sábado, 22 de setembro de 2012

NÃO SE DEIXE ENGANAR – PARASHÁ VEYELECH E YOM KIPUR 5773

"Rogério, um homem muito pobre e ingênuo, vivia em uma pequena cidade do interior. Cansado de sua vida medíocre, ele decidiu tentar a sorte na cidade grande. Colocou seus poucos pertences em uma mochila e, de carona em carona, chegou à cidade grande. Para o seu azar, a primeira pessoa que ele encontrou foi Alberto, um homem que gostava de se divertir às custas dos outros. Alberto, vendo que aquele pobre era muito ingênuo, decidiu se divertir um pouco. Perguntou se estava tudo bem e Rogério, dando um longo suspiro, respondeu que estava tudo péssimo, pois há dias ele não comia uma refeição decente e não dormia em uma cama. Alberto convidou-o para ficar em sua casa, oferecendo um quarto só para ele e refeições abundantes. Rogério ficou feliz e aceitou, acreditando que sua sorte tinha mudado.

Sem que Rogério percebesse, Alberto levou-o ao hotel mais chique da cidade. Rogério, em sua ingenuidade, comeu e dormiu como um rei durante dias. Quando decidiu ir embora, arrumou suas coisas e saiu. Mas quando o gerente do hotel viu que ele estava saindo sem pagar a conta, correu e segurou-o pela camisa. Avisou que ele só sairia dali depois de pagar a enorme conta de sua estadia. Só então Rogério percebeu que havia sido enganado, e ele não tinha como pagar aquela conta. O gerente pegou o pouco dinheiro que ele tinha, apreendeu sua mochila como garantia e expulsou-o, deixando-o ainda mais pobre.

Saindo do hotel completamente humilhado, Rogério deparou-se novamente com o brincalhão, que havia mudado as roupas, estava com outro penteado e óculos escuros. Alberto estava tão diferente que Rogério não o reconheceu. Achando que era outra pessoa, começou a desabafar. Alberto aproveitou então para divertir-se mais ainda. Fingindo estar realmente preocupado com Rogério, ele falou:

- Puxa, que história triste. Esta pessoa realmente te enganou e te deixou sem nada. Mas confie em mim, eu vou te dar um belo conselho. Já que você terá que pagar a conta do hotel de qualquer maneira, e suas coisas estão com o gerente do hotel, volte para lá e continue comendo do bom e do melhor e dormindo em uma boa cama por mais alguns dias. Aproveite agora, e depois você se preocupa com a conta..."

Explica o Maguid Mi Duvno que é assim que o Yetzer Hará (má inclinação) nos engana. Quando somos jovens, ele nos convence a mergulhar em uma vida de materialismo, sem limites. Quando a pessoa então amadurece, percebe que terá que "pagar" por todos esses prazeres adquiridos às custas de sua espiritualidade. Então o Yetzer Hará volta novamente e diz: "Você já errou tanto e a dívida já é tão grande que não há mais o que fazer. Então continue aproveitando os prazeres materiais e depois você se preocupa com isso...

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Na próxima terça-feira de noite (25/09) é Yom Kipur, o Dia do Perdão, como nos ensina a Torá: "Pois neste dia vocês serão perdoados, para purificar vocês de todos os seus pecados. Diante de D'us vocês se purificarão" (Vayikrá 16:30). Em Yom Kipur há um perdão Divino especial, e é um dia tão sagrado que podemos chegar ao nível dos anjos. Neste dia nós jejuamos e nos abstemos de vários tipos de prazeres materiais, como relações maritais, usar sapatos de couro, tomar banho ou passar óleo no corpo.

Uma das partes centrais do serviço de Yom Kipur é o "Vidui", a confissão dos nossos pecados. Pronunciamos o Vidui com Cavaná (intenção), batendo no nosso peito ao mencionar cada transgressão que cometemos durante o ano. Sentimos vergonha dos nossos erros e tropeços, e muitos chegam ao choro sincero. Nos arrependemos e nos comprometemos a não voltar a cometer os erros novamente. Mas o que acontece na prática? Poucos dias após Yom Kipur acabamos fazendo exatamente os mesmos erros e caindo nas mesmas transgressões. Por que é tão difícil não cair novamente?

A Parashá lida nesta semana, Vayelech, traz um versículo que nos ajuda a entender um pouco melhor o motivo de cometermos tantas transgressões durante o ano. Assim diz o versículo: "Pois Eu conheço o Yetzer (má inclinação) deles" (Devarim 31:21). Explica o Rav Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que D'us criou o Yetzer Hará para nos testar e nos dar méritos cada vez que o vencemos. Para que a luta seja realmente meritória, D'us criou o Yetzer com muitas armas, versado em diversos tipos de luta. Ele tem a capacidade de utilizar as mais variadas artimanhas para nos testar e tentar nos desviar dos caminhos corretos.

Mas apesar da Torá afirmar que o Yetzer é um inimigo muito poderoso, o mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech (Rei Salomão), aparentemente diz justamente o contrário. Ele define o Yetzer Hará como sendo "um rei velho e tolo" (Kohelet 4:13). Se mesmo D'us atesta a força do Yetzer, como pode ser que o mais sábio de todos os homens chama o Yetzer de "tolo"? A força do Yetzer Hará não é algo apenas teórico, vemos na prática que ele consegue derrubar até mesmo as pessoas mais elevadas. Muitos dos graves erros descritos na Torá foram cometidos por pessoas com um elevado nível espiritual, como a rebelião de Corach e o erro dos espiões que falaram mal da terra de Israel. O que Shlomo Hamelech quis dizer ao afirmar que o Yetzer Hará é tolo?

Explica o Chafetz Chaim que uma pessoa que trabalha com vendas é chamada de "vendedor". Já uma pessoa que trabalha com construção é chamada de "construtor". Assim também o Yetzer Hará é chamado de "tolo" por causa de sua "profissão". A especialidade do Yetzer Hará é iludir as pessoas com tolices, como ensinam nossos sábios: "Não há ninguém que peca a não ser que entre nele um espírito de tolice". Algumas vezes o Yetzer Hará tenta nos convencer que nossos maus atos não são transgressões. Outras vezes ele nos convence que o culpado de todos os nossos erros são os outros. Também ele tenta nos convencer que viemos para este mundo apenas para curtir os prazeres mundanos e que tudo aqui é gratuito. E finalmente, quando amadurecemos e nos damos conta de que erramos muito e nos desviamos do caminho correto, o Yetzer nos convence que já estamos tão "sujos" que não vale a pena tentar limpar.

Um dos principais trabalhos de Yom Kipur é derrotar o Yetzer Hará e derrubar todos os argumentos e tolices que ele utiliza para nos convencer a pecar. Por exemplo, o texto do Vidui nos ajuda a derrubar a falsa impressão de que somos Tzadikim (justos) e não pecamos. O Vidui, escrito na ordem do "Alef Beit", nos demonstra que pecamos do Alef (primeira letra) até o Taf (última letra). E cada erro é muito grave, pois não apenas causou a nossa queda espiritual, mas a queda do mundo inteiro. Ao batermos no nosso peito a cada declaração de culpa, estamos assumindo para nós mesmos que nós somos os verdadeiros culpados e responsáveis pelos nossos erros, e não os outros. Os golpes dados na altura do coração simbolizam que estamos golpeando o verdadeiro culpado das nossas transgressões: o nosso coração, que nos puxou atrás dos prazeres instantâneos e nos afastou da espiritualidade.

Apesar de ser um dia em que jejuamos e nos abstemos de prazeres, o Talmud (Taanit 26b) afirma que Yom Kipur é um dos dias mais felizes do ano. Por que? Pois não há vitória maior contra o Yetzer Hará do que a possibilidade de limpar completamente as nossas transgressões em Yom Kipur. Mesmo se erramos durante todo o ano, mesmo quando parece que não há mais conserto, Yom Kipur surge para nos purificar completamente. Podemos recomeçar com uma alma limpa e renovada, sem estar presos aos erros e remorsos do passado. Podemos dar uma nova chance à nossa espiritualidade neste ano que está começando.

A Torá nos ensinou que D'us nos perdoa e nos purifica em Yom Kipur. Mas a linguagem "diante de D'us vocês se purificarão" nos ensina que Yom Kipur não é um dia mágico. Para nos purificarmos, temos que fazer a nossa parte, como afirma o Talmud (Yomá 85b) que sem Teshuvá (retorno aos caminhos corretos) não existe purificação em Yom Kipur. Apesar da parte central do serviço de Yom Kipur ser o Vidui, não é suficiente apenas confessar os erros passados. A Teshuvá verdadeira deve vir acompanhada de um sincero arrependimento e um comprometimento com o futuro.

Podemos sair de Yom Kipur purificados, mas não devemos ter a ilusão que isto é suficiente para nos manter o ano inteiro livres de transgressões. Nossa meta na vida é crescer espiritualmente, de maneira constante, mas com a consciência de que nenhum crescimento ocorre da noite para o dia. É necessário um processo gradual, programado, que utiliza o tempo como um grande aliado. Segundo o judaísmo a pessoa que está em um caminho de crescimento, apesar de não ter ainda atingido o objetivo final, já está cumprindo a vontade de D'us, pois o caminho é parte do objetivo.

Em Yom Kipur devemos traçar uma estratégia para nosso crescimento durante o ano. Devemos mostrar para D'us que temos uma proposta de crescimento, que estamos nos preparando para abandonar aos poucos os nossos erros e superar as ilusões e obstáculos que nos derrubaram no último ano. Não devemos apresentar sonhos ou expectativas irreais, e sim planos concretos para um crescimento verdadeiro e sustentável. Se formos sinceros, conosco e com D'us, Ele certamente aceitará nossos planos, nos perdoará e nos selará para um ano de Brachót e realizações.

SHABAT SHALOM, GMAR CHATIMÁ TOVÁ e TZOM KAL (que seja um jejum leve).

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

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