sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

DESTRUINDO O INIMIGO - PARASHÁ MISHPATIM 5772

"Um dos mais famosos presidentes dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, certa vez foi duramente criticado por seus opositores. O motivo das críticas era a política de boa vizinhança que ele utilizava no tratamento com seus inimigos. Durante um discurso público, ele foi duramente questionado por um jornalista:
- Senhor presidente, por que você tenta ser amigo de seus inimigos?
- O que você acha que eu deveria fazer com eles? – perguntou o presidente.
- Você deveria destruí-los – respondeu o jornalista.
- Mas não é exatamente isto o que eu estou fazendo? - respondeu o presidente, sorrindo - Toda vez que eu fico amigo de alguém que não gostava de mim, eu estou destruindo um inimigo..."
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A Parashá desta semana, Mishpatim, traz muitas Mitzvót "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e seu semelhante), que nos ensinam o quanto D'us se importa com o nosso comportamento em relação aos outros seres humanos. Na realidade, um dos maiores indicadores da grandeza de um ser humano é a maneira como ele se comporta com as outras pessoas.
Sabemos que não é fácil ser uma boa pessoa. Passar por cima de ressentimentos, saber abrir mão do que gostamos para evitar uma briga, saber perdoar quando somos ofendidos, ser extremamente cuidadosos com a honra e a propriedade dos outros. É necessário um trabalho constante para conseguir controlar nossas más características, como a raiva e o orgulho, e desenvolver nossas boas características, como a humildade e a bondade.
Será que somos realmente boas pessoas? Por exemplo, imagine uma situação em que você é ofendido em público por outra pessoa. Você fica extremamente magoado, envergonhado pelo constrangimento público que passou. Alguns dias depois, ainda com o ego machucado, você está passando pela rua e vê seu desafeto em uma situação difícil. Você conseguiria não sentir alegria ao vê-lo na pior? Você venceria seu ressentimento e iria ajudá-lo?
Há uma Mitzvá na Parashá que nos ensina o quanto estamos distante do nosso verdadeiro potencial, o quanto estamos afastados do nível que D'us espera que possamos alcançar: "E se você vir o burro de uma pessoa que você odeia caído sob sua carga, você vai deixar de ajudá-lo? Você deve ajudar com ele" (Shemot 23:5).
Mas se prestarmos atenção nos detalhes desta Mitzvá, surgem vários questionamentos. Em primeiro lugar, a Torá nos proíbe veementemente de odiar outra pessoa, como está escrito: "Não odeie seu irmão em seu coração" (Vayikrá 19:17). Então por que a Torá traz justamente o exemplo de alguém que odeia seu companheiro? Além disso, quando a Torá nos comanda a ajudar nosso inimigo, por que utiliza a linguagem "Azov", que também significa "abandone", ao invés de "Azor, que significa "ajude"? E finalmente, por que Torá utiliza uma linguagem repetida, "Azov Taazov"?
Explica o Talmud (Pessachim 113b) que o versículo está falando sobre um ódio permitido pela Torá. Que ódio permitido é este? Segundo a Torá, uma pessoa só pode ser condenada por um tribunal através do testemunho de duas pessoas. Mas se uma transgressão foi testemunhada por apenas uma pessoa, de nada adianta esta pessoa ir ao tribunal para relatar o que viu. Esta pessoa, que testemunhou sozinha uma transgressão e não pode fazer a justiça se cumprir, desperta em seu coração um ódio pelo transgressor. É este o ódio ao qual o versículo se refere, um ódio permitido, que vem da vontade de fazer justiça e de zelar pelo nome de D'us, como está escrito: "O temor a D'us é odiar o mal" (Mishlei – Provérbios 8:13). Mas se foi a Torá mesma que nos permitiu odiar esta pessoa pelo grave erro que cometeu, então por que agora a Torá nos obriga a ajudá-la?
Para aumentar ainda mais a pergunta, o Talmud (Baba Metzia 32b) explica que se há, no mesmo momento, uma pessoa necessitando de ajuda para carregar seu burro e outra necessitando de ajuda para descarregar seu burro, a prioridade é ajudar aquele que precisa descarregar seu burro, para evitar causar um sofrimento desnecessário ao animal que já terminou seu trabalho. Mas o Talmud diz que, se no mesmo momento há um burro de um inimigo necessitando de ajuda para ser carregado e um burro de um amigo necessitando ser descarregado, a Mitzvá é ajudar primeiro o inimigo a carregar seu burro, indo contra a lógica apresentada anteriormente de que o ato de descarregar um animal tem prioridade sobre o ato de carregar . O que há de tão especial na Mitzvá de ajudar um inimigo que justifica inclusive passar por cima de outras Mitzvót?
Explica o livro "Lekach Tov" que as Mitzvót foram entregues para refinar o caráter do ser humano e ajudá-lo a vencer sua má-inclinação. No caso em que existe um ódio entre duas pessoas, mesmo que é um ódio permitido pela Torá, D'us quer ensinar o ser humano a vencer as suas tendências naturais e a desenvolver seu autocontrole, mesmo em situações extremas, para assim chegar à perfeição. O propósito das Mitzvót é arrancar do coração do ser humano qualquer resquício de maldade e ajudá-lo a se purificar completamente. Portanto, neste caso a Torá isentou a pessoa de outras Mitzvót para que ela pudesse refinar seu caráter e tirar do coração o ódio que sente pelo seu inimigo.
Mesmo nos casos em que a Torá nos deu permissão de sentir ódio, a permissão é apenas de odiar o ato, mas nunca de odiar a pessoa. Porém, quando deixamos o sentimento de ódio entrar em nosso coração, abrimos a possibilidade de que este ódio se espalhe e acabe se tornando um ódio pessoal, que é proibido e muito grave. É por isso que a Torá utilizou a linguagem "Azov", pois apesar de ser um ódio permitido, apesar de termos inclusive a possibilidade de corrigir a pessoa que errou com uma bronca ou até um castigo, é melhor para nós mesmos abandonar este sentimento e tirar completamente o ódio do nosso coração. Pois da mesma forma que D'us poderia constantemente nos corrigir através de castigos, mas muitas vezes Ele aguarda com paciência e amor o nosso arrependimento, assim temos que fazer com o próximo, tentar trazê-lo de volta aos caminhos corretos com amor e não com gritos.
E por que a repetição "Azov Taazov"? A explicação mais simples é que devemos repetidamente ajudar o nosso inimigo, quantas vezes for necessário, até que seu burro readquira a firmeza para continuar sua caminhada. Mas há uma explicação um pouco mais profunda. No momento em que a pessoa tira do seu coração o ódio que sentia pelo transgressor, no Tribunal Celestial também as suas próprias transgressões são canceladas, como ensinam os nossos sábios: "Aquele que passa por cima de suas características, passam por cima de todas as suas transgressões". A linguagem repetitiva ressalta que, se tratamos com misericórdia aqueles que transgridem, assim também seremos tratados com misericórdia por D'us quando transgredirmos. Mas se formos sempre rigorosos com todos, também nosso julgamento celestial será muito rigoroso e detalhado.
Portanto, mais ódio que sentimos dos nossos inimigos de carne e osso devemos sentir do nosso verdadeiro inimigo, o Yetzer Hará (má inclinação), que tenta desviar nosso coração do trabalho espiritual de purificação que viemos fazer neste mundo. E uma das principais maneiras de derrotar o Yetzer Hará é deixando de fora qualquer sentimento negativo, como raiva e ressentimento, mesmo quando forem permitidos.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
Ex. 21:1-24:18, Reis 11:17-12:17, Mt. 17:1-11(Shabat Sh`kalim)

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