Você sabe quanto custa uma saca de café?
Provavelmente, não. No mercado atual, que está
aquecido, paga-se ao redor de R$
500 por uma saca (60 kg) de grãos secos. Mas o café da
Fazenda Rainha, vendido
no leilão eletrônico da Bolsa de Nova York, valeu R$ 5.400,
dez vezes acima do
preço normal. Mágica? Não, qualidade.
Acontece que as 22 sacas oriundas dos cafezais da
Fazenda Rainha, situada no município de São
Sebastião da Grama, ali dentro da
Mogiana Paulista, venceram o 12.º concurso chamado Cup of
Excellence, promovido
pela Associação Brasileira de Cafés Especiais. Outros produtores
selecionados
compuseram 25 lotes de excelente bebida, todos eles arrematados por
elevadíssimos
preços no mesmo leilão (18/1).
Um consórcio asiático comprou o lote campeão, entre
vários estrangeiros que disputaram no tapa a
primazia de comercializar um café
inesquecível. Reconhecer a qualidade e, melhor ainda, pagar
um bom diferencial
por ela estimulam os cafeicultores a investir em boas práticas agrícolas.
Custa
mais, porém vale a pena.
Não existe segredo, mas, sim, trabalho apurado. Um
cafezal somente gera produto de qualidade
especial se for muito bem cuidado, na
adubação das plantas, no controle de pragas e doenças,
na colheita do fruto
maduro e, por fim, no trato dos grãos durante o processo pós-colheita, seca e
beneficiamento. Esse zelo agronômico, porém, ainda será insuficiente se as
condições ambientais
não forem propícias.
Café, para dar excelente bebida, precisa estar
plantado em terrenos com elevada altitude, acima de
800 metros, no mínimo. Nas
encostas da Serra da Mantiqueira, por exemplo, seja do lado
paulista ou mineiro,
os cafezais encontram excelente clima, em que as noites frias são essenciais.
Durante a colheita, normalmente entre julho e outubro, o tempo precisa estar
seco, sem chuvas.
Senão o grão de café pode "arder", perdendo sabor.
Comandada por uma mulher, Ana Cecília, a Fazenda
Rainha apresenta 280 hectares de cafezais
localizados até a altitude de 1.300
metros. Tem um sistema de gestão ambiental de última linha,
controlando
minuciosamente cada gleba de produção, anotando tudo - da tecnologia, do
trabalho
humano ou dos fenômenos naturais - como se fosse um diário feminino.
Esmero no campo.
Nessas condições, seu café adquire características
que os degustadores classificam como
"bebida mole, adocicada, acidez
equilibrada, aromas intensos". Parece coisa de enólogo.
Origem certificada, nome
próprio, assim os produtores e distribuidores começam a customizar
o apreciador
de café, ganhando clientela sofisticada. Caso do Café Orfeu, controlador da
Fazenda Rainha.
O trabalho de marketing baseado na qualidade da
bebida começou a mudar o mercado de café no
Brasil a partir de 1989. Nessa
época, 67% dos brasileiros pesquisados pela Associação Brasileira da
Indústria
do Café (Abic) acreditavam que café bom era exportado, restando aqui dentro a
porcaria.
A Abic criou um selo de qualidade e resolveu enfrentar as costumeiras
fraudes na composição do café
torrado e moído distribuído no País. Havia de
tudo: grãos de café estragados, misturados com casca
ou, pior, acrescidos de
palha de arroz. Até areia colocavam no pó de café para aumentar o peso.
Sempre muito adoçada, a bebida tradicional escondia tais mazelas.
O "selo de pureza" da Abic pegou. E os consumidores
começaram a ficar mais espertos com a
qualidade do café que adquiriam,
conferindo no rótulo da embalagem a etiqueta de garantia.
Nessa mesma época, as
modernas máquinas de café expresso começaram a vencer o velho coador nos
botecos
da cidade. A disputa do expresso na xícara contra o cafezinho no copo contou com
a
ajuda da medicina, que progressivamente desmistificava a fama de que beber
café fazia mal à saúde,
dava gastrite. Ao contrário, pesquisadores médicos
passaram a recomendar a bebida no combate ao
estresse e até mesmo à depressão
humana, graças ao efeito estimulador não apenas da cafeína, mas
também dos
polifenóis que contém.
O somatório de fatores positivos resultou,
globalmente, no estímulo ao consumo de café, cuja
qualidade melhorou, e muito. O
mercado, demandando mais, puxou os preços, estimulando os
produtores rurais com
boa remuneração. Criou-se um círculo virtuoso que agrada a todos. Países
que
nunca participaram do mundo cafeeiro despertaram para a oportunidade surgida.
Assim, o
longínquo Vietnã tornou-se o segundo maior produtor mundial de café.
Quem diria!
Robusta é chamada a espécie de café plantada pelos
vietnamitas. Poucos sabem, mas existem duas
espécies básicas: o Coffea arabica e
o Coffea canephora - este conhecido como café robusta.
A primeira, mais
delicada, originou-se na Etiópia; a segunda, mais rústica, surgiu na costa
atlântica da
África. O arábica sempre predominou, pois sua bebida é mais
expressiva, com paladar marcante.
Já o robusta, embora apresente teor mais
elevado de cafeína, oferece uma bebida meio sem graça.
Figurava na segunda linha
da cafeicultura mundial.
Tudo mudou, todavia, com a chegada do café
expresso. Sabem por quê? É que aquela espuma
da xícara, apreciada pelos
consumidores, somente se consegue misturando um pouco do
robusta no pó do
arábica, técnica que gera o blend característico das marcas de expresso.
Foi a
sorte dos capixabas. No Espírito Santo, os pesquisadores agrícolas investiram,
há anos,
na lavoura do café robusta, fazendo-o ganhar produtividade. Dominam
hoje esse veio do mercado.
Anda animada a cafeicultura nacional. Investe na
qualidade, faz bons negócios e dorme
alimentando um sonho: ver cada chinês
tomando uma xícara de café expresso.
Café e agricultores especiais.
*Agrônomo, foi Secretário do Meio Ambiente do
Estado de São Paulo
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