sexta-feira, 10 de maio de 2013

DESEJO DE PROXIMIDADE - PARASHÁ BAMIDBAR E SHAVUÓT 5773

 

Certa vez um não judeu estava passando ao lado de um Beit Midrash (casa de estudos) quando escutou a descrição das magníficas roupas do Cohen Gadol (Sumo sacerdote). Maravilhado, ele pediu a um dos maiores sábios de Torá da geração, Shamai, para que o convertesse ao judaísmo, acreditando que assim poderia se tornar o Cohen Gadol. Shamai irritou-se com o pedido daquele homem e sua motivação, e o mandou embora.

Mas aquele não judeu estava decidido a ir até o fim. Procurou então outro grande sábio de Torá da geração, Hilel, com o mesmo pedido. Hilel aceitou convertê-lo, mas informou-o que antes de se tornar Cohen Gadol era necessário estudar todas as leis referentes ao cargo. Quando ele começou a estudar, chegou a um versículo que ensinava a proibição de uma pessoa que não é da linhagem dos Cohanim de fazer os serviços do Beit Hamikdash (Templo). Confuso, ele perguntou a Hilel:

- A que tipo de pessoa este versículo se refere?

- Mesmo David Hamelech, um dos maiores reis da história do povo judeu, estaria proibido de fazer os serviços do Beit Hamikdash, pois ele não era da linhagem dos Cohanim – respondeu Hilel.

Aquele homem entendeu que se nem mesmo o rei de Israel podia fazer os serviços do Beit Hamikdash, como ele, um recém-convertido, faria? Entendeu então que nunca poderia se tornar o Cohen Gadol, era apenas uma grande ilusão. Percebeu a grandeza da sabedoria de Hilel e se emocionou com sua tolerância, e por isso agradeceu profundamente a Hilel por tê-lo ajudado a se tornar parte do povo judeu. (História Real, ensinada no Talmud Shabat 32a).

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Nesta semana começamos o 4o livro da Torá, Bamidbar, que literalmente significa "No deserto". Este livro descreve muitos acontecimentos importantes que ocorreram durante os 40 anos em que o povo judeu estava no deserto, como a rebelião de Korach, o erro dos espiões e as guerras contra outros povos que viviam na região. E a Parashá desta semana, Bamidbar, sempre é lida antes de Shavuót, a Festa da entrega da Torá, que começa na próxima terça feira de noite (14/05). Qual é a conexão entre a Parashá Bamidbar e a Festa de Shavuót?

A Parashá Bamidbar começa com a contagem do povo judeu, de acordo com as tribos. A única exceção é a tribo de Levi, que não foi contada junto com o resto do povo por seu nível espiritual diferenciado. A Torá então enumera alguns dos serviços que eram realizados apenas pelos homens da tribo de Levi, como a montagem, a desmontagem e o transporte do Mishkan (Templo Móvel). Estas funções, bem como outros serviços feitos no Mishkan, eram proibidos para pessoas de outras tribos, como está escrito "Quando o Mishkan viaja, os Leviim devem desmontá-lo, e quando o Mishkan acampa, os Leviim devem montá-lo. E um estranho que se aproximar morrerá" (Bamidbar 1:51).

O que a Torá chama de "estranho"? Qualquer pessoa que não fizesse parte da tribo de Levi não poderia participar dos serviços feitos no Mishkan, mesmo que fosse um rei ou um grande líder do povo. E a gravidade deste erro está ressaltada na punição, a pena de morte, aplicada diretamente por D'us e não por um Beit Din (Tribunal). Foi justamente este versículo que, quando estudado por aquele homem convertido por Hilel, o fez entender que era uma grande ilusão uma pessoa que não era da tribo de Levi querer se tornar o Cohen Gadol.

Mas esta história da conversão feita por Hilel desperta uma grande dúvida. O Rambam (Maimônides) ensina que a conversão ao judaísmo é permitida apenas se aquele que deseja se converter não está motivado por nenhuma razão externa, como a busca de honra, dinheiro ou apenas para se casar. A conversão deve vir da vontade verdadeira da pessoa de se unir ao povo judeu para servir à D'us e cumprir Suas Mitzvót. Portanto, como Hilel consentiu que aquele não judeu se convertesse, se suas motivações eram aparentemente externas, se sua vontade verdadeira era apenas se tornar o Cohen Gadol?

Ensinam os nossos sábios: "Não seja como os escravos que servem seu dono para receber uma recompensa" (Pirkei Avót 1:3). Isto nos ensina que não devemos cumprir as Mitzvót apenas pensando na recompensa que vamos receber por elas. Mas se nós sabemos que todo o propósito de D'us ter criado o mundo foi apenas para beneficiar a humanidade, e que o sistema de regras que D'us nos entregou serve para permitir aos seres humanos sentir que "adquiriram" o direito de receber as bondades de D'us, então como pode ser que o Pirkei Avót nos ensina a servir a D'us sem buscar nenhuma recompensa?

Além disso, esta Mishná se choca com outro ensinamento dos nossos sábios: "Uma pessoa deve cumprir as Mitzvót que parecem ser menos rigorosas com o mesmo cuidado com que cumpre as Mitzvót que parecem ser mais rigorosas, pois a recompensa de cada Mitzvá não é sabida" (Pirkei Avót 2:1). Esta Mishná nos dá a entender que se soubéssemos quais Mitzvót têm recompensa maior, então cumpriríamos estas Mitzvót com mais vontade. Portanto, como entender a contradição com o ensinamento da primeira Mishná, que ressalta que devemos servir a D'us sem querer receber nenhuma recompensa?

Responde o Rav Yohanan Zweig que há dois motivos para uma pessoa dar recompensa. Uma razão é por incentivo ou compensação, como ocorre em ambientes empresariais. Neste caso, existe uma relação conflituosa: o dono do negócio quer que certa atividade seja realizada, enquanto seu empregado, embora preferisse não fazer o que seu chefe pediu, termina por realizá-lo por estar motivado pelo dinheiro que receberá. O dono prefere não dar seu dinheiro, mas sabe que se não o fizer, seu empregado não fará o trabalho. Portanto, o dinheiro simboliza a natureza contraditória desta relação.

Outra razão para dar uma recompensa é para demonstrar a proximidade e apreço que a pessoa que está dando a recompensa sente por aquela que está recebendo. Neste caso, a pessoa que está recebendo não está motivada pela recompensa, apenas a utiliza como forma de "calibrar" o relacionamento.

Se prestarmos atenção, as duas Mishnaiót do Pirkei Avót, aparentemente contraditórias, utilizam palavras diferentes para expressar o termo "recompensa". A primeira Mishná, que nos proíbe servir a D'us apenas em busca de recompensa, utiliza a linguagem "Prass", enquanto a segunda Mishná, que diz que se soubéssemos a recompensa de cada Mitzvá nos esforçaríamos mais naquelas de maior valor, utiliza a linguagem "Sachar". Por que esta diferença?

A palavra "Prass", além de "recompensa", também significa "separar um objeto de sua fonte". Por exemplo, é o termo utilizado para cortar uma fatia de pão, isto é, separar parte do pão do resto. Se a recompensa é utilizada em uma relação conflituosa, há uma separação entre as duas partes e o dinheiro representa esta separação. Este tipo de recompensa separa, ao invés de juntar. É o que ensina a primeira Mishná, que se tentarmos nos conectar a D'us sem vontade de cumprir Suas leis, fazendo apenas com o intuito de receber uma recompensa, isto não nos une a Ele de verdade.

Já o termo "Sachar" reflete a proximidade de uma relação. A vontade de receber "Sachar" não é visto de maneira negativa, ao contrário, é algo positivo, pois a vontade da pessoa de servir D'us é apenas com o intuito de se aproximar Dele, e a recompensa é apenas a forma de medir se o objetivo está sendo atingido. A segunda Mishná nos ensina, portanto, que também devemos ser cuidadosos com as Mitzvót "leves", pois não sabemos o verdadeiro valor de cada uma delas, e uma Mitzvá "leve" pode nos conectar a D'us de uma maneira mais forte do que uma Mitzvá "pesada". A Mishná está ressaltando que, se soubéssemos o valor de cada Mitzvá, nos esforçaríamos mais naquelas que nos conectam mais com D'us, por amor a Ele, não por motivos egoístas.

Isto explica a conversão descrita na história de Shamai e Hilel. Quando a pessoa procurou Shamai, alegando que queria ser Cohen Gadol, Shamai entendeu que a única motivação daquele homem em se tornar judeu era a honra conectada ao cargo de Cohen Gadol, isto é, algo egoísta, e por isso o mandou embora. Mas Hilel percebeu que sua motivação não era por honra. Ele entendeu que aquele homem buscava servir D'us da maneira mais completa possível. Sua vontade de ser Cohen Gadol não era uma busca de recompensa, e sim uma vontade de estar mais perto de D'us. Sua motivação não era externa, Hilel viu nele um desejo verdadeiro de se tornar judeu, e por isso o converteu.

Este desejo pela proximidade de D'us é a essência da Festa de Shavuót. Há mais de 3.000 anos D'us nos entregou a Torá, por amor, nos dando a possibilidade de, através das Mitzvót, nos aproximarmos Dele. A recompensa que teremos com cada Mitzvá deve ser apenas utilizada como medida da nossa conexão espiritual, mas nossa verdadeira motivação deve ser a vontade de se aproximar de D'us e se tornar, a cada dia, uma pessoa melhor e mais completa.

Em Shavuót a Torá é novamente entregue para cada judeu. Mas é como uma chuva que cai após o período de plantio. Se nos prepararmos, internalizando a importância da Torá em nossas vidas e recebendo-a com alegria, sabendo que é a nossa única forma de conexão com D'us, Shavuót vem trazendo muitas Brachót (Bençãos). Mas se não nos prepararmos, Shavuót "escorre" das nossas mãos, como uma chuva que caiu sobre um campo que não foi arado nem plantado.

SHABAT SHALOM e CHAG SAMEACH

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
 
NÚMEROS l:l – 4:20, Os 2:1-22, 1 Co. 12: 12-20

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