sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

VERDADEIRO VALOR DAS COISAS - PARASHÁ PEKUDEI 5774

O rei de um importante reinado tinha um fiel ajudante muito dedicado. Todas as manhãs ele ia até o rio, enchia dois baldes de água fresca, prendia um balde em cada ponta de um bastão de madeira, apoiava o bastão sobre seus ombros e caminhava de volta ao palácio.

Porém, os baldes que o ajudante do rei utilizava não eram iguais. Um deles era um balde de ouro, novo e bonito, enquanto o outro era um balde de plástico, simples. O balde de plástico já estava velho e, por causa de tanto uso, já apresentava alguns pequenos furos. Quando o ajudante do rei chegava de volta ao palácio, o balde de plástico já tinha esvaziado um pouco, pois a água ia gotejando pelo caminho, enquanto o balde de ouro ainda continuava completamente cheio. Com o tempo, o balde de ouro se tornou orgulhoso e arrogante, e começou a achar que era melhor que os outros por causa de sua bela aparência e seu alto valor. Já o balde de plástico se sentia frustrado e triste, pois fazia de tudo para que a água não escapasse, mas não conseguia. Certo dia, não aguentando mais tanta vergonha, o balde de plástico falou para o ajudante do rei:

- Por favor, termine com meu sofrimento. Eu sou um inútil. Você me enche com água fresca, mas quando chegamos ao palácio, parte já se perdeu. Nem para isso eu sirvo. Por que você não me joga fora?

O ajudante do rei não respondeu nada, mas não deixou de reparar no sorrisinho do balde de ouro, o ar de superioridade. No dia seguinte, como sempre fazia, foi até o rio, encheu os dois baldes de água e começou a voltar ao palácio. Então, com carinho, falou para o balde de plástico:

- Querido balde, olhe para baixo. Você percebeu que do seu lado há uma trilha de lindas flores e um lindo gramado verde? Todos os dias quando vou ao rio eu jogo sementes de flores pelo caminho. Na volta, ao gotejar água, você me ajuda a regar o solo, fazendo as sementes germinarem. Quando as flores desabrocham, eu as colho e coloco na mesa do rei para enfeitá-la. Você percebe o quanto você é especial?

- Mas do outro lado o que você vê? Apenas terra seca, sem vida – continuou o ajudante do rei – Isto acontece porque o balde de ouro não compartilha a água que traz dentro dele. E ele é tão orgulhoso, tão focado apenas em si mesmo, que não percebe que do seu lado há lindas flores e vida, enquanto do lado dele há apenas terra seca.


Depois de anos de tristeza, pela primeira vez o balde de plástico abriu um sorriso. Ele havia percebido seu verdadeiro valor. Ele não era feito de ouro, não era tão bonito como o outro balde, mas contribuía para embelezar a casa do rei. Foi a vez do balde de ouro, com toda a sua beleza e esplendor, sentir uma enorme vergonha.

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A Parashá desta semana, Pekudei, começa com a descrição da prestação de contas das doações feitas pelo povo judeu para a construção do Mishkan (Templo Móvel), como está escrito: “E estas são as contas do Mishkan, o Mishkan do Testemunho, que foi contado sob o comando de Moshé. O serviço dos Leviim estava sob a autoridade de Itamar, filho de Aharon HaCohen. Betzalel, filho de Uri, filho de Chur, da tribo de Yehudá, fez tudo o que D’us comandou a Moshé” (Shemot 38:21,22).

Mas se prestarmos atenção nestes versículos, algumas das informações parecem ser desnecessárias ou estar fora de contexto. Por exemplo, se a Parashá estava falando sobre a contabilidade das doações, por que foi necessário acrescentar que Itamar era o responsável pelo serviço dos Leviim? Além disso, a Torá já havia ensinado diversas vezes que Betzalel era o responsável pela construção do Mishkan, então por que a necessidade de repetir novamente?

Se pararmos para refletir sobre o Mishkan, perceberemos que ocorreu algo interessante durante a história. Alguns anos após o povo judeu ter entrado em Israel, o Mishkan foi definitivamente substituído pelo Beit Hamikdash (Templo Sagrado) de Jerusalém. Mas houve uma grande diferença entre o Mishkan e os dois Templos. Enquanto o Primeiro e o Segundo Templos foram capturados por outros povos, profanados e finalmente destruídos, o Mishkan nunca foi capturado, profanado nem destruído. Por que?

Explica o Rav Ovadia Sforno (Itália, 1475-1550), comentarista da Torá, que estas partes aparentemente desnecessárias dos versículos iniciais da Parashá são, na verdade, informações fundamentais que nos ajudam a entender a enorme diferença espiritual que havia entre o Mishkan e os dois Templos. Os versículos descrevem os motivos pelos quais o Mishkan tinha um nível espiritual tão elevado. As palavras “Mishkan do Testemunho” se referem à presença das Tábuas sagradas, nas quais D’us escreveu pessoalmente os 10 Mandamentos e entregou-as a Moshé no Monte Sinai. As palavras “sob o comando de Moshé” se referem ao fato de Moshé ter participado pessoalmente da montagem do Mishkan, fazendo com que o Mishkan absorvesse parte da sua própria majestade. Os versículos ainda ressaltam que os serviços do Mishkan tinham a participação de Itamar, filho de Aharon, um homem de elevado nível espiritual, que contribuiu para que o Mishkan alcançasse um grande nível de santidade. E finalmente a Torá ressalta que os trabalhos foram pessoalmente supervisionados por Betzalel, um homem muito conectado com a espiritualidade, que recebeu do seu avô, Chur, a característica de dedicar a vida para D’us.

A construção dos dois Templos Sagrados, por outro lado, não envolveu tanta santidade quanto no Mishkan. Por exemplo, apesar de o Primeiro Templo ter sido construído por Shlomo Hamelech (Rei Salomão), um homem muito reto e elevado, os trabalhadores foram homens de outros povos que moravam na cidade de Tsur, pessoas não comprometidas com a espiritualidade. E por isso o Templo se deteriorava e exigia uma manutenção constante, diferente do Mishkan, que não se deteriorava. Além disso, por causa do seu nível espiritual mais baixo, ele foi finalmente capturado pelos nossos inimigos e destruído. O Segundo Templo tinha um nível de santidade ainda mais baixo, pois as Tábuas que continham os 10 Mandamentos já não estavam mais presentes e sua construção foi autorizada por Koresh (Ciro), o Rei da Pérsia. Por isso, o Segundo Templo também caiu nas mãos dos nossos inimigos, foi profanado e finalmente destruído.

O Sforno aponta outra diferença interessante entre o Mishkan e os dois Templos. Na continuação da Parashá, a Torá apresenta o total de materiais que foram doados para a construção do Mishkan. A quantidade é muito menor do que a quantidade de materiais nobres que foram utilizados nos dois Templos. Isto quer dizer que os dois Templos eram construções muito mais bonitas, caras e esplendorosas do que o Mishkan. Mas apesar disso, foi do “humilde” Mishkan que a Presença Divina nunca se afastou.

Da justaposição destas duas características, isto é, o nível espiritual das pessoas envolvidas na construção e a quantidade de materiais nobres utilizados, o Sforno chega a uma incrível conclusão: a santidade de uma construção não é definida pelo valor de seus materiais nem por sua beleza, mas pelo nível espiritual das pessoas envolvidas em sua construção. Os Templos eram certamente mais imponentes e impressionantes, mas apesar disso o valor espiritual do Mishkan era muito maior, por causa da pureza e espiritualidade daqueles que cuidaram da sua construção.

Nos ensina o Rav Yehonasan Gefen que desta explicação do Sforno aprendemos algo mais abrangente para nossas vidas. A perspectiva da Torá sobre quanto vale um objeto físico ou uma construção é completamente diferente da visão não judaica. Enquanto a visão não judaica define o valor das coisas através da beleza externa e do custo dos materiais utilizados, a Torá dá pouca importância para as qualidades externas, uma vez que a espiritualidade interna que foi investida é o que define o verdadeiro valor das coisas. Isto nos ensina que um ato pequeno, mas feito com humildade e intenções corretas, é muito maior aos olhos de D’us do que grandes atos feitos com orgulho e com intenção de se autopromover. Às vezes nos sentimos menores por não podermos contribuir tanto quanto grandes filantropos, mas a verdade é que se fizermos a nossa parte, de acordo com as nossas possibilidades e com as intenções puras, nossos atos serão mais queridos para D’us do que a doação de enormes quantias acompanhada de intenções não tão puras.

Outro ensinamento importante que fica é o quanto é uma grande tolice dedicar a vida para acumular bens materiais. O verdadeiro valor de uma pessoa não é o que ele tem, e sim o que ele é. A Civilização Ocidental nos ensina que o valor de uma pessoa é medido pelo tamanho do seu apartamento, pela quantidade de carros na sua garagem ou pelo seu cargo na empresa, pois o valor das coisas é função das aparências superficiais ou do valor monetário. É por isso que tantas pessoas entram em depressão quando se aposentam ou perdem muito dinheiro, pois sentem que a parte mais importante delas se foi. Mas de acordo com o judaísmo, o valor verdadeiro de uma pessoa é medido pelos seus traços de caráter, pela forma como ela se relaciona com as outras pessoas e pela pureza com que ela faz seus pequenos atos cotidianos.

Por isso, ao invés de nos sentirmos pequenos, devemos saber o quanto nos tornamos grandes aos olhos de D’us quando fazemos a nossa parte na construção do mundo, com muito esforço e, acima de tudo, com muita humildade.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Ex. 38:21-40:38, I Re. 7:51-8:21
 

 

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