sexta-feira, 8 de junho de 2012

ESCRITO NAS ENTRELINHAS - PARASHÁ BEHALOTECHÁ 5772

"Certa vez o Rabino Yossef Dov Soloveitchik, mais conhecido como Beit Halevi, estava em casa, na véspera de Pessach, cuidando dos últimos preparativos para o Seder. Foi quando escutou alguém batendo na porta. Era um homem muito pobre, que queria tirar uma dúvida em relação a uma das Mitzvót do Seder de Pessach. Convidaram-no a entrar, e ele fez a seguinte pergunta:- Rabino, eu não tenho dinheiro para comprar vinho. Será que eu posso cumprir a Mitzvá dos 4 copos de vinho do Seder com 4 copos de leite?
O Beit Halevi balançou negativamente a cabeça e ensinou ao pobre que, de acordo com a Halachá (lei judaica), não era possível cumprir a Mitzvá dos 4 copos daquela maneira. Mas pediu ao pobre que aguardasse um pouco e voltou, alguns instantes depois, com um soma considerável de dinheiro. Entregou o dinheiro ao pobre e pediu que ele comprasse com aquele dinheiro vinho e comida para o Seder de Pessach. O pobre não cabia em si de contentamento, não sabia nem como agradecer. Abraçou e Beit Halevi e saiu apressado para comprar a comida e o vinho para o Seder.
Algum tempo depois do pobre ter ido embora, a esposa do Beit Halevi, não aguentando a curiosidade, perguntou:
- Você poderia ter dado apenas o dinheiro suficiente para que aquele homem pudesse comprar uma garrafa de vinho para cumprir a Mitzvá dos 4 copos. Ele não pediu dinheiro para mais nada. Então por que você deu tanto dinheiro para ele?
- Provavelmente você não percebeu o que estava nas entrelinhas da pergunta daquele homem – respondeu, com um sorriso, o Beit Halevi - Cada um dos 4 copos deve ser tomado em um momento específico do Seder, sendo que dois deles são tomados apenas depois do término da refeição. Se de acordo com a Halachá não podemos beber leite imediatamente depois de ter comido carne e é necessário esperar algumas horas, então como aquele homem pretendia cumprir a Mitvzvá dos 4 copos com leite? Então eu entendi que ele também não tinha dinheiro nem mesmo para comprar carne para o jantar. Foi por isso que eu dei tanto dinheiro para ele, mais do que o necessário para apenas uma garrafa de vinho"
Nossos grandes sábios se esforçaram muito para adquirir a sensibilidade de entender não apenas as palavras ditas pelas pessoas, mas também o que está nas entrelinhas. Pois as entrelinhas muitas vezes carregam mensagens até mais importantes do que aquilo que é efetivamente falado.
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A partir da Parashá desta semana, Behaalotechá, a Torá começa a relatar uma série de reclamações e rebeliões do povo, pelos mais variados motivos como, por exemplo, a insatisfação com o Man (Maná) que caía do céu e o desejo de comer carne. E assim está escrito na Parashá: "E o povo era como aqueles que reclamam, e foi mal aos ouvidos de D'us. E D'us escutou, e Sua fúria se acendeu, e um fogo de D'us queimou contra eles..." (Bamidbar 11:1).
Observando a linguagem do versículo, surgem algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que a Torá diz que o povo era "como aqueles que reclamam", se eles estavam efetivamente reclamando? Além disso, por que a Torá ressalta que D'us escutou, não é óbvio que D'us escuta tudo? E finalmente, o deserto é um lugar muito difícil, perigoso e estressante e, portanto, era normal que o povo tivesse queixas por causa das dificuldades. Então por que D'us ficou tão furioso por causa de simples reclamações do povo?
É interessante perceber que neste versículo não é mencionado nenhum motivo explícito para as reclamações. Rashi, comentarista da Torá, explica que os judeus na realidade não tinham nenhuma reclamação específica, eles estavam apenas procurando um pretexto para se afastar de D'us. Eles não tinham nenhuma razão válida para reclamar, então fizeram parecer que as reclamações vinham por causa das dificuldades da viagem no deserto. Isto explica por que o versículo diz "como aqueles que reclamam", pois na verdade eles não tinham nenhuma reclamação verdadeira, eram apenas desculpas para encobrir o que realmente os incomodava: a grande responsabilidade de viver de acordo com as leis Divinas.
Portanto, a Parashá está nos ensinando um fundamento muito importante para utilizarmos em nossas vidas: muitas vezes quando alguém reclama ou cria uma discussão, na verdade nem ele mesmo acredita em seus próprios argumentos. É apenas uma desculpa para encobrir e justificar alguma forma de comportamento indesejável.
 Um exemplo muito marcante disto pode ser visto na primeira discussão da história da humanidade, entre Cain e Hevel (Abel), que terminou em assassinato. Assim a Torá descreve a discussão: "E Cain falou com Hevel, seu irmão, e enquanto eles estavam no campo, Cain se levantou contra seu irmão Hevel e o matou" (Bereshit 4:9). Mas sobre o que eles conversaram, para que chegasse ao nível de um irmão assassinar o outro? Explicam os nossos sábios que Caim começou a negar D'us, dizendo para Hevel que não havia nem Supervisão Divina, nem castigo e recompensa. Hevel começou a discutir com Cain, argumentando que D'us sim existia, e certamente havia castigo e recompensa para cada ato que fazemos. A argumentação foi ficando cada vez mais forte até que, no calor da discussão, Cain se levantou e matou Hevel.
 Mas se a discussão entre Cain e Hevel foi um debate filosófico tão fundamental, por que a Torá não escreveu explicitamente o motivo da discussão, deixando para os nossos sábios o detalhamento? Explica o Rav Yssocher Frand que, na verdade, Cain não acreditava em nada do que falou para Hevel, ele estava apenas procurando uma desculpa para começar uma discussão com seu irmão. A Torá não descreveu o conteúdo da discussão pois, na verdade, ele era irrelevante, esta discussão filosófica nunca foi uma discussão real.
Diz o Rav Yonathan Guefen que é por isso que no versículo dos "reclamões" da nossa Parashá está escrito que "D'us escutou". O verbo "Lishmoa", utilizado no versículo, não significa apenas escutar, mas também entender, internalizar. D'us, que conhece o coração de cada pessoa, escutou as reclamações do povo, que pareciam reclamações por causa das condições difíceis da viagem, mas entendeu a verdadeira intenção delas. D'us viu que não havia nenhum motivo real para as reclamações, apenas a vontade de se distanciar Dele. Foi por isso D'us reagiu de maneira tão dura com o povo.
Por nossas limitações, não podemos, como D'us, ver o coração das pessoas. Mas podemos nos assemelhar a Ele e desenvolver a sensibilidade de entender, não apenas as palavras ditas, mas também o que o está por trás daquelas palavras. Por exemplo, muitas vezes quando alguém pergunta "por que boas pessoas sofrem", não necessariamente a pessoa está em busca de uma resposta filosófica. Pode ser que a pessoa está passando por um sofrimento ou dificuldade e, mais do que uma resposta, precisa de apoio e compreensão. Pode ser que a pessoa quer apenas atacar o judaísmo e, portanto, nenhuma resposta vai satisfazê-lo, pois ele não está perguntando, está atacando. Quando alguém vem discutir, nem sempre a pessoa acredita nos seus próprios argumentos, ela pode estar apenas demonstrando alguma dificuldade em aceitar a verdade. Uma criança que diz que não gosta de ir para a escola não é necessariamente uma criança preguiçosa que precisa de ajuda para gostar dos estudos. Pode ser um sinal de ela está passando por algum tipo de constrangimento ou humilhação, mas não se sente à vontade para se abrir e contar a verdade. Portanto, sempre que escutamos algo, precisamos ser ponderados, agir com paciência e prestar atenção nos detalhes.
Grandes líderes do povo judeu, como Yaacov, Moshé e David Hamelech (Rei David), foram pastores. Por que? Pois os animais não falam, e por isso eles conseguiram desenvolver a capacidade de entender além das palavras. Esta é uma importante qualidade que precisamos alcançar na vida: não entender apenas o que fala a boca dos outros, mas se esforçar principalmente para escutar o que diz o coração deles.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/

Nm. 8:1-12:16, Zc 2:10 -4:7, Ap. 11:1-19

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