sábado, 13 de agosto de 2011

AUTOCONTROLE – PARASHÁ VAETCHANAN 5771 (12 de agosto de 2011)

O rabino Moshe Feinstein foi um dos maiores sábio de Torá dos Estados Unidos durante grande parte do século passado. Escreveu diversos livros, em especial sobre Halachá, a lei judaica, demonstrando um incrível conhecimento. Mas além do seu estudo, Rav Moshe, como era carinhosamente conhecido por todos, era um modelo de bondade, compaixão e preocupação com os outros. Ele conseguiu, através do estudo da Torá e do cumprimento das Mitsvót, trabalhar seu caráter pessoal em um nível quase sobre humano. Isto pode ser verificado em várias histórias contadas por seus parentes e alunos mais próximos.
Entre as histórias, uma nos chama a atenção pelo grande nível de autocontrole atingido pelo Rav Moshe Feinstein. Certo dia ele estava na sinagoga, concentrado nos seus estudos, fazendo anotações em sua Guemará (livro da Torá Oral). Alguém o interrompeu em certo momento e ele deixou brevemente sua mesa para resolver algo fora da sinagoga. Enquanto ele estava fora, um dos seus alunos teve curiosidade de ler as anotações que o rabino havia feito na Guemará. Mas ao se aproximar, acidentalmente ele derrubou um frasco de tinta azul sobre a Guemará do Rav Moshe Feinstein, deixando a página completamente azul.
O aluno entrou em pânico. Ele havia estragado a Guemará de um dos maiores rabinos da geração! Se sentiu tão envergonhado que não conseguiu nem mesmo se mover para se afastar dali. Quando o Rav Moshe Feinstein voltou para sua mesa e viu sua Guemará completamente arruinada e seu aluno paralisado de medo, abriu um grande sorriso e disse carinhosamente:
- Sabe que azul é a minha cor favorita? O livro ficou ainda mais bonito agora do que antes.
Então o Rav Moshe Feinstein sentou-se e voltou a estudar, como se nada tivesse acontecido"
Muitas pessoas gostariam de ter autocontrole para nunca ofender outro ser humano. Mas apenas querer não é suficiente. A única maneira de atingir níveis espirituais elevados é através de muito esforço e dedicação.
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Na Parashá desta semana, Vaetchanan, Moshé continuou com seu discurso de despedida. A Parashá também traz o Shemá Israel, uma das maiores expressões de Emuná (fé) do povo judeu, e a repetição dos 10 Mandamentos, que já haviam sido ensinados na Parashá Itró.
No final da Parashá, aprendemos a importância da transmissão da Torá aos filhos. E assim está escrito: "E quando seu filho perguntar no futuro: 'O que são os testemunhos, os estatutos e as leis que Hashem, nosso D'us, comandou a você?'. E você deve contar ao se filho: 'Nós fomos escravos do Faraó no Egito, e D'us nos tirou do Egito com mão forte... E D'us nos comandou a cumprir todos estes estatutos, e temer a D'us, para o nosso bem, todos os dias, para nos dar vida como este dia" (Devarim 6:20,21,24).
Mas este versículo, muito conhecido por fazer parte da Agadá de Pessach, na pergunta do filho Chacham (sábio), desperta uma pergunta. Se o filho perguntou ao pai "o que são estas Mitsvót", por que o pai respondeu "D'us nos tirou do Egito"? Por que não disse diretamente que são as leis que D'us nos comandou?
Uma pergunta semelhante surge ao observarmos atentamente os Mandamentos da Torá. Logo no primeiro Mandamento está escrito "Eu sou teu D'us, que te tirei da terra do Egito" (Devarim 5:6). A saída do Egito foi acompanhada de muitos milagres, mas que envolviam apenas modificações da natureza existente. Já na criação do mundo os milagres foram muito maiores, pois toda a natureza foi criada a partir do nada. Portanto, a demonstração do poder e da grandeza de D'us foi muito maior na criação do mundo do que na saída do Egito. Então por que não está escrito no primeiro Mandamento "Eu sou teu D'us, que criou o mundo"?
Ibn Ezra, um famoso comentarista da Torá, nos ensina que o filho não está questionando "o que são as Mitsvót", e sim "por que recebemos um jugo maior do que as outras pessoas?". Quando a Torá começa respondendo que D'us nos tirou do Egito, está nos ensinando uma importante lição: as Mitsvót foram entregues para o nosso próprio bem. Da mesma forma que D'us nos tirou do Egito por bondade, assim também o comando das Mitsvót foi uma grande bondade. D'us também preferiu associar o primeiro Mandamento à saída do Egito para nos ensinar que da mesma maneira que toda a redenção do Egito foi para o nosso benefício, assim também as Mitsvót são para o nosso próprio benefício.
Poderíamos pensar que a Torá se refere aos benefícios que teremos no Mundo Vindouro, onde aproveitaremos, por toda a eternidade, o prazer da proximidade de D'us. Mas explica o Sforno, comentarista da Torá, que apesar do principal benefício das Mitsvót realmente ser no Mundo Vindouro, elas também nos trazem vida neste mundo.
Nossos sábios utilizam muito a expressão "jugo das Mitsvót". Por que? Jugo é uma palavra utilizada para descrever a peça de madeira que fica sobre o pescoço do boi durante seu trabalho no campo. O jugo, à primeira vista, é algo negativo, que prende o boi. Mas o que aconteceria se o boi trabalhasse sem o jugo? O tempo inteiro ele se desviaria do caminho, não conseguindo fazer seu trabalho. O jugo é justamente o que mantém o boi em linha reta, ajudando-o a fazer o que ele necessita. O mesmo benefício obtemos com as Mitsvót. À primeira vista parece que elas nos prendem e nos limitam, parecem um peso sobre nossos pescoços, mas a verdade é que as Mitsvót nos ajudam a não desviar do caminho correto. As Mitzvót nos dão autocontrole, nos dão equilíbrio e estabilidade emocional. Em um mundo tão complicado, com relacionamentos humanos cada vez mais difíceis, a Torá surge como uma bóia que não nos deixa afundar. Isto explica porque a cada dia mais pessoas, por mais afastados que estejam, começam a voltar ao cumprimento das Mitsvót.
Estes conceitos nos ajudam a entender um difícil Midrash (parte da Torá Oral) que se refere à época da destruição do nosso Beit-Hamikdash (Templo Sagrado). Assim está escrito: "Eles pecaram duplamente, foram castigados duplamente e serão consolados duplamente" (Yalkut Eichá). O que significa que o erro, o castigo e o consolo serão em dose dupla?
A resposta está na explicação de Ibn Ezra de que as Mitsvót foram comandadas para o nosso próprio benefício. Por isso, quando uma pessoa comete uma transgressão, ela comete dois crimes: um é a rebeldia contra D'us, o outro é um crime contra si mesmo, por ter causado para si a perda de uma Mitzvá. Consequentemente o castigo também é em dobro: não apenas D'us castiga a pessoa pela desobediência, como um pai que castiga seu filho para discipliná-lo e fazê-lo voltar aos caminhos corretos, mas também a pessoa é castigada com a perda do benefício que receberia pela Mitzvá. E finalmente o consolo também será em dobro: um dia finalmente entenderemos o benefício real de cada Mitzvá e, além disso, enxergaremos que os castigos que D'us nos mandou também foram para o nosso bem, para nos prevenir de perdermos nossa recompensa eterna.
Precisamos mudar nossa forma de olhar para as Mitsvót. D'us não ganha nada quando colocamos Tefilin, fazemos uma Tefilá (reza) ou acendemos as velas de Shabat. Quem ganha somos nós mesmos, tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro. E o maior ganho neste mundo é o nosso autocontrole. A Torá nos ajuda a ser donos da nossa vontade, transformando o corpo material em algo espiritual. Apenas querer crescer não é suficiente, as Mitsvót nos levam a praticar e a conquistar avanços diários. Não apenas para competirmos, mas para chegarmos a ser como o Rav Moshe Feinstein, entre tantos outros grandes rabinos, que se tornaram verdadeiros campeões de bondade, sensibilidade e autocontrole.
Shabat Shalom
Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Dt. 3:23·7:11, Is. 40:1-26, Mt 23:31-39




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