando outra preciosa lição. A Machlóket de Korach e Moshé teve uma singularidade que nunca mais ocorrerá em nenhuma outra Machlóket da história: o fato de um dos lados estar 100% certo e o outro lado estar 100% errado. Korach e seus seguidores estavam completamente equivocados em seus argumentos e eram totalmente culpados pelo desenvolvimento da Machlóket. Moshé, ao contrário, agiu de maneira completamente correta e justificável. Isto significa que na prática, se formos realmente sinceros, perceberemos que em qualquer Machlóket que estejamos envolvidos também carregamos alguma parcela de culpa na escalada de ódio e desentendimento, pois a Torá afirmou que nunca mais haveria uma Machlóket onde um dos lados tem 100% da razão. Portanto, o simples fato de uma pessoa pensar que ela está 100% certa já demonstra que ela está errada.

Convivemos com pessoas o tempo inteiro, sendo inevitável que surjam conflitos. Quando isto acontece, a pessoa fica diante de duas opções: tentar justificar seu comportamento e, de maneira teimosa e obstinada, se recusar a admitir suas falhas; ou engolir seu orgulho e escolher ser a pessoa "grande" da situação, que dele partirá a tentativa de reconciliação. Muitas questões não são simples e somente podem ser resolvidas com um diálogo sensato e moderado, mas a partir do momento que a pessoa verdadeiramente se comprometeu em buscar a paz, certamente terá sucesso.

Todos os dias, quando terminamos a Amidá (Reza Silenciosa), damos três passos para trás justamente antes das palavras "Aquele que faz a Paz nas alturas, que Ele traga a paz sobre nós". Isto nos ensina que, se queremos a paz de verdade, devemos começar dando três passos para trás, isto é, sabendo ceder para acabar com a discussão. A pessoa que se recusa a dar alguns passos para trás para chegar a um consenso apenas prolongará a aumentará a amargura na sua vida. Já aquele que aprende a ceder estará se comportando como Avraham Avinu, que fazia tudo o que podia para alcançar a paz. Apenas quando aprendermos a dar os três passos para trás, poderemos chegar a dar os três passos para frente na vida. 

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn.12:1-17:27

sábado, 17 de outubro de 2015

O SUCESSO DEPENDE DE QUEM? - PARASHAT NOACH 5776

Avraham e Daniel viviam na cidade de Telz, na Lituânia. Eles eram muito amigos, vendiam o mesmo tipo de mercadoria e a situação financeira dos dois era muito parecida. Em certo momento da vida, após escutarem conselhos de pessoas mais experientes, eles decidiram que era hora de expandir os negócios e se mudar para uma cidade grande, vizinha de Telz. Lá eles poderiam desenvolver melhor seus negócios e aumentar seus lucros.

Para Avraham a mudança foi excelente. Sua mercadoria fez muito sucesso na cidade grande e em pouco tempo ele já havia aumentado seu negócio. Mas para Daniel as coisas não foram nada bem. Após algumas tentativas frustradas de se estabelecer na cidade grande, ele acabou desistindo e voltou para seu negócio em Telz. Daniel se entristeceu profundamente e sentiu muita inveja de Avraham, cujo negócio prosperava cada vez mais. Daniel não entendia por que D'us não o havia ajudado a prosperar na cidade grande.

Poucos meses depois estourou uma guerra e todos os moradores judeus daquela cidade grande foram expulsos. Entre eles estava Avraham, que foi obrigado a ir para a Rússia. Seu negócio colapsou, sua família passou por dificuldades e sofrimentos extremos e ele acabou perdendo sua esposa e seus filhos. No final, Avraham tornou-se um miserável.

Enquanto isso, em Telz, Daniel viu repentinamente sua sorte mudar. Sem nenhuma explicação lógica, seus negócios começaram a melhorar e ele lucrava cada vez mais. No final, sua tristeza se transformou em uma enorme alegria. O que parecia ser a sua desgraça acabou se tornando a sua salvação. (História Real)

Esta é apenas uma entre centenas de histórias nas quais é possível ver que o sucesso na vida não depende dos nossos esforços e investimentos, e sim da Mão de D'us. Como dizemos na nossa Tefilá (reza): "Muitos são os pensamentos no coração do homem, mas é a vontade de D'us que sempre se cumpre". 

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Nesta semana lemos a Parashat Noach, que começa descrevendo o "Mabul", o terrível dilúvio com o qual D'us destruiu a humanidade, uma consequência direta das pessoas terem se desviado completamente dos caminhos corretos. E no final da Parashat a Torá descreve outro importante acontecimento: a construção da Torre de Babel, como está escrito: "E eles disseram: "Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até o céu, e faremos para nós um nome, para que não sejamos espalhados pela face da terra" (Bereshit 11:4).

Mas a construção da Torre de Babel desperta muitos questionamentos. Em primeiro lugar, o que significa que as pessoas construíram a cidade e a torre para não serem espalhadas pela terra? Além disso, a Torá descreve o que ocorreu após o início da construção: "E D'us desceu para ver a cidade e a torre... E disse D'us: 'Eles são um só povo, e todos eles têm uma só língua, e isto é o que eles começaram a fazer! E agora, eles não serão impedidos de fazer tudo o que tramaram? Venham, vamos descer e confundir sua língua, para que um não entenda a língua do seu companheiro' " (Bereshit 11:5-7). Destes versículos fica claro que algo incomodou D'us naquela construção, mas qual foi o erro que eles cometeram, já que os versículos não mencionam nenhuma transgressão? Também não se entende que tipo de castigo foi aplicado, pois a mistura das línguas pode ser entendida como uma punição? E finalmente, por que a Torá diz que D'us desceu para ver o que eles estavam fazendo?

Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, explica o motivo que levou as pessoas a construírem aquela torre gigantesca. Elas estavam insatisfeitas com o fato de D'us ter sozinho o controle dos Mundos Superiores, então elas quiseram construir uma torre para subir ao céu e lutar contra Ele. O Midrash (parte da Torá Oral) acrescenta que eles queriam subir com machados para lutar contra D'us. Além disso, Rashi traz também outro motivo. O dilúvio havia ocorrido 1.656 anos após a Criação do mundo, e aquela geração chegou à conclusão que havia um fenômeno natural de colapso do Céu que resultava em dilúvios cíclicos. Por isso eles quiseram construir uma torre, para que servisse como um suporte e impedisse um novo dilúvio quando se completasse o novo ciclo de 1.656 anos.

Porém, estas explicações trazidas por Rashi também apresentam algumas dificuldades. Como pode ser que a humanidade, poucas gerações depois de D'us ter destruído o mundo inteiro com o dilúvio, demonstrando Sua força e Seu controle sobre toda a natureza, achou que era possível desafiá-Lo, e ainda mais com machados? E se esta era a intenção deles, por que D'us mudou a natureza do mundo e confundiu a língua deles, ao invés de simplesmente esmagá-los, demonstrando a nulidade da força do ser humano perante a grandeza de D'us? E finalmente, se o erro foi algo tão grave, uma verdadeira rebelião contra D'us, por que isto não está escrito explicitamente na Torá?

Explica o Rav Yosef Leib Bloch zt"l (Lituânia 1860 - 1930) que a resposta de todos estes questionamentos está no entendimento do incrível poder criado através da união. As pessoas começaram a perceber que a população mundial estava crescendo muito, e que logo precisariam se separar e se espalhar pela terra. Mas eles entendiam a força da união, sabiam que poderia levá-los à grandeza, então por isso começaram a pensar em uma estratégia para manter esta união. Através da união eles achavam que conseguiriam superar qualquer dificuldade, como guerras, doença e outras tragédias. E eles realmente estavam certos no seu entendimento.

Nos últimos séculos presenciamos uma quantidade imensa de invenções revolucionárias, e mesmo assim sabemos que isto é apenas uma pequena gota d'água no mar diante dos segredos da natureza que ainda não foram revelados. Quem sabe quantas forças incríveis e ocultas na natureza poderiam ter sido reveladas caso houvesse união no mundo, caso as pessoas trabalhassem juntas, associando suas forças para criar, revelar e inventar? Achamos que estamos evoluindo, mas é sabido que no passado havia muito mais conhecimentos do que temos hoje, em várias áreas, inclusive na medicina e engenharia. Por exemplo, o Rei Chizkiahu ocultou um livro chamado "O Livro das Curas", que trazia conhecimentos de cura para qualquer doença. Outro exemplo é que até hoje ninguém entende como as pirâmides do Egito, com pedras gigantescas, foram construídas sem a ajuda de equipamentos pesados. Também nas sabedorias ocultas, como feitiçaria e controle do mundo espiritual, havia muito mais conhecimento do que temos hoje. Com medo de perder esta força, aquela geração decidiu se unir, e a torre serviria como um centro e um símbolo da união mundial.

Mas então qual foi o erro daquela geração, se tudo o que eles queriam era manter a união como um meio para evitar que tragédias e sofrimentos recaíssem sobre o mundo? D'us percebeu que no coração deles havia algo a mais do que isso. O que eles queriam no fundo era viver com suas próprias forças, desconectados de D'us. Talvez nem mesmo eles haviam percebido que em sua busca havia uma vontade de se libertar da Supervisão Divina. É por isso que a Torá escreveu apenas a parte revelada do erro, que era a vontade de se unir e simbolizar isto através da construção de uma cidade e uma torre, mas a rebeldia contra D'us não aparece de forma explícita, pois era apenas uma vontade oculta no coração deles.

É isto que quer dizer a expressão "D'us desceu", isto é, Ele desceu no fundo da intenção das pessoas e percebeu que a construção da cidade e da torre eram uma tentativa de negar a existência de D'us e de tirar de si o jugo da Supervisão Divina. Com a força de união de toda a humanidade realmente eles poderiam ter alcançado muito. Foi por isso que D'us precisou cancelar os planos daquela geração, misturando as línguas e quebrando sua união. E este foi um gigantesco castigo, causar desunião para uma geração que sabia dar tanto valor para a união.

Com estes conceitos entendemos um pouco melhor os ensinamentos dos nossos sábios. Quando o Midrash diz que eles queriam lutar contra D'us com machados, não se refere a uma luta física, e sim a uma demonstração de que eles queriam sair da Supervisão Divina e utilizar as incríveis forças da natureza de acordo com a sua própria vontade. Mesmo as tragédias e desgraças que ocorrem no mundo, como o dilúvio, são totalmente controladas por D'us e utilizadas apenas para benefício da humanidade, para que o ser humano chegue em seu propósito. Mas a geração da Torre de Babel quis assumir o comando e mudar as regras do jogo. Quando eles tentaram construir um apoio para evitar o dilúvio, demonstraram que queriam interferir na vontade de D'us, imaginando que mesmo o que foi decretado por Ele poderia ser evitado através do uso das forças da natureza. Em outras palavras, a geração da Torre de Babel tentou passar por cima de D'us e ignorar completamente que o mundo é regido por leis espirituais, não por leis físicas.

Este ensinamento da Parashat continua sendo muito atual. Há pessoas que acham que através de seus esforços físicos conseguirão mudar decretos espirituais. Quando passamos por dificuldades, nos esforçamos de todas as maneiras no mundo material para tentar mudar a nossa situação, mas nos esquecemos que a fonte de tudo é espiritual. Temos a obrigação de fazer o nosso esforço, mas sem exageros, e com a consciência de que nossos esforços servem apenas para despertar a Misericórdia Divina, pois tudo depende Dele. Portanto, qualquer exagero no nosso esforço demonstra uma falta de Emuná (fé). D'us quer que façamos o nosso esforço, a nossa parte, mas nunca esquecendo que o sucesso depende apenas Dele. Pois quando Ele decide algo, não há esforço físico que possa mudar os Seus decretos.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

PRIORIDADES CORRETAS NA VIDA E NA MORTE - PARASHAT BERESHIT 5776

"Um homem muito sábio chegou aos arredores de certa aldeia e, como o sol já estava quase se pondo, deitou-se para dormir sob uma árvore. De repente, chegou correndo um habitante daquela aldeia e disse, quase sem fôlego:

- A pedra! Eu quero aquela pedra!

- Mas de que pedra você está falando? - perguntou-lhe o sábio, um pouco assustado.

- Ontem à noite eu tive um sonho, e vi que nos arredores da minha aldeia, exatamente no pôr do sol, estava um homem deitado sob uma grande árvore, e ele me dava uma pedra preciosa muito grande, que me faria rico para o resto da vida. E agora eu me lembro que o homem do meu sonho tinha exatamente o seu rosto. Me dê a pedra já!

O sábio abriu o pacote que trazia e tirou de dentro dela uma pedra. Estendeu ao homem e disse:

- É esta a pedra a qual você se refere? Encontrei-a numa trilha da floresta, alguns dias atrás. Parece ser realmente muito valiosa. Mas não vou brigar por ela, você pode levá-la.

O homem da aldeia olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante, o maior que já tinha visto na vida. Pegou o diamante e foi embora. Porém, de noite, ele virava de um lado para o outro na cama, sem conseguir dormir. Quando o dia clareou, foi novamente ver o sábio. Despertou-o e pediu:

- Por favor, eu não quero o diamante. Eu quero que você me dê desta riqueza verdadeira, que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante tão valioso assim com tanta facilidade..."

Quem tem claridade sobre a vida, e sobre o que vem depois da vida, sabe o que deve priorizar: não os bens materiais, e sim as aquisições espirituais. 
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Nesta semana recomeçamos a leitura da Torá com o primeiro livro, Bereshit, que descreve a criação do mundo e as primeiras gerações da humanidade. A Parashat desta semana, Bereshit, descreve a criação do primeiro ser humano, Adam Harishon, que logo após sua criação recebeu de D'us uma advertência: "Mas da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal não coma dela, pois no dia em que você comer dela, certamente morrerá" (Bereshit 2:17). Explica o Ramban zt"l (Nachmânides) (Espanha, 1194 - Israel, 1270) que a morte mencionada no versículo não se refere à morte imediata de Adam, e sim à perda de seu status imortal. Não apenas ele virou um ser mortal após comer do fruto proibido, mas também todos os seus descendentes se tornaram mortais.

Porém, aparentemente o castigo recebido por Adam Harishon parece ser desproporcional ao seu erro. Quando pensamos na nossa morte ou na morte de um ente querido, normalmente ficamos tristes e depressivos. Frequentemente bloqueamos este tipo de pensamento por causa dos sentimentos negativos que ele nos causa. D'us ter infligido um castigo tão duro transmite o conceito de um Criador vingativo e punitivo, bem diferente do conceito judaico de um D'us misericordioso que criou o mundo por amor e bondade. Então como entender o castigo de Adam? Será que há alguma maneira de ver a morte de uma maneira mais positiva?

Além disso, os povos do mundo demonstram um grande respeito aos mortos no momento do sepultamento. Pessoas com mais possibilidades financeiras costumam comprar caixões chiques, de madeira nobre e alta durabilidade. Isto traz um pouco de consolo para os parentes e amigos enlutados, pois é uma tentativa de retardar a decomposição do corpo do falecido. Porém, é estranho observar que a Halachá (Lei Judaica) nos ordena fazer justamente o contrário, isto é, enterrar nossos mortos em caixões que se decomponham com facilidade. E é ainda mais difícil entender o costume praticado em Israel de não utilizar caixões, sendo o corpo colocado diretamente na terra, envolto apenas por uma mortalha. Isto não é uma desonra para o corpo? Será que a Halachá não é insensível com o sentimento dos enlutados?

Outro grande questionamento surge quando observamos as palavras de um Midrash (parte da Torá Oral), que afirma que D'us já havia criado o potencial de morte antes mesmo do erro de Adam Harishon. Quando D'us terminou a criação do mundo está escrito: "E viu D'us tudo o que Ele fez, e eis que era muito bom" (Bereshit 1:31). O Midrash explica que "bom" se refere ao potencial de vida, e "muito bom" se refere ao potencial de morte. Como pode ser que a Torá se refere à vida como sendo algo "bom", mas à morte como sendo algo "muito bom"?
Finalmente, quando a Parashá descreve a criação de Adam Harishon, está escrito: "D'us formou o homem do pó da terra" (Bereshit 2:7). Rashi (França, 1040 - 1105) explica que D'us reuniu o pó dos quatro cantos do mundo para garantir que, em qualquer lugar que o ser humano for enterrado, a terra de lá absorverá seus restos mortais. Mas o que significa esta explicação de Rashi? Aparentemente ele quis dizer que se o ser humano não tivesse sido criado a partir do pó dos quatro cantos do mundo, seu corpo poderia ser "rejeitado" pela terra após a sua morte. Mas sabemos que todas as criaturas vivas se decompõem no solo após a morte, por causa da interação do solo com a matéria orgânica, independente de terem sido criadas a partir do pó dos quatro cantos do mundo ou não. Então por que Rashi aparentemente associa o fato do ser humano ter sido criado com o pó dos quatro cantos do mundo com a sua decomposição depois da morte?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em um incrível ensinamento do Talmud (Sanhedrin 90b), que descreve uma conversa entre o Rabi Meir e Cleópatra, a rainha do Egito. Ela questionou o Rabi Meir se, quando chegar o momento da ressurreição dos mortos, o ser humano emergirá da terra nu ou vestido. O Rabi Meir respondeu que se até mesmo uma simples semente de trigo plantada "nua" na terra brota revestida por várias camadas de casca, assim também o ser humano certamente emergirá da terra bem vestido.

O que parece uma simples analogia do Rabi Meir na verdade nos ensina a visão judaica sobre o enterro de um falecido. O propósito do sepultamento não é descartar de forma desonrosa o corpo, ao contrário, o enterro é o início de um processo de recriação. Da mesma maneira que a semente floresce depois de ter sido enterrada, o sepultamento de um corpo reconecta o ser humano à sua fonte, permitindo que ele possa ser recriado e possa emergir da terra de uma forma aperfeiçoada, cada um de acordo com os atos praticados enquanto ele ainda estava vivo.

É sabido que nem toda semente pode ser plantada em qualquer solo, pois há solos mais e menos propícios para o desenvolvimento de uma planta. Foi por isso que D'us criou o ser humano com o pó dos quatro cantos do mundo, para garantir que o "plantio" deste corpo depois do seu enterro não seria inibido pelo solo do lugar de sepultamento. O enterro não é somente um processo de decomposição e desintegração do corpo. É um processo que permite que o corpo aperfeiçoado possa renascer e "brotar", pronto para receber de volta sua alma no momento da ressurreição. A palavra em hebraico para túmulo é "Kever", a mesma palavra utilizada pelo Talmud para se referir ao útero. Da mesma maneira que o útero é o local de desenvolvimento da vida, de preparação do feto para o momento de nascer, assim também o túmulo é o local de preparação e desenvolvimento do nosso corpo para a vida eterna.

Adam Harishon foi criado com seu corpo e alma perfeitos, permitindo a ele experimentar um inigualável nível de relacionamento com D'us. Mas sua transgressão o distanciou do Criador e introduziu imperfeição em seu corpo e em sua alma. Portanto, a morte não foi um ato punitivo de um D'us vingativo, ao contrário, foi um processo através do qual Adam Harishon e seus descendentes poderiam mais uma vez se reconectar ao seu Criador e remover todas as imperfeições que impediam um relacionamento completo com Ele. Permitir ao ser humano se reconectar, mesmo após o erro de Adam Harishon, foi uma bondade sem limites. Por isso D'us viu que o processo de morte era algo "muito bom", pois permite que nossa alma e nosso corpo se reconectem a Ele.

Como muitos veem a morte como o último estágio da vida, eles se esforçam na preservação do corpo, tentando deste modo manter os últimos vestígios da existência de seu ente querido. A Halachá nos ensina justamente o contrário, pois o sepultamento é o processo através do qual nós recriamos nosso corpo, livrando-o de suas impurezas. Preservar o corpo em seu estado atual nos privaria de um dos maiores atos de bondade de D'us. Longe de ser um desrespeito com o corpo e uma falta de sensibilidade com os familiares, a Halachá traz uma forte mensagem de consolo e esperança, através da certeza de que aquele momento doloroso não é o final de nada, é apenas o começo da preparação para a nossa vida verdadeira.

Entender a morte não nos traz apenas consolo. Entender a morte nos ajuda a aproveitar melhor a vida, nos ajuda a definir o que é o principal e o que é secundário, nos ajuda a planejar melhor onde devemos colocar nossos esforços e onde devemos saber abrir mão. Pessoas brigam ou se tornam desonestas por causa de dinheiro e bens materiais, coisas que não serão levadas conosco quando nossa existência neste mundo terminar. Somente os nossos bons atos, as nossas Mitzvót e o refinamento do nosso caráter nos acompanharão para sempre e ajudarão a reconstruir o nosso corpo, aperfeiçoado, para a nossa vida verdadeira, a vida eterna.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
GÊNESIS 1:1-6:8, Is.42:5-43:l0