domingo, 12 de fevereiro de 2012

Por que a crise não é o fim do capitalismo

Paulo Guedes

O capitalismo nunca foi tão disseminado. Pergunte aos chineses o que eles acham das previsões pessimistas.
É mesmo o fim dos tempos para o capitalismo?
A civilização ocidental está condenada ao declínio?
A grande crise contemporânea demonstra o fracasso das democracias liberais e suas economias de mercado?
O avanço da globalização piorou a distribuição de renda no mundo. Reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, financistas, políticos e intelectuais exibiram seu pessimismo. A nova ordem global, diziam, está na mais completa desordem. A celebração anual de uma “Era dos Excessos” em Davos tornou-se agora um Muro das Lamentações. O que os economistas chamavam de “A Grande Moderação”, para sua eterna vergonha, foi na verdade uma época de absoluta falta de moderação. Os financistas anglo-saxões sabem de seus abusos, estimulados por bancos centrais que promoveram excessos com dinheiro barato e regulamentação frouxa. Sabem também de seus excessos os políticos de uma obsoleta social-democracia europeia, que arruinou as finanças públicas de seus países a pretexto de promover o bem-estar social. Quando celebravam seu sucesso em Davos, exibiam suas pretensas virtudes e sabedoria. Agora, sob os efeitos devastadores da farra do crédito e da irresponsabilidade fiscal, financistas e políticos dissimulam hipocritamente sua contribuição à crise contemporânea. A culpa é do capitalismo.
E o que dizer dos bem pagos intelectuais, que sempre enfeitaram com seu brilho as celebrações dessa época de excessos? Ora, dizem todos agora que é o fim do capitalismo. Por ressentimento com os privilégios dos financistas? Em busca de atenção e influência? Ou pelo simples cacoete ideológico de renovação das profecias do fim do capitalismo? Afinal, continuará parecendo respeitável falhar miseravelmente nessas previsões desde que na ilustre companhia de economistas como o alemão Karl Marx (1818-1883) ou o austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950).
Ora, nunca antes na história tantos praticaram o capitalismo, em suas mais variadas versões. Somos um organismo vivo, a população mundial estreitamente conectada pela teia dos mercados globais. As democracias e os mercados são instituições extraordinariamente flexíveis. Bombardeados por choques colossais nas últimas duas décadas, são em princípio capazes também de extraordinários saltos evolutivos. Mas, comprimidos numa estreita janela de tempo, agonizam sob enorme esforço de adaptação para acomodar em seus mercados de trabalho o mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos, deserdados pelo colapso do socialismo. Como absorver esse formidável aumento de produção eurasiana sem vergar ante as ameaças da desindustrialização e do desemprego em massa? E isso está ocorrendo ao ritmo alucinante das novas tecnologias, que agravaram as pressões de uma competição em escala global.
O capitalismo nunca foi tão disseminado. Pergunte aos chineses o que eles acham das previsões pessimistas .
Os governos ocidentais em sua maior parte tentam evitar as reformas exigidas para enfrentar esses novos desafios. Recorreram a velhos e perigosos truques para manter artificialmente o crescimento econômico. O resultado é desastroso. Estão abalados os alicerces dos modernos regimes fiduciários. Os abusos de financistas e políticos quebraram a confiança do público nos bancos e nos governos.
As economias avançadas chegaram ao fim de um ciclo longo e agora estão paradas para conserto. Mas há outra dinâmica em funcionamento: a maior prosperidade dos países emergentes, que prosseguem em crescimento, mesmo desacelerando em meio à crise global. Não é só Bill Gates que diz, com uma perspectiva histórica, que o “mundo está muito melhor hoje”. Os bilhões de eurasianos que saem da miséria pelo mergulho nos mercados globais em busca de inclusão social também têm a mesma opinião. Pergunte particularmente aos chineses o que acham de sua inserção na ordem capitalista.
A distribuição de renda piorou em países que perderam competitividade industrial e sopraram bolhas financeiras no processo de globalização. Os ganhos salariais dos trabalhadores ficaram travados pela competição global, enquanto a especulação imobiliária e financeira criava riqueza de papel. Mas é inegável que aumentaram a produtividade e os salários dos trabalhadores eurasianos competindo nas mesmas indústrias. A diminuição das diferenças salariais se estende agora para os profissionais liberais e ao setor de serviços, em função do melhor nível educacional e da maior produtividade da mão de obra desses países. Ao contrário das previsões sombrias, com os desenvolvidos no atoleiro e o crescimento dos emergentes, a distribuição mundial de renda deve continuar melhorando nos próximos anos.

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