“Arnaldo era um bom menino,
mas as más influências de garotos encrenqueiros da escola fizeram com que ele
também começasse a fazer coisas feias, tanto na escola quanto em casa. O pai
tentou conversar, passou a gritar e chegou até mesmo a deixá-lo de castigo, mas
nada adiantava. Parecia que aquela má conduta tinha virado a essência dele.
Mesmo com 8 anos, ninguém mais podia com ele.
Certo dia, o pai teve uma
ideia para tentar despertá-lo. No momento em que o viu fazendo algo errado,
imediatamente chamou-o. Arnaldo ficou assustado com o flagrante e já se preparou
para o pior. Mas ao invés da esperada bronca ou castigo, o pai calmamente pediu
para que ele fosse ao seu quarto e trouxesse o chinelinho que usava quando tinha
4 anos. Arnaldo, mesmo sem entender o pedido do pai, fez o que ele mandou e
trouxe o chinelinho. O pai então pediu que ele vestisse o chinelinho, mas
Arnaldo deu risada, achando que o pai estava brincando. Mas ao olhar para o
rosto do pai, viu que ele estava sério. O pai então repetiu mais uma vez para
ele calçar o chinelinho, e desta vez Arnaldo fez o que o pai mandou. Ou melhor,
tentou fazer, pois obviamente o chinelo não entrou no seu pé. Naqueles últimos 4
anos ele havia crescido muito e seu pé não cabia mais dentro daquele pequeno
chinelinho. Então ele falou:
- Pai, você não percebeu que
meu pé cresceu? Como vou calçar este chinelinho tão pequeno, que eu usava quando
tinha apenas 4 anos, se meu pé hoje em dia é tão grande?
O pai então
respondeu:
- Preste atenção no que você
mesmo disse agora. Este chinelo representa as suas más ações. O seu pé
representa o seu potencial espiritual. Você não percebe que estes atos feios que
você anda fazendo não cabem em uma pessoa tão grande e boa como você? Você não
percebe que transgressões não combinam com o seu coração bondoso? Você pode até
forçar o pé dentro do chinelo, mas ele nunca vai entrar. Assim também é você,
filho. Você é um bom menino, tenho certeza de que estes atos pequenos e feios
que você tem feito não cabem em alguém tão grande quanto você. Só falta você
perceber isto.
Arnaldo foi pego de
surpresa. Se viesse uma bronca ou um castigo, ele teria se rebelado ainda mais.
Mas o pai foi tão doce, e mostrou de forma tão clara que ele estava errado, que
decidiu mudar. Ele entendeu que podia ser uma boa pessoa, fazer coisas positivas
para o mundo, ao invés de ficar se comportando de forma tão pequena e mesquinha.
Ele decidiu que nunca mais deixaria aqueles maus atos, tão pequenos, entrarem
dentro de seu enorme coração”
No dia em que percebermos o
quanto somos grandes, então entenderemos que as transgressões não cabem em
nossos enormes corações.
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Neste Shabat lemos a Parashá
Nitzavim, e no domingo a noite (16 de setembro) é Rosh Hashaná, o Ano Novo
judaico, dia em que toda a humanidade passará diante de D’us e todos os nossos
atos são julgados. Mas há algo interessante neste dia, pois Rosh Hashaná está
incluído nos “Asseret Iemei Teshuvá” (10 dias de Teshuvá). A Teshuvá, o retorno
aos caminhos corretos, inclui o arrependimento pelos maus atos e a decisão de
não voltar mais a cometê-los. Mas diferente de Yom Kipur, em nenhum momento de
Rosh Hashaná nós pedimos perdão a D’us pelos nossos pecados. Na verdade, em Rosh
Hashaná nós nem mesmo mencionamos que pecamos. Então onde está a Teshuvá de Rosh
Hashaná?
A resposta começa na Parashá
Nitzavim, que traz alguns versículos enigmáticos: “Esta Mitzvá que Eu os comando
hoje, não está escondida de vocês e nem distante... Pois a coisa está muito
próxima de vocês, na sua boca e no seu coração, para cumpri-la” (Devarim
30:11,14). Sobre qual Mitzvá o versículo está falando?
Explica o Ramban
(Nachmânides) que o assunto trazido nestes versículos é justamente a Mitzvá de
Teshuvá. E a Torá está nos ensinando, ao afirmar que a Mitzvá de Teshuvá “está
muito próxima de vocês”, que é algo acessível a qualquer pessoa e algo fácil de
ser cumprido. Mas se a Teshuvá inclui um arrependimento sincero, abandonar
completamente o pecado e a decisão de não voltar a errar, fazer isto de maneira
sincera não é nada simples. Mesmo quando estamos convictos de que queremos
mudar, isto não é feito sem dificuldade e esforço. Então como pode ser que o
Ramban explica que o versículo, que descreve uma Mitzvá fácil de ser cumprida,
se refere à Mitzvá de Teshuvá?
A pergunta fica ainda mais
difícil quando olhamos a definição do Rambam (Maimônides) sobre o que é Teshuvá.
Ele ensina (Hilchót Teshuvá 2:2) que a Teshuvá verdadeira e sincera somente
ocorre quando a pessoa que pecou está convicta de que nunca mais voltará aos
seus maus caminhos e está confiante a ponto de até mesmo D’us atestar que ela
nunca mais voltará aos erros do passado. Mas como um ser humano pode garantir
que nunca mais voltará aos erros do passado? O ser humano é feito de carne e
osso, isto é, está sempre suscetível a erros e constantemente sendo testado pelo
seu mau instinto. Ensinam os nossos sábios que “não há nenhum homem no mundo que
faz o bem e não comete transgressões”. Quem pode chegar ao nível de colocar D’us
como testemunha de que nunca mais na vida vai voltar a cometer o mesmo
erro?
O Rambam continua e diz que
a Teshuvá somente é perfeita quando, depois do arrependimento, a pessoa se vê
diante da oportunidade de novamente cometer o mesmo pecado, mas desta vez
consegue vencer a tentação e não cai novamente. Ele cita como exemplo de Teshuvá
perfeita uma pessoa que transgrediu através de relações ilícitas e novamente se
vê fechado com a mesma mulher, no mesmo local e sentindo a mesma atração física
que sentiu anteriormente, mas desta vez consegue se libertar do desejo e vencer
o teste.
Mas há algo muito estranho
no exemplo trazido pelo Rambam. A Torá proíbe uma pessoa de se colocar
intencionalmente em uma situação de teste. Ao contrário, devemos fazer de tudo
para diminuir os nossos testes. Por exemplo, uma pessoa que fez Teshuvá e deixou
de comer carne com leite não deve passar pela porta do McDonald’s, para não se
colocar em uma situação de desejo desnecessário. Então como o Rambam fala que a
Teshuvá verdadeira é apenas quando a pessoa passa exatamente pela mesma situação
em que caiu anteriormente? Não é até mais louvável que a pessoa, por seu cuidado
e temor a D’us, nunca mais chegue nem perto do mesmo teste que a fez cair
anteriormente?
O Talmud (Iomá 86b) ajuda a
responder estas perguntas ao nos ensinar um fundamento espiritual muito
importante. Quando uma pessoa repete muitas vezes o mesmo pecado, ele se torna
permitido aos seus olhos. O Talmud está nos ensinando que um dos principais
motivos pelo qual nós pecamos é nos enxergarmos como seres compostos pelos
nossos atos do passado. Portanto, quando uma pessoa comete muitas vezes
determinado erro e está diante de uma nova oportunidade de pecar, ela pensa que
não é possível que o pecado a impacte mais do que já fez. A pessoa sente que o
pecado já faz parte de sua própria essência e por isso não consegue se
desconectar dele. Ela não consegue se comprometer a não voltar a cometer o mesmo
pecado, e mesmo que se comprometa, será uma frustração quando ela certamente
cair novamente, pois a pessoa que não se liberta dos seus pecados certamente
voltará a cair, é apenas questão de tempo.
Explica o Rav Yohanan Zweig
que o Rambam não está dizendo que existe alguém que pode chegar ao nível de
garantir que nunca mais repetirá um erro, e muito menos que uma pessoa deve se
colocar em teste para provar que fez uma Teshuvá verdadeira. O Rambam está
ensinando qual é a atitude correta requerida para uma Teshuvá verdadeira. O
primeiro passo é a pessoa se desconectar das suas atitudes passadas. Ela deve
sentir que os maus atos cometidos no passado não refletem sua natureza
verdadeira e, portanto, mesmo nas mesmas circunstâncias, ela não voltaria a
cometer o mesmo pecado. A Teshuvá verdadeira somente é possível quando a pessoa
se desconecta completamente de seus comportamentos negativos do passado e
entende que eles não são parte de sua essência verdadeira. A pessoa pode até
mesmo voltar a cometer o mesmo erro no futuro, mas por ter sido puxada por seu
mau instinto, e não pelo fato do seu comportamento negativo do passado estar
enraizado em sua essência.
Ninguém pode garantir que
nunca mais voltará a pecar. Isto seria até mesmo um sinal de arrogância, como
ensina Shlomo Hamelech: “Bem aventurado é aquele que tem medo sempre”, isto é,
aquele que constantemente tem medo de pecar. Com a consciência de que nossos
erros do passado não são parte do nosso presente e futuro, garantiremos que eles
não nos influenciarão a cometer novos pecados.
Esta é a essência de Rosh
Hashaná, o dia do julgamento. A Teshuvá de Rosh Hashaná é o entendimento de que
o passado não nos controla. Esta é a fonte da Teshuvá verdadeira: se desconectar
do que já erramos, entender a nossa grandeza, saber que os erros que cometemos
são pequenos demais comparados com o nosso potencial. Isto é algo acessível para
todos. Por isso a Torá diz que a Mitzvá de Teshuvá é algo fácil de ser
alcançado.
Em Rosh Hashaná devemos
fazer de D’us o nosso Rei. Não existe um rei de carne e osso sem súditos. A
pessoa pode ter um trono, um manto e um cetro, mas se não tem súditos, ele não é
rei. D’us, o Rei dos reis, não depende de ninguém. Em Rosh Hashaná dizemos que
D’us é Rei, foi Rei e será Rei, isto é, mesmo antes de nossa existência e depois
de nossa existência Ele sempre será Rei. Mas apesar de não precisar de nós, Ele
nos escolheu como Seus súditos. Por isso não lembramos nem confessamos nossos
pecados em Rosh Hashaná, pois Rosh Hashaná é o entendimento de que somos tão
grandes que não “cabemos” mais nos pecados que cometemos no passado.
Esta é a grandeza de cada um
de nós que precisamos focar em Rosh Hashaná. Fomos escolhidos por D’us para
fazer Dele o nosso Rei. Não apenas os grandes sábios, nem só as pessoas mais
puras e elevadas. Cada um de nós foi escolhido, cada um de nós pode ser um
súdito do verdadeiro Rei. E quando entendemos a nossa grandeza, a nossa
verdadeira conexão com D’us, nos desconectamos dos pecados e nos permitimos
começar o novo ano completamente limpos e purificados.
“SHETICATEV VETECHATEM
BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA
VIDA).
SHABAT SHALOM E SHANÁ TOVÁ
R' Efraim Birbojm
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