sexta-feira, 4 de julho de 2014

DINHEIRO E HONRA - PARASHÁ BALAK 5774

"Diz uma lenda que, pouco antes da criação do ser humano, vários anjos se reuniram e chegaram à conclusão de que se toda a humanidade fosse sempre feliz, as pessoas se acostumariam e não dariam o devido valor para a felicidade. Decidiram então, pelo bem da humanidade, esconder a felicidade. Porém, onde poderiam escondê-la para que ninguém pudesse descobrir facilmente e revelar a todos?

O primeiro anjo propôs escondê-la na montanha mais alta do mundo, mas a ideia foi rapidamente afastada, pois os anjos sabiam que os seres humanos, através de sua força física, algum dia poderiam facilmente subir lá. Outro anjo propôs ocultá-la no fundo do mar, mas foi logo contestado, pois sabiam da curiosidade dos seres humanos, que um dia os levaria a construir algum aparelho que pudesse descer mesmo nos mares mais profundos. Um terceiro anjo sugeriu escondê-la em outro planeta, mas logo também sua sugestão foi vetada, pois sabiam que os seres humanos têm inteligência e algum dia eles construiriam uma nave para poder viajar aos outros planetas. O último anjo, que havia permanecido em silêncio, escutando atenciosamente cada uma das sugestões dos demais, falou:

- Acredito que encontrei um lugar para esconder a felicidade, de forma que a maioria nunca vai encontrá-la com facilidade. Vamos escondê-la dentro deles mesmos. Eles estarão tão ocupados procurando lá fora que nunca a encontrarão"

Infelizmente estamos realmente tão preocupados em procurar nossa felicidade nas aquisições materiais, no "quando eu tiver" ou "quando eu for", que acabamos esquecendo que a felicidade verdadeira está dentro de cada um de nós. Basta só saber procurar.
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A Parashá desta semana, Balak, descreve mais uma das inúmeras tentativas dos nossos inimigos de destruir o povo judeu. Balak, rei de Moav, com medo da aproximação do povo judeu, enviou emissários para contratar o profeta Bilaam para amaldiçoá-los, na esperança de poder vencer a iminente guerra que se travaria entre os dois povos. No final, D'us nos protegeu das maldições de Bilaam e saímos vitoriosos da batalha.

Porém, o que nos chama mais a atenção nesta Parashá é a personalidade contraditória de Bilaam, um profeta que, apesar de seu elevado potencial espiritual, preferiu se deixar levar pelos desejos e se transformou em um modelo de más características. O Pirkei Avót (5:19) nos ensina que Bilaam tinha três traços de caráter extremamente negativos: "Ain Raá" (olhar as pessoas de forma negativa), "Ruach Gevoá" (arrogância) e "Nefesh Rechavá" (ganância).

A ganância de Bilaam pode ser observada em sua conversa com os emissários de Balak. Para tentar convencê-lo a aceitar o "serviço", os emissários disseram: "E então disse Balak ben Tsipor: por favor, não se recuse a vir até mim, pois eu te darei muita honra, e tudo o que você disser eu farei; então por favor vá e amaldiçoe por mim este povo" (Bamidbar 22:16,17). Bilaam respondeu: "Mesmo que Balak me desse sua casa cheia de prata e ouro, eu não poderia transgredir a palavra de D'us, para fazer algo pequeno ou grande" (Bamidbar 22:18). Aparentemente a prova da ganância de Bilaam vem da enorme quantidade de dinheiro mencionada em sua recusa.

Porém, se é daqui que aprendemos a ganância de Bilaam, estão como entender quando um grande Tzadik (Justo) também utiliza a mesma expressão? Nossos sábios ensinam que Rabi Yossei ben Kisma foi abordado por um homem muito rico, que lhe ofereceu milhares de moedas de ouro e pedras preciosas para que ele abandonasse o lugar onde vivia, uma cidade com muitos sábios de Torá, e se mudasse para a cidade daquele homem, onde não haviam sábios de Torá. Rabi Yossei respondeu: "Mesmo se você me desse toda a prata, o ouro e as pedras preciosas do mundo, eu não moraria a não ser em um lugar de Torá" (Pirkei Avót 6:9). Portanto, se Bilaam é considerado um ganancioso por causa da resposta que deu aos emissários de Balak, então o que dizer sobre o Rabi Yossei, que mencionou uma quantia ainda maior do que Bilaam?

Se prestarmos atenção nos detalhes, veremos que há uma diferença muito grande nas duas respostas. Quando o homem tentou persuadir o Rav Yossei a ficar em sua cidade, ele ofereceu uma grande quantidade de dinheiro. Em resposta, o Rav Yossei mencionou que nenhum dinheiro do mundo, nem mesmo muito mais do que o homem havia oferecido, seria suficiente para convencê-lo a sair de perto de um lugar de Torá. Era apropriado para o Rav Yossei mencionar o dinheiro, pois aquele homem havia tentado convencê-lo justamente oferecendo dinheiro. Por outro lado, quando os emissários de Balak vieram tentar convencer Bilaam a amaldiçoar o povo judeu, em nenhum momento eles mencionaram dinheiro, apenas ofereceram honrarias. Mas na resposta de Bilaam ele ressaltou que não aceitaria o "serviço" nem por uma grande quantidade de dinheiro. Isto demonstra que o dinheiro era algo que estava tão presente na sua vida que, mesmo quando nada em relação a dinheiro havia sido mencionado, a primeira coisa que veio à sua cabeça foram as moedas de prata e ouro.

Há ainda um entendimento mais profundo das palavras de Bilaam. Existem dois motivos pelos quais uma pessoa pode ser gananciosa e amar o dinheiro. Um motivo é a busca de prazeres físicos, quando a pessoa quer muito dinheiro para poder preencher seus desejos materiais, como uma casa cinematográfica, um carro de último tipo ou uma viagem exótica. O outro motivo é querer acumular dinheiro para receber honra, pois pessoas com muito dinheiro normalmente são mais respeitadas. Quando os emissários de Balak ofereceram honra a Bilaam, ele respondeu que dinheiro não o faria mudar de ideia. Isto significa que, para Bilaam, dinheiro e honra eram uma coisa só, demonstrando que sua ganância não era motivada apenas por desejos materiais, mas principalmente pela busca de honra. Porém, por que a Torá quis nos ensinar qual era a motivação de Bilaam em sua ganância? Na prática, qual é a diferença entre os dois motivos pelos quais uma pessoa ama o dinheiro?

Responde o Rav Yehonatan Gefen que enquanto o amor pelo dinheiro com o intuito de saciar os desejos físicos é apenas uma vontade do corpo, o amor pelo dinheiro para receber honras é uma vontade da alma. Prazeres físicos não preenchem a alma, mas a honra, um prazer espiritual, é uma das formas através das quais uma alma sedenta de motivação na vida pode encontrar alguma satisfação no mundo material.

Se compararmos as duas motivações do amor pelo dinheiro, certamente a segunda é muito mais perigosa para o ser humano do que a primeira. Quando a pessoa ama o dinheiro como forma de conseguir alcançar prazeres físicos e luxúrias, por se tratar de preencher os desejos do corpo, que é limitado e finito, chega um momento em que a pessoa se sacia, mesmo que seja apenas por pouco tempo. Por exemplo, alguém que está com um desejo incontrolável de comer algo, após comer uma grande quantidade desta comida ele se sente saciado e não tem mais desejo de comer. Inclusive, se ele repetir muitas vezes este tipo de prazer, pode até mesmo enjoar e não se interessar mais por ele. Mas se o amor pelo dinheiro for motivado pela busca de honra, um desejo espiritual que vem da nossa alma infinita e ilimitada, a pessoa nunca vai se sentir saciada. Para esta pessoa, como o dinheiro é um meio de receber honra, e ela está sempre desejando mais honra, portanto ela sempre vai querer mais dinheiro para satisfazer seus desejos.

Quando Bilaam igualou o dinheiro à honra, ficou claro que sua "Nefesh Rechava" (ambição) causou a ele o mais maligno dos amores pelo dinheiro: aquele que emana do desejo por honra. E até onde vão as consequências desta ambição? A resposta está na continuação da Mishná do Pirkei Avót, que diz: "Os estudantes de Avraham comem no Olam Hazé (mundo material) e herdam o Olam Habá (Mundo Vindouro)... mas os estudantes de Bilaam, o malvado, herdam o Guehinom ("inferno") e descem para o poço da destruição" (5:19). Da mesma forma que em relação aos alunos de Avraham estão escrito as consequências de ter boas características neste mundo e no Mundo Vindouro, também em relação às más características dos alunos de Bilaam devemos aplicar o mesmo padrão. Portanto, aquele que apresentam estas más características de Bilaam não sofrerão apenas no Mundo Vindouro, mas também já sofrem muito neste mundo. As pessoas gananciosas, em especial aquelas que vivem atrás de honra e respeito, nunca vão se satisfazer com nada, estarão sempre infelizes, correndo atrás de mais honras e prazeres, e por isso suas vidas neste mundo serão um verdadeiro inferno.

Fica deste ensinamento da Parashá uma importantíssima lição para nossas vidas: a incansável busca pelos bens materiais e pela honra nunca dará ao ser humano a verdadeira e duradoura satisfação. Precisamos do dinheiro para sobreviver, e devemos utilizá-lo como um meio para atingir o nosso objetivo de crescimento espiritual, mas devemos estar sempre atentos para que o dinheiro não se torne um objetivo por si só e destrua nossas vidas. Pois somente quando ocuparmos nosso tempo desenvolvendo um relacionamento verdadeiro com a nossa espiritualidade é que teremos alcançado a fonte de satisfação duradoura.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Nm. 22:2-25:9, Mq 5:6-6:8
 
 

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