domingo, 7 de agosto de 2011

O preço dos alimentos seguirá pressionado

O Estado de S. Paulo

José Roberto Mendonça de Barros

A produção brasileira de grãos passou de 1.258 quilos por hectare na safra 76/77 para 3.274 quilos na safra 2010/11.
Em 2001 apresentei, junto com Juarez Rizzieri e Paulo Picchetti, uma avaliação da evolução dos preços de alimentos no País, buscando capturar parte dos benefícios da pesquisa agrícola, que induz a queda de preços. Evidentemente, nem toda queda de preços no varejo decorre da pesquisa; por exemplo, melhoras na organização da produção, na qualidade do empresário agrícola e da mão de obra e no sistema de comercialização podem levar a alimentos mais baratos. Entretanto, o nexo do sucesso da pesquisa agrícola que leva à elevação na produtividade, resultando em maior produção e queda de preços, é amplamente estabelecido na literatura.
Trabalhamos com os dados mensais do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe para a cidade de São Paulo, para o período que vai de janeiro de 1975 a dezembro de 2000. O índice da Fipe tem algumas vantagens, em particular a sistemática revisão dos orçamentos familiares e o fato de ser o único índice onde todos os produtos têm seus preços coletados todas as semanas. Nossa cesta de produtos é composta de leite, carne bovina, frango, arroz, feijão, laranja, tomate, cebola, batata, banana, açúcar, alface, café, cenoura, mamão, ovo, óleo de soja. É um conjunto bastante representativo do item alimentação. Os preços individuais e a cesta geral são comparados com o IGP da Fundação Getúlio Vargas.
Graças ao trabalho do excelente colega Juarez, os índices foram atualizados até maio deste ano e revelam uma queda extraordinária: de 48% entre dezembro de 1974 e final de 1989; de 50% entre 90 e 99 e, finamente uma queda final de 20,8% entre janeiro de 2000 e agosto de 2006.
Não tenho dúvidas que a primeira e mais forte razão para a elevação do poder de compra da população, especialmente de baixa renda, é a redução persistente no custo da alimentação.
É certo que uma redução de preços de tamanha magnitude é resultado de um conjunto de fatores. Entretanto, sem uma forte elevação da produtividade, que evidentemente decorre em boa parte dos efeitos da pesquisa, seria impossível aos agricultores absorver tais reduções de preços sem uma ruptura na oferta. A produção brasileira de grãos passou de 1.258 quilos por hectare na safra 76/77 para 3.274 quilos na safra 2010/11.
Na verdade, o período coberto pela presente análise mostrou uma constante expansão da oferta de alimentos, tanto para o mercado interno quanto para exportação. Em termos de grãos, a colheita cresceu de algo como 50 milhões de toneladas para mais de 160 milhões nos dias de hoje, com modesta elevação da área cultivada. Como o Brasil tem algo entre 50 milhões e 90 milhões de hectares de pastagens degradadas que podem ser reaproveitadas, o País pode produzir energia renovável sem prejudicar a produção de alimentos e sem derrubar florestas, caso praticamente único no mundo.
A queda de preços continuou forte até meados de 2006, quando houve uma reversão, de sorte que, entre setembro de 2006 e maio deste ano, a cesta de alimentos subiu 13,6% em termos reais, a despeito da valorização do real.
Como a produção e a produtividade continuaram a crescer nos anos recentes, é claro que algo mais deve explicar a elevação das cotações. A forte elevação da demanda de alimentos pelos países emergentes bem-sucedidos, liderados pela China, alterou o equilíbrio nos mercados internacionais, implicando em elevações de preços, mesmo com a oferta global crescendo, especialmente a partir de 2000.
De fato, a produção mundial de milho, soja, trigo e arroz, que foi de 1,76 bilhão de toneladas na safra de 2000/01, cresceu para 2,18 bilhões de toneladas na safra de 2010/11, uma expansão de 24%. Reforça o argumento lembrar que os estoques globais de alimentos se reduziram nos últimos anos. No mesmo período e para os mesmos produtos, os estoques caíram de 563 milhões de toneladas para 473 milhões. A maior instabilidade climática e volatilidade nos mercados futuros também tem um papel neste processo. Porém, estamos convencidos que o fundamento básico da alta dos preços é a força da demanda, que tem tudo para continuar. Como escreveu recentemente o ex-ministro indiano J Singh, "os trabalhadores da Índia e da China agora querem um padrão de vida melhor, exigência que nem o sistema político de controle rigoroso da China pode ignorar". De fato, é muito provável que a expansão asiática continue forte nos próximos anos, a despeito de riscos maiores na China mais adiante, como tive oportunidade de discutir aqui no Estado recentemente.
Dessas observações podemos tirar pelo menos três conclusões.
Em primeiro lugar temos aqui mais um exemplo de que o mundo não começou em janeiro de 2003, como querem alguns.
Em segundo lugar, o preço dos alimentos deverá continuar a pressionar a inflação, e a política econômica deveria levar isso em consideração.
Finalmente, uma boa política agrícola nunca foi tão importante. A continuidade da inclusão social também depende muito disto.
P.S.: A turbulência destes dois dias não altera minha visão do mercado de alimentos acima apresentado, embora a volatilidade vá se manter alta.

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