sábado, 26 de julho de 2014

O VALOR DE UMA VIDA - PARASHÁ MASSEI 5774

"Alguns anos atrás, cerca de 600 pessoas formadas em advocacia prestavam um exame na Califórnia para demonstrar que estavam aptas a exercer sua profissão. Algum tempo após o início da prova, um dos participantes, um homem com cerca de 50 anos, deu um grito e caiu desmaiado. Os médicos foram chamados, mas enquanto não chegavam, duas pessoas que conheciam as técnicas de primeiros socorros, ao constatarem que o homem havia sofrido uma parada cardíaca, imediatamente começaram a administrar os procedimentos de reanimação cardiorrespiratória.

Quando os médicos chegaram, imediatamente assumiram o caso, permitindo que as duas pessoas voltassem aos seus exames. Porém, com toda aquela situação, eles haviam perdido quase 40 minutos de prova, o que certamente faria uma grande diferença no resultado final. Eles então pediram ao supervisor a permissão de permanecerem fazendo a prova por mais 40 minutos depois que todos terminassem, mas o pedido foi veementemente negado. Sentindo-se prejudicados, os dois levaram o caso a instâncias superiores, para tentar ganhar a chance de fazer uma nova prova, mas o responsável geral pelo exame apoiou a decisão do supervisor. Quando questionado sobre as razões de sua decisão, ele explicou:

- Se estes dois homens um dia querem se tornar advogados, eles precisam aprender esta importante lição sobre prioridades na vida" (História Real).

Infelizmente não é apenas este responsável geral pelo exame de advocacia que não sabe quais são as verdadeiras prioridades. Todo aquele que coloca, através de atitudes irresponsáveis, a vida dos outros em perigo, certamente perdeu os parâmetros corretos e tornou-se um insensível.
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Nesta semana terminamos o 4º livro da Torá, Bamidbar. E a Parashá da semana, Massei, descreve as dezenas de viagens que o povo judeu fez durante os 40 anos em que permaneceu no deserto. Outro assunto trazido pela Parashá é a punição para um assassinato não intencional. Neste caso, o assassino não recebia pena de morte, pois não havia a intenção de matar, mas também não ficava livre. Ele precisava ir para o exílio, em um local chamado "Ir Miklat" (cidade de refúgio), e permanecia lá até a morte do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote). E o que o prendia à cidade de refúgio? Por causa do assassinato, um parente próximo do falecido, chamado de "Goel HaDam" (vingador de sangue), poderia matá-lo sem a necessidade de um julgamento, sendo a cidade de refúgio o único lugar seguro para o assassino não intencional, pois lá dentro ele não podia ser tocado. E a Torá nos ensina mais alguns detalhes, como quantas cidades de refúgio deveriam ser construídas e onde elas deveriam se localizar: "E as cidades que vocês devem designar, deve haver 6 cidades de refúgio para vocês. 3 cidades vocês designarão  do outro lado do Jordão, e 3 cidades vocês devem designar na Terra de Knaan (Israel); elas devem ser cidades de refúgio" (Bamidbar 35:13,14). O Talmud (Makót 9b) acrescenta um detalhe interessante: apenas quando as 6 cidades estivessem construídas é que realmente elas começariam a funcionar como cidades de refúgio para abrigar e proteger os assassinos não intencionais.

Porém, o Talmud traz outra informação que parece ser contraditória com esta afirmação. Moshé, apesar de saber que as últimas 3 cidades seriam construídas somente após a conquista da terra de Israel, o que ocorreu 14 anos depois da sua morte, ele insistiu em construir em vida as 3 cidades que ficavam fora de Israel. O Talmud inclusive utiliza esta atitude de Moshé como um modelo de como devemos ser ágeis no cumprimento das Mitzvót que aparecem diante de nós. Mas será que este é realmente um bom exemplo de agilidade no cumprimento das Mitzvót? Em geral, a agilidade somente faz sentido quando a utilizamos para cumprir uma Mitzvá imediatamente, ao invés de deixá-la para depois. Porém, qual era a vantagem desta agilidade no caso de Moshé, se ele sabia que as cidades de refúgio construídas por ele não seriam utilizadas até que todas as cidades estivessem prontas, isto é, a Mitzvá ainda não estaria completa?

Além disso, há outro detalhe que nos chama a atenção nas cidades de refúgio. Fora de Israel permaneceram apenas as tribos de Reuven, Gad e metade da tribo de Menashe, enquanto as outras 9 tribos e meia se estabeleceram em Israel. Então por que esta proporção tão desequilibrada de cidades de refúgio, sendo 3 cidades servindo apenas 2 tribos e meia, enquanto as outras 3 cidades serviam as outras 9 tribos e meia restantes? Elas não deveriam ter sido distribuídas de forma mais proporcional?

Responde o Talmud que fora de Israel, apesar de haverem menos tribos, eram necessárias proporcionalmente mais cidades de refúgio, pois lá os assassinatos eram mais frequentes. Isto significa que as pessoas que viviam fora de Israel tinham um nível espiritual mais baixo, e por isso os crimes eram mais frequentes. Porém, esta resposta do Talmud não é suficiente para entendermos o motivo pelo qual havia mais cidades de refúgio, pois somente iam para lá as pessoas que haviam matado acidentalmente, não os assassinos intencionais. Como o fato de ocorrem mais crimes intencionais influenciava no número de crimes não intencionais?

Para entendermos, precisamos refletir sobre o que significa matar uma pessoa "sem intenção". Explica o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) que existe uma diferença entre uma morte que envolveu uma situação de "Ones" (força maior) e uma morte que envolveu uma situação de "Shogueg" (ato sem intenção). O "Ones" é quando algo acontece sem nenhuma previsibilidade e, portanto, sem o menor grau de negligência, enquanto o "Shogueg" é quando há certo grau de previsibilidade e, portanto, implica em certo grau de negligência. Se um assassinato fosse resultado de um "Ones", aquele que causou a morte estava isento de qualquer responsabilidade e não precisava ir para a cidade de refúgio. Mas o assassinato que era resultado de algum nível de negligência, apesar de não haver intenção, trazia para o assassino uma parcela de culpa e o obrigava a ir para a cidade de refúgio como forma de expiar o erro.

Portanto, o caso de assassinato não intencional descrito pela Torá envolve certa negligência. Além disso, o ser humano é fortemente influenciado pelo ambiente onde vive. Isto quer dizer que em um lugar onde há uma alta incidência de assassinatos, a população perde a sensibilidade do verdadeiro valor e santidade da vida. A consequência é que neste lugar as pessoas ficam mais propensas a se descuidarem e praticarem atos que apresentem riscos à vida alheia. É o caso, por exemplo, de pessoas que bebem e depois dirigem, colocando de forma irresponsável não apenas suas vidas em risco, mas também as vidas de todas as pessoas em volta. A necessidade de mais cidades de refúgio do lado de fora de Israel era consequência da maior frequência de assassinatos, que refletia na falta de sensibilidade das pessoas em relação à santidade da vida e causava mais situações de morte acidental.

Com isto entendemos também a agilidade de Moshé Rabeinu em construir imediatamente as 3 cidades que ficavam fora de Israel. As cidades de refúgio tinham, na realidade, duas funções distintas. A primeira função era ser um abrigo seguro para aquele que cometeu o assassinato não intencional. Mas existia ainda uma segunda função, que era criar no povo judeu um grau maior de consciência em relação à santidade da vida humana. Embora a primeira função das cidades de refúgio somente se efetivou depois da conquista de Israel, a segunda função já teve um efeito imediato. A simples presença das cidades de refúgio, mesmo que ainda não eram efetivas, serviam como uma mensagem de que as pessoas deveriam ser mais cuidadosas com seus atos, ensinando-as a dar valor à vida alheia.

A conclusão é que devemos sempre refletir muito antes de tomar qualquer atitude, principalmente quando entramos em situações que possam trazer riscos para outras pessoas. Por exemplo, às vezes saímos atrasados de casa e, para chegarmos ao trabalho na hora certa, passamos os limites de velocidade. Nossa preocupação normalmente é apenas com a possível multa que podemos receber. Mas a verdade é que a principal preocupação deveria ser com a vida dos outros. Uma criança que pode atravessar a rua sem olhar, ou um motorista na nossa frente que pode fazer uma manobra imprudente, são motivos para sermos sempre cuidadosos quando estamos atrás do volante. Alguns minutos de atraso não justificam colocar a vida dos outros em perigo. E o mesmo se aplica a qualquer situação no nosso cotidiano que possa causar risco à vida dos outros. Se formos mais sensíveis e tivermos mais claro qual é o verdadeiro valor de uma vida, certamente seremos muito mais cuidadosos e responsáveis pelos nossos atos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Nm. 33:1-36:13, Je 2:4 – 28, 3:4, 4:1-2, Tg. 4:1-12

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