sábado, 2 de fevereiro de 2013

JUNTOS NOS BONS E MAUS MOMENTOS - PARASHÁ ITRÓ 5773


"No caminho de seu trabalho, Henrique passou na frente de uma loja de roupas finas e viu um lindo casaco na vitrine. Imaginou como ficaria bem com aquele casaco elegante. Vestindo aquele casaco tão chique ele ganharia um ar nobre e deixaria as pessoas boquiabertas.

Sonhando acordado, Henrique entrou na loja para experimentar o casaco. Estava decidido a comprá-lo, apesar do preço exorbitante. O vendedor recebeu-o de forma amável e trouxe o casaco escolhido. Mas após algumas tentativas de vestir o casaco, Henrique descobriu que, decididamente, aquele casaco não era do seu tamanho. Por mais que insistisse, o casaco não entrava. Porém, o vendedor era persistente e não desistiu tão fácil. Ele pediu para que Henrique levantasse uma das mãos, abaixasse a outra, dobrasse um pouco os joelhos, curvasse a coluna para o lado. Então foi só forçar um pouquinho e o casaco entrou. Mas o casaco ficou tão justo no corpo de Henrique que, para andar, ele precisava ficar completamente torto. Obcecado, apesar do desconforto e de estar todo torto, Henrique decidiu comprar o casaco. Após pagar, saiu da loja com ele já vestido.

Henrique caminhava pela rua, todo torto, com seu casaco novo, quando passou por duas mulheres que eram da alta sociedade. Escutou então elas conversando:

- Veja, querida, aquele pobre homem caminhando. Coitado, olha como ele é torto! – disse a primeira.

A segunda olhou com atenção e exclamou:

- É verdade, querida. Mas veja que casaco elegante ele está vestindo. Que caimento perfeito..."

Parece uma grande piada, mas é exatamente isto que fazemos quando tentamos moldar a realidade de acordo com nossas próprias necessidades e vontades, ao invés de enxergar a verdade.

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Na Parashá desta semana, Itró, estão descritos os detalhes do evento que mudou a história da humanidade: a entrega da Torá no Monte Sinai, quando D'us se revelou para os judeus, um povo inteiro, com mais de 3 milhões de pessoas. A entrega da Torá envolveu grandes milagres, como o Monte Sinai inteiro ardendo em fogo e tremendo, sob um intenso som do toque do Shofar e o brilho da luz dos relâmpagos. Houve fogo e trovões, como está escrito: "Todo o povo viu os trovões e as chamas..." (Shemot 20:15).

Rashi, comentarista da Torá, diz que há mais um milagre implícito neste versículo. Quando a Torá diz que "todo o povo viu", isto quer dizer que mesmo aqueles que eram cegos foram milagrosamente curados e conseguiram ver. O mesmo conceito aparece no versículo que descreve a aceitação da Torá pelo povo judeu: "E respondeu todo o povo junto, e disseram: 'Tudo o que D'us disse, nós faremos' " (Shemot 19:8). A linguagem "respondeu todo o povo" significa que todas as pessoas do povo falaram, inclusive os que eram mudos e surdos, pois foram milagrosamente curados no momento da entrega da Torá.

Mas deste comentário do Rashi surge uma grande questão. Nossos sábios ensinam que os judeus passaram por um processo de preparação para o recebimento da Torá. Eles saíram do Egito em um elevado nível de impureza espiritual e foram, aos poucos, se purificando, até chegar ao nível de profecia. Todo este crescimento espiritual foi um pré-requisito indispensável, pois o povo precisava se purificar espiritualmente para poder absorver os conceitos da Sagrada Torá. Mas, de acordo com a explicação de Rashi, a perfeição física também foi um pré-requisito para o recebimento da Torá. Por que?

Explica o Rav Yohanan Zweig que existe um mito de que religião é apenas uma "muleta" para os doentes e infelizes. De onde vem esta ideia completamente equivocada? De uma triste constatação: quanto mais rica é uma sociedade, mais ela abandona D'us. Países estáveis, como a Suíça e a Suécia, onde há estabilidade socioeconômica e poucas doenças, o índice de ateísmo chega a 60%. Já em países pobres da África, onde há muitas dificuldades e doenças, o ateísmo não passa de 1%. Por que isto acontece? Pois quando a pessoa tem dificuldades financeiras ou enfermidades, a conexão com D'us traz consolo e esperança. Mas quando a pessoa tem estabilidade, fartura e saúde, ela prefere viver ignorando D'us.

É impressionante perceber que estas tristes estatísticas estão profetizadas nas palavras do "Shemá Israel", que lemos duas vezes ao dia: "... e você vai comer e se saciar. Cuidem-se para que seus corações não sejam seduzidos e se desviem, e servirão outros deuses" (Devarim 11:15,16). A idolatria a que a Torá se refere é a "egolatria", o autoendeusamento, a pessoa atribuir a si mesmo todo o sucesso e sabedoria, esquecendo que D'us está por trás de tudo o que ocorre no universo. Quando esta "egolatria" ocorre? Quando estamos saciados. Quanto mais sucesso a pessoa tem na vida, maior a chance dela se desconectar da busca pela verdade que está contida na religião, pois a pessoa que atinge sucesso e prosperidade financeira não quer seguir regras, ela prefere viver de acordo com suas próprias leis. Portanto, fica a impressão de que a religião é importante apenas para pobres, necessitados e doentes.

Os judeus saíram do Egito carregados com grandes riquezas em ouro e prata. Além disso, D'us provia diariamente ao povo o "Man", a comida milagrosa que caía do céu, na quantidade exata para cada família. Um poço acompanhava os judeus no deserto, fornecendo toda a água necessária. As roupas cresciam junto com o corpo e não se estragavam com o uso. Em resumo, não havia pobres nem necessitados entre os judeus que estavam no deserto. Eles tinham abundância, tinham estabilidade, tinham a tranquilidade de saber que nada material faltava em suas vidas. A única coisa que faltava era a saúde, pois havia doentes dentro do povo. Havia cegos, surdos, mudos, e todos os outros tipos de defeitos físicos. Portanto, ao curar os doentes antes da entrega da Torá, D'us estava deixando uma mensagem muito clara para nós: a Torá não foi entregue para tratar apenas dos pobres e desafortunados. Ao contrário, quanto mais a pessoa tem sucesso na vida, mais ela deve estar conectada com a sua espiritualidade, para agradecer tudo o que tem de bom e não se perder no materialismo exagerado e desequilibrado.

Infelizmente, a maioria das pessoas espera as dificuldades e doenças para lembrar-se de D'us e de Sua Torá. Mas isto não é o correto, não devemos frequentar a sinagoga apenas quando nos falta algo e desaparecer novamente logo após a solução dos nossos problemas. A Tefilá (reza) não foi fixada pelos nossos sábios apenas para que possamos pedir o que nos falta, mas também como uma ferramenta de agradecimento a D'us por tudo o que temos de bom. Devemos estar conectados à nossa espiritualidade principalmente quando tudo está bem, quando temos estabilidade, quando nada nos falta. Pois quando a pessoa se desconecta de sua espiritualidade, uma das maneiras que D'us tem para nos despertar é através das dificuldades.

Podemos enganar a nós mesmos, querendo nos acomodar em uma vida sem regras, onde nós fazemos as nossas próprias leis. Mas a experiência mostra que saímos perdendo duas vezes, tanto espiritualmente quanto materialmente. A cultura ocidental, que prega uma vida sem regras e sem limites, está em colapso após pouco mais de 200 anos de existência. As consequências são evidentes, estão diante dos nossos olhos: divórcios, traição, abuso de alimentação não saudável, vidas desregradas e famílias desestruturadas. Por outro lado, vemos o judaísmo e suas leis, com seus mais de 3000 anos de existência, manter-se firme e saudável, ensinando aos judeus a necessidade do equilíbrio, da estabilidade e dos valores corretos.

Muitas civilizações já surgiram e desapareceram, mas o judaísmo continua. Pois as leis que D'us nos entregou no Monte Sinai não foram apenas para curar nossas doenças ou resolver nossos problemas, mas para que possamos ser felizes de verdade, neste mundo e no Mundo Vindouro.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 18:1-20:26, Is. 6:1-7:6; 9:6-7, Mt. 5:17-32, Hb. 12: 18-24

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