segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Embuste ideológico

Por Denis Lerrer Rosenfield*

Esta semana finalmente irá a voto, no plenário do Senado, o novo Código Florestal. O adiamento de última hora foi nada mais que fruto de uma manobra regimental do PSOL para postergar a votação, apostando num atraso generalizado, envolvendo também a Câmara dos Deputados. O status quo tende a favorecer os grupos mais radicais, inconformados com o consenso, a negociação e o entendimento alcançados pelas duas Casas Legislativas, com o apoio e a participação do próprio governo.
A situação não deixa de ser inusitada, pois o entendimento é fruto de consenso suprapartidário, em que desapareceram as clivagens partidárias, pela necessária modernização da legislação. As particularidades foram deixadas de lado em nome de um bem maior. Não se trata de opor agricultura/pecuária ao meio ambiente. As próprias palavras são mal utilizadas, procurando obscurecer, em vez de esclarecer, um debate que se mostrou profícuo e extremamente importante para o futuro do País.
Há, no entanto, um ambientalismo radical que se recusa a qualquer composição e acaba mostrando sua face autoritária. Poderíamos defini-lo como o rescaldo de uma concepção rousseauniana eivada de tinturas marxistas. Segundo tal concepção, a natureza seria uma espécie de reino idílico que deveria servir de exemplo e mesmo de alternativa à moderna sociedade capitalista. Os "alimentos" seriam apenas "colhidos". Haveria uma espécie de comunismo primitivo, no qual não existiria propriedade privada e os homens viveriam em harmonia entre si e com a natureza.
Ainda conforme tal concepção, surge a ideia de que indígenas e ribeirinhos seriam os depositários da floresta, que deveria ser mantida intacta, como se o Brasil já não tivesse na Amazônia mais de 80% de florestas nativas preservadas e, em todo o território nacional, 61%. Algum outro país ostenta esses índices?
O matiz marxista traduz-se também pela oposição mais feroz ao direito de propriedade e à segurança jurídica, como se estes devessem ser severamente restringidos ou até, numa solução utópica, suprimidos. Expressões ainda dessa postura se fazem presentes na contestação do agronegócio e, também, da política energética do atual governo, em especial a construção de hidrelétricas, tendo como símbolo mais eloquente toda a campanha contra a Usina de Belo Monte. Afinal, a produção de energia hidrelétrica, de acordo com essa concepção, nada mais seria do que a perpetuação da moderna sociedade industrial e capitalista.
Evidentemente, nem é posta a questão básica de como alimentar uma nação de milhões de habitantes e um planeta de bilhões, o que passa necessariamente pela produção de alimentos e pelo cultivo da terra em larga escala. Se as pessoas têm energia em casa, isso não cai do céu. Nem os indígenas querem mais viver sem os confortos da vida moderna, que almejam como objetivo a ser atingido. Somente os ideólogos do ambientalismo radical defendem tal posição.
Nesse sentido, convém distinguir entre desmatamento e cultivo da terra. O desmatamento com fins meramente predatórios, arbitrários, deve ser cuidadosamente diferenciado do cultivo da terra, da agricultura e da pecuária, mantendo, igualmente, uma atitude de preservação ambiental. Hoje, por exemplo, na produção de florestas de eucaliptos, áreas expressivas são deixadas à reprodução de florestas nativas. Produção e conservação andam - e devem andar - de mãos dadas.
Os problemas de desmatamento na Amazônia, por sua vez, não são fruto da "avidez pelo lucro", mas da falta pura e simples de Estado, que se traduz pela ausência de cartórios, de títulos confiáveis e legítimos de propriedade. Numa terra de ninguém, proliferam a grilagem, a exploração predatória e a irresponsabilidade. Eis por que o processo de regularização fundiária em curso pode ser um poderoso instrumento de controle ambiental. O produtor rural é responsável por sua propriedade e deve obrigatoriamente seguir a lei. Já o grileiro é um mero predador, não sendo responsável por nada. Nem o Estado consegue responsabilizá-lo.
Ademais, não deixa de ser curioso que o MST, aliando-se aos ambientalistas radicais por sua posição anticapitalista, seja também um dos maiores responsáveis pelo desmatamento na Amazônia, como já tem sido sobejamente noticiado. Vale aqui somente a postura ideológica, o discurso contra a economia de mercado.
Da mesma maneira, ONGs internacionais estão agora alardeando em Durban, na África do Sul, que o novo Código Florestal já está - aliás, antes da sanção presidencial - levando a novos desmatamentos. Nada mais longe da verdade. O novo código dificulta novos desmatamentos, estabelecendo como linha de corte as áreas consolidadas em junho de 2008. Qualquer novo desmatamento que não siga as regras em vigor deverá ser severamente punido. Fingir nada saber é uma forma de embuste ideológico.
Por último, o ambientalismo radical nutre aversão pela democracia. Está simplesmente advogando que a presidente da República vete artigos importantes do novo Código Florestal. Com isso transmite a mensagem de que não aceita um longo trabalho da Câmara dos Deputados, do Senado e do Palácio do Planalto visando a um entendimento conjunto. A opinião pública participou ativamente desse debate. Todas as partes se expressaram publicamente.
Enquanto esses ambientalistas reinavam no Ministério do Meio Ambiente, e também na opinião pública, acostumaram-se, por demais, a atos administrativos para "regular" o meio ambiente e tudo fizeram para impedir o progresso científico graças a suas ações na CTNBio. Recusam-se ao diálogo, pois estão firmemente imbuídos de uma missão quase religiosa, como se exigissem simplesmente ser acatados e obedecidos. A democracia passa por debates, convencimentos e processos legislativos. É isso que está sendo negado.

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
Artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo

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