sexta-feira, 26 de outubro de 2012

DEFEITOS E QUALIDADES - PARASHÁ LECH LECHÁ 5773

Certo dia Carlinhos chegou da escola irritado. Dudu, um colega de classe, havia "pisado na bola" com ele. Ao perceber que o filho estava incomodado, o pai de Carlinhos chamou-o para conversar e perguntou se estava tudo bem. Carlinhos desabafou, dizendo que não aguentava mais Dudu, pois ele tinha muitos defeitos. O pai de Carlinhos explicou que todos têm defeitos e por isso precisamos focar nas qualidades dos outros, mas Carlinhos não queria aceitar, pois achava que não tinha defeitos assim tão grandes como os de Dudu. Então o pai ensinou, com um exemplo, uma importante lição para Carlinhos:

- Sabe, filho, as pessoas nem sempre conseguem enxergar seus próprios defeitos, mas em relação aos outros sempre enxergamos com claridade os pontos fracos. Sabe com o que nos assemelhamos? Com pessoas caminhando em fila indiana, cada um carregando uma sacola na frente e outra atrás. Na sacola da frente nós colocamos as nossas qualidades, enquanto na sacola de trás guardamos os nossos defeitos. Durante a jornada pela vida, mantemos os olhos fixos nas virtudes que possuímos, pois estão presas em nosso peito. Ao mesmo tempo, reparamos impiedosamente em todos os defeitos do companheiro que está na nossa frente, pois estão pendurados nas suas costas, diante dos nossos olhos. Por isso nos julgamos melhores que os outros, pois não conseguimos enxergar a sacola de virtudes do próximo e nem perceber a gigantesca sacola de defeitos que carregamos nas nossas próprias costas.

Neste dia Carlinhos conseguiu aprender que quando estamos ocupados demais procurando os defeitos dos outros, deixamos de perceber e consertar os nossos próprios defeitos.
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Ensina o Pirkei Avót (Ética dos Patriarcas): "Dez vezes Avraham Avinu foi testado, e passou por todos eles" (Avót 5:4). E a Parashá desta semana, Lech Lechá, descreve alguns dos testes pelos quais Avraham passou durante sua vida, começando com o teste de "Lech Lechá" (Vá para você), no qual D'us pediu para que Avraham saísse da comodidade e segurança de sua casa, abandonasse seus amigos e parentes e fosse para uma terra estranha. E segundo nossos sábios, os testes pelos quais Avraham Avinu foi submetido foram gradativamente se tornando mais difíceis, iniciando com situações mais "cotidianas", como a fome que assolou a terra de Knaan e obrigou Avraham a ir para o Egito, e culminando com o teste de sacrificar o seu próprio filho, Yitzchak.

O Rav Yerucham Leibovitz, baseado neste ensinamento dos nossos sábios, faz uma pergunta muito interessante: se D'us queria testar Avraham, e os testes foram gradativamente ficando mais difíceis, por que Ele não mandou diretamente o teste do sacrifício de Yitzchak, que era o mais difícil de todos? Ao vencê-lo, Avraham provaria de uma só vez ser capaz de passar todos os desafios e não precisaria passar pelo sofrimento dos testes anteriores. Então por que mesmo assim D'us mandou 10 testes?

Uma das explicações é que cada teste foi dando para Avraham a força necessária para vencer o próximo teste. Se Avraham tivesse sido submetido diretamente ao teste do sacrifício de Yitzchak, talvez ele não tivesse conseguido juntar as forças para vencê-lo. Mas como os testes vieram de forma gradual, Avraham foi crescendo aos poucos, até conseguir vencer um dos testes mais difíceis que um ser humano já conseguiu superar.

Isto nos ensina um importante fundamento, que nos ajuda a vencer nossas dificuldades cotidianas: D'us não manda um teste para o qual não estamos preparados. Não existe nenhuma situação na qual D'us nos coloca e que não temos as ferramentas necessárias para superá-la. Portanto, se estamos passando por uma dificuldade, certamente é porque temos capacidade de vencer este teste. Avraham nos ensinou que podemos encontrar dentro de nós a força para vencer todos os testes da vida. Basta termos tranquilidade e a Emuná (fé) de que D'us nos ajudará a vencer todos os desafios.

Também aprendemos o quanto é uma grande tolice reclamar das dificuldades que surgem em nossa vida, pois são testes que D'us está nos mandando para que possamos desenvolver novas ferramentas, para um dia alcançarmos a perfeição. Cada teste nos dá mais força, nos dá mais habilidades, nos prepara melhor para vencer na vida. Em lugares onde não há dificuldades, também não há crescimento. É interessante perceber que em locais como a Suíça, onde não há analfabetismo, roubo ou pobreza, também praticamente não há pessoas que se destacam, nem na área dos esportes nem nas áreas intelectuais.

Mas por que é tão difícil chegar à perfeição? Por que tentamos tanto e não conseguimos? Pois o ser humano é uma criatura extremamente complexa, composta por diversas tendências, algumas delas contraditórias. Por exemplo, uma pessoa por ser muito tranquila, mas ao mesmo tempo extremamente sovina. Outra pode ser muito caridosa, mas explosiva e sem paciência. E para dificultar ainda mais, em geral focamos nos nossos pontos fortes e esquecemos os nossos defeitos. Por isso, mesmo quando pensamos que estamos crescendo, na verdade estamos apenas refinando nossos pontos fortes, mas nossos pontos fracos, nos quais deveríamos nos dedicar mais, acabam ficando para trás. Por isso a maioria das pessoas acaba ficando longe da perfeição.

Baseado neste conceito, o Rav Yerucham Leibovitz responde que não seria suficiente D'us mandar para Avraham apenas o último teste. Ele mandou os 10 testes para Avraham para testar todas as tendências que havia dentro dele. Mesmo que Avraham passasse pelo teste do sacrifício de Yitzchak, apesar de ser o teste mais difícil, não necessariamente ele passaria pelo teste de abandonar a sua casa ou de não reclamar no momento em que houve fome na terra de Knaan, pois são áreas completamente diferentes. Somente quando Avraham foi testado em 10 diferentes áreas de sua vida, e passou em todos os testes, é que ele demonstrou realmente seu nível elevado. Se passasse apenas no teste do sacrifício de seu filho, teria apenas demonstrado domínio sobre certo aspecto de suas características, mas não o domínio sobre todas elas, como mostrou nos 10 testes que venceu.

Esta segunda resposta também nos ensina uma importante lição para a vida. Uma das características mais desprezíveis do ser humano é o orgulho. O livro "Orchót Tzadikim" diz que D'us considera o orgulhoso uma pessoa abominável. De onde vem o orgulho? Do sentimento que somos melhores que os outros por causa de alguma característica em que nos destacamos. Alguns se acham superiores por terem mais sabedoria, outros se acham mais merecedores de honra por terem conseguido acumular mais dinheiro e bens materiais. Mas este sentimento de superioridade é uma grande tolice, pois como somos compostos de diversas características, podemos ser melhores que os outros em algumas delas, mas certamente somos muito piores em outras. Cada pessoa tem suas qualidades e defeitos, todos têm seus pontos fortes e fracos. O orgulhoso esquece que tem defeitos e que precisa trabalhar muito na vida para consertar seus próprios erros. A verdade é que, se o tempo que o orgulhoso gasta procurando os defeitos dos outros fosse utilizado para que ele procurasse e consertasse seus próprios defeitos, certamente já teria chegado à perfeição.

Somente quando aprendermos a enxergar os nossos próprios defeitos e a buscarmos apenas as qualidades nos outros, nos tornaremos aptos, como Avraham Avinu, a vencer todos os testes da vida.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
Gn.12:1-17:27, Is. 40:27-41:16, Rm. 4:1-25

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