sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

VIVENDO COM RESPONSABILIDADE - PARASHÁ BESHALACH 5775


"Numa granja, havia uma galinha que se destacava das outras por sua coragem, espírito de aventura e ousadia. Ela não tinha limites, pois sentia a responsabilidade de ser um exemplo para as outras galinhas. Suas atitudes contagiavam e motivavam. O dono da granja, porém, não apreciava estas qualidades e estava aborrecido com ela.

Um dia, o dono da granja fincou um bambu no meio do campo, amarrou nele uma extremidade de um barbante e a outra extremidade ele amarrou no pé daquela galinha.  Desse modo, de repente, o mundo tão amplo da galinha foi reduzido a exatamente até onde o barbante lhe permitia chegar.  A galinha tentou se libertar algumas vezes, mas depois desistiu. E assim começou a passar seus dias ali, ciscando, comendo e dormindo, dia após dia, até que se acomodou. De tanto andar nesse círculo, a grama que era verde foi desaparecendo e ficou somente terra.  Era interessante ver delineado um círculo perfeito em volta dela.  Do lado de fora, onde a galinha não podia chegar, a grama verde. Do lado de dentro, só terra.

Depois de um tempo, o dono da granja teve dó da galinha, pois ela era tão agitada e corajosa, mas havia se tornado uma ave pacata. Então ele cortou o barbante que a prendia pelo pé e a soltou. Agora a galinha estava livre, o horizonte novamente seria seu limite, ela poderia ir para onde quisesse. Mas a galinha, mesmo solta, não ultrapassava o limite que ela própria havia criado em sua cabeça.  Só ciscava e andava dentro do círculo, no seu limite imaginário. Olhava para o lado de fora, mas não tinha coragem suficiente para se "aventurar" a ir até lá.  Preferiu ficar do lado conhecido, em sua zona de conforto. Esqueceu-se de sua responsabilidade de ser um exemplo e, com o passar do tempo, envelheceu e ali morreu".

Quando nos acomodamos e aceitamos passivamente que as dificuldades da vida nos derrubem, terminamos sem forças para lutar. Temos que viver com garra, com a vontade de vencer os desafios, com a responsabilidade de nos tornarmos um exemplo para o mundo. Isto nos dará a energia que precisamos para alcançar o sucesso. 
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Na Parashá desta semana, Beshalach, o povo judeu havia sido libertado pelo Faraó, após ele ter sentido na pele a tremenda força de D'us, demonstrada através das 10 pragas que destruíram o Egito. Mas a felicidade do povo judeu durou pouco, pois mais uma vez D'us endureceu o coração do Faraó, fazendo-o decidir perseguir os judeus para novamente escravizá-los. Tudo isto ocorreu para que D'us pudesse terminar o processo de libertação do povo judeu. No Mar Vermelho, quando D'us abriu o mar para o povo judeu e fechou-o sobre os egípcios, matando-os e deixando seus corpos à mostra na praia, os judeus puderam ter a certeza de que a escravidão egípcia havia terminado, física e psicologicamente, para sempre.

A abertura do Mar Vermelho é um dos eventos mais importantes da história do povo judeu, no qual D'us quebrou as leis da natureza para nos salvar, demonstrando o amor infinito que Ele sente por nós. Quando lemos os versículos que descrevem a travessia do mar, parece ter sido um evento tranquilo, sem muitas dificuldades. Mas os nossos sábios ensinam que houve um grande desafio, só superado pela coragem de uma das Tribos de Israel.

De acordo com a Tossefta (Parte do Talmud - Tratado de Brachót, 4:16), quando os judeus chegaram ao Mar Vermelho, divididos em 12 Tribos, se depararam com um mar revolto e perigoso. Começou então uma imensa discussão para saber quem seria a primeira Tribo a entrar no mar, cada Tribo tentando tirar de si a responsabilidade e tentando empurrá-la para as outras Tribos. Finalmente os membros da Tribo de Yehudá decidiram pular na água e enfrentar o desafio, santificando o Nome de D'us. De acordo com a Tossefta, isto foi tão valoroso que é considerado uma das atitudes que deu à Tribo de Yehudá o mérito de se tornar a Tribo dos reis de Israel. Pelo fato da Tribo de Yehudá ter agido de forma tão proativa e corajosa, estando disposta a encarar o enorme desafio enquanto as outras tribos preferiram ficar procurando desculpas para se esquivar de sua responsabilidade, ela foi recompensada com o mérito eterno de liderar o povo judeu.

A palavra "responsabilidade" muitas vezes nos causa um sentimento negativo, pois normalmente é difícil e desconfortável assumir responsabilidades. Dá trabalho, traz novas preocupações e desafios. Preferimos continuar tranquilos em nossa "zona de conforto", e por isso tentamos evitar assumir posições de responsabilidade durante a vida. Porém, esta busca de conforto não é compatível com a visão judaica da vida. Ao contrário de ser algo negativo, assumir responsabilidades é algo que nos energiza e nos dá forças. De acordo com o Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979), a Tribo de Yehudá decidiu entrar no mar pois se sentiu pessoalmente responsável pelo resto do povo judeu e entendeu que deveria cumprir a obrigação que recaía sobre ela. Neste momento, justamente por este sentimento de responsabilidade em relação ao resto do povo, ela se tornou a maior de todas as Tribos de Israel. Imediatamente as pessoas da Tribo de Yehudá receberam uma força e um poder adicional, que permitiu a elas ter a coragem de entrar no mar e fazer com que o grande milagre da abertura das águas acontecesse, possibilitando ao povo judeu inteiro atravessar com segurança o mar completamente seco. Por tomar sobre si a responsabilidade, a Tribo de Yehudá meritou receber um dos mais importantes papéis dentro do povo judeu e se tornar, para sempre, a Tribo dos reis de Israel.

O Rav Chaim Shmulevitz zt"l traz uma prova do quanto uma pessoa que assume responsabilidades na vida é vista com bons olhos por D'us. O Talmud Yerushalmi (Bikurim 3:3) afirma que três tipos de pessoas são dignas de receber expiação por todos os seus pecados: um sábio, um "chatan" (pessoa recém-casada) e alguém que subiu em grandeza. O Talmud traz uma passagem da Torá para comprovar que o "chatan" é perdoado por seu pecados: "E foi Essav a Ishmael, e tomou para si (como esposa) Machlat, filha de Ishmael" (Bereshit 28:9). O Talmud questiona esta passagem, pois o nome da filha de Ishmael era Bassmat, não Machlat. Então por que a Torá não escreveu o nome verdadeiro dela? Pois a palavra "Machlat" tem a mesma raiz de "Mochel", que significa "perdoar". Isto nos ensina que, no dia do casamento de Essav com Bassmat, ele foi perdoado por todos os pecados que havia cometido na vida.

Mas como entender este ensinamento do Talmud? Essav era um completo Rashá (malvado), que praticava as piores transgressões possíveis e imagináveis, e em nenhum momento a Torá diz que ele se arrependeu dos seus maus atos. Sabemos que mesmo no dia de Yom Kipur, o Dia do Perdão, nossos erros não são perdoados a não ser que estejamos sinceramente arrependidos de todos eles. Então como pode ser que, mesmo sem esforço e sem nenhum tipo de arrependimento, as transgressões de Essav foram perdoadas?

Responde o Rav Chaim Shmulevitz zt"l que o que há de único e especial em um homem recém-casado é que ele aceitou sobre si a responsabilidade de cuidar de sua esposa, e não há nada maior do que alguém que recebe sobre si o jugo da responsabilidade. Por isso um "chatan" recebe uma "Siata Dishmaia" (Auxílio dos Céus) especial, para ajudá-lo a ter sucesso em cumprir sua nova obrigação na vida, e ele é perdoado por todos os seus pecados para que possa deixar para trás seu passado e consiga fazer jus à sua nova responsabilidade assumida. Receber sobre si um novo nível de responsabilidade é um feito tão grande que a pessoa merita ser vista por D'us como alguém que recomeça a vida com uma folha nova, em branco, na qual ela literalmente recomeça a escrever sua história em um novo nível de existência. Foi por isso que Essav, mesmo sem nenhum arrependimento, foi perdoado por seus pecados no momento em que se casou.

A medida de quanto uma pessoa está disposta a receber sobre si responsabilidades é um dos fatores determinantes da grandeza que ela atingirá na vida. D'us nos deu o livre arbítrio para que possamos utilizá-lo de forma a nos responsabilizarmos por cumprir nossas obrigações. O livre arbítrio é, em essência, a habilidade de fazer escolhas, de decidir mudar, de querer crescer e atingir nosso potencial verdadeiro. Se uma pessoa faz esta escolha, então ela se torna uma nova criatura, cujo passado foi deixado para trás. É uma oportunidade de recomeçar e de ganhar novas forças para atingir o sucesso.

É verdade que às vezes a responsabilidade pode ser vista como um peso, algo que nos restringe e nos força a fazer coisas que não queremos nem gostamos de fazer. Mas o ato da Tribo de Yehudá nos ensina o contrário. Foi justamente a característica de tomar sobre si a responsabilidade, de se preocupar com o resto do povo, que permitiu que eles atingissem a grandeza. Quando a tribo de Yehudá se deparou com o mar revolto diante deles, eles fizeram a decisão de tomar sobre si a responsabilidade, ao invés de procurar jogá-la sobre os outros. Quando eles receberam sobre si cumprir a obrigação que recaía sobre eles, a Tribo de Yehudá se elevou a um nível muito mais alto.

O mesmo vale para cada um de nós. Se tivermos a coragem de ousar e nos levantarmos para assumir nossas reais responsabilidades na vida, pensando em tudo o que podemos fazer pelas nossas famílias e pelo mundo, certamente atingiremos uma grandeza que nunca poderíamos nem mesmo sonhar. Que possamos aproveitar as oportunidades que surgem na vida para que, ao receber as responsabilidades que recaem sobre nós, possamos atingir o nosso verdadeiro potencial.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 13:17-17:16, Jz. 4:4-5:31

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

ACERTO DE CONTAS - PARASHÁ BÔ 5775

 "Adam e Josef eram dois irmãos judeus que viviam na Rússia. Adam era um bom rapaz, mas Josef era encrenqueiro e gostava de colocar medo nas pessoas. Ele se alegrava de saber que podia fazer o que quisesse e nada aconteceria com ele, pois ninguém tinha coragem de castigá-lo para ensinar-lhe bons modos. As pessoas da comunidade dele se perguntavam se algum dia seus maus atos seriam castigados.
 Certa vez Adam e Josef resolveram partir em uma viagem sem destino certo. Em uma noite gelada eles entraram em um bar e, para fugir do frio, sentaram-se em uma mesa no canto do salão e pediram duas doses de vodca. Pouco tempo depois alguns camponeses russos, muito antissemitas, entraram na hospedaria. Eles começaram a beber muito e, quando já estavam completamente bêbados, levantaram-se para dançar em roda pelo salão. Foi quando um dos malvados russos viu os dois judeus sentados no canto e resolveu se divertir com eles. Cada vez que ele dava uma volta completa no salão, fazia questão de passar ao lado do pobre Josef, que estava sentado mais perto da roda de camponeses, e lhe dava um soco na cabeça.

Quando Adam viu que seu irmão apanhava muito e com ele não acontecia nada, decidiu trocar de lugar para receber as pancadas no lugar do irmão. Porém, exatamente no momento em que eles trocaram de lugar, o agressor russo pensou: "Acho que este judeu já apanhou o suficiente. A partir de agora vou começar a bater no irmão dele, que está sentado do outro lado..."

Cada sofrimento que recebemos é "sob medida". Não existem sofrimentos a mais nem a menos, pois não há erros nos cálculos Celestiais. No momento certo, cada mau ato será devidamente cobrado. 
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Na Parashá da semana passada, Vaerá, após as constantes recusas do Faraó em libertar o povo judeu, D'us mandou sobre os egípcios as primeiras sete pragas. E na Parashá desta semana, Bô, a Torá descreve as últimas três pragas: Gafanhotos, Escuridão e Morte dos primogênitos. Mas por que a Torá dividiu as pragas em duas Parashiót? E por que a divisão foi feita justamente desta maneira?

Além disso, antes da aplicação das três últimas pragas, D'us fez uma pequena introdução, na qual Ele transmitiu duas mensagens. Ele comandou Moshé a apresentar-se diante do Faraó para comunicar que ainda viriam mais pragas, como está escrito: "E disse D'us para Moshé: 'Venha ao Faraó, pois eu endureci seu coração e o coração de seus servos' " (Shemot 10:1), e comandou os judeus a contarem aos seus filhos os milagres que D'us fez no Egito, como está escrito: "Para que vocês contem nos ouvidos dos seus filhos e aos filhos dos seus filhos o que Eu fiz no Egito" (Shemot 10:2). Porém, estas duas mensagens se aplicariam também às sete pragas anteriores. Então por que somente agora D'us transmitiu estas duas mensagens a Moshé e ao povo judeu?

Também há algo que nos chama a atenção na última praga, a Morte dos primogênitos, na qual D'us matou todos os filhos primogênitos dos egípcios e poupou os filhos primogênitos dos judeus. Diferente das outras pragas, antes desta praga os judeus não ficaram assistindo passivamente, eles tiveram que participar. Cada judeu foi comandado a sacrificar um cabrito, que era uma das divindades no Egito, diante dos olhos dos egípcios, e pintar os batentes e umbrais das portas de suas casas com o sangue do cabrito sacrificado. Explicam os nossos sábios que esta incrível demonstração de Emuná (fé) do povo judeu foi necessária para aumentar os méritos dos judeus e protegê-los de qualquer dano no momento em que D'us estivesse aplicando a última praga. Este conceito foi reforçado quando D'us ensinou a Moshé sobre a praga da Morte dos primogênitos: "E Eu passarei pelo Egito nesta noite, e Eu golpearei todo primogênito na terra do Egito... E Eu verei o sangue (dos batentes e umbrais) e Eu saltarei sobre vocês, e vocês não serão atingidos pela praga" (Shemot 12:12,13). De acordo com o Rav Shlomo Itzchaki (França, 1040 - 1105), mais conhecido como Rashi, a palavra "Passachti", que significa "saltarei", também significa "terei misericórdia", ensinando que esta praga somente não atingiu também os judeus pelo mérito adicional que eles adquiriram e pela misericórdia de D'us. Mas por que nas outras pragas D'us atingiu somente os egípcios, e os judeus não precisaram de nenhum mérito adicional? E por que não está escrito que D'us utilizou uma medida a mais de misericórdia para poupar os judeus das outras pragas?

Explica Rashi, baseado em um Midrash (parte da Torá Oral), que as 10 pragas não foram aleatórias, elas seguiram uma estratégia de guerra. Quando um exército quer atacar e conquistar uma cidade, a primeira estratégia é cortar o suprimento de água, forçando os moradores a se renderem. Caso eles se recusem a se render, é lançada uma guerra psicológica, fazendo muito ruído para amedrontar os habitantes e fazê-los desistir da luta. Da mesma forma, a primeira coisa que D'us atacou foi o suprimento de água dos egípcios, transformando toda a água do Egito em sangue. Mas como isto não foi suficiente para os egípcios se renderem, então D'us mandou sobre eles os sapos, que emitiam um ruído assustador, causando pânico. E assim foi com cada uma das pragas, que iam minando as forças e destruindo a autoconfiança dos egípcios, até que eles finalmente se renderam.

O Midrash traz ainda mais uma motivação para D'us ter mandado as pragas sobre os egípcios. As pragas não foram meros "tapas" que D'us estava dando nos egípcios. Cada praga foi "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), isto é, para cada sofrimento que os egípcios haviam causado aos judeus durante o período de escravidão, eles foram castigados exatamente da mesma maneira. Cada praga foi "sob medida", uma punição exata para cada mau ato dos egípcios. Portanto, o Midrash está deixando claro que as pragas tiveram dois propósitos diferentes: forçar o Faraó e seu povo a se renderem e cumprirem a vontade de D'us, e punir os egípcios por cada sofrimento que eles haviam causado ao povo judeu.

É interessante perceber que depois da sétima praga, Granizo, os egípcios já haviam se rendido, como o próprio Faraó proclamou: "D'us é o Único Justo, enquanto eu e meu povo somos os malvados" (Shemot 9:27). Mas a partir deste momento D'us começou a endurecer o coração do Faraó, para que ele não deixasse o povo judeu sair. Mesmo que o Faraó já havia aceitado as exigências de D'us, as pragas precisavam continuar, para punir os egípcios e cumprir a promessa feita por D'us para Avraham Avinu: "Mas também a nação que eles servirão Eu julgarei" (Bereshit 15:14). A medida do castigo merecido pelos egípcios somente terminou com a aplicação das dez pragas. Mesmo com a rendição após a sétima praga, eles ainda precisavam passar pelo sofrimento das últimas três pragas.

Segundo o Rav Yohanan Zweig, desta maneira é possível entender a separação entre as pragas em duas Parashiót diferentes. As sete primeiras foram focadas em derrubar as resistências do Faraó e dos egípcios, e as três últimas tinham uma natureza punitiva. Enquanto as pragas tinham como propósito apenas derrubar a resistência do Faraó, não foi exigido nenhum mérito especial do povo judeu. Mas quando as pragas adquiriram uma natureza punitiva, então o Atributo de Justiça de D'us foi desencadeado e o povo judeu também passou a ser examinado de uma maneira mais rigorosa e minuciosa, e por isso precisava de méritos para se proteger do castigo.

Os judeus haviam se assimilado muito no Egito, e muitos faziam até mesmo idolatria. Por isso Moshé teve medo das consequências para o povo judeu das últimas três pragas. Consciente do perigo iminente ao povo, Moshé ficou relutante em continuar sua missão após a sétima praga, e por isso foi necessário um comando especial de D'us para que Moshé se apresentasse diante do Faraó para informá-lo de que as pragas continuariam. E Moshé estava certo em seus temores, pois quando o Atributo de Justiça de D'us foi desencadeado, ocorreram consequências trágicas também para o povo judeu. Há um Midrash que afirma que 80% do povo judeu morreu na nona praga, Escuridão, para que a morte deles fosse encoberta pela escuridão e os egípcios não pudessem testemunhar que os judeus também estavam sendo castigados.

E por que D'us comandou que o milagre das pragas fosse transmitido aos nossos filhos apenas nas últimas três pragas? D'us criou o mundo material para que Ele pudesse se ocultar, causando muitas vezes a impressão de que injustiças acontecem. Não são raras as vezes em que escutamos pessoas questionando a bondade de D'us com a famosa pergunta: "Por que as pessoas boas sofrem, enquanto as pessoas ruins têm tranquilidade na vida?". Certamente os judeus no Egito também tiveram este questionamento. Eles não entendiam como os egípcios causavam a eles tantos sofrimentos e nada acontecia. Onde estava a justiça de D'us? Não haveria nenhuma cobrança daqueles maus atos? Por isso D'us quis transmitir ao povo judeu uma mensagem eterna, passada de pai para filho, de que a justiça Divina sempre se cumpre. Cada sofrimento causado aos judeus foi vingado, cada detalhe da escravidão infligida pelos egípcios teve o seu preço, e no devido momento tudo foi cobrado por D'us. Mesmo quando os egípcios já tinham se rendido, eles continuaram recebendo sofrimentos, Midá Kenegued Midá, até que tudo estivesse pago.

Infelizmente vivemos em tempos difíceis, quando o roubo, a corrupção, a enganação e a violência parecem sempre ficar impunes. Mas da nossa Parashá fica a certeza de que, no momento certo, a justiça prevalecerá. Da mesma forma como ocorreu no Egito, várias outras vezes na história as situações que pareciam perdidas se reverteram e se transformaram em grandes salvações. Grandes inimigos do povo judeu, como o Faraó e Haman, que pareciam estar acima da lei, no momento adequado foram humilhados e destruídos. Devemos sempre fazer a nossa parte para estabelecer a justiça no mundo, mas podemos ter a tranquilidade de saber que uma pessoa pode até escapar da justiça humana, mas nunca da justiça Divina.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 10:1-13:16, Jr 46:13-28

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

TUDO É PARA O BEM - PARASHÁ VAERÁ 5775

 "Alguns jovens estavam em uma discussão filosófica profunda. Um deles apresentou uma questão provocadora: "Como vocês teriam criado o mundo se vocês fossem D'us?". Os outros jovens ficaram em silêncio, cada um refletindo e chegando às suas próprias conclusões.
 - Se eu fosse D'us, mudaria isso, aquilo e aquela outra coisa! - disse o primeiro.
 - Se eu fosse D'us, teria mudado isso e aquilo também! - respondeu o segundo.
 Cada jovem que respondia apontava algumas falhas no mundo e sugeria como elas poderiam ser eliminadas. Apenas um dos jovens permanecia em silêncio, pensativo. Quando questionaram sua opinião, ele deu um sorriso e disse, inocentemente:
 - Se eu fosse D'us, eu teria criado o mundo exatamente com ele é, sem pôr nem tirar nada!"
 Muitas vezes gostaríamos que as coisas fossem diferentes. Mas nos esquecemos que o mundo foi criado com perfeição e que tudo o que acontece passa pela Supervisão Divina. Não há como melhorar o mundo perfeito que D'us criou, apenas nos resta entender que somos limitados e nunca conseguiremos enxergar o quadro completo como Ele enxerga.
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Na Parashá desta semana, Vaerá, a Torá começa a descrever o processo de libertação do povo judeu da escravidão egípcia e as primeiras das 10 pragas enviadas por D'us. E a Parashá começa com as seguintes palavras: "E disse D'us (Elokim) para Moshé e falou para ele: 'Eu sou Hashem. Eu me revelei para Avraham, para Itzchak e para Yaacov como 'Kel Shakai', mas o Meu nome 'Hashem' não Me fiz conhecer a eles. E também estabeleci com eles Meu pacto, de dar para eles a terra de Knaan" (Shemot 6:2,3). Mas qual a diferença entre os nomes através dos quais D'us se revelou a Moshé e aos patriarcas? E qual a relação com o fato de D'us ter feito um pacto com os patriarcas de dar para eles a Terra de Israel? E por que a Parashá começou com D'us falando estas palavras para Moshé, comparando-o aos patriarcas?

A resposta está em um incrível Midrash (Torá Oral) que explica que as palavras destes versículos são uma grande bronca que D'us estava dando em Moshé. Mas para entender a bronca, temos que voltar ao final da Parashá da semana passada, Shemot. Moshé foi pela primeira vez, ordenado por D'us, pedir para o Faraó libertar o povo o judeu e acabar com os terríveis sofrimentos pelos quais os judeus passavam. Porém, ao invés de escutar Moshé, o Faraó endureceu ainda mais o trabalho deles, causando mais sofrimentos ao povo judeu. Quando Moshé viu que o sofrimento do povo havia aumentado, questionou: "D'us, por que Você fez mal a este povo? Por que você me enviou?" (Shemot 5:22).

Este questionamento de Moshé desagradou muito a D'us, pois aos patriarcas Ele havia se revelado apenas como 'Kel Shakai', uma forma menos explícita da grandeza e da bondade perfeita de D'us, enquanto para Moshé Ele havia se revelado como 'Hashem' (o Nome de 4 letras: iud – kei – vav – kei), uma forma muito mais explícita. Além disso, D'us havia mandado testes muito difíceis para os patriarcas e havia prometido a eles a Terra de Israel, mas fez com que tivessem que comprar partes da terra por altos preços, como no caso de Avraham, que pagou uma fortuna por um pequeno pedaço de terra para enterrar sua esposa Sara. Apesar de D'us ter se revelado de uma maneira menos explícita e de ter testado os patriarcas, eles nunca questionaram as atitudes Dele. Já Moshé, em sua primeira missão sob o comando de D'us, questionou a Sua bondade.

Mas esta bronca que Moshé recebeu desperta um grande questionamento. D'us comparou Moshé aos patriarcas, que tiveram muitos testes em suas vidas e nunca questionaram D'us. Porém, esta comparação não está correta, pois da mesma forma que os patriarcas nunca reclamaram com D'us sobre acontecimentos difíceis em suas vidas particulares, também Moshé não estava questionando D'us sobre acontecimentos difíceis em sua vida particular. Como um líder exemplar e responsável pelo seu povo, ele questionou D'us sobre o aumento das dificuldades e sofrimentos que recaíram sobre os judeus após ele cumprir a sua missão ordenada por D'us. Como Moshé poderia se calar diante do sofrimento do povo do qual ele era responsável, vendo que eles estavam gemendo de dor e não podiam mais suportar o peso dos terríveis sofrimentos e castigos aos quais eles eram diariamente submetidos? Então por que D'us se irritou com a reação de Moshé, se era esta a reação esperada de um verdadeiro líder?
A pergunta fica ainda mais difícil ao observarmos que houve outro momento na história do povo judeu em que Moshé, nosso grande líder, teve que intervir em prol dos judeus. Quando os judeus fizeram o bezerro de ouro no deserto, D'us quis destruir todo o povo. Moshé, em desespero, questionou: "D'us, por que Sua fúria deve queimar contra Seu povo?" (Shemot 32:11). Porém, daquela vez as palavras de Moshé foram escutadas por D'us e o povo foi salvo da destruição. Qual foi a diferença entre a reação de Moshé diante dos sofrimentos da escravidão, que mereceu uma bronca, e a reação diante da ameaça de destruição do povo por causa do bezerro de ouro, que foi louvável?

Explica o Rav Yaacov Naiman (Bielorússia, 1909 - EUA, 2009) que a bronca de D'us não foi pela atitude de Moshé, de ter se levantado em defesa do povo judeu. Ao contrário, esta foi a atitude correta, de um verdadeiro líder. A prova disso é que quando Moshé se levantou para implorar pela salvação do povo judeu após o bezerro de ouro, suas súplicas foram escutadas e D'us não se ressentiu de sua atitude. Mas o erro que Moshé cometeu quando se levantou para protestar contra os sofrimentos do povo judeu foi as palavras que ele utilizou. A expressão "por que Você fez mal a este povo?" foi um questionamento sobre a bondade de D'us. Não existe maldade nos atos de D'us. Tudo o que Ele faz é para o nosso bem, e mesmo situações difíceis e sofrimentos são bondades. D'us enxerga o passado, o presente e o futuro, e Ele sabe exatamente o que é o melhor para cada um de nós em cada momento.

Apesar do gigantesco nível espiritual de Moshé, sua frase demonstrou uma pequena falha na sua Emuná (fé), ao não perceber que o trabalho mais pesado e o acréscimo de sofrimentos eram para o bem do povo. Alguns comentaristas da Torá explicam que havia uma "cota" de sofrimentos pelos quais o povo judeu precisava passar antes da libertação. Ao aumentar o peso do trabalho, D'us estava acelerando o processo e antecipando o fim da escravidão. É como uma panela que está sobre o fogo e que não pode ser retirada antes do cozimento completo da comida. Ao aumentarmos o fogo, antecipamos o fim do cozimento e podemos tirar a panela do fogo antes. Moshé deveria ter entendido que havia bondade nos atos de D'us, apesar de, aos nossos olhos limitados, parecer algo ruim e negativo.

As consequências desta pequena falha de Moshé foram terríveis. Logo após o questionamento dele, D'us respondeu: "Agora você vai ver o que Eu farei com o Faraó" (Shemot 6:1). O Rav Shlomo Itzchaki  (França, 1040 - 1105), mais conhecido como Rashi, explica que estas palavras de D'us não foram apenas um aviso de que a redenção do povo judeu estava efetivamente começando naquele momento, mas as palavras incluíam também um decreto duro contra Moshé. Por que D'us utilizou a palavra "agora"? Para indicar que agora Moshé veria os milagres da saída do Egito, mas futuramente ele não veria os milagres que aconteceriam na conquista da Terra de Israel. Em outras palavras, D'us estava decretando naquele momento que, por causa de sua falha de Emuná, Moshé não entraria em Israel junto com o resto do povo. Apesar de ser um decreto ainda revogável através de Tefilá (reza) e Tzedaká, é um bom indicador de como são duras as consequências da falta de Emuná.

Quando olhamos as primeiras palavras da Parashá, "E disse D'us (Elokim) para Moshé e falou para ele: 'Eu sou Hashem'", há mais um interessante ensinamento. O versículo começa com 'Elokim', um dos nomes de D'us, e termina como 'Hashem' (o Nome de 4 letras: iud – kei – vav – kei), outro nome de D'us. Cada nome de D'us representa uma forma Dele se conectar conosco. 'Elokim' representa a característica de Din (Justiça), enquanto 'Hashem' representa a característica de Rachamim (Misericórdia). Na resposta ao questionamento de Moshé, D'us estava dando-lhe uma lição. Mesmo nos momentos em que Ele está nos julgando, isto é, utilizando Seu atributo de justiça, Ele sempre mistura Seu atributo de misericórdia, visando sempre o nosso bem. Mesmo nos castigos, nas dificuldades e nos sofrimentos, há muito amor de D'us por nós, há muita misericórdia. A Emuná é o que nos dá a força para vencermos estes momentos difíceis.

Deste ensinamento fica para nós uma lição muito importante e profunda. Passamos diariamente por testes e dificuldades, que muitas vezes estão acima do nosso entendimento limitado. Os patriarcas conseguiram chegar ao nível de entender que tudo é para o bem, e mesmo as coisas que vão contra a nossa lógica são, em última instância, bondades gigantescas de D'us. Nós também temos este potencial, basta pararmos para refletir um pouco sobre o que acontece em nossas vidas. Quantas vezes olhamos para trás e percebemos que eventos que pareciam negativos foram, na verdade, positivos e nos ajudaram? Quantas pessoas que, por causa de dificuldades que passaram, acabaram se superando e se tornando pessoas de sucesso? Da mesma forma que muitas vezes vemos as bondades de D'us, precisamos ter a Emuná e a humildade de saber que somos limitados, e mesmo quando não conseguimos enxergar imediatamente Sua bondade, precisamos saber que em última instância tudo passa pelo controle e pela supervisão de D'us, que quer apenas o nosso bem. Assim, viveremos mais tranquilos e mais felizes, com a certeza de que há Alguém que o tempo inteiro cuida de nós com atenção e carinho.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Ex. 6:2-9:35, Ez. 28:25-29:21

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

GRANDEZA DE D'US - PARASHÁ SHEMOT 5775

"David era um menino inteligente. Tão inteligente que às vezes fazia perguntas difíceis de serem respondidas. Certa vez ele perguntou: "Pai, qual é o tamanho de D'us?". O pai não sabia como responder, pois a pergunta era profunda e precisava ser explicada de forma que seu filho, de apenas 7 anos, entendesse. Então, ao olhar para o céu, o pai viu um avião passando e perguntou ao filho:
- David, qual o tamanho daquele avião?
- É um avião bem pequeno, quase não dá para ver - respondeu David, olhando para cima.
Pouco tempo depois a família de David foi viajar de avião. No momento do embarque, quando estavam ao lado do avião, o pai perguntou novamente:
- David, qual o tamanho desse avião?
David arregalou os olhos quando viu como aquele avião era gigantesco. Então seu pai lhe ensinou:
- Filho, você se lembra do avião que vimos voando e parecia tão pequeno? Na verdade, os dois aviões têm exatamente o mesmo tamanho. A diferença é que aquele estava longe, enquanto este está aqui pertinho.
- Assim também acontece com D'us - continuou o pai - o tamanho de D'us depende da distância que você estiver Dele. Quanto mais perto de D'us você estiver, maior Ele será na sua vida."
Nos acontecimentos cotidianos, podemos viver como se tudo fosse apenas coincidência e acaso, ou podemos perceber a mão de D'us presente em cada detalhe do que ocorre em nossas vidas.
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Nesta semana iniciamos o segundo livro da Torá, Shemot. E a Parashá da semana, Shemot, começa com o início da escravidão do povo judeu. Como o Faraó não podia escravizar os judeus sem motivo, pois eles eram os descendentes daqueles que haviam salvado o Egito da fome, então ele começou a utilizar uma propaganda antissemita para convencer os egípcios de que os judeus eram perigosos, como está escrito: "E disse (o Faraó) ao seu povo: 'eis que este povo, os Filhos de Israel, são mais numerosos e mais fortes do que nós" (Shemot 1:9). Mas de onde o Faraó tirou este argumento?

Explica o Talmud (Sotá 11a) que o Faraó tinha três conselheiros: Bilaam, Iov (Jó) e Itró. Quando o Faraó perguntou a eles sobre como lidar com o "problema judaico", a reação de cada um deles foi diferente. Bilaam, que era um grande Rashá (malvado), sugeriu perseguir e destruir o povo judeu, dando ao Faraó o argumento de que os judeus eram um perigo para o Egito, e por seu ódio contra o povo judeu foi futuramente morto. Já Iov se calou diante dos decretos que o Faraó fez contra o povo judeu, e por isso foi castigado com terríveis sofrimentos. Itró foi o único que se levantou contra a injustiça dos decretos do Faraó e fugiu, e por isso foi recompensado com descendentes que se tornaram parte do povo judeu.

Porém, este ensinamento do Talmud traz com ele um grande questionamento, pois a reação dos três conselheiros do Faraó não foi de acordo com o que esperaríamos. Bilaam é descrito na Torá como um homem orgulhoso, que buscava a todo custo honras e reconhecimento. Ele tinha o "dom" espiritual de amaldiçoar e destruir povos inteiros. O mais lógico seria se Bilaam tivesse dito ao Faraó: "Não se preocupe, eu cuido deste povo. Com minhas maldições eu posso destruí-los sozinho". Então por que Bilaam sugeriu que o povo judeu fosse escravizado, e ainda procurou argumentos lógicos para isso, ao invés de aproveitar a oportunidade para exaltar seus "dons" diante do Faraó?

Também o silêncio de Iov é incompreensível. O Talmud (Baba Batra 15b) descreve Iov como um gigante espiritual, alguém comparado com Avraham Avinu, como está descrito no Tanach: "Um homem íntegro, reto, temente a D'us e que se desviava do mal" (Iov 1:1). Então como este homem, o símbolo da bondade, da misericórdia e do bom coração, escutou o conselho de Bilaam e todos os cruéis decretos feitos pelo Faraó contra inocentes, como os bebês que foram jogados vivos no rio, e ficou quieto?

Finalmente Itró, o símbolo da verdade e da justiça, também não se comportou da maneira como era esperado. Apesar de o Talmud dizer que ele se levantou contra os decretos do Faraó e fugiu, há fontes que comprovam que isto não aconteceu imediatamente, somente após muito tempo, depois do nascimento de Moshé. Como pôde este homem da verdade e justiça suportar a mentira e a falta de justiça que o Faraó usou contra o povo judeu?

Explica o Rav Yossef Zundel Salanter (Lituânia, 1786 - Israel, 1866) que na verdade a escravidão do povo judeu no Egito já havia sido decretada muito tempo antes, quando D'us fez com Avraham Avinu o "Brit Bein HaBetarim" (pacto entre as partes) e disse para ele: "Saiba com certeza que seus descendentes serão estrangeiros em uma terra que não será deles - e eles os servirão, e eles os oprimirão" (Bereshit 15:13). Portanto, D'us estava simplesmente fazendo com que Seu decreto se cumprisse. Mas por que de uma maneira tão ilógica? Para que fosse percebido aos olhos de todos que somente a Supervisão Divina tem controle sobre o mundo. Ele tirou a sabedoria dos três conselheiros do Faraó, fazendo com que eles agissem contra a sua própria natureza, para demonstrar que não existe sabedoria nem planos que podem ir contra os decretos de D'us. Por isso Ele fez com que todo o início do exílio do povo judeu ocorresse através da Supervisão Divina, e não através de formas naturais.

Quando prestamos atenção na salvação do povo judeu, também percebemos que tudo ocorreu de uma maneira acima da natureza e contra qualquer lógica. Fora as pragas e sinais que D'us fez no Egito, que obviamente foram eventos milagrosos, toda a história de Moshé, o salvador do povo judeu, também foi escrita por uma cadeia de eventos acima da natureza. O nascimento de Moshé foi milagroso, pois sua mãe já tinha 130 anos. Como os astrólogos do Faraó haviam previsto o nascimento do salvador do povo judeu, o Faraó decretou que todos os bebês fossem atirados vivos no rio. Para salvar Moshé, seus pais o colocaram em uma cesta revestida de material impermeável e o deixaram no rio. Moshé foi encontrado por Batia, a filha do mesmo Faraó que fez o decreto de jogar os bebês no rio, e ele foi criado dentro do palácio real, sob os cuidados e o sustento do próprio Faraó. E apesar de Batia estar fazendo uma grande transgressão contra a lei egípcia, legislada pelo seu próprio pai, em nenhum momento ela agiu discretamente, como seria o esperado, e ainda chamou o bebê de "Moshé", que vem do hebraico "Meshitihu", que significa "retirado das águas", revelando abertamente seu ato de rebeldia sem nenhum tipo de constrangimento.

Além disso, ao ser encontrado ainda bebê por Batia, Moshé foi enviado para que sua própria mãe o amamentasse, garantindo o contato constante com o seu pai, a maior autoridade espiritual daquela geração, e dando a Moshé um pretexto para mais tarde visitar seus pais frequentemente. E quando Moshé cresceu, ele matou um egípcio para proteger um judeu que apanhava, e por sua desobediência às leis egípcias foi condenado à morte pelo Faraó, mas foi salvo da espada afiada por um milagre e conseguiu fugir. Tudo isto ocorreu contra a lógica humana, também para demonstrar que não há ninguém que pode impedir os planos de D'us.

No versículo onde está a profecia dita para Avraham sobre a escravidão de seus descendentes, está escrito "Iadoa Tedá", normalmente traduzido como "saiba com certeza", mas que literalmente significa "Saiba saiba". Por que esta repetição? Explica o Midrash que é como se D'us estivesse dizendo: "Saiba que Eu escravizarei o povo judeu, e saiba que Eu os libertarei", isto é, se refletirmos que todo o início da escravidão foi completamente contra a lógica, entenderemos que foi a mão de D'us que levou à escravidão do povo judeu, e então entenderemos também que somente D'us pode salvar o povo judeu do exílio. Tudo ocorreu sem lógica, tanto a escravidão quanto a salvação, para nos ensinar que a vontade de D'us sempre se cumpre.

Estamos atualmente em um exílio difícil, no qual fomos duramente perseguidos e massacrados por séculos. Este exílio foi marcado por um ódio antissemita com motivações ilógicas que dura até os nossos dias. Antigamente éramos perseguidos com o argumento que matávamos crianças não judias para utilizar o sangue na fabricação de Matzót, apesar da Torá explicitamente nos proibir de comer sangue. Atualmente os argumentos antissemitas mudaram, mas continuam ilógicos. Somos atacados por terroristas com mísseis e homens-bomba, mas quando nos defendemos somos acusados de "reação desproporcional". Quando há atentados em qualquer lugar do mundo, como o que ocorreu nesta semana em Paris, o mundo inteiro se levanta contra o terrorismo, mas quando o atentado é em Israel não é terrorismo, é busca pela liberdade. Enquanto na Síria morrem milhares de pessoas, o único problema que incomoda o mundo são os ataques israelenses contra Gaza. A ONU, que deveria ter sido criada como uma organização imparcial que busca a justiça, mostra-se cada vez mais parcial e injusta. E o Hamas, que abertamente prega o ódio e a destruição de Israel, não é mais considerada uma organização terrorista.

Quando não há nenhuma lógica que explica os acontecimentos atuais, podemos enxergar a mão de D'us no nosso exílio. Nossa falha é que esperamos a salvação através de meios naturais. Nos apoiamos na proteção dos Estados Unidos e achamos que a morte de terroristas resolverá nossos problemas. Esquecemos de refletir que o caráter ilógico do exílio é um sinal de que é D'us que está manejando tudo. Nossos sábios ensinam que Moshé tinha muitos nomes, mas de todos os nomes D'us fez questão de chamá-lo apenas de Moshé. Um dos motivos é que, ao mencionar este nome, reconhecemos o caráter ilógico e sobre-humano da salvação do povo judeu, deixando claro que toda salvação do povo judeu não é um processo natural, e sim uma intervenção Divina direta. Este é o nosso consolo neste exílio tão longo e sofrido: da mesma maneira que D'us demonstra que é Ele que nos mantém no exílio, Ele também garantiu que será Ele, pessoalmente, que nos tirará de lá.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
ÊXODO l:1-6:1, Is. 27:6-28:13

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

DOAÇÃO DE UM SORRISO - PARASHÁ VAIECHI 5775

 O Sr. Greenberg e sua esposa não eram ricos, mas eram pessoas muito devotas e sensíveis às necessidades dos outros. Certa vez eles estavam passeando por um parque quando viram um homem idoso sentado em um banco. Ele estava sozinho, olhando para o infinito, como se estivesse perdido. Os Greenberg foram até o banco, sentaram-se ao lado do idoso e começaram uma conversa com ele. Descobriram, surpresos, que aquele senhor também era judeu, e chamava-se Charlie Birnbaum. A conversa foi ficando cada vez mais animada, até que os Greenberg resolveram convidar o Sr. Birnbaum para visitá-los em casa. Insistiram tanto que ele acabou indo uma vez, e acabou voltando uma segunda vez, e uma terceira vez, até que se tornou uma visita frequente. Sempre era recebido com muita alegria pela família Greenberg, e eles se esforçavam para fazer o Sr. Birnbaum se sentir como se fosse parte da família. Certo dia o Sr. Greenberg recebeu o telefonema de um advogado:

- Sr. Greenberg, perdão por incomodá-lo, mas infelizmente tenho uma má notícia: o Sr. Birnbaum faleceu. Hoje foi feita a abertura do testamento dele. Como vocês sabem, o Sr. Birnbaum era um homem sozinho, não tinha nenhum parente. Por isso ele escreveu no testamento que deixava para o Sr. e para sua família toda sua herança, no valor de 10 mil dólares. Ele ressaltou no testamento que vocês foram as únicas pessoas no mundo que haviam se comportado com algum sentimento de bondade e misericórdia com ele.

Naquela época, há mais de 50 anos, a soma de 10 mil dólares foi suficiente para os Greenberg comprarem uma casa. Como os Greenberg haviam dado ao Sr. Birnbaum uma casa, então D'us recompensou a bondade deles "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), dando a eles uma casa para morar. (História Real, retirada do livro "Impact!", de autoria de Dovid Kaplan).
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 Nesta semana lemos a Parashá Vaiechi, que fala sobre a morte do nosso último patriarca, Yaacov. Antes de falecer, Yaacov disse suas últimas palavras para cada um dos seus filhos, sendo que alguns receberam Brachót (bênçãos), enquanto outros receberam críticas por erros que haviam cometido. E estas últimas palavras de Yaacov não se aplicavam apenas para os seus filhos, mas também para todos os seus descendentes, pois cada um dos filhos de Yaacov se tornou o patriarca de uma das 12 tribos do povo judeu.

Uma das Brachót que nos chama a atenção foi a recebida por Yehudá, o filho de Yaacov de quem descenderiam os futuros reis de Israel, como David e Shlomo. E assim disse Yaacov para Yehudá: "O cetro nunca partirá de Yehudá... E os dentes brancos de leite" (Bereshit 49:10,12). Segundo alguns comentaristas da Torá, o entendimento mais simples do versículo final é que as palavras de Yaacov descreveram como Yehudá era adequado para a realeza, isto é, era um homem de aparência nobre, com um belo sorriso.

Porém, o Talmud (Ketubot 111b) traz outra explicação para as palavras de Yaacov. O Talmud ensina que o versículo deve ser lido como "os dentes brancos mais do que leite", significando que a pessoa que mostra o branco dos dentes ao dar um sorriso afetuoso para outra pessoa faz mais bondade com ela do que se tivesse lhe dado um copo de leite para beber.

Mas qual a conexão entre o entendimento mais simples do versículo, de que a Torá está descrevendo a aparência nobre que tinha Yehudá, e a forma como o Talmud estuda o versículo, de que um sorriso vale mais do que um copo de leite? E por que este entendimento do Talmud, que ressalta a importância de um sorriso, precisou ser transmitido justamente através da Brachá recebida por Yehudá?

A pergunta aumenta quando analisamos outro ensinamento do Talmud (Kidushin 82b), que afirma que se D'us não provesse diretamente o alimento dos animais, cada animal conseguiria seu sustento através de algum tipo de profissão. Por exemplo, a raposa seria muito competente sendo lojista, enquanto o leão seria um bom carregador. Explica o Rav Yehuda Loew (Praga, 1525 - 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, que a raposa simboliza a astúcia, característica necessária para um lojista, pois é necessário convencer os consumidores a comprarem seus produtos, enquanto o leão simboliza a força física, sendo apropriado para trabalhos braçais que requerem muita força, como ser um carregador. Mas este ensinamento do Talmud é estranho, pois o leão normalmente representa a majestade e a autoridade. Então por que o Talmud descreve o leão como um simples carregador, uma profissão pouco honrosa? E qual a relação entre ser um simples carregador e Yehudá, que também é descrito como um leão: "Yehudá é um filhote de leão" (Bereshit 49:9)?

Explica o Rav Yochanan Zweig que existe uma grande diferença entre o conceito de rei para o povo judeu e para os outros povos. Entre os povos do mundo, o rei é a figura de alguém autoritário, muitas vezes um tirano, que governa sobre seus súditos com mão de ferro e leis duras. O foco principal do rei são suas próprias necessidades, e por isso ele é servido pelos seus súditos, que estão sempre preocupados com o seu bem estar. Mas de acordo com o judaísmo o reinado tem um caráter completamente diferente. De Yehudá aprendemos que a soberania do rei é baseada no fato de, em última instância, o rei servir o seu povo. O rei do povo judeu não é um tirano que obriga seus súditos a fazerem a sua vontade e a se preocuparem com suas necessidades pessoais, ao contrário, é o rei que serve e se preocupa com as necessidades de seus súditos.

Portanto, deste entendimento vemos que é apropriado que o leão seja descrito como um carregador, pois o rei deve estar disposto a carregar o peso daqueles que o servem. Esta era a natureza de Yehudá, apropriadamente demonstrada no início da Parashá da semana passada, Vaigash, quando ele se mostrou disposto a se tornar escravo do vice-rei do Egito apenas para que seu irmão Biniamin pudesse ser libertado. Yehuda colocava de lado suas próprias necessidades em prol do bem estar dos outros. Esta é a postura de um verdadeiro rei, por um lado alguém com uma aparência nobre, mas por outro lado alguém preocupado em servir os outros.

É por isso que o entendimento simples do versículo está tão conectado com a explicação do Talmud. O ato de saudar e acolher outra pessoa com um sorriso, de forma com que o outro se sinta apreciado e querido, reflete esta incrível qualidade de Yehudá. Para conseguir dar sempre um sorriso aos outros, a pessoa precisa deixar de lado seus próprios problemas e necessidades. Apesar de estar preocupada com suas próprias dificuldades, a pessoa deve se esforçar para transmitir, através de um sorriso sincero, uma verdadeira sensação de alegria pelo bem estar do próximo. Esta era um importante característica de Yehudá, e Yaacov queria também transmiti-la para os seus futuros descendentes através de sua Brachá.

Obviamente este ensinamento não vale apenas para os reis, mas para cada um de nós. Através de pequenos atos de bondade podemos mudar a vida das pessoas. Pensamos que para ajudar os necessitados precisamos ter muitos bens e fazer grandes doações para instituições de caridade, e por isso achamos que esta Mitzvá tão importante de Tzedaká (caridade) é apenas para pessoas ricas. Mas nossa maior doação está no nosso próprio rosto: o sorriso. E o melhor de tudo é que dar um sorriso não custa nada. Isto quer dizer que, se conseguirmos estar sempre com um sorriso sincero e caloroso no rosto, estaremos diariamente fazendo centenas ou milhares de doações para pessoas necessitadas.

Mas dar um sorriso para todos tem seu preço: vencer o egoísmo. Para dar um sorriso o tempo inteiro é necessário pararmos de pensar apenas em nós mesmos e começarmos a pensar nos outros. O Rav Israel Salanter (Lituânia, 1810 - Alemanha, 1883), quando via algum aluno com o rosto tenso e preocupado, perguntava: "Por que eu também preciso sofrer com seus problemas?". Ele estava ensinando aos seus alunos que nosso rosto é um "domínio público", e por isso devemos nos preocupar sempre com o que estamos transmitindo aos outros.

Podemos ajudar muitas pessoas apenas com um sorriso, mas para isso é necessário vencer nossas próprias necessidades e pensar mais nos outros. Isto nos transforma em reis, não para governar sobre todo o povo judeu, mas ao menos para governar sobre nossos próprios corações.


SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn. 47:28-50:26