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sábado, 1 de outubro de 2016

APRENDENDO A CAIR E SE LEVANTAR - PARASHÁ NITZAVIM 5776

Certa vez o Rav Levi Yitzchak MiBerdichev (Ucrânia, 1740 - 1809) disse a um aluno que podemos aprender muitos ensinamentos espirituais importantes apenas observando cada um dos detalhes do que D'us criou no mundo material. O aluno gostou muito do ensinamento, mas não entendeu como funcionava na prática. O Rav Levi Yitzchak então ensinou:

- Por exemplo, observando os bebês nós podemos aprender três lições muito importantes para nossa vida. A primeira lição é que quando alguém machuca um bebê, ele chora para o seu pai. Assim também um judeu deve se comportar, sempre quando temos problemas e dificuldades, a primeira coisa que devemos fazer é abrir nosso coração e pedir ajuda ao nosso Pai, derramando lágrimas sinceras na nossa Tefilá (reza). A segunda lição é que um bebê nunca está desocupado, ele está sempre procurando algo para fazer, algo com o que se ocupar. Assim também um judeu deve se comportar, nunca pode estar parado, sempre deve estar buscando algo para se ocupar, pois nosso tempo neste mundo é curto demais para ficarmos parados sem fazer nada. E a terceira e mais importante lição é que quando um bebê cai, ele sempre se levanta. Assim também deve se comportar um judeu. Não importa quantas vezes um judeu cai, ele sempre deve se levantar. 
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Nesta semana lemos a Parashá Nitzavim (literalmente "parados"), na qual Moshé reuniu o povo no seu último dia de vida para instruí-los a como tomar as decisões de vida corretas quando entrassem na Terra de Israel. Já estamos nas últimas Parashiót, nos aproximando do final da Torá. E também estamos chegando ao fim de mais um ano. No anoitecer do próximo domingo de noite (02 de outubro) se inicia um dos dias mais solenes e importantes do ciclo judaico: Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, as fundações do novo ano que vai se iniciar. Tudo o que ocorrerá neste novo ano será decretado em Rosh Hashaná.

Apesar de ser um Chag, um dia alegre, no qual fazemos Seudót (refeições) festivas e cheias de simbolismos, Rosh Hashaná também vem junto com alguns temores. Este não é nosso primeiro Rosh Hashaná. Nos anos anteriores pedimos a D'us mais um ano de vida, argumentando que precisávamos deste tempo a mais para mudar, para melhorar. Tomamos decisões de crescimento, nos comprometemos a cumprir mais Mitzvót, a sermos mais cuidados com o próximo, a rezarmos com mais Kavaná (intenção). Porém, na prática, o que mudou? Crescemos como tínhamos imaginado? Estamos cumprindo as Mitzvót com mais alegria? Estamos nos comportando com os outros com mais respeito e atenção? Na verdade, sentimos que continuamos essencialmente as mesmas pessoas que éramos no ano passado. Este é um sentimento que incomoda os judeus há milhares de anos. Será que neste Rosh Hashaná não acontecerá a mesma coisa e nossas decisões ficarão novamente apenas no papel? Será que, depois de um ano com tantos erros, nas mais diversas áreas, poderemos passar pelo nosso julgamento de Rosh Hashaná?

Esta pergunta não é nova, já foi mencionada por um dos maiores profetas do povo judeu: "Pois nossas transgressões e nossos pecados estão sobre nós, e por causa deles nós derretemos. Então, como viveremos?" (Yechezkel 33:10). O profeta Yechezkel ressaltou em suas palavras a inquietude do povo com os erros do passado e o medo das futuras consequências. Mas ele também nos ensinou qual foi a resposta de D'us para esta preocupação do povo: "Eu não desejo a morte do Rashá (malvado), e sim que o Rashá volte e se arrependa do seu caminho. Arrependa-se, arrependa-se de seus maus caminhos, pois por que você deve morrer, Beit Israel?'" (Yechezkel 33:11).

Nestas palavras de Yechezkel, D'us está nos ensinando a não desistir. Até o Rashá, uma pessoa muito afastada da espiritualidade, aquele cujos maus atos são mais numerosos do que seus bons atos, pode consertar seu caminho. D'us pede para fazermos Teshuvá, isto é, para retornarmos dos nossos maus atos, pois a Teshuvá funciona. A Teshuvá, o arrependimento sincero, a vontade de mudar e melhorar, é o antídoto para estes sentimentos venenosos que diminuem nossas forças e nos impedem de crescer. A Teshuvá é baseada em dois princípios. O primeiro princípio é que nós temos a capacidade de mudar, podemos melhorar, por mais difícil que seja. O segundo princípio é a resiliência do ser humano. Esta é a essência dos "Asseret Iemei Teshuvá", os dez dias que vão desde Rosh Hashaná até Yom Kipur.
                                                                           
O Midrash (parte da Torá Oral) questiona: por que D'us nos deu os Asseret Iemei Teshuvá? Qual foi o mérito para recebermos dias de tanta misericórdia, nos quais podemos melhorar nossos atos e garantir um ano com bons decretos? Responde o Midrash que os Asseret Iemei Teshuvá são mérito de dois grandes feitos de Avraham Avinu: os 10 testes pelos quais ele passou na vida e saiu vitorioso de todos eles, e por ter implorado pela salvação dos habitantes de Sdom. Estes dois tipos de atos de Avraham nos ensinam que ele deixou de herança para seus descendentes duas formas de Asseret Iemei Teshuvá.

A primeira forma de Asseret Iemei Teshuvá é representada pelos dez testes de Avraham. Da mesma forma que Avraham foi passando por cada teste e subindo para um novo nível espiritual, como alguém que sobe os degraus de uma escada, assim também podemos aproveitar os Asseret Iemei Teshuvá, dias de muita espiritualidade, para subir e crescer a cada dia, de forma tão palpável quanto alguém que sobe uma escada. Mas este tipo de Asseret Iemei Teshuvá se aplica apenas aos Tzadikim (Justos), pessoas que conseguem dar verdadeiros saltos espirituais, que conseguem subir um degrau a cada dia. Porém, e o resto do povo, pessoas mais simples, que não estão em um nível tão elevado? Será que Avraham não deixou nada para nós?

A resposta é que para as pessoas mais simples Avraham deixou outra forma de Asseret Iemei Teshuvá, representada pelo apelo que ele fez a D'us para salvar a cidade de Sdom. Mas antes de tudo precisamos entender a atitude de Avraham. Por diversas vezes ele "negociou" com D'us a salvação de Sdom, como está escrito: "E Avraham se aproximou e disse: "E Você destruirá o Tzadik junto com o Rashá? Talvez existam 50 Tzadikim na cidade... Talvez serão encontrados lá 40... Talvez serão encontrados lá 30... Talvez serão encontrados lá 20... Talvez serão encontrados lá 10" (Bereshit 18:23-33). Como Avraham teve a audácia de discutir por Sdom, uma cidade repleta de Reshaim, pessoas no limite da maldade, que chegaram ao ponto de fazer leis que proibiam atos de bondade? Por que salvar pessoas tão ruins, tão corrompidas, que aparentemente não tinham mais volta?

Responde o Rav Yssocher Frand que Avraham estava nos ensinando que o ser humano tem a capacidade de mudar. Não importa o quanto uma pessoa tenha caído, ela pode voltar a subir. É como se Avraham estivesse dizendo: "D'us, não destrua Sdom. Se houver lá 50 pessoas justas, elas podem mudar toda a cidade. Talvez 40 justos consigam causar mudanças. Quem sabe 30 justos. Será que 20 justos não são suficientes para causar mudanças? D'us, por acaso 10 pessoas justas não poderiam influenciar e mudar uma cidade inteira?". E o mais interessante é que D'us concordou com Avraham ao aceitar que 10 Tzadikim seriam suficientes para mudar uma cidade inteira, mesmo uma cidade desviada como Sdom, pois D'us sabe que as pessoas podem mudar, as pessoas podem ser boas. Esta é a força dos Asseret Iemei Teshuvá que herdamos de Avraham. A mensagem de Avraham para seus descendentes é: não importa as tentativas passadas que fracassaram, tente novamente. Não desista, pois nós podemos mudar.

O outro princípio da Teshuvá é o princípio da resiliência. Resiliência é a capacidade de algo voltar ao seu estado natural, principalmente após alguma situação crítica e fora do comum. D'us colocou dentro de cada ser humano a capacidade de ser resiliente, isto é, uma pessoa pode cair e se levantar de novo várias vezes na vida, como nos ensina Shlomo Hamelech, o mais sábio de todos os homens: "Pois um Tzadik cai sete vezes e se levanta, mas o Rashá tropeça em seu mal" (Mishlei - Provérbios 24:16). A explicação mais simples deste versículo é que o Tzadik não é aquele que nunca erra, e sim aquele que erra, que algumas vezes cai em seus erros, mas que sabe se levantar.

O Rav Yitzchak Hutner zt"l (Israel, 1906 - 1980) explica o versículo de uma maneira mais profunda. Ele diz que a pessoa não é Tzadik apesar de suas quedas, e sim que a pessoa vira Tzadik por causa de suas quedas. As quedas de uma pessoa, e o aprendizado de saber se levantar e aprender com a queda, faz dela uma pessoa melhor. O Rav Hutner está nos ensinando que devemos lutar para crescer. Podemos perder batalhas na vida, mas devemos vencer a guerra. São justamente as quedas, os obstáculos e a luta que nos transformam em Tzadikim. Lemos a história da vida de grandes rabinos, que chegaram a níveis espirituais muito elevados, e pensamos que para eles o crescimento sempre foi muito fácil, mas isto é uma enganação. Todos eles eram pessoas normais. Todos eles tiveram suas batalhas, suas enormes dificuldades na vida. Eles viraram Tzadikim porque eles se levantaram quando caíram. Eles viraram pessoas grandes pois nunca desistiram, não ficaram se lamentando e dizendo "eu nunca vou melhorar".

Esta capacidade de se levantar é a marca registrada do povo judeu. Somos a nação que se levanta. Podemos ser derrubados, pisados, esmagados, mas nós sempre nos levantamos, como profetizou Bilaam, o profeta das outras nações: "Eis que eles são um povo que se levanta como uma leoa e ergue-se como um leão" (Bamidbar 23:24). Esta é a nossa característica mais valorosa. Isto é o povo judeu, uma nação que se levanta sempre. E esta é a mensagem da Teshuvá: não desista nunca. Perca a batalha, mas vença a guerra. Com esta convicção, certamente este Rosh Hashaná será completamente diferente dos outros.
QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA
SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ

R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com.br/
Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A FRAGILIDADE DO SER HUMANO - PARASHAT NITZAVIM 5775 E ROSH HASHANÁ 5776

"Todos os anos o rabino chefe de New York, o Rav Yaacov Yossef zt"l (Lituânia, 1840 - EUA, 1902), dava uma importante "Drashá" (discurso) de Shabat Teshuvá (Shabat entre Rosh Hashaná e Yom Kipur). Ele era um grande "Talmid Chacham" (erudito no estudo da Torá) e podia falar por horas, citando dezenas de ensinamentos do Talmud, sem abrir um único livro ou anotação. Suas palavras entravam no coração, e por isso este discurso anual era um grande evento, fazendo com que os lugares da sinagoga fossem muito disputados.

Mas um triste incidente ocorreu quando o Rav Yaacov Yossef ainda era jovem. Com pouco mais de 55 anos, ele teve um derrame. Ninguém sabia se ele se recuperaria a tempo de dar a Drashá. Algum tempo antes de Rosh Hashaná os organizadores confirmaram, para a alegria de todos, que a Drashá aconteceria. O Rav Yaacov Yossef, apesar de debilitado, tentaria reunir forças para fazer seu discurso. Os organizadores avisaram que haveria duas diferenças em relação aos anos anteriores: o Rav falaria sentado, por sua dificuldade de permanecer de pé por muito tempo, e utilizaria livros para fazer suas citações, ao invés de falar tudo de cor.

No dia da Drashá, a sinagoga estava completamente lotada, não havia nem mesmo um único lugar vazio. O Rav Yaacov Yossef começou a Drashá com as seguintes palavras: "Diz o Talmud", mas logo depois ele parou, ficando em silêncio total. Recomeçou com as mesmas palavras: "Diz o Talmud", mas novamente permaneceu um longo tempo em silêncio. Finalmente ele começou pela terceira vez seu discurso com as palavras "Diz o Talmud", e mais uma vez estas palavras foram seguidas por um terrível silêncio. Após alguns instantes, o Rav Yaacov Yossef começou a chorar. Quando se acalmou, olhou fixamente para o público e disse:

- Até a Drashá do ano passado eu sabia todo o Talmud de cor, mas apesar de ter preparado a Drashá deste ano, eu não consigo lembrar nem mesmo qual era o assunto! Despertem, vejam qual é o fim do ser humano. Eu sou um exemplo vivo. Aprendam com o que aconteceu comigo e se arrependam enquanto ainda há tempo de consertar seus atos".

Esta Drashá, de apenas 9 palavras, talvez tenha sido a melhor Drashá da vida do Rav Yaacov Yossef. Certamente naquele dia as pessoas saíram da sinagoga sensibilizadas, muito mais conscientes da fragilidade da vida humana e de que tudo, absolutamente tudo, está nas mãos de D'us.

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Nesta semana lemos a Parashá Nitzavim que, entre outros assuntos, fala sobre o processo de Teshuvá, no qual a pessoa, através de reflexões, se arrepende dos seus maus atos e decide mudar de atitude na vida, como está escrito: "E você voltará para D'us, e escutará Sua voz... com todo seu coração e toda a sua alma" (Devarim 30:2). E no Domingo de noite (13 de setembro) começa Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, uma das datas mais importantes do calendário judaico, um dia muito conectado com a Teshuvá e com o nosso compromisso de mudanças para o próximo ano. Será que estamos nos preparando bem? Entendemos a importância deste dia?

O Talmud (Rosh Hashaná 16b) nos ensina algo impressionante sobre como se comportar no dia de Rosh Hashaná: "Todo ano que é pobre no seu começo se torna rico no seu final". Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que a expressão "pobre no começo" se refere a quando os judeus se fazem pobres em Rosh Hashaná em súplicas e rezas, isto é, quando sentem que não tem nada na vida, como uma pessoa completamente destituída, e derramam seu coração diante de D'us, implorando e rezando. Quando uma pessoa se comporta desta maneira, o Talmud nos garante que seu ano terminará rico, com muitas Brachót.

Para entender um pouco melhor as palavras do Talmud, podemos utilizar como ilustração a forma como os empresários fazem os cálculos de orçamento de suas empresas. A maioria dos empresários, quando faz seus planejamentos orçamentários para o próximo ano, utiliza como base o que aconteceu nos anos anteriores. Os gestores apenas discutem as prováveis modificações no orçamento do ano anterior, mas as partes que se manterão nem mesmo são discutidas, pois já são consideradas como "pré-aprovadas". Porém, há outra maneira de fazer o planejamento orçamentário, chamado de "Zero Based Budgeting" (Orçamento Base Zero), quando nada do orçamento do ano anterior é levado em consideração. Neste sistema, cada item do orçamento precisa ser novamente aprovado, e não apenas as alterações em relação ao ano anterior. É como se a empresa estivesse começando novamente do zero.

É exatamente esta a diferença de como nos sentimos e como deveríamos nos sentir em Rosh Hashaná. Sentimos como se tudo o que temos já está garantindo, somente precisamos pedir para D'us coisas a mais. Mas o Talmud está nos ensinando que precisamos começar o nosso novo ano com o sistema de "Zero Based Budgeting", isto é, como se não tivéssemos nada do que tínhamos no ano anterior, como se fossemos completamente pobres e destituídos, começando do zero, sem nenhuma garantia de nada.

Mas isto é verdade? Como podemos nos sentir assim, como pobres destituídos, se temos os nossos bens, nosso dinheiro, nossos talentos, nossos amigos e nossa família? Explica o Rav Yssocher Frand que temos um conceito equivocado de como funciona o mundo espiritual e os decretos de D'us. Achamos que apenas pelo fato de termos dinheiro e saúde hoje, certamente teremos o mesmo no dia seguinte. Mas a verdade é que não existe nenhuma garantia. Todos conhecem pessoas milionárias que, do dia para a noite, perderam tudo. Todos têm algum conhecido que, sem nenhum aviso prévio, perdeu completamente a saúde ao descobrir que tinha uma doença incurável. Nossos sábios ressaltam que isto se aplica em especial ao novo ano, quando D'us decide tudo o que vai acontecer no próximo ano. Não há garantia de nada, e o que foi no ano passado não é garantido que será de novo no próximo ano.

Por que existe esta diferença de percepção da realidade? Pois pensamos que as coisas que temos na vida são fruto do nosso esforço e dos nossos méritos. Mas a verdade é que tudo é uma grande bondade de D'us. Ele nos dá vida, Ele nos dá nossos dinheiro e bens, Ele nos dá nossa saúde. A pessoa que pensa que está saudável está apenas se iludindo, pois a vida do ser humano está sempre apenas por um fio. É por isso que D'us nos criou tão frágeis, para que possamos perceber que nossa vida está sempre nas mãos Dele.

Esta verdadeira percepção da realidade foi um dos últimos ensinamentos da vida de Moshé. A Parashá lida na semana que vem, Vaielech, começa com as seguintes palavras: "E foi Moshé (Vaielech Moshé) e disse: Hoje eu completo 120 anos. Já não posso mais sair e entrar. E D'us me disse: 'Não passará este (rio) Jordão' " (Devarim 31:2). Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina que a linguagem "Vaielech" sempre indica uma advertência. Mas se procurarmos neste ou nos próximos versículos, aparentemente não encontraremos nenhuma advertência ou bronca. Então será que a regra ensinada pelo Midrash se aplica no nosso caso?

A resposta está nas seguintes palavras: "Hoje eu completo 120 anos. Já não posso mais sair e entrar. E D'us me disse: 'Não passará este Jordão' ". De acordo com os nossos sábios, estas palavras contêm uma terrível advertência de Moshé ao povo judeu, que ele deixou para o fim de sua vida justamente para ensinar ao povo de forma marcante. Moshé estava dizendo ao povo que ele, aquele mesmo homem que há pouco tempo atrás havia subido até o céu como uma águia, que havia permanecido 40 dias e 40 noites sem comer e sem dormir para receber a Torá, no mesmo nível dos anjos, agora não podia nem mesmo atravessar um simples rio como as outras pessoas. Por que? "E D'us me disse: 'Não passará este Jordão' ". Quando D'us decreta algo, não existe nenhuma garantia de nada. Ontem foi ontem, hoje é um novo dia. O mesmo Moshé que subiu aos céus não podia mais atravessar nem mesmo um simples rio, pois esta era a vontade de D'us.

Quem percebe isso, quem sabe que estamos sempre na corda bamba, age de forma diferente.  Quem sabe que tudo está em jogo em Rosh Hashaná, o dia do nosso julgamento, age diferente. Todos nós já passamos por momentos de ansiedade, principalmente quando parentes próximos estiveram sob risco de vida. Quando uma pessoa está na sala de espera de um hospital, aguardando as notícias vindas da sala cirúrgica, ela sente de verdade o que é ser um pobre destituído, o que é estar completamente nas mãos de D'us. E neste momento a pessoa age de maneira diferente. Seu coração se conecta com D'us, e ao invés de atos vãos e vazios, a pessoa se ocupa com rezas e Tehilim (Salmos). Esta é a forma de despertar para Rosh Hashaná: lembrar como a condição humana é frágil, lembrar que tudo está nas mãos de D'us, e não há garantia de nada. Todo nosso ano depende dos momentos de conexão com D'us em Rosh Hashaná, pois tudo estará sendo decretado neste dia.

Assim podemos entrar no clima de Rosh Hashaná, entendendo o que está realmente em jogo neste dia. Precisamos lembrar que nossa vida em Rosh Hashaná é julgada de acordo com o "Zero Based Budgeting", isto é, não há garantia de nada. Se entrarmos em Rosh Hashaná nos sentindo como pobres, sem nada garantido na vida, abrindo nosso coração para D'us, teremos muito mais chances de ter bons decretos e um ano com muitas Brachót. Como ensina o Talmud, que nosso ano comece pobre, para terminar muito rico.

"SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA) 

SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ        

Rav Efraim Birbojm
Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

JULGANDO NOSSA PROXIMIDADE COM D'US - PARASHIÓT NITZAVIM, VAYELECH E ROSH HASHANÁ 5775

O Rav Saadia Gaon (Egito, 882 – Iraque, 942), um verdadeiro gigante de Torá, foi visto certa vez por um aluno se repreendendo de forma muito dura. O aluno questionou o porquê de ele estar sendo tão rigoroso consigo mesmo. Então o Rav Saadia Gaon explicou:

- Alguns meses atrás eu decidi que a honra que eu recebia das pessoas estava interferindo no meu serviço religioso. Sem humildade não é possível servir D'us com alegria. Decidi passar alguns meses em lugares onde ninguém me conhecia. Coloquei roupas simples e comecei meu exílio, vagando de cidade em cidade. Uma noite, cheguei a uma pequena pousada de um judeu idoso, um homem gentil e simples. Conversamos um pouco antes de ir dormir, e na manhã seguinte me despedi e segui meu caminho. Horas depois, alguns alunos que estavam me procurando apareceram e perguntaram ao judeu idoso se ele havia me visto. O homem riu e perguntou: "o que uma pessoa tão grande como o Rav Saadia estaria fazendo em um lugar como a minha pousada?". Mas quando os jovens explicaram como provavelmente eu estaria vestido, o homem deu um pulo e gritou: "Meu D'us, o Rav Saadia esteve aqui! Vocês estão certos!"

- Ele correu, pulou em sua carruagem e voou na direção em que eu tinha ido - continuou o Rav Saadia Gaon - Depois de um tempo ele me alcançou, saltou da carruagem e caiu aos meus pés, chorando: "Por favor, me perdoe, Rav Saadia, eu não sabia que era você!". Fiz ele se levantar e disse que ele havia me tratado muito bem, que não precisava se desculpar por nada. Mas ele continuava inconformado, dizendo: "Não, não, rabino. Se eu soubesse quem você era, eu teria te tratado de forma completamente diferente".

- Naquele momento eu percebi que aquele homem estava me ensinando uma lição muito importante e que o propósito do meu exílio havia se cumprido - finalizou o Rav Saadia Gaon - Agradeci, abençoei-o e ele voltou para casa. Agora, todas as noites, quando vou deitar, penso em como servi D'us o dia inteiro. Então me lembro daquele senhor e digo para mim mesmo: "Se eu soubesse sobre você, D'us, no início do dia o que sei agora, eu O teria tratado de forma completamente diferente!". E é justamente por isso que eu estava me arrependendo agora".

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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Nitzavim e Vayelech. A Parashá Nitzavim nos ensina a Mitzvá de Teshuvá, que inclui o arrependimento pelos nossos maus atos e o comprometimento em mudar. Esta Parashá normalmente é lida antes de Rosh Hashaná, o Ano Novo Judaico, dia que todas as pessoas são julgadas. Isto ocorre justamente para nos despertar, para nos ensinar que temos a possibilidade de nos arrepender por nossos erros e mudar, influenciando de forma positiva nosso julgamento. Mas será que sabemos realmente o que está em jogo em Rosh Hashaná?

O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204), em seu livro "Mishnê Torá", nos explica um pouco mais sobre o que ocorre em Rosh Hashaná. Ele diz que todas as pessoas têm méritos e transgressões. Aquele cujos méritos são mais numerosos que suas transgressões é Tzadik (Justo), e aquele cujas transgressões são mais numerosas dos que seus méritos é Rashá (malvado) (Hilchót Teshuvá Capítulo 3 Halachá 1). Já na Halachá (lei) seguinte, o Rambam explica que aqueles cujas transgressões são mais numerosas do que seus méritos imediatamente morrem por causa de sua maldade, e o mesmo se aplica a uma cidade ou ao mundo inteiro. Ele cita como exemplos a destruição da cidade de Sdom (Sodoma) e o dilúvio que ocorreu na época de Noach (Noé), que quase apagou toda a humanidade.

Mas estes ensinamentos do Rambam levantam alguns questionamentos. Em primeiro lugar, por que o Rambam dividiu seu ensinamento em duas Halachót diferentes, se elas tratam do mesmo tema, isto é, do que ocorre com alguém que tem mais méritos ou mais transgressões? Além disso, o Rambam cita Sdom e a destruição do mundo através do dilúvio como exemplos de decretos que se cumprem imediatamente. Porém, sabemos que ambos os decretos somente ocorreram muito tempo depois das pessoas já terem atingido níveis terríveis de maldade. Em especial o dilúvio, cuja destruição já havia sido decretada 120 anos antes dele ocorrer. Então como entender as palavras do Rambam?

Outra dúvida surge quando observamos a terceira Halachá deste capítulo e percebemos uma aparente contradição. O Rambam diz que, da mesma forma que após a morte a pessoa é julgada por seus atos, isto também ocorre uma vez por ano, em Rosh Hashaná. Aquele que é considerado Tzadik é selado para a vida, enquanto aquele que considerado Rashá é selado para a morte. Mas por que nesta Halachá o Rambam diz que o Rashá é selado para a morte, se ele havia dito que o Rashá morre imediatamente?

E a principal dificuldade nas palavras do Rambam é algo que nos questionamos todos os anos: como pode ser que aqueles que têm mais transgressões do que méritos recebem imediatamente o decreto de morte em Rosh Hashaná, se nós vemos pessoas ruins que já passaram por vários julgamentos de Rosh Hashaná e nada aconteceu? E por que nunca mais o mundo foi destruído, como no dilúvio? Com tantas gerações corruptas, imorais e sanguinárias que existiram na história da humanidade, será que nunca mais as transgressões foram mais numerosas do que os méritos?

O Rav Baruch Leff traz uma possível explicação que nos ajuda a responder todos estes questionamentos. Ele explica que há dois aspectos diferentes no julgamento de Rosh Hashaná. Um dos aspectos é que a pessoa recebe em Rosh Hashaná um "rótulo", que define seu status espiritual e seu relacionamento com D'us, independente de qualquer castigo ou consequência direta. É isso o que o Rambam está discutindo na primeira Halachá. Já na segunda Halachá o Rambam está descrevendo como ocorre a aplicação da justiça de acordo com o status espiritual que a pessoa recebeu. Mas nem sempre o julgamento e a aplicação da justiça acontecem juntos, pois D'us nos julga e aplica Sua justiça apenas em alguns momentos específicos, que podem ser épocas específicas do ano ou após certas atitudes das pessoas que podem despertar o julgamento ou a aplicação de um castigo.

Isto quer dizer que, mesmo que a pessoa seja um Rashá, não significa que ela será julgada imediatamente. E mesmo se for julgada e "rotulada" como Rashá, não quer dizer que vai morrer imediatamente. A linguagem utilizada pelo Rambam, "miad", que significa "imediatamente", também pode ser entendida como "inevitavelmente, certamente". Isto quer dizer que, a partir do momento em que uma pessoa, uma cidade ou o mundo inteiro forem considerados "Reshaim", então a morte ou a destruição certamente ocorrerão. Em Sua sabedoria infinita, D'us apenas decidirá quando será o momento correto.

Foi o que aconteceu em Sdom. Certamente eles já tinham o "rótulo" de Reshaim, mas a destruição foi precedida por eventos que despertaram a aplicação da justiça, como está escrito: "E assim disse D'us: 'Pois os gritos de Sdom e Amorá se tornaram muito grandes' "  (Bereshit 18:20). Nossos sábios explicam que naquele momento as injustiças chegaram a um nível insuportável, despertando a aplicação imediata do castigo. No dilúvio, o mundo inteiro já havia se corrompido há mais de uma centena de anos, mas o que despertou a aplicação do castigo foi a imoralidade, como está escrito poucos versículos antes da descrição do dilúvio: "E os Nefilim (gigantes) estavam na terra naqueles dias. E também depois disso, quando os filhos dos governantes vieram até as filhas dos homens" (Bereshit 6:4).

Após o dilúvio, D'us escolheu não castigar mais o mundo como um todo, mesmo que tivesse o "rótulo" de Rashá, como ele prometeu a Noach: "E Eu não mais golpearei todos os seres vivos, como Eu fiz" (Bereshit 8:21). Por isto o mundo inteiro nunca mais foi destruído, apesar de certamente já termos passado por algumas gerações nas quais as transgressões foram mais numerosas do que os méritos.

Agora é possível entender porque o julgamento de Rosh Hashaná é tão importante. Não apenas pelas consequências que podem vir do julgamento, mas principalmente pelo "rótulo" com o qual seremos classificados. E isto muda todo o nosso relacionamento com D'us, como o Rambam explica: "Grande é a força da Teshuvá, que aproxima o ser humano de D'us... ontem ele era odiado por D'us, e considerado repugnante e abominável, e hoje ele é amado e querido". (Halachót Teshuvá, Capítulo 7, Halachót 6). E na Halachá seguinte ele explica: "Quanto é elevado o nível da Teshuvá. Ontem ele estava separado de D'us... gritava e não era escutado, cumpria Mitzvót e elas eram rasgadas diante dele... Hoje ele está conectado com D'us... grita e é respondido imediatamente... faz Mitzvót e elas são recebidas com agrado e alegria".

Ninguém gosta de ser chamado de Rashá, muito menos por D'us. Em Rosh Hashaná nosso status espiritual é decidido. Se somos Tzadikim ou Reshaim, se somos amados ou desprezados por Ele. E apesar de todos os erros que cometemos durante o ano, D'us nos deu um presente, que é a força da Teshuvá, a possibilidade de mudarmos nossos atos, de nos arrependermos pelos nossos erros. Quando nos arrependemos com sinceridade, nossos erros são apagados. Se nos arrependemos por amor a D'us, nossos erros são transformados em Mitzvót. A Teshuvá não apenas nos salva das punições, mas tem a incrível força de recriar nossa conexão com D'us e mudar nosso status espiritual. Toda a ajuda espiritual que teremos para crescer no próximo ano depende do julgamento de Rosh Hashaná.

O principal pensamento de Teshuvá em Rosh Hashaná deve ser de voltar a fazer de D'us o nosso Melech (rei). Apesar de Ele ser o nosso Pai, Ele é também o nosso Rei, e por isso devemos respeitar Suas leis e escutar Seus ensinamentos. Devemos saber que tudo o que Ele nos comandou é apenas para o nosso bem, para que possamos viver uma vida mais harmônica, para que possamos fazer o bem às outras pessoas e trabalharmos nossos traços de caráter. Somente através do estudo da Torá, do cumprimento das Mitzvót e do arrependimento sincero pelos nossos erros é que vamos conseguir atingir um dia a perfeição.

Na próxima 4ª feira de noite (24/09) começa Rosh Hashaná. Que possamos nos esforçar neste "sprint final" para melhorarmos nossos atos, e assim possamos todos ser "rotulados" como Tzadikim, para que nossas Tefilót (rezas) sejam recebidas de bom grado por D'us e possamos ter um ano com muitas Brachót (bençãos) e boas notícias para toda a humanidade.

SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM (Que sejamos inscritos e selados no Livro da Vida)

SHABAT SHALOM e SHANÁ TOVÁ
Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9, Rm. 10: 1-13
Dt. 31:1-30,Os.14:2-10, Jl 2:11-27, Mq.7:18-20, Is.55:6-56:8, Rm. 7: 7-12
 
 

sábado, 31 de agosto de 2013

CARREGANDO O PESO JUNTO COM OS OUTROS – PARASHIÓT NITZAVIM E VAYELECH E ROSH HASHANÁ

 
"O rabino Moshé Feinstein, um dos maiores rabinos da geração passada, ficou muito conhecido não apenas por sua grande erudição no estudo da Torá, mas principalmente pela sua preocupação com o próximo. Em diversas situações ele demonstrou um incrível grau de consideração com o sofrimento alheio.

Certa vez um aluno veio buscar o Rav Moshe Feinstein para uma aula que ele daria em uma sinagoga. Quando o aluno entrou na casa do rabino, viu que ele estava sentado na mesa com uma mulher que chorava sem parar. O aluno percebeu que o Rav Moshe Feinstein também estava chorando e lágrimas rolavam sem parar do seu rosto. Preocupado, o aluno fez um sinal para saber se estava tudo bem e o Rav Moshe Feinstein respondeu que sim. Novamente o aluno fez um sinal para o rabino, indicando que estavam atrasados para a aula, mas o Rav Moshe Feinstein pediu para que esperasse mais um pouco.

Alguns instantes depois, a mulher enxugou as lágrimas com um lenço, agradeceu profundamente ao Rav Moshe Feinstein e saiu. O aluno perguntou o que havia acontecido e o Rav Moshe Feinstein respondeu:

- Esta mulher bateu na porta e pediu para conversar comigo. Porém ela entrou, sentou-se na mesa e começou a chorar. E durante todo o tempo que ele ficou aqui ela apenas chorou.

 O aluno quis saber qual era o problema dela, mas o Rav Moshe Feinstein disse que também não sabia, pois ela não havia dito nada, havia apenas chorado. Então o aluno perguntou, curioso:

- Mas rabino, então por que você também estava chorando?

- Isto é simples – respondeu o Rav Moshe Feinstein, enxugando suas lágrimas – Como eu poderia ver uma mulher tão sofrida como esta, chorando sem parar, e não chorar junto com ela?"

Apesar de vivermos em um mundo com milhares de pessoas à nossa volta, o que reina é o egoísmo. A maioria das pessoas vive focada em si mesma, negligenciando as necessidades dos outros. Mas muitos conseguiram vencer sua natureza egoísta e, através de um trabalho árduo, conseguiram chegar ao nível de amar ao próximo como a si mesmos. Isto nos ensina que, quando queremos algo de verdade e lutamos para alcançar, conseguimos.

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Nesta semana lemos duas Parashiot juntas, Nitzavim e Vayelech. E assim começa a Parashá Nitzavim: "Vocês estão hoje parados, todos vocês, diante de Hashem, teu D'us... para que entrem no pacto com Hashem, teu D'us... para que se estabeleçam hoje como um povo para Ele e Ele será um D'us para vocês... como Ele falou para vocês e como Ele jurou para os seus antepassados Avraham, Yitzchak e Yaacov. Não apenas com vocês eu selo este pacto e este juramento, mas com todos os que estão aqui, parados conosco hoje, diante de Hashem, teu D'us, e com os que não estão aqui conosco hoje" (Devarim 29:9-14). O final destes versículos nos deixa uma pergunta: o que significa que o pacto está sendo selado também com os que não estão aqui hoje? Alguém perdeu a oportunidade participar deste novo pacto?
Explica Rashi, comentarista da Torá, que as palavras "os que não estão aqui hoje" se referem às futuras gerações do povo judeu. Nos ensina o Midrash (parte da Torá Oral) que a alma de todos os judeus estavam presentes no pacto com D'us, mesmo antes da criação dos seus corpos físicos. Mas o que este versículo está nos ensinando? Afinal, de que adianta apenas nossa alma fazer um pacto com D'us sem o nosso corpo, já que o livre arbítrio apenas ocorre quando os dois estão juntos?

A resposta está em um interessante conceito da biologia. Se pudéssemos rastrear e identificar todas as células de um ser humano, perceberíamos algo interessante. De todas as células identificadas em um bebê, nenhuma delas poderia ser encontrada quando este bebê chegasse à fase adulta. Por acaso este bebê se transformou em outra pessoa? Obviamente que não, ele sempre se manteve a mesma pessoa, apenas as suas células foram envelhecendo e sendo gradativamente substituídas por células mais novas.
Poderíamos pensar que o povo judeu é composto por indivíduos isolados, unidos apenas por idéias em comum. Mas a Parashá vem nos ensinar justamente o contrário. Gerações de judeus nascem, vivem e são substituídas por novas gerações, como células de um organismo. Mas o povo judeu continua intacto, pois somos uma única entidade contínua que existiu durante toda a nossa história. Como a geração do deserto fez um pacto com o Criador do mundo, esta força foi sendo transmitida por todas as gerações e, por sermos parte da mesma entidade, é como se nós também estivéssemos presentes naquele momento. Não somos indivíduos isolados, cada um de nós faz parte de uma única entidade que não pode ser dividida: o povo judeu.

 Mas que diferença faz se somos pessoas isoladas ou conectadas entre si? Explica o Rambam (Maimônides) que por sermos parte de uma única entidade, temos a obrigação de cuidar e de se preocupar com cada um dos que também fazem parte dela. Ele nos ensina que aquele que se não sente a dor de seus irmãos e não derrama lágrimas junto com eles quando ocorrem tragédias e dificuldades, perde sua parte no Mundo Vindouro mesmo que não tenha cometido nenhuma transgressão durante toda sua vida.
Para um judeu, não existe viver de maneira isolada e individual, pois somos parte de um grupo. Não existe o conceito de uma pessoa cumprir suas Mitzvót sossegadamente, sem se preocupar com as dificuldades que os outros estão passando. Qualquer tragédia pessoal é parte da tragédia coletiva do povo judeu. É por isso que, quando vamos consolar um enlutado, dizemos: "Que D'us possa te trazer consolo dentre os outros enlutados (pela destruição) de Tzion e Jerusalém". O mesmo vale para as alegrias particulares, nas quais devemos participar como se a alegria fosse algo coletivo, de todo o povo.

 Por este conceito também fazemos as nossas rezas no plural. Mesmo quando não estamos doentes, pedimos durante a Amidá (reza silenciosa) "Nos cure". Mesmo quando não estamos precisando de dinheiro pedimos "Nos abençoe". Um judeu não pode descansar e relaxar despreocupado enquanto há judeus espalhadas pelo mundo que não podem descansar. Quando uma parte do nosso corpo fica doente, o corpo inteiro adoece. Enquanto um dos nossos irmãos estiver com problemas, todos nós temos o mesmo problema.

Na próxima 4ª feira de noite (04 de setembro) é Rosh Hashaná, o ano novo judaico, a comemoração da criação do primeiro ser humano, Adam Harishon. Da mesma forma que ele foi criado e julgado no mesmo dia, assim também todos os seres humanos são julgados neste dia. Todos os nossos atos passam na frente do Criador do mundo, mesmo os menores detalhes de tudo o que fizemos durante o ano. D'us também vê nossos corações e, no momento em que pedimos mais um ano de vida, Ele vê quais são os nossos planos de crescimento espiritual para o próximo ano.

Há muitas áreas onde precisamos crescer. Há muitas Mitzvót que precisamos começar a cumprir ou melhorar ainda mais. Mas talvez a área onde mais devemos investir é no "Bein Adam Lehaveiró" (entre o homem e o seu companheiro). Há mais de 2.000 anos sofremos sem o nosso Templo Sagrado, que foi destruído por causa do ódio gratuito dentro do povo judeu. Ódio gratuito não significa apenas ofender ou agredir outro judeu. O descaso e a falta de sensibilidade com os problemas dos outros também é considerado ódio gratuito. Estar confortável no sofá assistindo televisão enquanto há judeus sem ter o que comer também é ódio gratuito. Como podemos assistir as notícias do soldado israelense Gilad Shalit, seqüestrado há mais de 4 anos por terroristas palestinos, sem dividir com sua mãe tamanha dor e sofrimento?

Para aumentar nossa sensibilidade com os outros é necessário muito trabalho. O primeiro passo é querer. O segundo passo é tentar vencer o nosso egoísmo, refletindo sobre as dificuldades dos outros, tentando nos imaginar na mesma situação. Precisamos entender que não estamos em uma corrida para chegar em primeiro lugar sozinhos, pois enquanto há irmãos que não passaram pela linha de chegada, não somos considerados vencedores. Devemos receber sobre nós a responsabilidade de ajudar, dentro das nossas possibilidades, a todos aqueles que necessitam. Seja com dinheiro, seja com um ombro amigo, seja com um sorriso. O importante é começar a sentir, desde já, que na verdade somos todos um só.

 Que neste ano de 5774 tenhamos apenas alegrias para todos os povos..

 SHABAT SHALOM e SHANÁ TOVÁ UMETUKÁ (Um ano bom e doce para todos)

"SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM" (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

 Rav Efraim Birbojm
 
Nitsavim  Dt. 29:10-30:20, Is. 61:10-63:9, Ro. 10: 1-13
Vayelech Dt. 31:1-30,Os.14:2-10, Jl 2:11-27, Mq.7:18-20, Is.55:6-56:8, Rm. 7: 7-12
Rosh HaShaná (Ano Novo Judaico) Gn. 21:1-34 (Maftír Nm. 29:1-6), 1 Sm. 1:1-2:10, 1 Ts. 4:13-18

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PEQUENO DEMAIS PARA NOSSA GRANDEZA – PARASHÁ NITZAVIM E ROSH HASHANÁ 5773

“Arnaldo era um bom menino, mas as más influências de garotos encrenqueiros da escola fizeram com que ele também começasse a fazer coisas feias, tanto na escola quanto em casa. O pai tentou conversar, passou a gritar e chegou até mesmo a deixá-lo de castigo, mas nada adiantava. Parecia que aquela má conduta tinha virado a essência dele. Mesmo com 8 anos, ninguém mais podia com ele.
Certo dia, o pai teve uma ideia para tentar despertá-lo. No momento em que o viu fazendo algo errado, imediatamente chamou-o. Arnaldo ficou assustado com o flagrante e já se preparou para o pior. Mas ao invés da esperada bronca ou castigo, o pai calmamente pediu para que ele fosse ao seu quarto e trouxesse o chinelinho que usava quando tinha 4 anos. Arnaldo, mesmo sem entender o pedido do pai, fez o que ele mandou e trouxe o chinelinho. O pai então pediu que ele vestisse o chinelinho, mas Arnaldo deu risada, achando que o pai estava brincando. Mas ao olhar para o rosto do pai, viu que ele estava sério. O pai então repetiu mais uma vez para ele calçar o chinelinho, e desta vez Arnaldo fez o que o pai mandou. Ou melhor, tentou fazer, pois obviamente o chinelo não entrou no seu pé. Naqueles últimos 4 anos ele havia crescido muito e seu pé não cabia mais dentro daquele pequeno chinelinho. Então ele falou:
- Pai, você não percebeu que meu pé cresceu? Como vou calçar este chinelinho tão pequeno, que eu usava quando tinha apenas 4 anos, se meu pé hoje em dia é tão grande?
O pai então respondeu:
- Preste atenção no que você mesmo disse agora. Este chinelo representa as suas más ações. O seu pé representa o seu potencial espiritual. Você não percebe que estes atos feios que você anda fazendo não cabem em uma pessoa tão grande e boa como você? Você não percebe que transgressões não combinam com o seu coração bondoso? Você pode até forçar o pé dentro do chinelo, mas ele nunca vai entrar. Assim também é você, filho. Você é um bom menino, tenho certeza de que estes atos pequenos e feios que você tem feito não cabem em alguém tão grande quanto você. Só falta você perceber isto.
Arnaldo foi pego de surpresa. Se viesse uma bronca ou um castigo, ele teria se rebelado ainda mais. Mas o pai foi tão doce, e mostrou de forma tão clara que ele estava errado, que decidiu mudar. Ele entendeu que podia ser uma boa pessoa, fazer coisas positivas para o mundo, ao invés de ficar se comportando de forma tão pequena e mesquinha. Ele decidiu que nunca mais deixaria aqueles maus atos, tão pequenos, entrarem dentro de seu enorme coração”
No dia em que percebermos o quanto somos grandes, então entenderemos que as transgressões não cabem em nossos enormes corações.
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Neste Shabat lemos a Parashá Nitzavim, e no domingo a noite (16 de setembro) é Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, dia em que toda a humanidade passará diante de D’us e todos os nossos atos são julgados. Mas há algo interessante neste dia, pois Rosh Hashaná está incluído nos “Asseret Iemei Teshuvá” (10 dias de Teshuvá). A Teshuvá, o retorno aos caminhos corretos, inclui o arrependimento pelos maus atos e a decisão de não voltar mais a cometê-los. Mas diferente de Yom Kipur, em nenhum momento de Rosh Hashaná nós pedimos perdão a D’us pelos nossos pecados. Na verdade, em Rosh Hashaná nós nem mesmo mencionamos que pecamos. Então onde está a Teshuvá de Rosh Hashaná?
A resposta começa na Parashá Nitzavim, que traz alguns versículos enigmáticos: “Esta Mitzvá que Eu os comando hoje, não está escondida de vocês e nem distante... Pois a coisa está muito próxima de vocês, na sua boca e no seu coração, para cumpri-la” (Devarim 30:11,14). Sobre qual Mitzvá o versículo está falando?
Explica o Ramban (Nachmânides) que o assunto trazido nestes versículos é justamente a Mitzvá de Teshuvá. E a Torá está nos ensinando, ao afirmar que a Mitzvá de Teshuvá “está muito próxima de vocês”, que é algo acessível a qualquer pessoa e algo fácil de ser cumprido. Mas se a Teshuvá inclui um arrependimento sincero, abandonar completamente o pecado e a decisão de não voltar a errar, fazer isto de maneira sincera não é nada simples. Mesmo quando estamos convictos de que queremos mudar, isto não é feito sem dificuldade e esforço. Então como pode ser que o Ramban explica que o versículo, que descreve uma Mitzvá fácil de ser cumprida, se refere à Mitzvá de Teshuvá?
A pergunta fica ainda mais difícil quando olhamos a definição do Rambam (Maimônides) sobre o que é Teshuvá. Ele ensina (Hilchót Teshuvá 2:2) que a Teshuvá verdadeira e sincera somente ocorre quando a pessoa que pecou está convicta de que nunca mais voltará aos seus maus caminhos e está confiante a ponto de até mesmo D’us atestar que ela nunca mais voltará aos erros do passado. Mas como um ser humano pode garantir que nunca mais voltará aos erros do passado? O ser humano é feito de carne e osso, isto é, está sempre suscetível a erros e constantemente sendo testado pelo seu mau instinto. Ensinam os nossos sábios que “não há nenhum homem no mundo que faz o bem e não comete transgressões”. Quem pode chegar ao nível de colocar D’us como testemunha de que nunca mais na vida vai voltar a cometer o mesmo erro?
O Rambam continua e diz que a Teshuvá somente é perfeita quando, depois do arrependimento, a pessoa se vê diante da oportunidade de novamente cometer o mesmo pecado, mas desta vez consegue vencer a tentação e não cai novamente. Ele cita como exemplo de Teshuvá perfeita uma pessoa que transgrediu através de relações ilícitas e novamente se vê fechado com a mesma mulher, no mesmo local e sentindo a mesma atração física que sentiu anteriormente, mas desta vez consegue se libertar do desejo e vencer o teste.
Mas há algo muito estranho no exemplo trazido pelo Rambam. A Torá proíbe uma pessoa de se colocar intencionalmente em uma situação de teste. Ao contrário, devemos fazer de tudo para diminuir os nossos testes. Por exemplo, uma pessoa que fez Teshuvá e deixou de comer carne com leite não deve passar pela porta do McDonald’s, para não se colocar em uma situação de desejo desnecessário. Então como o Rambam fala que a Teshuvá verdadeira é apenas quando a pessoa passa exatamente pela mesma situação em que caiu anteriormente? Não é até mais louvável que a pessoa, por seu cuidado e temor a D’us, nunca mais chegue nem perto do mesmo teste que a fez cair anteriormente?
O Talmud (Iomá 86b) ajuda a responder estas perguntas ao nos ensinar um fundamento espiritual muito importante. Quando uma pessoa repete muitas vezes o mesmo pecado, ele se torna permitido aos seus olhos. O Talmud está nos ensinando que um dos principais motivos pelo qual nós pecamos é nos enxergarmos como seres compostos pelos nossos atos do passado. Portanto, quando uma pessoa comete muitas vezes determinado erro e está diante de uma nova oportunidade de pecar, ela pensa que não é possível que o pecado a impacte mais do que já fez. A pessoa sente que o pecado já faz parte de sua própria essência e por isso não consegue se desconectar dele. Ela não consegue se comprometer a não voltar a cometer o mesmo pecado, e mesmo que se comprometa, será uma frustração quando ela certamente cair novamente, pois a pessoa que não se liberta dos seus pecados certamente voltará a cair, é apenas questão de tempo.
Explica o Rav Yohanan Zweig que o Rambam não está dizendo que existe alguém que pode chegar ao nível de garantir que nunca mais repetirá um erro, e muito menos que uma pessoa deve se colocar em teste para provar que fez uma Teshuvá verdadeira. O Rambam está ensinando qual é a atitude correta requerida para uma Teshuvá verdadeira. O primeiro passo é a pessoa se desconectar das suas atitudes passadas. Ela deve sentir que os maus atos cometidos no passado não refletem sua natureza verdadeira e, portanto, mesmo nas mesmas circunstâncias, ela não voltaria a cometer o mesmo pecado. A Teshuvá verdadeira somente é possível quando a pessoa se desconecta completamente de seus comportamentos negativos do passado e entende que eles não são parte de sua essência verdadeira. A pessoa pode até mesmo voltar a cometer o mesmo erro no futuro, mas por ter sido puxada por seu mau instinto, e não pelo fato do seu comportamento negativo do passado estar enraizado em sua essência.
Ninguém pode garantir que nunca mais voltará a pecar. Isto seria até mesmo um sinal de arrogância, como ensina Shlomo Hamelech: “Bem aventurado é aquele que tem medo sempre”, isto é, aquele que constantemente tem medo de pecar. Com a consciência de que nossos erros do passado não são parte do nosso presente e futuro, garantiremos que eles não nos influenciarão a cometer novos pecados.
Esta é a essência de Rosh Hashaná, o dia do julgamento. A Teshuvá de Rosh Hashaná é o entendimento de que o passado não nos controla. Esta é a fonte da Teshuvá verdadeira: se desconectar do que já erramos, entender a nossa grandeza, saber que os erros que cometemos são pequenos demais comparados com o nosso potencial. Isto é algo acessível para todos. Por isso a Torá diz que a Mitzvá de Teshuvá é algo fácil de ser alcançado.
Em Rosh Hashaná devemos fazer de D’us o nosso Rei. Não existe um rei de carne e osso sem súditos. A pessoa pode ter um trono, um manto e um cetro, mas se não tem súditos, ele não é rei. D’us, o Rei dos reis, não depende de ninguém. Em Rosh Hashaná dizemos que D’us é Rei, foi Rei e será Rei, isto é, mesmo antes de nossa existência e depois de nossa existência Ele sempre será Rei. Mas apesar de não precisar de nós, Ele nos escolheu como Seus súditos. Por isso não lembramos nem confessamos nossos pecados em Rosh Hashaná, pois Rosh Hashaná é o entendimento de que somos tão grandes que não “cabemos” mais nos pecados que cometemos no passado.

Esta é a grandeza de cada um de nós que precisamos focar em Rosh Hashaná. Fomos escolhidos por D’us para fazer Dele o nosso Rei. Não apenas os grandes sábios, nem só as pessoas mais puras e elevadas. Cada um de nós foi escolhido, cada um de nós pode ser um súdito do verdadeiro Rei. E quando entendemos a nossa grandeza, a nossa verdadeira conexão com D’us, nos desconectamos dos pecados e nos permitimos começar o novo ano completamente limpos e purificados.

“SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).

SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ

R' Efraim Birbojm