sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

PROGRESSO: PASSADO OU FUTURO? - PARASHÁ ITRÓ 5772

"Um senhor idoso estava sentado em um banco na frente de sua casa, ao lado de seu filho que lia, concentrado, as notícias do jornal. De repente, o pai escutou um barulho e perguntou ao filho o que era aquilo. O filho desviou os olhos do jornal, olhou para o local que o pai havia indicado, respondeu que era apenas um pássaro que havia pousado ali e imediatamente voltou à sua leitura. Mais alguns instantes se passaram e o pássaro fez um novo ruído. Novamente o pai idoso perguntou o que era aquilo e o filho, já um pouco mal humorado, respondeu que era apenas um pássaro. Quando pela terceira vez o pai interrompeu o filho após escutar um barulho, o filho perdeu a paciência, estourou e começou a gritar:- Você está surdo? Você não escutou que é apenas um pássaro? Um pássaro!!! Só um pássaro!!! Nada mais do que um pássaro, entendeu?
O pai, calado e cabisbaixo, levantou-se do banco, entrou em casa e voltou alguns instantes depois, trazendo um livro na mão. Era um diário, que ele havia escrito muitos anos atrás, quando seu filho ainda era pequeno. Abriu em uma página, estendeu ao filho e mandou-o ler em voz alta. O filho começou:
- Hoje meu filho, que fez três anos há poucos dias, estava sentado comigo em um parque quando um pássaro veio em nossa direção. Meu filho me perguntou 21 vezes o que era aquilo e eu respondi, 21 vezes, que era um pássaro. Eu o abraçava cada vez que ele me fazia a mesma pergunta, sem ficar zangado, sentindo carinho pelo meu pequeno garoto...
O filho não conseguiu mais terminar de ler. Lágrimas rolavam do seu rosto. Ele abraçou e beijou seu pai, arrependido por ter perdido a paciência e tê-lo tratado tão mal"
Como diz o ditado, um pai pode cuidar de 10 filhos, mas 10 filhos não conseguem cuidar de um pai.
********************************************
A parte central da Parashá desta semana, Itró, e certamente o evento que mudou a história da humanidade, é a entrega da Torá no Monte Sinai, a primeira e única revelação de D'us para um povo inteiro, mais de 3 milhões de pessoas. D'us começou com a entrega das duas tábuas que continham os 10 Mandamentos. Por que duas tábuas e não apenas uma? Pois a primeira tábua continha os Mandamentos "Bein Adam LaMakom" (Entre o homem e D'us), como, por exemplo, não cometer idolatria nem pronunciar o nome de D'us em vão, enquanto a segunda tábua continha os Mandamentos "Bein Adam Lehaveiró" (Entre o homem e seu semelhante), como, por exemplo, não matar e não cometer adultério. D'us estava nos ensinando que não podemos ser rigorosos apenas no cumprimento das Mitzvót que são relacionadas com Ele, mas lenientes com as Mitzvót relacionadas aos outros seres humanos, pois todo aquele que causa um dano ao seu companheiro, tanto se for algo físico, emocional ou financeiro, é como se também estivesse causando um dano ao próprio Criador.
Mas se observarmos com cuidado os Mandamentos, surgem algumas perguntas. Por exemplo, o quarto Mandamento é "Lembre-se do Shabat para santificá-lo" (Shemot 20:8), enquanto o quinto Mandamento é "Honrarás teu pai e tua mãe, para que se alonguem seus dias sobre a terra que Hashem, teu D'us, dá para vocês" (Shemot 20:12). Será que existe algum motivo especial para D'us ter juntado estes dois Mandamentos? A pergunta fica ainda mais forte quando observamos, na Parashá Kedoshim, que estas duas Mitzvót são mencionadas juntas no mesmo versículo: "Todo homem deve respeitar sua mãe e seu pai, e Meu Shabat você deve observar. Eu sou Hashem, teu D'us" (Vayikrá 19:3). Qual a conexão entre estas duas Mitzvót aparentemente tão diferentes? Além disso, se a primeira tábua traz Mandamentos entre o homem e D'us, por que a Mitzvá de honrar os pais, que aparentemente é uma Mitzvá entre o homem e seu semelhante, foi escrita na primeira tábua? E, finalmente, é interessante perceber que a Mitzvá de honrar os pais é uma das poucas Mitzvót da Torá cuja recompensa está explicitamente escrita. Mas por que a Torá utiliza a linguagem "alongar seus dias", ao invés de "aumentar seus dias"? Quem cumpre a Mitzvá de honrar os pais faz com que seu dia fique mais longo?
Muitas vezes surgem dilemas morais em nossas vidas. Por exemplo, um cardiologista que está a caminho do casamento de sua própria filha e recebe um chamado urgente para operar um paciente que está entre a vida e a morte, o que ele deve fazer? O que é mais correto, deixar sua própria filha sozinha na Chupá e salvar a vida de um estranho? Quem pode responder perguntas deste tipo, onde os dois lados parecem ser corretos?
Quando D'us nos entregou a Torá, não recebemos apenas um livro, recebemos um "Manual de instruções" da vida. Portanto, a Torá deve conter todos os ensinamentos que precisamos para tomar sempre as decisões corretas, inclusive quando surgem dilemas morais.
 Explica Rashi, comentarista da Torá, que a proximidade entre os assuntos de Shabat e honrar os pais nos ensina a resolver um difícil dilema moral. A Torá obriga os filhos a respeitarem seus pais, e também a Torá nos obriga a guardar o Shabat, evitando fazer qualquer atividade criativa neste dia. Mas o que acontece se os pais nos ordenam a desrespeitar o Shabat? O que prevalece? A ordem das Mitzvót no versículo nos ensina que devemos respeitar os pais, mas se eles nos ordenarem a quebrar o Shabat ou qualquer outra Mitzvá da Torá, estamos isentos de escutá-los. Por que? A explicação está nas últimas palavras do versículo, "Eu sou Hashem, teu D'us". É como se D'us estivesse dizendo: "Eu comandei a vocês escutarem seus pais, mas Eu também comandei seus pais a guardarem Meu Shabat. Por isso, se seus pais ordenarem que Meu Shabat seja quebrado, vocês estão isentos de escutá-los, pois Eu sou D'us, Quem criou todas as leis da Torá".
Mas se o ensinamento é em relação a todas as Mitzvót da Torá, isto é, que estamos isentos de escutar nossos pais se eles forem contra qualquer uma das 613 Mitzvót que D'us nos comandou, por que justamente o Shabat foi escolhido para nos transmitir este ensinamento?
Outra grande pergunta, que muitos educadores tentam responder, é por que os jovens atualmente desrespeitam tanto seus pais? Não estamos falando de casos extremos, como o de jovens que chegam a utilizar violência física e moral contra seus pais. A pergunta é sobre a maioria dos jovens, pessoas normais, mas que tratam seus pais como se fossem colegas de escola, passando por cima de suas ordens e tomando suas próprias decisões sem levar em consideração a opinião dos pais. Qual é a fonte deste desrespeito? Por que os jovens já não escutam mais a orientação e a experiência de seus pais?
Explica o Rav Yaacov Kamenetzky que a resposta está justamente na proximidade entre os conceitos do Shabat e de honrar os pais. O Shabat representa a Emuná (fé) de que D'us criou o mundo em 6 dias e descansou no sétimo dia. Todo aquele que guarda o Shabat demonstra, através do seu ato de respeito, que ele acredita que foi D'us Quem criou o universo e o primeiro homem, Adam Harishon, à Sua imagem e semelhança, isto é, em um nível espiritual muito alto. Portanto, esta pessoa consegue automaticamente entender que cada geração acima de nós estava mais próxima da Criação e, portanto, é mais meritória de receber respeito. Já uma pessoa que acredita que o mundo é uma grande "coincidência" e que viemos de simples proteínas que se juntaram ao acaso e formaram a vida, quanto mais a geração se afasta do "Big Bang", mais evoluída se torna. Portanto, cada nova geração se sente mais meritória do que a anterior.
O próprio Rav Yaacov Kamenetzky, quando já tinha certa idade, vivenciou este conceito ao viajar de avião acompanhado por seus filhos e netos. Ao seu lado viajava um professor israelense não-religioso que durante toda a viagem observou, surpreso, os netos do rabino vindo a todo instante para servi-lo ou apenas para verificar se estava tudo bem. Ele questionou como o rabino conseguia ter netos que o respeitavam tanto, já que ele também tinha alguns netos, mas que não lhe davam o mínimo respeito. O rabino respondeu que o professor havia ensinado aos seus netos que eles descendiam do macaco. Portanto, cada geração que passa se afasta mais dos macacos e torna-se mais evoluída e, portanto, era ele quem deveria honrar seus netos. Já os netos do rabino haviam aprendido que eles descendem de Adam Harishon, um ser criado à imagem e semelhança de D'us, e cada geração que passa vai sofrendo uma queda espiritual e se afastando da criação inicial. Portanto, eles entendem que o avô está em um nível mais elevado que eles e, por isso, o respeitam tanto.
A visão judaica nos ajuda a ver o passado com um brilho especial, justamente ao contrário da Cultura Ocidental, que enfatiza o progresso e vê o passado como algo velho e decadente. O judaísmo enfatiza que devemos viver de acordo com os ensinamentos da Torá, que foram entregue há mais de 3 mil anos e, apesar disso, continuam completamente atuais. Em Lashon Hakodesh, a palavra "progresso" é "Kadima", que vêm da mesma raiz de "Kedem", que significa "passado". Segundo a Torá, o progresso verdadeiro deve estar conectado com os valores do passado, pois estes valores verdadeiros e eternos podem nos ajudar muito em nossas vidas. Se não há respeito pelo passado, não há futuro.
É por isso que atualmente os jovens não respeitam mais seus pais, pois em suas vidas D'us não está mais presente. Para a juventude, a religião tornou-se algo mecânico, que se pratica apenas nas poucas vezes em que vão à sinagoga, sem nenhuma importância para seu cotidiano. Por isso, o respeito aos pais virou algo antiquado. Nos sentimos mais modernos que nossos pais, pois conhecemos melhor do que eles os computadores, os Ipads e os smartphones. Apenas nos esquecemos que eles têm algo que demoraremos muito para ter: experiência de vida.
Portanto, isto ajuda a explicar por que a recompensa de honrar os pais é "alongar seus dias". No nosso dia-a-dia, por inexperiência, perdemos muito tempo. Por causa de pequenos erros muitas vezes precisamos refazer as mesmas coisas várias vezes. Por isso, aquele que honra seus pais e escuta seus ensinamentos, que aproveita a experiência de vida que eles têm a oferecer, aproveita muito melhor seu tempo e evita muitos erros, fazendo com que seus dias sejam mais bem vividos, como se fossem mais longos.
Qualquer ser humano é criado através de uma "sociedade" entre o pai, a mãe e D'us. Portanto, quando um filho honra seus pais, D'us também é honrado, pois Ele diz: "Se eu estivesse ali com eles, também estaria recebendo esta honra". Mas se um filho não respeita seus pais, D'us também se sente desrespeitado e diz: "Se eu estivesse ali com eles, também estaria sendo desrespeitado". É por isso que o quinto Mandamento, que nos comanda a honrar nossos pais, apesar de ser entre o homem e seu semelhante, está na primeira tábua, junto com os outros Mandamentos entre o homem e D'us.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
Ex. 18:1-20:26, Is. 6:1-7; 9:6-7, Mt. 5:8-20

Nenhum comentário:

Postar um comentário