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sábado, 19 de julho de 2014

ESCUTANDO UMA BOA BRONCA - PARASHÁ MATOT 5774

"Certa vez, quando já era um dos maiores rabinos de sua geração, o Rav Moshe Feinstein (Lituânia, 1895 - EUA, 1986) recebeu um telefonema. Do outro lado da linha estava um homem completamente descontrolado, que começou a despejar uma verdadeira enxurrada de críticas e insultos ao Rav Moshe Feinstein por estar indignado com uma de suas decisões sobre a Halachá (Lei Judaica). Mas ao invés de simplesmente desligar o telefone, o Rav Moshe Feinstein pacientemente escutou o longo discurso daquele homem mal educado, sem tentar ao menos se defender. Um aluno que estava na sala e escutou os gritos do homem do outro lado da linha ficou chocado e questionou por que o rabino não havia respondido nada, já que eram acusações completamente infundadas. O Rav Moshe Feinstein sorriu e respondeu:

- Você está certo, realmente a reclamação dele foi completamente sem sentido. Mas é tão raro eu ser repreendido por alguém que fiquei agradecido de poder escutar palavras tão fortes. Apesar de não poder utilizar as palavras deste homem na área na qual ele me repreendeu, já que foi uma crítica equivocada, certamente deve haver alguma área na qual eu posso usar as palavras dele para poder melhorar e crescer"

O Rav Moshe Feinstein, além de ter sido um brilhante estudioso de Torá, também se esforçava muito para trabalhar suas Midót (traços de caráter). E uma das áreas nas quais ele se destacou foi o amor às críticas como forma de crescimento. Talvez justamente por isso ele tornou-se um dos maiores sábios de sua geração.
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Na Parashá desta semana, Matót, o povo judeu estava se aproximando da Terra de Israel e a entrada era uma questão de tempo. Então duas tribos, Gad e Reuven, fizeram um pedido surpreendente para Moshé. Como eles tinham uma quantidade muito grande de gado, maior do que o resto do povo, eles preferiam se estabelecer fora de Israel, nas margens do rio Jordão, uma grande planície propícia para a criação de animais. A resposta de Moshé foi uma dura repreensão às duas tribos, tendo como ponto central o fato deles estarem planejando abandonar seus irmãos naquele momento tão delicado no qual começariam as guerras de conquista de Israel. Moshé entendeu, nas entrelinhas do pedido, que eles queriam ficar tranquilamente criando seus animais enquanto o resto do povo estaria arriscando a vida para conquistar Israel. A bronca de Moshé foi longa e ameaçadora. Entre outras coisas, ele relembrou o incidente dos 10 espiões que desmotivaram o povo judeu de entrar em Israel e as terríveis consequências. Após escutar a bronca de Moshé, as tribos de Gad e Reuven garantiram para ele que participariam junto com seus irmãos da conquista de Israel e só depois voltariam para se estabelecer definitivamente nas margens do rio Jordão.

Explica o Rav Yehudah Aryeh Leib Alter (1847 - 1905), mais conhecido como Sfat Emet, que as duas tribos não mudaram de ideia por causa das palavras duras de Moshé. Na realidade, eles sempre tiveram intenção de se unir aos seus irmãos na conquista da Terra de Israel, e em nenhum momento quiseram fugir de suas responsabilidades. Mas quando fizeram o pedido a Moshé, eles não deixaram suas intenções claras, levando Moshé a pensar que eles estavam querendo abandonar seus irmãos, e por isto Moshé sentiu a necessidade de imediatamente repreendê-los de forma dura. Portanto, tudo não passou de uma falha de comunicação.

Porém, desta explicação do Sfat Emet fica uma grande dúvida. Se as tribos de Gad e Reuven estavam desde o início decididas a acompanhar o resto do povo nas guerras de conquista de Israel, por que não interromperam imediatamente a bronca de Moshé e avisaram que esta era a intenção original deles? Por que aguentaram calados uma repreensão tão dura e pesada se eles não tinham feito nada de errado e, portanto, não mereciam aquela bronca? Responde o Sfat Emet que, embora eles pudessem facilmente refutar a repreensão, eles conheciam o nível espiritual gigantesco de Moshé e, por isso, queriam escutar sua bronca, mesmo que não mereciam. Mas qual é a grande vantagem de escutar uma bronca de alguém espiritualmente elevado, e em especial neste caso, no qual as pessoas nem mesmo mereciam receber esta bronca, pois não haviam feito nada de errado?

A resposta está nas palavras do Talmud (Taanit 20a), que afirma que as maldições com as quais o profeta Achia HaShiloni amaldiçoou o povo judeu são melhores do que as Brachót (Bençãos) dadas por Bilaam HaRashá (o malvado) ao povo judeu. Esta afirmação do Talmud se baseia em um versículo ensinado por Shlomo Hamelech (Rei Salomão): "Os golpes de um amigo são dignos de confiança, enquanto os beijos de um inimigo são prejudiciais" (Mishlei 27:6). Os comentaristas explicam que a expressão "golpes de um amigo" refere-se a palavras de repreensão. Isto nos ensina que a bronca de alguém que realmente gosta e se preocupa conosco é muito valiosa, pois ela tem como objetivo nos ajudar a melhorar. É um grande ato de bondade, pois normalmente não enxergamos nossos erros e defeitos, e uma repreensão de alguém que se importa conosco pode nos ajudar a consertar nossos atos e a crescer espiritualmente. Foi isto que aconteceu com as pessoas das tribos de Gad e Reuven quando eles escutaram a bronca de Moshé, pois eles sabiam que no nível espiritual tão elevado dele, certamente sua bronca era baseada nos motivos mais puros e com a única intenção de ajudá-los a crescer. Por isto, apesar deles poderem se defender, acharam que valia mais a pena escutar as suas palavras e tentar, de alguma forma, crescer com elas.

Mas e quando a repreensão vem de alguém que não é espiritualmente tão elevado, ou que nos dá a bronca de uma maneira equivocada, de forma que nos machuca? Será que nestes casos também precisamos escutar? Explica o Rav Yehonatan Gefen que mesmo uma repreensão feita por alguém em um nível espiritual mais baixo pode ter muitos benefícios, inclusive quando feita da maneira incorreta. O Sefer HaChinuch (Mitzvá 241), quando se aprofunda na proibição da Torá de "Não se vingar", explica que esta Mitzvá é baseada no conceito de que tudo o que acontece em nossas vidas é diretamente dirigido por D'us. Mesmo quando alguém nos agride e nos critica de forma negativa e destrutiva, é inútil guardar rancor e se vingar desta pessoa, pois a dor que nos foi causada não teria acontecido se esta não fosse a vontade de D'us.

Este conceito pode ser utilizado para transformar em algo positivo este tipo de crítica que é destrutiva e nos machuca. Precisamos ignorar a falha daquele que está repreendendo e focar apenas no que ele realmente disse, aceitando a repreensão. Se refletirmos e formos sinceros, perceberemos que na maioria dos casos há um elemento de verdade em cada crítica que escutamos, uma prova de que a crítica, na realidade, é uma forma de comunicação de D'us, nos avisando que precisamos melhorar algo na nossa vida.

Assim também ensina Shlomo Hamelech: "Escute um conselho e aceite uma repreensão, para que você se torne sábio no fim dos seus anos" (Mishlei 19:20). Se prestarmos atenção, Shlomo Hamelech utiliza duas expressões diferentes, "escutar" em relação ao conselho e "aceitar" em relação à repreensão. A expressão "escutar", como utilizada no "Shemá Israel" (escute Israel), implica em pensamento e internalização. Quando a pessoa escuta um conselho, é importante que ela reflita antes de segui-lo. Mas a expressão "aceite" implica em receber sem questionamentos. Shlomo Hamelech está nos ensinando que, quando a pessoa escuta uma repreensão, ela deve aceitá-la sem questionar a validade da repreensão, isto é, sem se importar se a repreensão não é totalmente coerente com um erro cometido ou se não foi feita da forma correta. Ao contrário, a pessoa deve enxergar a repreensão como uma mensagem de D'us para que ela possa melhorar seus atos e seus traços de caráter.

Estamos longe do nível do Rav Moshe Feinstein e não gostamos de escutar críticas, pois não é agradável escutar que temos alguma falha ou que nos comportamos de uma maneira inadequada. Mas se conseguirmos vencer a dor que sentimos ao escutar uma crítica, sendo ela construtiva ou destrutiva, e tentarmos aprender algo da repreensão para melhorarmos em alguma área da vida, então poderemos transformar as críticas em uma incrível ferramenta de crescimento, que pode nos ajudar muito no nosso trabalho espiritual neste mundo.

"Se a vida te mandar limões, faça uma limonada" (Ditado popular)

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
Nm. 30:1- 32:42, Je 1:1-2:3