sexta-feira, 13 de junho de 2014

CONSCIÊNCIA DOS NOSSOS ERROS - PARASHÁ SHELACH 5774

"Rogério contratou um jardineiro para a manutenção do seu jardim. Era um rapaz muito jovem, aparentando ter pouca experiência, mas se mostrou muito esforçado. Quando terminou o serviço, o jardineiro pediu para utilizar o telefone. Rogério, que ficou na sala ao lado, não pôde deixar de ouvir a conversa. O rapaz ligou para uma mulher e perguntou se ela precisava de um jardineiro. Ela agradeceu, mas respondeu que já tinha um. O jovem não desistiu e explicou que além de aparar a grama também tirava o lixo, mas novamente a mulher recusou, argumentando que seu jardineiro também fazia isso. O jovem insistiu mais uma vez, garantindo que limpava bem as ferramentas no fim do trabalho e que nunca deixava um cliente sem um pronto atendimento, porém novamente a mulher recusou, afirmando que tudo isso ela já tinha com seu jardineiro atual. Em uma última tentativa, o jovem falou que o seu preço era muito bom, mas a mulher respondeu firmemente que não estava interessada, pois seu jardineiro também tinha um preço muito bom. Quando o jovem jardineiro desligou o telefone, Rogério sentiu muita pena dele e tentou consolá-lo:

- Não se preocupe, rapaz. Você é esforçado, certamente conseguirá outros clientes.

- Não estou preocupado - respondeu o jovem, abrindo um enorme sorriso - pois eu já sou o jardineiro dela.

- Então por que você ligou para ela oferecendo seus serviços? - perguntou Rogério, confuso.

- Fiz isto apenas para medir o quanto ela estava satisfeita comigo - respondeu o jardineiro - Assim eu posso saber onde preciso melhorar, para fazer sempre meu trabalho da melhor maneira possível."

Teríamos a coragem de fazer a mesma pesquisa feita por este jardineiro? Nos questionamos constantemente para saber se realmente nossos atos estão sempre corretos, ou acabamos nos acomodando e acreditando que nós sempre estamos certos e são sempre os outros que fazem coisas erradas?

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Na Parashá desta semana, Shelach, o povo judeu estava prestes a entrar na Terra de Israel, mas ao invés dos judeus confiarem em D'us, eles preferiram enviar espiões para ver como era a terra. Infelizmente aquela falta de Emuná (fé) teve consequências trágicas. Dos 12 espiões enviados, 10 voltaram falando mal da terra, causando um enorme desespero no povo e um consequente choro. D'us decretou que aquela geração inteira não teria mais o mérito de entrar na Terra de Israel. Apenas 2 espiões conseguiram escapar da transgressão: Yoshua e Kalev. Como eles conseguiram resistir à tentação de se juntar aos outros espiões?

Antes dos espiões partirem, a Torá diz que Moshé acrescentou uma letra ao nome de Yoshua, que até aquele momento se chamava "Hoshea". Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, explica que Moshé rezou por Yoshua, para que ele fosse salvo do teste de querer se unir aos outros espiões, e a manifestação desta Tefilá (reza) foi o acréscimo da letra "Iud" no nome dele. Poucos versículos depois, quando a Torá descreve os primeiros passos dos espiões já na Terra de Israel, Rashi explica que Kalev se separou do grupo e foi até Chevron, para rezar no túmulo dos patriarcas e pedir para ser protegido das más influências dos outros espiões. Portanto, a Torá nos ensina que o que salvou Yoshua e Kalev da transgressão foi a força da Tefilá.

Porém, aparentemente este ensinamento vai diretamente contra um princípio citado pelos nossos sábios no Talmud (Brachót 33b): "Tudo depende dos Céus, menos o temor aos Céus". Isto quer dizer que D'us controla todos os detalhes do que ocorre nas nossas vidas, mas ao mesmo tempo Ele nos deu o livre arbítrio, isto é, a habilidade de escolher entre o certo e o errado, deixando isto completamente nas mãos do ser humano. Quando rezamos para que D'us nos ajude com coisas que não estão sob nosso controle, como a saúde e o sustento, que dependem única e exclusivamente da Supervisão Divina, certamente esta Tefilá pode ser muito benéfica e nos ajudar. Porém, rezar para não cometer uma transgressão parece ser algo inútil, já que a decisão de cometer ou não uma transgressão não está nas mãos de D'us, é algo que está completamente sob nosso controle. Portanto, como pode ser que o que salvou Yoshua e Kalev de cometerem uma transgressão foi a Tefilá, se a decisão de transgredir ou não estava apenas nas mãos deles mesmos?

Responde o Rabino Yossef Chaim (Iraque, 1832 - 1909), mais conhecido como Ben Ish Chai, que há duas formas de uma pessoa transgredir. Uma forma é quando a pessoa tem total claridade que um ato é proibido, mas apesar disso, movida pelos seus desejos, ela decide fazê-lo, com total consciência de que está cometendo um erro. Outra forma é quando o Yetser Hará (má inclinação) da pessoa consegue obscurecer sua capacidade de discernimento e a convence que aquela transgressão é, na verdade, um ato permitido, possibilitando-a de racionalizar que ela não está cometendo absolutamente nenhum erro.

O princípio de "tudo depende dos Céus, menos o temor aos Céus" somente se aplica à primeira forma de transgressão, quando é completamente claro para a pessoa que ela está cometendo um erro. Neste caso, realmente não há nenhum benefício em rezar para que D'us nos proteja da transgressão, pois isto está sob nosso controle, e D'us não interfere no nosso livre arbítrio. Porém, em relação ao segundo tipo de teste, quando a pessoa sinceramente acredita que não é uma transgressão, e o que causa o problema é a falta de claridade sobre o que é correto fazer, então a situação já não está mais completamente nas mãos da pessoa. Neste caso, quando a pessoa quer fazer o que é correto mas sabe que tem risco de ser enganada pelo Yetser Hará, então ela pode direcionar seu coração para D'us e pedir ajuda para que a verdade não seja obscurecida através de racionalizações. Portanto, nesta situação certamente a Tefilá é benéfica e pode ajudar a evitar as transgressões.

O Ben Ish Chai ressalta que Yoshua e Kalev enfrentaram o segundo tipo de teste. Os espiões eram gigantes espirituais, certamente não iriam deliberadamente denegrir a terra prometida por D'us sem nenhuma justificativa para seu comportamento. Ele explica que quando os espiões viram a enorme prosperidade da Terra de Israel, eles tiveram medo que caso descrevessem a verdadeira situação, o povo entraria em Israel com motivações incorretas, apenas focando nos ganhos materiais que poderiam ter, e não na possibilidade de poder cumprir todas as Mitzvót. Por isso eles decidiram falar mal da terra, na esperança de que o povo judeu, mesmo escutando as más notícias, decidiria entrar em Israel com motivações completamente espirituais e, com isso, receberiam uma recompensa muito maior. Porém, esta racionalização era apenas uma tentativa do Yetser Hará de impedir que o povo judeu entrasse na Terra de Israel, o que de fato aconteceu. Foi por isso que Moshé rezou, com sucesso, para que Yoshua, seu aluno mais próximo, fosse protegido de racionalizações deste tipo, que o faria acreditar que falar mal de Israel era uma grande Mitzvá. De forma similar, Kalev rezou para que pudesse manter a sua claridade e assim se proteger das armadilhas do Yetser Hará.

Aprendemos do Ben Ish Chai que há duas maneiras de uma pessoa transgredir: ou a pessoa transgride de forma intencional, ou a pessoa é enganada pelo seu Yetser Hará de forma que ela pensa que não está cometendo nenhuma transgressão. O mais grave dos dois desafios é certamente o segundo, pois quando a pessoa tem claridade dos seus atos, por mais que faça algo deliberadamente errado, ela tem grandes chances de futuramente se arrepender e não voltar a errar mais. Porém, quando o erro é fruto da falta de claridade, é muito provável que a pessoa repetirá o mesmo erro até o fim da vida, pois não entende que está fazendo algo errado, ao contrário, muitas vezes pensa que está até mesmo fazendo uma Mitzvá.

Segundo o Rav Chaim Vologziner (Lituânia, 1749 - 1821), esta falta de claridade surgiu após o erro de Adam Harishon (Adão). Antes de cometer a transgressão de comer o fruto do conhecimento do bem e do mal, ele tinha total claridade do que era bom e o que era mal. As coisas eram tão claras que fazer uma transgressão era tão palpável quando colocar a mão no fogo. Não havia racionalização, o prejuízo causado por uma transgressão era óbvio. Mas quando ele transgrediu, trouxe para dentro de si a mistura do bem e do mal, a confusão. A consequência foi que perdemos a nossa claridade sobre a natureza do mal, a ponto de muitas vezes não termos mais discernimento sobre o que é bom e o que é ruim.

Se alguém nos oferecesse dinheiro para que falássemos mal publicamente de uma pessoa, nunca aceitaríamos, mesmo se o valor fosse alto, pois intelectualmente entendemos o dano espiritual causado pelo Lashon Hará (maledicência), e sabemos que o prejuízo espiritual eterno é muito maior do que o ganho material passageiro. Mas então por que falamos tanto Lashon Hará, e de graça? Pois deixamos que nosso Yetser Hará nos engane. Procuramos permissões onde elas não existem, nos apoiamos em exceções que não se aplicam ao caso, e transgredimos com a sensação de que acabamos de cumprir uma grande Mitzvá. Isto somente dificulta nosso arrependimento e o conserto dos nossos maus atos.

Como buscamos justificativas para a maioria dos nossos erros, devemos sempre fazer Tefilá para que D'us nos salve do desafio de sermos enganados pelo Yetser Hará. Pelo fato do nosso Yetser Hará estar constantemente buscando formas de nos fazer transgredir, precisamos estar sempre atentos para não sermos pegos na armadilha das racionalizações. Além disso, é importante a reflexão sincera e constante dos nossos atos, pois ela é a principal ferramenta para termos claridade, e nos permite andar nos caminhos corretos e cumprir nosso objetivo de vida.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Nm. 13:1-15:41, Js 2:1-24
 

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