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sábado, 5 de novembro de 2016

SEPARAÇÃO MOMENTÂNEA - PARASHÁ NOACH 5777

"Sou médico oncologista, com experiência de 29 anos de atuação profissional. Posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito além. Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional.

Comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria. Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim. Veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapia e radioterapia. Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos. Porém, isso é humano.

Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinha no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção:

- Tio - disse-me ela - às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muitas saudades. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!

- E o que a morte representa para você, minha querida? - perguntei, tentando disfarçar a emoção.

- Olha tio, quando somos pequenos, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é? Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!

Fiquei "engasgado", não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou a visão e a espiritualidade daquela criança.

- E minha mãe vai ficar com saudades - emendou ela.

Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:

- E o que saudade significa para você, minha querida?

- Saudade é o amor que fica!" (História real, narrada pelo Dr. Rogério Brandão, Oncologista) 
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A Parashá desta semana, Noach, conta a história do terrível Dilúvio que destruiu a humanidade. Desde Adam Harishon, o primeiro ser humano, que escolheu não escutar a ordem de D'us e comer do fruto que D'us havia proibido, a humanidade foi "despencando" espiritualmente e se desviando, de geração em geração, ao ponto de D'us se arrepender de Sua Criação. Somente Noach e seus filhos encontraram graça aos olhos de D'us, pois haviam se mantido íntegros, e por isso foram poupados da destruição. Noach passou 120 anos construindo uma gigantesca Arca, e um dos propósitos era justamente para chamar a atenção das pessoas de que algo terrível aconteceria caso as pessoas não mudassem suas atitudes. Porém, apesar das pessoas verem a Arca e terem sido advertidas por tanto tempo sobre a vinda do Dilúvio, ninguém mais se arrependeu e consertou seus atos.

Há um detalhe interessante que nos chama a atenção quando D'us anuncia que o Dilúvio estava iminente: "Pois em mais sete dias Eu mandarei chuva sobre a terra, 40 dias e 40 noites, e Eu apagarei toda a existência que Eu criei sobre a face da terra" (Bereshit 7:4). Mas por que D'us quis chamar a atenção destes últimos sete dias?

Rashi (França, 1040 - 1105), citando um Midrash (Torá Oral), nos revela que estes sete dias não estavam nas contas originais de D'us. Mesmo quando os 120 anos se completaram, D'us ainda adiou o início das chuvas por mais sete dias. De acordo com uma explicação, o adiamento foi consequência da gigantesca Misericórdia de D'us. Apesar de terem passado 120 anos, tempo suficiente para que as pessoas se arrependessem, Ele quis dar mais sete dias de chance. Além disso, Rashi explica que havia também outro grande Tzadik no mundo, chamado Metushelach, que viveu até a idade de 969 anos. Ele faleceu quando se completaram os 120 anos e, em sua honra, D'us esperou mais sete dias para começar o Dilúvio.

De acordo com a maioria das opiniões dos nossos "Poskim" (legisladores), o período de sete dias de luto que observamos depois do falecimento de um parente próximo, chamado de "Shivá" (que literalmente significa "sete"), não é parte das 613 Mitzvót da Torá, e sim um mandamento rabínico. A fonte para o mandamento rabínico da "Shivá" é este versículo da nossa Parashá, pois de acordo com os nossos sábios, os sete dias que D'us esperou antes de iniciar o Dilúvio são justamente os sete dias de luto da "Shivá" de Metushelach.

A morte é um assunto que normalmente não gostamos de pensar. É algo que nos deixa deprimidos e com medo do desconhecido. A morte é uma consequência direta do erro de Adam Harishon, e não apenas ele sofreu as consequências de seu erro, mas também todos os seus descendentes. A morte é um momento de separação de pessoas queridas, algo que traz muito sofrimento para a humanidade. Mas se D'us é tão misericordioso, se tudo o que Ele faz é por bondade, será que há uma maneira de olhar a morte de forma mais otimista? Como não perder as esperanças quando perdemos uma pessoa querida?

Outra questão surge ao analisarmos a frase de consolo que costumamos dizer quando visitamos pessoas enlutadas: "Hamakom Yenachem Etchem Betoch Shear Avelei Tzion VeYerushalaim" (Que D'us possa consolar vocês, entre os demais enlutados de Tzion e Yerushalaim). Há algo interessante neste consolo, pois sabemos que D'us têm muitos nomes, o que pode ser observado na Torá e nas Tefilót (rezas). Alguns nomes se referem justamente à Sua misericórdia e compaixão, tais como "Rachum" (O Misericordioso) e "Chanun" (O Gracioso). Porém, nesta frase de consolo não utilizamos estes nomes de D'us, e sim o nome "HaMakom", que literalmente significa "O Lugar". Por que justamente este nome é utilizado? E como esta frase ajuda a trazer consolo aos que estão enlutados e sofrendo pela terrível perda de um ente querido?

Além disso, se refletirmos, perceberemos algo intrigante. Antigamente, quando a comunicação a longa distância não existia, a migração de uma família para uma terra distante era praticamente uma despedida para sempre. Na maioria das vezes as famílias nunca mais escutavam notícias de como estavam seus parentes queridos que partiram. Porém, esta despedida não causava nas pessoas o mesmo sentimento de perda que é causado pela morte de um parente. Qual é a diferença, se nos dois casos as pessoas sabiam que nunca mais veriam seus parentes queridos?

Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em um Midrash que afirma: "O mundo está contido dentro do "espaço" de D'us, e não D'us está contido dentro do espaço do mundo". Nossos sábios estão ensinando que o espaço não era uma realidade pré-existente, ao contrário, foi D'us quem trouxe o mundo à sua existência, foi Ele quem criou a realidade de espaço. Consequentemente, D'us não existe dentro do espaço, e sim o espaço existe dentro da realidade de D'us.

A diferença entre perder um parente e vê-lo partir para sempre em uma viagem é que, no caso da migração, havia o conforto e o consolo de saber que as pessoas amadas, apesar da distância, continuavam existindo dentro do mesmo espaço e realidade que elas. Isto trazia para as pessoas certo nível de tranquilidade e aceitação. Portanto, o sentimento de perda causado pela morte de um ente querido deriva do entendimento equivocado de que o falecido não existe mais na mesma realidade daqueles que estão vivos. É por isso que consolamos o enlutado utilizando o nome de D'us "HaMakom", que reflete a noção de que tudo está dentro do espaço de D'us. Portanto, apesar de que aqueles que partiram saíram da realidade percebida pelos nossos cinco sentidos, eles continuam existindo dentro da realidade criada por D'us. Apesar de ser em outro plano de existência, elas continuam dividindo o mesmo espaço que nós. Este conceito é um grande consolo e conforto para aqueles que estão enlutados.

Apesar de ser algo doloroso, a morte é uma grande bondade de D'us. Após o erro de Adam Harishon, a humanidade caiu tanto espiritualmente que foi necessário um novo processo de purificação para nos permitir uma limpeza completa do nosso corpo e da nossa alma. Este processo é a morte, a separação do corpo e da alma para que cada um deles passe por um processo de purificação específico. Nosso "eu" não é o nosso corpo finito, e sim a nossa alma infinita. A morte, a separação passageira dos nossos entes queridos, pode ser difícil, mas deve ser vista da mesma maneira que a despedida de parentes que estão migrando para uma nova terra, para novas oportunidades. A saudade é o amor que fica, e que deve ser guardado para sempre. Mas nunca com desespero e tristeza, e sim com a aceitação e a tranquilidade de sabermos que tudo o que D'us faz é por bondade ilimitada. 
SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

http://ravefraim.blogspot.com.br

Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5

sábado, 17 de outubro de 2015

O SUCESSO DEPENDE DE QUEM? - PARASHAT NOACH 5776

Avraham e Daniel viviam na cidade de Telz, na Lituânia. Eles eram muito amigos, vendiam o mesmo tipo de mercadoria e a situação financeira dos dois era muito parecida. Em certo momento da vida, após escutarem conselhos de pessoas mais experientes, eles decidiram que era hora de expandir os negócios e se mudar para uma cidade grande, vizinha de Telz. Lá eles poderiam desenvolver melhor seus negócios e aumentar seus lucros.

Para Avraham a mudança foi excelente. Sua mercadoria fez muito sucesso na cidade grande e em pouco tempo ele já havia aumentado seu negócio. Mas para Daniel as coisas não foram nada bem. Após algumas tentativas frustradas de se estabelecer na cidade grande, ele acabou desistindo e voltou para seu negócio em Telz. Daniel se entristeceu profundamente e sentiu muita inveja de Avraham, cujo negócio prosperava cada vez mais. Daniel não entendia por que D'us não o havia ajudado a prosperar na cidade grande.

Poucos meses depois estourou uma guerra e todos os moradores judeus daquela cidade grande foram expulsos. Entre eles estava Avraham, que foi obrigado a ir para a Rússia. Seu negócio colapsou, sua família passou por dificuldades e sofrimentos extremos e ele acabou perdendo sua esposa e seus filhos. No final, Avraham tornou-se um miserável.

Enquanto isso, em Telz, Daniel viu repentinamente sua sorte mudar. Sem nenhuma explicação lógica, seus negócios começaram a melhorar e ele lucrava cada vez mais. No final, sua tristeza se transformou em uma enorme alegria. O que parecia ser a sua desgraça acabou se tornando a sua salvação. (História Real)

Esta é apenas uma entre centenas de histórias nas quais é possível ver que o sucesso na vida não depende dos nossos esforços e investimentos, e sim da Mão de D'us. Como dizemos na nossa Tefilá (reza): "Muitos são os pensamentos no coração do homem, mas é a vontade de D'us que sempre se cumpre". 

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Nesta semana lemos a Parashat Noach, que começa descrevendo o "Mabul", o terrível dilúvio com o qual D'us destruiu a humanidade, uma consequência direta das pessoas terem se desviado completamente dos caminhos corretos. E no final da Parashat a Torá descreve outro importante acontecimento: a construção da Torre de Babel, como está escrito: "E eles disseram: "Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até o céu, e faremos para nós um nome, para que não sejamos espalhados pela face da terra" (Bereshit 11:4).

Mas a construção da Torre de Babel desperta muitos questionamentos. Em primeiro lugar, o que significa que as pessoas construíram a cidade e a torre para não serem espalhadas pela terra? Além disso, a Torá descreve o que ocorreu após o início da construção: "E D'us desceu para ver a cidade e a torre... E disse D'us: 'Eles são um só povo, e todos eles têm uma só língua, e isto é o que eles começaram a fazer! E agora, eles não serão impedidos de fazer tudo o que tramaram? Venham, vamos descer e confundir sua língua, para que um não entenda a língua do seu companheiro' " (Bereshit 11:5-7). Destes versículos fica claro que algo incomodou D'us naquela construção, mas qual foi o erro que eles cometeram, já que os versículos não mencionam nenhuma transgressão? Também não se entende que tipo de castigo foi aplicado, pois a mistura das línguas pode ser entendida como uma punição? E finalmente, por que a Torá diz que D'us desceu para ver o que eles estavam fazendo?

Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, explica o motivo que levou as pessoas a construírem aquela torre gigantesca. Elas estavam insatisfeitas com o fato de D'us ter sozinho o controle dos Mundos Superiores, então elas quiseram construir uma torre para subir ao céu e lutar contra Ele. O Midrash (parte da Torá Oral) acrescenta que eles queriam subir com machados para lutar contra D'us. Além disso, Rashi traz também outro motivo. O dilúvio havia ocorrido 1.656 anos após a Criação do mundo, e aquela geração chegou à conclusão que havia um fenômeno natural de colapso do Céu que resultava em dilúvios cíclicos. Por isso eles quiseram construir uma torre, para que servisse como um suporte e impedisse um novo dilúvio quando se completasse o novo ciclo de 1.656 anos.

Porém, estas explicações trazidas por Rashi também apresentam algumas dificuldades. Como pode ser que a humanidade, poucas gerações depois de D'us ter destruído o mundo inteiro com o dilúvio, demonstrando Sua força e Seu controle sobre toda a natureza, achou que era possível desafiá-Lo, e ainda mais com machados? E se esta era a intenção deles, por que D'us mudou a natureza do mundo e confundiu a língua deles, ao invés de simplesmente esmagá-los, demonstrando a nulidade da força do ser humano perante a grandeza de D'us? E finalmente, se o erro foi algo tão grave, uma verdadeira rebelião contra D'us, por que isto não está escrito explicitamente na Torá?

Explica o Rav Yosef Leib Bloch zt"l (Lituânia 1860 - 1930) que a resposta de todos estes questionamentos está no entendimento do incrível poder criado através da união. As pessoas começaram a perceber que a população mundial estava crescendo muito, e que logo precisariam se separar e se espalhar pela terra. Mas eles entendiam a força da união, sabiam que poderia levá-los à grandeza, então por isso começaram a pensar em uma estratégia para manter esta união. Através da união eles achavam que conseguiriam superar qualquer dificuldade, como guerras, doença e outras tragédias. E eles realmente estavam certos no seu entendimento.

Nos últimos séculos presenciamos uma quantidade imensa de invenções revolucionárias, e mesmo assim sabemos que isto é apenas uma pequena gota d'água no mar diante dos segredos da natureza que ainda não foram revelados. Quem sabe quantas forças incríveis e ocultas na natureza poderiam ter sido reveladas caso houvesse união no mundo, caso as pessoas trabalhassem juntas, associando suas forças para criar, revelar e inventar? Achamos que estamos evoluindo, mas é sabido que no passado havia muito mais conhecimentos do que temos hoje, em várias áreas, inclusive na medicina e engenharia. Por exemplo, o Rei Chizkiahu ocultou um livro chamado "O Livro das Curas", que trazia conhecimentos de cura para qualquer doença. Outro exemplo é que até hoje ninguém entende como as pirâmides do Egito, com pedras gigantescas, foram construídas sem a ajuda de equipamentos pesados. Também nas sabedorias ocultas, como feitiçaria e controle do mundo espiritual, havia muito mais conhecimento do que temos hoje. Com medo de perder esta força, aquela geração decidiu se unir, e a torre serviria como um centro e um símbolo da união mundial.

Mas então qual foi o erro daquela geração, se tudo o que eles queriam era manter a união como um meio para evitar que tragédias e sofrimentos recaíssem sobre o mundo? D'us percebeu que no coração deles havia algo a mais do que isso. O que eles queriam no fundo era viver com suas próprias forças, desconectados de D'us. Talvez nem mesmo eles haviam percebido que em sua busca havia uma vontade de se libertar da Supervisão Divina. É por isso que a Torá escreveu apenas a parte revelada do erro, que era a vontade de se unir e simbolizar isto através da construção de uma cidade e uma torre, mas a rebeldia contra D'us não aparece de forma explícita, pois era apenas uma vontade oculta no coração deles.

É isto que quer dizer a expressão "D'us desceu", isto é, Ele desceu no fundo da intenção das pessoas e percebeu que a construção da cidade e da torre eram uma tentativa de negar a existência de D'us e de tirar de si o jugo da Supervisão Divina. Com a força de união de toda a humanidade realmente eles poderiam ter alcançado muito. Foi por isso que D'us precisou cancelar os planos daquela geração, misturando as línguas e quebrando sua união. E este foi um gigantesco castigo, causar desunião para uma geração que sabia dar tanto valor para a união.

Com estes conceitos entendemos um pouco melhor os ensinamentos dos nossos sábios. Quando o Midrash diz que eles queriam lutar contra D'us com machados, não se refere a uma luta física, e sim a uma demonstração de que eles queriam sair da Supervisão Divina e utilizar as incríveis forças da natureza de acordo com a sua própria vontade. Mesmo as tragédias e desgraças que ocorrem no mundo, como o dilúvio, são totalmente controladas por D'us e utilizadas apenas para benefício da humanidade, para que o ser humano chegue em seu propósito. Mas a geração da Torre de Babel quis assumir o comando e mudar as regras do jogo. Quando eles tentaram construir um apoio para evitar o dilúvio, demonstraram que queriam interferir na vontade de D'us, imaginando que mesmo o que foi decretado por Ele poderia ser evitado através do uso das forças da natureza. Em outras palavras, a geração da Torre de Babel tentou passar por cima de D'us e ignorar completamente que o mundo é regido por leis espirituais, não por leis físicas.

Este ensinamento da Parashat continua sendo muito atual. Há pessoas que acham que através de seus esforços físicos conseguirão mudar decretos espirituais. Quando passamos por dificuldades, nos esforçamos de todas as maneiras no mundo material para tentar mudar a nossa situação, mas nos esquecemos que a fonte de tudo é espiritual. Temos a obrigação de fazer o nosso esforço, mas sem exageros, e com a consciência de que nossos esforços servem apenas para despertar a Misericórdia Divina, pois tudo depende Dele. Portanto, qualquer exagero no nosso esforço demonstra uma falta de Emuná (fé). D'us quer que façamos o nosso esforço, a nossa parte, mas nunca esquecendo que o sucesso depende apenas Dele. Pois quando Ele decide algo, não há esforço físico que possa mudar os Seus decretos.
SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5

domingo, 26 de outubro de 2014

RECONHECENDO O VERDADEIRO DONO - PARASHÁ NOACH 5775

"Quando o pequeno Moishe foi ao banco pela primeira vez com seu pai, observou que o homem que trabalhava no caixa entregava muito dinheiro a um cliente e recebia uma quantia grande de outro. Ele encantou-se com a quantidade de dinheiro que passava pelo caixa. Ao sair, virou-se para o pai e disse:

- Aquele homem por trás do balcão deve ser um milionário. Viu só quanto dinheiro ele tem?

- Não é bem assim - disse o pai - Você e eu talvez sejamos mais ricos do que ele. O dinheiro que ele recebe e entrega não lhe pertence, é do banco. Se ele abusar deste privilegio e entregar ou guardar um real a mais, pode perder seu emprego e o privilegio de lidar com o dinheiro. Ele deve sempre ter em mente a origem do dinheiro e a quem ele realmente pertence."

Assim também devemos olhar a vida. Nossos talentos e as riquezas que acumulamos são nossos somente porque D'us nos deu, para utilizarmos no nosso trabalho espiritual. Mas se esquecermos de que Ele é o verdadeiro Dono e fizermos mau uso das nossas conquistas, podemos acabar perdendo tudo.

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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que descreve dois episódios que mudaram a história da humanidade: o grande dilúvio que ocorreu nos dias de Noach (Noé) e que destruiu o mundo inteiro, e a construção da Torre de Bavel, que marcou o início da mistura das línguas no mundo. E estes dois eventos têm um importante ponto em comum: tanto o dilúvio quanto a mistura das línguas foram castigos aplicados por D'us por causa de erros que a humanidade estava cometendo.

Na geração do dilúvio, a humanidade havia se corrompido e se desviado dos caminhos corretos, e transgressões como o roubo e a promiscuidade se tornaram comuns. Já o erro da Torre de Bavel foi a própria construção da torre, como está escrito: "Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue aos céus" (Bereshit 11:4). Mas o que há de tão mal em construir uma torre que chegue até o céu? Rashi (França, 1040 - 1105), comentarista da Torá, explica que eles queriam chegar até o céu para lutar contra D'us. Porém, quem em sã consciência tentaria lutar contra o Criador do Universo? Por que aquela geração cometeu um erro assim tão grave?

Há ainda outra pergunta que surge quando prestamos atenção em um dos primeiros versículos que descrevem a construção da Torre de Bavel: "Venham, vamos fazer tijolos e queimá-los no fogo. E o tijolo servirá como pedra, e o betume servirá com argamassa" (Bereshit 11:3). Sabemos que a Torá não gasta nem mesmo uma letra de maneira desnecessária. Se o problema da Torre de Bavel era uma rebeldia contra D'us, então qual a importância de sabermos com que materiais a torre foi construída? E por que ressaltar que foi utilizado o tijolo ao invés da pedra?

Explica o Rav Yohanan Zweig que neste pequeno detalhe está a chave para entender qual foi a fonte do erro que aquela geração cometeu. Apesar de parecer apenas um detalhe construtivo, há uma diferença crucial entre uma casa construída com pedras e uma casa construída com tijolos. As pedras utilizadas nas construções eram retiradas de pedreiras naturais. Quando uma pessoa vive em uma casa de pedras, ela sente que está vivendo no mundo de D'us, pois está cercada por materiais que vêm diretamente da natureza, com pouca intervenção humana. Já quando uma pessoa fabrica tijolos e os utiliza para construir sua casa, ela pode ter a sensação de que sua moradia é desconectada de D'us, pois foi ele próprio o responsável por processar os materiais utilizados na construção.

O propósito da Torre de Bavel era ir contra o Criador do mundo, tentando negar Seu controle sobre todo o universo e atribuindo ao ser humano o poder de controlar o mundo. Isto é ressaltado pelo versículo inicial sobre a construção da Torre de Bavel: "E toda a terra tinha apenas uma linguagem e um propósito comum" (Bereshit 11:1). Rashi explica que a expressão "Dvarim Achadim" (propósito comum) tem um significado mais profundo. A palavra "Achadim" vem da mesma raiz que a palavra "Ichud", que significa "unicidade". Isto quer dizer que os seres humanos estavam querendo anular o "Ichudo Shel Olam", isto é, a noção da Unicidade de D'us, o único e verdadeiro Poder que controla todo o universo. E por que isto aconteceu justamente naquela geração? Pois quando eles começaram a alcançar avanços tecnológicos, acharam que podiam controlar o mundo. Por isso chegaram ao ponto de construir uma torre gigantesca para lutar contra D'us.

Explica o Rav Avraham ben Meir (Espanha, 1092 - 1167), mais conhecido como Ibn Ezra, que o versículo "e o tijolo servirá como pedra" demonstra que as pessoas intencionalmente deram preferência ao uso do tijolo, refletindo a percepção daquela geração de que eles estavam vivendo em um mundo em que eles mesmo haviam criado, na ilusão de que D'us não mais exercia Sua autoridade sobre o mundo.

Infelizmente nós muitas vezes cometemos os mesmos erros das gerações anteriores, e nos deixamos cegar pelos avanços tecnológicos da humanidade. Quanto mais o ser humano progride em suas buscas tecnológicas, mais ele se torna propenso a perder de vista que D'us é a única autoridade no mundo. Ao invés de utilizarmos os avanços tecnológicos para nos conectarmos a D'us, utilizamos para procurar novos fenômenos que possam explicar um mundo sem Ele.

O próprio nome dado a Noach traz este conceito. Noach vem da mesma raiz de "Menuchá", que significa "descanso". Por que o pai de Noach deu a ele este nome? Explicam nossos sábios que desde o erro de Adam Harishon, a terra havia sido amaldiçoada. Quando o trigo era plantado, ao invés de nascerem espigas, praticamente nasciam apenas espinhos. Mas o pai de Noach sabia que a maldição se aplicaria com toda a sua força apenas enquanto Adam estava vivo. Noach foi o primeiro ser humano a nascer depois da morte de Adam e, portanto, seu pai sabia que seu nascimento marcaria uma época de descanso e tranquilidade ao mundo. E Noach realmente fez uma grande diferença, pois inventou equipamentos agrícolas, desenvolveu novas técnicas e facilitou o trabalho no campo.

Porém, a Torá nos ensina que foi justamente a geração de Noach, aquela geração que usufruiu dos benefícios dos primeiros avanços tecnológicos, que foi destruída no terrível dilúvio que quase apagou a humanidade da face da Terra. Por que? Pois eles também não souberam utilizar os avanços tecnológicos para se conectarem com D'us. Com as novas técnicas e equipamentos, as pessoas precisavam trabalhar menos. Mas ao invés de fazer algo construtivo com o tempo livre que surgiu, as pessoas acabaram utilizando-o para pensar em besteiras, se corrompendo e chegando a grandes desvios.

Se o mal uso das tecnologias já foi suficiente para desviar a geração de Noach, muito maior deve ser o nosso cuidado, pois vivemos em um tempo no qual os avanços tecnológicos praticamente nos atropelam. Nos 200 anos após a Revolução Industrial foram feitas mais invenções do que nos 5 mil anos anteriores. Estamos agora em uma nova fase, a Revolução Digital, na qual as mudanças são ainda mais frenéticas. Quando compramos um celular novo, no dia seguinte já há um novo modelo, como uma nova função que até ontem não existia. Em todas as áreas vemos mudanças constantes. Mas será que utilizamos estas melhorias para o bem? As tecnologias cada vez mais nos isolam, criando verdadeiros "casulos" dentro das casas. Atualmente não há mais momentos em família, pois cada um tem a sua televisão, seu computador e seu celular, fazendo que as pessoas vivam na mesma casa mas, ao mesmo tempo, em mundos independentes.

Outro perigo das grandes e frenéticas evoluções tecnológicas é novamente cairmos no erro de pensar que o ser humano está no controle das coisas. Isto é apenas uma grande ilusão, pois a verdade é que D'us está no comando. É Ele quem permite as novas descobertas e é Ele quem faz com que as pessoas tenham novas ideias. Portanto, se soubermos utilizar as novas tecnologias da maneira correta, elas podem nos trazer Brachót (Bençãos). Mas aprendemos de Noach e da Torre de Bavel que utilizar as novas tecnologias da maneira incorreta pode nos trazer muitos sofrimentos e dificuldades.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5, 1 Pe. 3: 18-22
 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

BONDADE VERSUS EGOÍSMO – PARASHÁ NOACH 5774

"Jonas era uma pessoa muito esforçada e trabalhadora, mas não tinha muito sucesso na vida. Não passava necessidades, mas o dinheiro estava sempre contado. Pelo menos ele se alegrava por ter um maravilhoso casamento, no qual havia muito respeito mútuo. Mesmo nas épocas de maiores dificuldades era muito raro o casal discutir.

Certa vez, quando Jonas estava viajando, voltando de uma tentativa frustrada de negócios, ele resolveu fazer uma visita a um famoso rabino, cuja santidade e força de suas Brachót (Bençãos) eram muito conhecidas. Esperançoso, Jonas entrou na sala do rabino e pediu para ele uma Brachá. O rabino segurou a mão de Jonas e, com muita concentração, falou:

- Que seja a vontade de D'us que a primeira coisa que você fizer em casa prospere e dure para sempre.

Jonas ficou muito contente com a Brachá do rabino. Conhecendo a sua santidade, Jonas sabia que aquelas palavras certamente se cumpririam. Então ele começou a refletir sobre qual deveria ser seu primeiro ato quando chegasse em casa. Decidiu que contaria várias vezes todo o dinheiro que tivesse em casa, pois assim a Brachá do rabino recairia sobre o seu dinheiro e ele ficaria rico.

Já sonhando com os milhões que ganharia, Jonas entrou em casa e mal cumprimentou sua esposa. Ele então pediu, em tom de urgência, que ela imediatamente trouxesse todo dinheiro que havia em casa. Um pouco assustada com o estranho pedido repentino do marido e se sentindo muito pressionada, a esposa não conseguia lembrar-se onde estavam guardadas as economias que eles haviam juntado. Após a insistência e o mau-humor de Jonas, a esposa começou a desconfiar que havia algo de errado e se recusou a entregar a ele qualquer dinheiro.

Revoltado com a atitude da esposa, Jonas perdeu a cabeça e esqueceu-se completamente das palavras do rabino. O que estava destinado a ser uma Brachá transformou-se então em uma maldição. Jonas já nem se lembrava que havia voltado para casa para procurar seu dinheiro e  começou a gritar com a esposa, iniciando uma troca de acusações e ofensas. As palavras do rabino se cumpriram e, a partir daquele dia, naquela casa o que prosperou e durou para sempre foram as brigas e discussões. Jonas continuou tão pobre quanto era antes, e agora não tinha nem mesmo uma casa com paz e tranquilidade"

Explica o Maguid MiDuvno que às vezes esquecemos nossas prioridades. Quando focamos apenas nas nossas próprias necessidades, de maneira egoísta, podemos perder as coisas mais importantes da vida.

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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que conta a história de uma geração completamente desviada dos caminhos corretos e que praticava apenas maus atos. D'us, descontente com as transgressões daquela geração, decidiu mandar um dilúvio para destruir a humanidade. Os únicos que encontraram graça aos olhos de D'us e tiveram o mérito de serem salvos foram Noach e sua família, como está escrito "Noach era um Tzadik (Justo) e reto em sua geração" (Bereshit 6:9). Mas por que está escrito que Noach era Tzadik "em sua geração"? Explica Rashi, comentarista da Torá, que apesar de Noach ser uma pessoa correta que se destacava em uma geração de Reshaim (malvados), comparado com Avraham Avinu ele não era nada. Onde enxergamos esta diferença tão grande entre Noach e Avraham Avinu?

Em primeiro lugar, enquanto Avraham dedicou sua vida a ajudar e tentar salvar as pessoas e trazê-las aos caminhos corretos, Noach se contentou em salvar a si mesmo e sua família, e não fez grandes esforços para que as pessoas se arrependessem dos seus erros, apesar de D'us ter dado a ele um prazo de 120 anos. Enquanto Avraham implorou a D'us para poupar a cidade de Sdom, onde só havia habitantes Reshaim, Noach pouco fez para salvar a humanidade inteira. É por isso que nossos sábios também chamam o dilúvio de "as águas de Noach", colocando sobre Noach parte da responsabilidade pela terrível tragédia que quase apagou a humanidade, por ele não ter se importado com os outros.

Além disso, após passar um ano na arca, logo que Noach saiu ele fez um ato que não seria esperado de um grande Tzadik: antes de plantar qualquer outra árvore, Noach plantou um vinhedo, para saciar seu desejo de beber vinho. E as consequências deste ato foram trágicas. Noach bebeu do vinho produzido a partir das uvas deste vinhedo, se embriagou e ficou nu dentro de sua tenda. A Torá então descreve que Noach passou por uma enorme vergonha e desonra.

Mas desta passagem da Torá surge uma grande pergunta: se Noach logo que saiu da arca plantou um vinhedo, como pode ser que ele imediatamente conseguiu beber vinho produzido a partir destas uvas? Apesar do plantio das uvas e a fabricação do vinho levar anos, segundo a descrição da Torá tudo aconteceu em poucas horas. Como o processo pode ter sido tão rápido?

Responde o Maguid MiDuvno que logo após o fim do dilúvio, D'us lembrou-se de Noach e quis dar ao mundo uma medida adicional de bondade e misericórdia. Noach deveria ter assumido a liderança na reconstrução do mundo devastado e na recriação de uma nova geração que daria continuidade à humanidade. Contando que Noach estava guiado apenas pelas motivações mais nobres, D'us deu a ele uma Brachá especial: a primeira coisa que ele fizesse ao sair da arca teria muito sucesso e prosperaria de uma maneira sobrenatural.

Infelizmente, ao invés de Noach ter pensamentos elevados, ao invés de investir em algo que pudesse favorecer toda a humanidade, ele pensou apenas em si mesmo e plantou um vinhedo. A palavra de D'us se cumpriu e a grande Brachá dada por Ele foi aplicada ao vinhedo. Noach não teve que esperar anos para ter proveito das uvas, ele pôde colhê-las no mesmo dia em que havia plantado as sementes e transformá-las em vinho.

Portanto, o maior erro de Noach não foi ter perdido o controle e ter se embebedado. O principal erro foi ter perdido o potencial da Brachá que ele havia recebido de D'us. Ao invés de utilizá-la em prol da humanidade, em algo que ajudaria na reconstrução do mundo, Noach preferiu utilizar a Brachá de D'us para um motivo egoísta, que terminou em vergonha e degradação. A própria linguagem utilizada pela Torá nos mostra a queda espiritual de Noach. O versículo no qual Noach plantou o vinhedo começa com as seguintes palavras: "Vayachel Noach" (Bereshit 9:20). Estas palavras podem ser traduzidas como "E começou Noach", mas Rashi comenta que "Vayachel" também significa "E se degradou". A consequência de utilizar a Brachá de D'us para motivos egoístas foi a degradação de Noach.

Já quando a Torá se refere a Avraham, assim está escrito: "E plantou Avraham uma "Eshel" em Beer Sheva, e proclamou o nome de Hashem, D'us do universo" (Bereshit 21:33). O Talmud (Sotá 10a) discute qual o significado da palavra "Eshel". De acordo com uma opinião, Avraham plantou um pomar para que os viajantes que passassem por ali tivessem comida à vontade, enquanto a outra opinião afirma que Avraham construiu uma hospedaria para que os viajantes pudessem descansar. Rashi explica que a palavra "Eshel" é um acróstico de "Achilá, Shtiá e Levaiá" (Comida, bebida e companhia), os três serviços básicos que um anfitrião deve oferecer aos seus convidados. Isto demonstra a enorme diferença espiritual entre Noach e Avraham Avinu. Enquanto Noach plantou um vinhedo para seu próprio prazer, sem pensar nos outros, desperdiçando a Brachá especial de D'us, Avraham se preocupou em fazer atos que beneficiavam as outras pessoas.

Este ensinamento da Parashá é muito importante para nossas vidas, para nos conscientizar que muitas vezes fazemos o mesmo erro de Noach. Ao invés de utilizarmos nossas energias e nossa capacidade para fazer o bem ao próximo, na maioria das vezes utilizamos nosso potencial de maneira egoísta. Aprendemos de Avraham que quando pensamos nos outros, acabamos ajudando também a nós mesmos, mas quando pensamos apenas em nós mesmos, como Noach, somos nós os maiores prejudicados.

"Pois isto é o ser humano: não para si mesmo ele foi criado, e sim para ajudar ao próximo, com toda a força que encontrar" (Rav Chaim Vologzniner)

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn.6:9-11:32, Is 54:1-55:5, 1 Pe. 3: 18-22

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ESTE É O SEU DESTINO - PARASHÁ NOACH 5773

Ricardo era um rapaz esforçado, investia muito no seu crescimento espiritual. Fixava horas de estudo de Torá todos os dias e procurava sempre refletir sobre a vida e a importância do tempo, nosso bem mais precioso. Mas foi quase por acaso que ele recebeu uma das maiores lições sobre o valor da vida.

Certa vez havia falecido um parente distante de Ricardo e ele decidiu ir ao cemitério para cumprir a importante Mitzvá de "Levaiat Hamet" (acompanhar o morto até a sepultura). Como ele não conhecia o caminho até o cemitério, programou seu GPS e foi seguindo as instruções.

Durante todo o caminho, o GPS foi dando as coordenadas: "Vire à direita", "Vire à esquerda", "Siga em frente". Quando o carro entrou no cemitério, Ricardo ficou arrepiado. O GPS, em alto e bom som, anunciou: "VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO"...

Quando lembramos que estamos aqui neste mundo apenas por um tempo limitado, aproveitamos mais a nossa vida, damos valor para cada segundo. A única certeza que temos na vida é que um dia a vida acaba. Então vale a pena aproveitar cada segundo do nosso tempo.
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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que nos ensina sobre o dilúvio que destruiu toda a humanidade. Mas apesar de toda a corrupção e imoralidade que haviam se institucionalizado no mundo, Noach e sua família se mantiveram íntegros e encontraram graça aos olhos de D'us, sendo salvos, junto com um par de cada animal da Terra, em uma gigantesca arca. Durante 40 dias e 40 noites D'us mandou uma forte chuva sobre a Terra, acabando com toda a vida que havia ficado para fora da arca.

Quando D'us anunciou que mandaria um dilúvio, avisou para Noach: "Eu estabelecerei Meu pacto com você, e você deve vir até a arca – você, seus filhos, sua esposa e as esposas dos seus filhos com você" (Bereshit 6:18). Por que D'us, ao comandar Noach, separou os homens das mulheres? Explica o comentarista Kli Yakar que D'us estava proibindo os seres humanos de terem relacionamentos íntimos durante os dias em que estivessem dentro da arca, pois eles não poderiam se ocupar dos seus próprios prazeres enquanto o resto da humanidade estava passando por terríveis sofrimentos.

Após um ano fechados na arca, D'us comandou que eles saíssem: "Saia da arca, você e sua esposa, seus filhos e as esposas de seus filhos junto com você" (Bereshit 8:16). Desta vez D'us comandou Noach a sair com sua esposa, e os filhos com suas esposas, para comunicar que a proibição das relações maritais não mais se aplicava. Ao contrário, agora eles precisavam repovoar o mundo, que estava completamente desolado e vazio.

Porém, alguns versículos depois a Torá descreve a saída de Noach da arca: "E saiu Noach, e seus filhos, e sua esposa e as esposas dos seus filhos com ele" (Bereshit 8:18). Se D'us já havia novamente permitido as relações maritais, por que a Torá descreve que os casais saíram da arca separados, como se a proibição das relações íntimas ainda existia?

Explica o Kli Yakar que Noach não queria mais ter filhos. O ser humano precisa encontrar um sentido no que faz na vida. Uma pessoa não passaria o dia empilhando lixo, mesmo de maneira remunerada, se soubesse que de noite alguém pegaria a pilha e espalharia tudo de novo, fazendo com que o trabalho recomeçasse do zero no dia seguinte, pois ninguém consegue fazer um trabalho que é vão e sem sentido. Foi isso o que Noach sentiu naquele momento, ele pensou que mesmo se trouxesse descendentes ao mundo, logo alguma geração não muito distante se corromperia e um novo dilúvio destruiria novamente o mundo inteiro. Então por que se esforçar se logo tudo seria destruído? Noach ficou firme em sua decisão até que D'us confortou-o, jurando que nunca mais traria um dilúvio ao mundo, como está escrito: "Nunca novamente toda a carne será destruída pelas águas do dilúvio, e nunca novamente haverá um dilúvio para destruir o mundo" (Bereshit 9:11).

Mas surge uma grande pergunta filosófica. Sabemos que tudo o que D'us faz é por bondade, mesmo quando Ele precisa nos castigar de maneira severa. É como um pai que, ao ver seu filho colocando a própria vida em risco, lhe dá um castigo duro para convencê-lo a não fazer mais o mesmo erro. Segundo este fundamento, por que D'us mandou o dilúvio? Pois o mundo havia se corrompido tanto que Ele achou necessário, pelo bem da humanidade e das futuras gerações, reconstruir o mundo. Então como D'us poderia jurar que nunca mais mandaria um dilúvio para o mundo? E se a humanidade novamente se corrompesse e se desviasse do caminho correto, D'us não mandaria mais o "conserto" necessário?

Explicam nossos sábios que o mundo "pós-dilúvio" não foi reconstruído da mesma maneira como era antes. D'us fez mudanças para que a humanidade nunca mais se corrompesse naquele nível. Em certo nível, D'us tirou um pouco do nosso livre arbítrio, para nos impedir de cair tanto quanto caiu a geração de Noach. Mas que mudanças foram estas e como nos ajudam a não cair?

A primeira mudança foi na diminuição da expectativa de vida dos seres humanos, como está escrito: "E disse D'us: Meu espírito não continuará a julgar o homem para sempre, uma vez que ele não é mais do que carne. Seus dias serão 120 anos" (Bereshit 6:3). Até a geração de Noach as pessoas viviam mais de 700 anos, mas D'us decretou que a expectativa de vida do ser humano iria gradativamente diminuir, até chegar ao limite de 120 anos. Por um lado, um tempo de vida longo pode ser utilizado para acumular sabedoria e espiritualidade, mas se for mal utilizado, resulta em tempo suficiente para cometer muitas bobagens na vida. Com a diminuição do tempo de vida, as pessoas ficaram menos propensas a desenvolver um nível muito grande de maldade. Além disso, o medo da morte, um fenômeno que passou a ser algo mais próximo do ser humano, ajudou as pessoas a se concentrarem no que é principal e deixar de lado o que é secundário.

A segunda mudança foram alterações climáticas na Terra, como está escrito: "Enquanto a Terra existir, a época do plantio e da colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, não cessarão" (Bereshit 8:22). Antes do dilúvio, todos os dias eram dias de primavera, com um clima ameno e agradável. Não havia estações do ano nem temperaturas extremas. Neste clima agradável e constante, o tempo parecia não passar. As mudanças de estação nos ajudam a perceber, de uma maneira mais clara, que o tempo está correndo. Nos ajuda a refletir que a vida é curta, que precisamos aproveitar as oportunidades ou elas passam e nós as perdemos, talvez para sempre. Além disso, quando tudo está tranquilo, a tendência é as pessoas se acomodarem. As dificuldades de viver em uma constante luta contra o frio e o calor nos despertam, nos dão força, nos ajudam a atingir o nosso objetivo.

Estas mudanças que D'us fez para diminuir nosso Yetzer Hará (má inclinação) nos ensinam uma importante lição para a vida: a melhor maneira de evitar cometer transgressões, e a receita para fugir de uma vida de vanidades, é lembrar constantemente que estamos neste mundo apenas por um tempo limitado e que todos os nossos atos neste mundo são levados em consideração para definir o nível espiritual que teremos por toda a eternidade. A vida passa em um piscar de olhos, o tempo não espera, ele não para nunca. Quem não aproveita sai deste mundo de mão vazias.

Por que não aproveitamos as oportunidades de crescimento espiritual? Pois vivemos como se nunca fossemos morrer. As oportunidades aparecem, mas sempre deixamos as coisas importantes para depois. Sempre dizemos: "Amanhã eu faço" ou "Depois eu cuido disso". Quando o ser humano vivia mais de 700 anos, havia tempo de sobra para se preocupar com o Mundo Vindouro. Mas já não vivemos tanto, como diz David Hamelech: "Os dias da nossa vida chegam a 70 anos, e para alguns mais fortes chegam a 80 anos" (Tehilim - Salmos 90:10). Algumas vezes vamos ao cemitério e o choque momentâneo de perceber que um dia a vida acaba nos acorda, mas com o tempo voltamos ao comodismo de antes. Precisamos despertar do nosso sono espiritual, precisamos aproveitar cada instante de nossa vida para construir méritos para a nossa Vida Eterna. Temos que nos esforçar ao máximo para que, nos dia em que chegarmos realmente ao nosso destino final, possamos sair deste mundo com a nossa mala espiritual completamente cheia.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Gn.6:9-11:32, Is 66:1-24, 23; 1Pe 2:4-10 (Shabat/Rosh Chodesh)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

MILAGRE OU NATUREZA? - PARASHÁ NOACH 5772

"O pequeno Yacov, de apenas 6 anos de idade, voltou para casa mais agitado do que o normal. Seu pai então perguntou o que ele havia aprendido na escola. Ele respondeu que, como a festa de Pessach estava se aproximando, o professor havia ensinado todos os detalhes da saída do povo judeu do Egito. O pai ficou interessado em escutar o que ele havia aprendido e o pequeno Yacov começou a contar:
- Moshé queria tirar o povo judeu do Egito, mas o exército egípcio era uma grande ameaça. Foi então que a força aérea israelense apareceu, com centenas de caças F-16, e bombardeou o Egito. Os egípcios ainda tentaram impedir a saída dos judeus, mas eles foram facilmente derrotados pela artilharia. Durante o trajeto no deserto, helicópteros Apache israelenses voavam na frente, eliminando todos os perigos e iluminando o caminho de noite. Quando eles se aproximaram do Mar Vermelho, não era possível atravessar. Então navios de guerra israelenses deram cobertura para que robôs comandados por controle remoto construíssem uma ponte metálica, possibilitando que todo o povo judeu atravessasse. Quando os egípcios foram atravessar, submarinos nucleares israelenses explodiram a ponte, afogando todo o exército egípcio.
O pai escutou calado todo o relato do filho, sem piscar os olhos, em estado de choque. Respirando fundo, ele perguntou, incrédulo:
- É isso que estão te ensinando na escola?
O garoto abriu um sorriso e confessou ao pai.
- Olha, pai, na verdade eu inventei tudo isso, pois se eu tivesse contado a verdade, com todos os milagres que aconteceram na saída do Egito, certamente você não teria acreditado!"
Infelizmente para muitas pessoas é mais fácil acreditar em acasos da natureza e outros tipos de explicação científica do que enxergar, em cada evento que acontece, a mão de D'us.
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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que traz dois eventos que mudaram os rumos da humanidade. A Parashá começa descrevendo o dilúvio que destruiu o mundo inteiro. Dentre todos os humanos, apenas Noach (Noé) e sua família foram salvos em uma arca que eles mesmos construíram sob o comando de D'us. Em seguida a Parashá descreve a construção da Torre de Babel, como está escrito "Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre com seu topo nos céus, e façamos um nome para nós, para que não sejamos dispersados por toda a Terra" (Bereshit 11:4). D'us, vendo que a construção era feita com más intenções, destruiu o plano misturando todas as línguas, de maneira que as pessoas não podiam mais se comunicar.
Refletindo um pouco sobre a construção da Torre de Babel, surgem algumas perguntas: em primeiro lugar, aparentemente não há nada de errado em construir uma torre alta. Então qual foi exatamente o erro que aquela geração cometeu? Além disso, por que a Torá juntou os eventos da Arca de Noach e a Torre de Babel, se eles ocorreram com uma diferença de 340 anos? E finalmente, sabemos que a Torá não é apenas um livro de histórias. Que mensagem eterna a Torá nos ensina com o episódio da Torre de Babel?
Há um Midrash muito interessante que nos ensina qual foi o fim da Torre de Babel: um terço foi completamente queimado, um terço afundou na terra e um terço continua intacto, e é tão alto que as palmeiras vistas lá de cima parecem gafanhotos. O que este Midrash significa? Será que deve ser entendido de forma literal? Onde está este terço que não foi destruído?
Ensinam os nossos sábios que há uma grave proibição de não acreditar em um Midrash por ele parecer "fantasioso" demais, pois D'us tem poder ilimitado e pode fazer o que desejar. Porém, temos a transmissão oral dos nossos sábios de que alguns Midrashim não devem ser entendidos literalmente. Eles são como mensagens codificadas, transmitindo algo mais profundo.
Há outro Midrash que nos ajuda a "decodificar" a mensagem sobre a destruição da Torre de Babel. O Midrash traz três diferentes opiniões sobre o motivo que levou as pessoas a quererem construir a Torre de Babel. De acordo com a primeira opinião, a construção da Torre era para estabelecer uma nova ordem mundial, um governo universal para toda a humanidade. De acordo com a segunda opinião, as pessoas construíram a Torre para chegar aos céus e lutar contra D'us. Há ainda uma terceira opinião na qual a construção seria para evitar um novo dilúvio. As pessoas pensavam que dilúvios eram fenômenos naturais cíclicos, causados por aberturas no céu, e por isso quiseram construir uma estrutura que chegasse até o céu e o sustentasse, impedindo a queda das águas.
Explica o Rav Yssocher Frand que estas três opiniões representam, na verdade, três diferentes filosofias. E é esta a explicação do Midrash sobre o fim da Torre de Babel: cada uma das três partes da Torre representa o que aconteceu, no decorrer da história, com cada uma destas três filosofias.
A filosofia de lutar contra D'us foi completamente queimada e destruída, isto é, foi erradicada do mundo. Mesmo grandes monstros como Saddam Hussein e Muamar Kaddafi assassinavam e roubavam, mas sempre em nome de D'us. Eles desafiaram o mundo afirmando que D'us estava do lado deles. Apesar de ser uma forma de enganar a si mesmos, eles demonstraram que atualmente, mesmo nos governos mais corruptos e perversos, não há uma luta contra D'us.
A filosofia de criar uma nova ordem mundial apenas afundou na terra, isto é, não desapareceu completamente. De tempos em tempos esta filosofia coloca sua cabeça para fora da terra e ressurge. Por exemplo, após a Primeira Guerra Mundial foi criada a "Liga das Nações", uma tentativa de criar um governo único e universal, mas que durou poucos anos e terminou no final da Segunda Guerra Mundial. Depois disso foi criada a "Organização das Nações Unidas", que cada vez mais demonstra ser uma instituição falida e corrupta. D'us nos garantiu que a união de todos os povos sob um único governo somente acontecerá após a vinda do Mashiach. Qualquer tentativa, antes do momento certo, pode funcionar por um tempo limitado, porém não trará frutos duradouros.
Mas a terceira filosofia, de atribuir tudo o que ocorre ao acaso e às forças da natureza, permanece firme até os dias de hoje. Durante 120 anos Noach avisou as pessoas sobre o dilúvio, mas as pessoas o ridicularizaram. Finalmente o dilúvio veio, exatamente conforme Noach havia profetizado. As pessoas deveriam ter aprendido a lição. As pessoas deveriam ter aproveitado a oportunidade de enxergar a mão de D'us, de ver um milagre aberto. Mas o que a geração da Torre de Babel fez, poucos séculos depois? Tentou construir um apoio para os céus. Enxergou tudo como sendo um fenômeno da natureza. Ao invés de aprender alguma lição espiritual para corrigir seus erros, procuraram explicações científicas.
E o que nos ensina o final do Midrash, ao dizer que a parte remanescente de torre é tão alta que lá de cima mesmo as grandes palmeiras se parecem com minúsculos gafanhotos? O Midrash ressalta o nível de cegueira das pessoas que querem se enganar. Mesmo quando D'us faz milagres incríveis, grandes como as altas palmeiras, eles são minimizados como se fossem míseros gafanhotos por aqueles que não querem enxergar.
Um exemplo aconteceu há 20 anos. Em 1991, Israel foi atacado por Saddam Hussein, durante a Guerra do Golfo, com 39 mísseis "Scud". Apesar de serem mísseis com elevado poder de destruição, eles causaram apenas 3 mortes. Dos 39 mísseis que caíram, 3 destruíram filiais da "Super Farm", uma grande rede de drogarias cujo slogan era "Funcionamos inclusive no Shabat". A "coincidência" foi tanta que os jornais locais divulgaram a seguinte manchete: "O que Saddam Hussein tem contra a Super Farm?". O número 39 é exatamente a quantidade de trabalhos criativos proibidos no Shabat. Difícil ser coincidência, não? Mas quando muitos israelenses foram questionados sobre o milagre de não ter ocorrido uma gigantesca tragédia, a maioria respondeu: "demos muita sorte, né? Os mísseis caíram no lugar certo".
Podemos ver nos nossos dias o quanto esta filosofia ainda é forte, levando muitos a perder a mensagem principal. Quando recentemente o Japão foi atingido por uma série de terremotos, Tsunamis e explosões nas usinas nucleares, tudo o que os jornais noticiaram foram as movimentações das placas tectônicas que causaram tremores de terra, como se tudo tivesse sido um grande acaso. Que lições aprendemos sobre o Japão? O que mudamos depois desta tragédia? Nada, pois se são apenas fenômenos da natureza, o que há para aprender e mudar?
Por que as pessoas procuram tanto explicações científicas ou naturais para as catástrofes? Pois é mais cômodo do que se perguntar "o que eu tenha a ver com isso?". É mais fácil acreditar no acaso do que assumir um erro. Mas fechar os olhos não faz o problema sumir. Procurar soluções na ciência e construir torres não evita dilúvios e não muda decretos espirituais. Mas Teshuvá (arrependimento), Tefilá (reza) e Tzedaká (caridade) podem mudar o curso do mundo. Somente quando aprendermos com as tragédias, assumindo nossos erros e os corrigindo, poderemos nos alegrar com o fim das tragédias "naturais".
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Gn.6:9-11:32, Is 66:1-24, 23; 1Pe 2:4-10 (Shabat/Rosh Chodesh)