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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os canalhas nos ensinam mais

Arnaldo Jabor
O Estado de S.Paulo

Nunca vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A herança maldita da política de sujas alianças que Lula nos deixou criou uma maré vermelha de horrores. Qualquer gaveta que se abra, qualquer tampa de lata de lixo levantada faz saltar um novo escândalo da pesada. Parece não haver mais inocentes em Brasília e nos currais do País todo. As roubalheiras não são mais segredos de gabinetes ou de cafezinhos. As chantagens são abertas, na cara, na marra, chegando ao insulto machista contra a presidente, desafiada em público. Um diz que é forte como uma pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que ela não tem coragem de demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia. Canalhas se escandalizam se um técnico for indicado para um cargo técnico. Chego a ver nos corruptos um leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma ponta de orgulho por seus crimes seculares, como se zelassem por uma tradição brasileira.
Temos a impressão de que está em marcha uma clara "revolução dentro da corrupção", um deslavado processo com o fito explícito de nos acostumar ao horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos convencer de que nosso destino histórico é a maçaroca informe de um grande maranhão eterno. A mentira virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados, os acusados batem no peito e berram: "É mentira!" Mas, o que é a mentira? A verdade são os crimes evidentes que a PF e a mídia descobrem ou os desmentidos dos que os cometeram? Não há mais respeito, não digo pela verdade; não há respeito nem mesmo pela mentira.
Mas, pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos à Republica seja o primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de vícios seja o início de uma maior consciência critica. E isso é bom. Estamos descobrindo que temos de pensar a partir da insânia brasileira e não de um sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega.
Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de 400 anos. O que há de bom nesta bosta toda?
Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Vemos que o País progride de lado, como um caranguejo mole das praias nordestinas. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades sórdidas estamos conhecendo, fecundas como um adubo sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Como mentem arrogantemente mal! Que ostentações de pureza, candor, para encobrir a impudicícia, o despudor, a mão grande nas cumbucas, os esgotos da alma.
Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio, declarações de renda falsas, carrões, iates, piscinas em forma de vaginas, açougues fantasmas, cheques podres, recibos laranjas de analfabetos desdentados em fazendas imaginárias.
Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!... Assistimos em suspense ao dia a dia dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das quadrilhas políticas, seus altos e baixos - ou o triunfo da grana enfiada nas meias e cuecas ou o medo dos flagrantes que fazem o uísque cair mal no Piantella diante das evidências de crime, o medo que provoca barrigas murmurantes, diarreias secretas, flatulências fétidas no Senado, vômitos nos bigodes, galinhas mortas na encruzilhada, as brochadas em motéis, tudo compondo o panorama das obras públicas: pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos.
Parece que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos políticos e um outro Brasil povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico (ups!) - isto é, filosófico: o que é a verdade?
Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam ao chão. Mas, tudo está ficando tão claro, tão insuportável que temos de correr esse risco, temos de contemplar a mecânica da escrotidão, na esperança de mudar o País.
Já sabemos que a corrupção não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime - é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas almas. Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem.
Já sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias. Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se resolver. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança, haverá canalhas, enquanto houver Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido, haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura judiciária, nunca haverá progresso.
Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição, outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas. Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras.
Descobrimos que os canalhas são mais didáticos que os honestos. O canalha ensina mais. Os canalhas são a base da nacionalidade! Eles nos ensinam que a esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno e que, pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser!
Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo chorrilho de negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Céus, por isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha à ré!
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-canalhas-nos-ensinam-mais-,829417,0.htm

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O paraíso das frutas podres

Autor: Guilherme Fiuza

Rousseff tem um jeito peculiar de desafiar a corrupção: prestigiar os donatários de capitanias apodrecidas
Rousseff desafia a corrupção. Essa manchete foi publicada pelo jornal francês “Libération”, na passagem da presidente brasileira por Cannes, na reunião do G20. Orlando Silva acabara de cair, e o artigo concluía que, com a demissão do sexto ministro, Dilma se emancipava de Lula. Não interessaram ao jornal de esquerda as reuniões de emergência entre criador e criatura para tentar salvar a cabeça do ministro do Esporte. Nem a frase da presidente após a demissão: “Orlando Silva não perde meu respeito”. O que o Libération acha da relação de Dilma com Carlos Lupi?
Não interessa. O que essa imprensa europeia progressista e decadente publica não tem, de fato, a menor importância. Interessa é que boa parte da opinião pública brasileira, incluindo a que lê francês, acha que Rousseff desafia a corrupção.
Rousseff tem um jeito peculiar de desafiar a corrupção. É um desafio, por assim dizer, carinhoso. Por uma impressionante coincidência, as máquinas dos Transportes, da Agricultura, do Turismo, do Esporte e do Trabalho serviam a formas quase idênticas de sucção pelo PR, pelo PMDB, pelo PCdoB e pelo PDT – fiadores do PT e do Plano Dilma. É notável, ainda, que toda essa tecnologia dos convênios com ONGs e entidades companheiras provenha do tempo em que Rousseff mandava na Casa Civil. Segundo Lula, ela coordenava todos os projetos do governo.
Mais curioso ainda: mesmo depois de a imprensa mostrar que esses pedaços do Estado brasileiro tinham virado capitanias partidárias, com seus donatários já caindo de podres, Rousseff fez questão de prestigiá-los, um por um. Nunca sedesafiou a corrupção com tanta compaixão.
O chefe de gabinete do ministro do Trabalho e o tesoureiro do PDT eram a mesma pessoa. E atenção: isso não era segredo. Responsável pelas finanças do partido, Marcelo Panella ajudou a cozinhar mais de 500 relatórios de prestação de contas no ministério, que, segundo o Tribunal de Contas da União, sumiram nas gavetas da gestão Carlos Lupi. Nesse paraíso de convênios invisíveis, multiplicam-se histórias demanejo desinibido de dinheiro público – como no caso da ONG campeã de verbas em Minas Gerais. Essa ONG, com o imodesto nome de Instituto Mundial de Desenvolvimento da Cidadania, passou a ser investigada pela Polícia Federal depois de um evento desagradável. Um funcionário seu sacou numa agência bancária R$ 820 mil em espécie, às vésperas das eleições de 2010. Tudo normal, se o portador da ONG não tivesse tido o azar de ser assaltado. Perder dinheiro não é problema no Ministério do Trabalho, o chato é perder a discrição. Foi aberto um inquérito, em que consta que dirigentes da ONG pediram aos funcionários do banco para declarar à polícia que o saque fora só de R$ 80 mil. Um abatimento de 90%, em nome da modéstia.
O Ministério Público Federal suspeita de uso da ONG para caixa dois eleitoral. Mas deve estar enganado. O donatário do ministério e mandachuva do partido era Carlos Lupi, que tinha a total confiança de Rousseff. E Rousseff, como se sabe, desafia a corrupção.
Apareceu então uma denúncia de cobrança de propinas para liberar verbas do Ministério do Trabalho. Francamente, para que propina numa simbiose que te, para que propina numa simbiose que já funciona tão bem? Só se foi a força do hábito.
Em meio a tanto denuncismo, Rousseff, a chefe dos chefes, decidiu falar em cadeia nacional de rádio e TV. Para a surpresa geral, não se referiu ao único assunto que justificaria a urgência de um pronunciamento à nação. Anunciou a criação de dois programas de saúde pública, prometendo um choque de eficiência no setor. Não ficou claro que modelo de eficiência será adotado, mas possivelmente seja o do Ministério do Trabalho – e aí terá feito sentido a oportunidade do anúncio.
Há também o modelo do Ministério da Educação, testado e aprovado. Por três anos seguidos, o ministro fez política para valer e não cedeu ao denuncismo em torno do Enem. Foi premiado com a candidatura a prefeito de São Paulo.
Pelo histórico de seu primeiro ano de governo, Rousseff tem à disposição vários modelos de eficiência na gestão da coisa pública. O Brasil já conhece bem cinco deles, cada um mais criativo no desafio à corrupção do anterior. Se há algum outro, deve estar guardado a sete chaves.
Fonte: revista “Época”
http://www.imil.org.br/destaque/o-paraiso-das-frutas-podres/

domingo, 21 de agosto de 2011

Isso não vai dar muito certo

João Ubaldo Ribeiro
O Estado de S.Paulo

Os problemas brasileiros, como não podia deixar de ser, têm repercutido bastante em Itaparica. Bem verdade que nem sempre essa repercussão coincide com as vigentes em outras partes do País. Toninho Leso, por exemplo, ficou grandemente surpreendido, quando lhe informaram que chamar alguém de corrupto não é um elogio. Como, não é um elogio? Não se deve elogiar uma pessoa que nasceu pobre, teve pouco estudo e hoje é rica milionária, recebida em toda parte e chamada de doutora, ou senão Excelência? Quem não elogia é porque não chegou lá e tem inveja. Se o sujeito se elegeu é porque queria se fazer na vida, como todos os outros que também se elegeram. Agora que ele se fez, somente a inveja é que pode explicar essa raiva que têm deles.
Tentou-se esclarecer que o corrupto subiu na vida, sim, pelo menos em matéria de dinheiro, mas subiu roubando dinheiro público. Toninho, que tem esse apelido de Leso, mas de vez em quando surpreende pela agilidade de raciocínio, retrucou que, se o dinheiro era público, não tinha dono e, assim, nada mais justo que o primeiro que pudesse metesse a mão nesse dinheiro - e era assim desde que inventaram dinheiro, o resto é conversa. "Eu acho bonito quando vejo esses corruptos passeando aqui de lancha americana, cheios de mulheres, tomando o uísque deles e desfrutando da vida", disse ele. "Meus filhos, Deus ajudando, vão ser todos corruptos, vou querer pelo menos um, minha família vai melhorar. Quero ver meu filhão lá nos salões, um corrupto respeitado por todos, bem-sucedido, bonitão, cheio das mulheres, esse vidão de corrupto mesmo... O sujeito que não tem esse grande ideal não é bom pai de família."
Jorginho Leso, irmão de Toninho, também leso e raramente visto sem pelo menos umas duas ucas no juízo, aproveitou para dar sua opinião sobre uma conversa que ouvira, a respeito de algemarem corruptos presos. Contaram a ele que muita gente, até a presidenta, ficou chateada com as algemas. Ele concordou e observou que jogar ovos nas pessoas suja tudo e não adianta nada. Além disso, é um desperdício de ovo que podia muito bem estar alimentando o povo. Quando lhe disseram que algema não tinha nada a ver com gema de ovo e era um instrumento para acorrentar as mãos dos presos, ele não se deu por vencido. Pra quê, pra daí a pouco soltarem de novo? Só se for para treinar a polícia no uso da chave - fecha-abre, fecha-abre, fecha-abre, pra que tanto treinamento de chave? O verdadeiro corrupto nunca é preso e, se é, soltam logo, é uma pessoa de bem, normal, que não vai ser confundida com qualquer ladrão pé de chinelo.
Jacob Branco, que ainda não entrara em seu horário de discurso e ouvira tudo calado, sentiu-se na obrigação de manifestar-se. Os nobres amigos estavam muito enganados, a corrupção está deixando de ser uma atividade lucrativa no Brasil, os tempos estão mudando. Longe dele ser um governista, pois toda a ilha conhecia sua reputação de independência, mas a verdade era que a presidenta estava se revelando muito disposta na briga contra a corrupção. Era do conhecimento geral como ela vinha fazendo uma faxina no governo, faxina séria, de gente graúda. E a faxina ia continuar.
- A faxina vai o quê? - a voz roufenha e exaltada de Zecamunista se ouviu à entrada do bar.
- Vai continuar.
- Vai continuar coisa nenhuma, Toninho Leso é que tem razão, o certo é seguir a carreira de corrupto e é muito democrático, qualquer um pode procurar um jeito, que sempre vai achar, nem que seja desviando cestas básicas e outras mixarias. Ela acabou de passar a escova nuns dois ministérios. Depois tem que vir o pente normal. Depois o pente-fino e um dilúvio de piolhos. E depois a desinfecção, porque senão reinfecta tudo rapidamente. Isso em cada um dos não sei quantos ministérios que ela mesma não lembra de cor. Para não falar nas estatais e em outras áreas do governo. Nem que ela tivesse dezoito mandatos seguidos, ia dar. Mas esse não é o maior problema. O maior problema é a famosa base do governo. Já estão cansando de avisar a ela que vão jogar duro, se ela não parar com esse negócio de faxina e ameaçar os empregos e esquemas deles e dos apadrinhados. Você já ouviu vários dizendo "não faxina nada aí", não já?
- Mas também não é assim, eu também soube que houve senadores que formaram uma frente para apoiar as faxinas que ela fizer.
- Eu também já soube, os nove mosqueteiros não é? Nove contra mais de cinquenta. Isso é para compor o quadro, é como a folha de parreira de Eva.
- Mas pode ser que haja adesões.
- É, pode ser. Mais umas três. Meta na sua cabeça, nenhum desses partidos está no governo para cumprir programa nenhum ou seguir ideologia nenhuma, eles estão lá para defender o deles e o do pessoal deles. E aí o negócio é blindar a base aliada, como eles dizem, não pode pegar ninguém ligado à base. Ou blinda ou não consegue aprovação nem para requerimento, ela pode até ser valente, mas não é mágica. Mas tem uma novidade que eu acho mais importante do que todas essas. Você não leu nos jornais, não? Foi criado o Instituto Lula.
- Eu soube. E daí?
- É o que eu também pergunto. Pergunto muito.
- Ele disse que é a nova plataforma política dele.
- É aí que mora o perigo. Pode continuar com sua fé na faxina, mas vamos deixar o tempo correr e ver se quem vai mandar na faxina é a faxineira.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,isso-nao-vai-dar-muito-certo,761505,0.htm

domingo, 24 de julho de 2011

Vícios na origem

Dora Kramer
O Estado de S.Paulo
São tantas e tão variadas as controvérsias envolvendo o PSD antes mesmo de oficializado seu ato inaugural, que a ausência de definição ideológica acaba sendo o menor dos questionamentos suscitados pelo partido a ser criado sob inspiração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
Até quatro meses atrás era a novidade da estação, destinada a abrigar os insatisfeitos de variadas legendas, uma nova força de apoio ao governo Dilma Rousseff que arrasaria quarteirões oposicionistas depois de depositar a última pá de cal sobre os escombros do DEM.
Entraria bem na fotografia da cena parlamentar, fazendo e acontecendo já na eleição municipal de 2012.
Pode ser que o PSD consiga resolver nos próximos dois meses - quando se encerra o prazo para a obtenção do registro na Justiça Eleitoral a tempo de disputar prefeituras no ano que vem - os problemas que enfrenta com fraudes e denúncias de uso da máquina pública na coleta das assinaturas de apoio e apresentar as 490 mil necessárias perfeitamente legalizadas.
Ainda assim, não se livrará facilmente da imagem de um partido que surge no cenário político marcado pelos vícios de sempre. Nesse sentido, já nasce velho.
Foi seu próprio criador quem definiu a obra como algo insípido, insosso e inodoro - "nem de direita, nem de esquerda nem de centro". Traduzindo: não pretende a representação de um pensamento. Busca juntar pessoas daqui e dali, de preferência já detentoras de mandatos eletivos, para funcionar como um facilitador de acomodações regionais.
Isso fica evidente no método de arregimentação de lideranças, a partir das conveniências de caciques locais: senadores, deputados, governadores, que necessitem de um rearranjo no equilíbrio de forças, pouco importando se representem o que há de mais retrógrado na política.
Um exemplo emblemático é o processo de formação do PSD no Maranhão. O acerto com o clã Sarney foi feito nos seguintes termos: a governadora Roseana Sarney oferece alguns tantos deputados federais e estaduais para integrar a legenda e, em troca, Kassab garante que o partido não abra espaço para adversários da família no Estado.
Recapitulando as práticas: fraudes na coleta em assinaturas detectadas em cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Amazonas), suspeita de uso da máquina pública, ausência de identidade programática, arregimentação cartorial de lideranças, acolhimento de adesões sem olhar de quem.
Não bastasse, o PSD institucionaliza o troca-troca partidário, ao arrepio da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a fidelidade devida ao partido por parte do eleito.
Em seu estatuto, o partido oferece a garantia de que nunca exigirá na Justiça a devolução do mandato de parlamentares que porventura venham a sair do PSD.
Uma mão na roda. E a lei? Ora, a lei...
No paralelo. É de se perguntar com que autoridade o ex-presidente Luiz Inácio da Silva diz que os demitidos do Ministério dos Transportes poderão voltar a seus cargos se "provarem" ser inocentes.
Lula faz média com os partidos atingidos (PR e PT), sem atinar para a inconsequência da declaração. Primeiro, porque não é dele (ou não deveria ser) a prerrogativa de decidir sobre nomeações e demissões. Segundo, não havendo inquérito policial - e por enquanto não há - não existe como comprovar culpas ou inocências.
A sem-cerimônia de Lula com os ritos do poder formal já se evidenciou algumas vezes desde que deixou a Presidência. Seja atuando como interlocutor da base aliada na crise Palocci, ou visitando obras que não teve tempo para inaugurar quando presidente.
Lula se declara um "ajudante" de Dilma e, assim, tenta não imprimir a suas ações um caráter de usurpação e obter junto à opinião pública salvo-conduto para circular como a sombra oficial da presidente.
Não só não pretende "desencarnar", como vai ocupando o espaço privilegiado de um "shadow president".
À falta de uma oposição com consistência, unidade e senso de direção para cumprir esse papel.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,vicios-na-origem,749184,0.htm

Comento:
Até que ponto desceremos no nível ético dos "nossos" partidos políticos? Mesmo quando se cria um novo partido ele já começa com fraudes. É um absurdo o que acontece neste país. Como é possível que um Lula da vida se porte como presidente, fale e desfale e ninguém o conteste? Por que a oposição se cala? A corrupção já está tão forte que corroeu todos? Não sobrou um? Um que seja corajoso o suficiente para ser a voz que leve aos quatro ventos a verdade que deve ser revelada?
Prevejo dias tenebrosos... Que Deus nos ajude!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ato Insensato

Dora Kramer
O Estado de S.Paulo
O PT quer constranger os veículos de comunicação. É nítida a intenção de fazer com que a imprensa pegue mais "leve" em relação aos fatos novos de cada dia sobre corrupção, nepotismo, empreguismo e o uso partidário do espaço público no governo Luiz Inácio da Silva.
O presidente fala alto e fala grosso na tentativa de levar jornais, revistas e emissoras a acharem "melhor" deixar esses assuntos para depois da eleição a fim de não serem acusados de favorecer candidaturas de oposição.
Como se fosse aceitável suspender os fatos para não atrapalhar os atos de interesse oficial.
A ofensiva é tão agressiva que leva a pensar se não se trata de medida preventiva contra algo que seja do conhecimento do presidente e os demais brasileiros ainda ignoram.
De outro modo não se pode explicar com argumentos minimamente razoáveis a fúria e o desassombro que tomam conta de Lula e companhia.
Zangado poderia estar José Serra, cuja candidatura é dada como morta e enterrada todos os dias nos meios de comunicação, nunca o presidente Lula, cujo plano de eleger Dilma Rousseff se materializa com pleno êxito.
A imprensa, no caso de Serra, lida com informações transmitidas pelas pesquisas e estas mostram uma dianteira mais do que significativa de Dilma. É o que registram os jornais, as rádios e as televisões: se as eleições fossem hoje, ela estaria eleita em primeiro turno.
Da mesma forma acompanham o desenrolar dos demais acontecimentos: quebras de sigilo fiscal, confecção de dossiês, violação da legalidade por parte do governo em geral e do presidente em particular e mais recentemente a descoberta da central de negócios montada na Casa Civil sob a gerência de Erenice Guerra, a segunda na hierarquia durante a gestão de Dilma e sua substituta depois da saída para a campanha eleitoral.
Disso temos as seguintes consequências: dois inquéritos na Polícia Federal, sindicância na Receita Federal, dois indiciamentos na PF por causa das quebras de sigilo, demissão do primeiro (Luiz Lanzetta) encarregado da comunicação no comitê de Dilma Rousseff, sete multas da Justiça Federal ao presidente da República e cinco demissões de funcionários em função do escândalo Erenice.
Pois diante de tantas informações concretas, Lula afirma e dá fé pública que a imprensa "mente" e "inventa". Ora, se mesmo vitorioso o presidente acha que é preciso valer-se de sua popularidade para ele sim maquiar a realidade é porque vê razões para isso.
Ou teme o que ainda poderia vir por aí e por isso tenta desqualificar a imprensa ou não tem tanta certeza de que o resultado das urnas seja esse mesmo que indicam as pesquisas e por isso se arrisca a um fim de mandato melancólico jogando seu prestígio num lance de pura, e injustificável, histeria.
Até agora o presidente não condenou. Lícito, portanto, presumir que avalize a decisão do PT de organizar um ato público contra a imprensa. Na verdade, convocado sob inspiração presidencial.
O ato seria apenas uma manifestação normal de um grupo que defende determinada posição, não fosse pelo envolvimento do governo na questão. Sendo, é caso de abuso de poder, improbidade e ataque à Constituição.
De acordo com que argumentam os organizadores da manifestação, é preciso reagir "à tentativa da velha mídia de forçar um segundo turno".
Alto lá, a eleição ainda não aconteceu. Como, forçar? Segundo a lei o processo eleitoral em colégios de mais de 200 mil habitantes é composto de dois turnos e o primeiro ainda não aconteceu. Se for necessário ocorrer o segundo, onde está a ilegalidade, o golpismo?
Se alguém está querendo forçar alguém é o governo que usa a sua força - monumental, no presidencialismo imperial brasileiro - para sufocar o contraditório.
Volver. Se Lula olhar bem a lista de signatários do manifesto em defesa da democracia - Hélio Bicudo, d. Paulo Evaristo Arns, Ferreira Gullar, Paulo Brossard -, notará que há 30 anos era gente que sustentava o início de sua trajetória.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100923/not_imp614015,0.php

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lula é um fenômeno religioso

 Arnaldo Jabor
 O Estado de S.Paulo
Lula não é um político - é um fenômeno religioso. De fé. Como as igrejas que caem, matam os fiéis e os que sobram continuam acreditando. Com um povo de analfabetos manipuláveis, Lula está criando uma igreja para o PT dirigir, emparedando instituições democráticas e poderes moderadores.
Os fatos são desmontados, os escândalos desidratados para caber nos interesses políticos da igreja lulista e seus coroinhas. Lula nos roubou o assunto. Vejam os jornais; todos os assuntos são dele, tudo converge para a verdade oficial do poder. Lula muda os fatos em ficção. Só nos resta a humilhante esperança de que a democracia prevaleça.
Depois do derretimento do PSDB, o destino do País vai ser a maçaroca informe do PMDB agarrada aos soviéticos do PT, nossa direita contemporânea. Os comentaristas ficam desorientados diante do nada que os petistas criaram com o apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos, como "razão, democracia, respeito à lei, ética", ficaram ridículos, insuficientes raciocínios diante do cinismo impune.
Como analisar com a Razão essa insânia oficial? Como analisar o caso Erenice, por exemplo, com todas as provas na cara, com o Lula e seus áulicos dizendo que são mentiras inventadas pela mídia? Temos de criar novos instrumentos críticos para entender esta farsa. Novos termos. Estamos vendo o início de um "chavismo light", cordial, para que a "massa atrasada" seja comandada pela "massa adiantada" (Dilma et PT). Os termos têm de ser mudados. Não há mais "propina"; agora o nome é "taxa de sucesso". A roubalheira se autonomeia "revolucionária" - assalto à coisa pública em nome do povo. O que se chamava "vítima" agora se chama "réu". Os escândalos agora são de governos inteiros roubando em cascata, como em Brasília, Rondônia e Amapá - são "girândolas de crimes". Os criminosos são culpados, mas sabem tramar a inocência. O "não" agora quer dizer "sim".
Antigamente, se mentia com bons álibis; hoje, as tramoias e as patranhas são deslavadas; não há mais respeito nem pela mentira. Está em andamento uma "revolução dentro da corrupção", invadindo o Estado em nossa cara, com o fito de nos acostumar ao horror. Gramsci foi transformado em chefe de quadrilha.
Nunca antes nossos vícios ficaram tão explícitos, nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Já sabemos que a corrupção no País não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime; é a norma mesmo, entranhada nos códigos e nas almas. Nosso único consolo: estamos aprendemos muito sobre a dura verdade nacional neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Por exemplo: ganhamos mais cultura política com a visão da figura da Erenice, a burocrata felliniana, a "mãe coragem" com seus filhos lobistas, com o corpinho barbudo do Tuminha (lembram?), com o "make-over" da clone Dilma (que ama a ex-Erenice, seu braço direito há 15 anos), com o silêncio eufórico dos Sarneys, do Renan, do Jucá... Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!
Ao menos, estamos mais alertas sobre a técnica do desgoverno corrupto que faz pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da pele, tudo proclamado como plano de aceleração do crescimento popular.
Nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades imundas, mas fecundas como um adubo sagrado, belas como nossas matas, cachoeiras e flores.
Os canalhas são mais didáticos que os honestos. Temos assistido a um show de verdades mentirosas no chorrilho de negaças, de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Como é educativo vermos as falsas ostentações de pureza para encobrir a impudicícia, as mãos grandes nas cumbucas e os sombrios desejos das almas de rapina. Que emocionante este sarapatel entre o público e o privado: os súbitos aumentos de patrimônio, filhinhos ladrões, ditadura dos suplentes, cheques podres, piscinas em forma de vaginas, despachos de galinhas mortas na encruzilhada, o uísque caindo mal no Piantela, as flatulências fétidas no Senado, as negaças diante da evidência de crime, os gemidos proclamando "honradez" e "patriotismo".
Talvez esta vergonha seja boa para nos despertar da letargia de 400 anos. Através deste escracho, pode ser que entendamos a beleza do que poderíamos ser!
Já se nos entranhou na cabeça, confusamente ainda, que enquanto houver 20 mil cargos de confiança no País, haverá canalhas, enquanto houver estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido, haverá canalhas. Com esse código penal, nunca haverá progresso.
Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas, sem saneamento, com o Lula brilhando na TV, xingando a mídia e com todos os mensaleiros, sanguessugas e aloprados felizes em seus empregos e dentro do ex-partido dos trabalhadores. E é espantoso que este óbvio fenômeno político, caudilhista, subperonista, patrimonialista, aí, na cara da gente, seja ignorado por quase toda a intelligentsia do País, que antes vivia escrevendo manifestos abstratos e agora se cala diante deste perigo concreto que nos ronda. No Brasil, a palavra "esquerda" ainda é o ópio dos intelectuais.
A única oposição que teremos é o da imprensa livre, que será o inimigo principal dos soviéticos ascendentes. O Brasil está evoluindo em marcha à ré! Só nos resta a praga: malditos sejais, ó mentirosos e embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que vossas línguas mentirosas se transformem em cobras peçonhentas que se enrosquem em vossos pescoços, e vos devorem a alma.
Os soviéticos que sobem já avisaram que revistas e jornais são o inimigo deles.
Por isso, "si vis pacem, para bellum", colegas jornalistas. Se quisermos a paz, preparemo-nos para a guerra.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100921/not_imp612779,0.php

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Chefe Supremo e a Casa Vil

Outra vez depois do almoço, sempre suando a camisa num palanque a muitas léguas do local do emprego, o presidente Lula incorporou neste sábado o companheiro Hugo Chávez e, em mau português, sucumbiu a outro surto de autoritarismo bolivariano: “Nós não precisamos de formadores de opinião, nós somos a opinião pública”, exaltou-se no comício em Campinas, consumido em desatinos contra a imprensa independente. Estava especialmente irritado com a reportagem de capa de VEJA, mas evitou identificar o alvo com todas as letras. Se o fizesse, teria de dizer alguma coisa sobre o que a revista descobriu e divulgou.

Como José Dirceu na segunda-feira, Lula fez de conta que o problema do Brasil é a liberdade de imprensa. Imprensa livre e notícia correta são soluções. O problema, não o único, é a liberdade dos bandidos de estimação, que se valem do salvo-conduto garantido pelo Padroeiro dos Pecadores Companheiros para espancar a lei impunemente. Indignado com a revelação de que os gatunos agora embolsam propinas até em salas do Palácio do Planalto, o Brasil que presta exige a punição dos delinquentes. Atropelado pela descoberta de que a roubalheira continua comendo solta um andar acima do que deveria frequentar com muito mais assiduidade, o presidente tenta matar o mensageiro.
Como todo governante primitivo, Lula odeia a liberdade de imprensa. Mas tem um motivo adicional para sonhar com a erradicação do que chama de “formadores de opinião”: a existência de gente com autonomia intelectual reitera o tempo todo que a unanimidade é inalcançável — mesmo por quem se considera emissário da Divina Providência. O presidente talvez morra sem saber que os governos passam e as discurseiras são esquecidas, mas a palavra escrita fica.
Daqui a muitos anos, os interessados em compreender estes tristes tempos não perderão tempo com improvisos eleitoreiros, versões cafajestes, álibis mambembes ou hinos ao cinismo. Vão procurar a verdade que estará nos textos publicados por jornais e revistas que não se sujeitaram à Era da Mediocridade. A releitura das três últimas edições de VEJA, por exemplo, será suficiente para atestar que a Casa Civil foi rebaixada a covil da família da ministra Erenice Guerra — infâmia que reafirmou a lição antiga como o mundo: a cabeça e a alma de um governante se traduzem nas escolhas que faz.
Como registrou a coluna do ótimo Ricardo Setti, a chefia do ministério mais importante da República foi quase sempre confiada a juristas notáveis, articuladores sagazes ou administradores públicos brilhantes. Lula escolheu, sucessivamente, um farsante, uma nulidade e uma delinquente. Por ter escolhido três afrontas, deve-se debitar na conta do presidente a gangrena que surgiu com José Dirceu, expandiu-se com Dilma Rousseff e, depois de Erenice, tornou inadiável a amputação de uma sílaba da Casa Civil. Três ministros e cinco escândalos depois, hoje só existe a Casa Vil.
Nomeado por Lula, José Dirceu produziu em 2004 o vídeo protagonizado pelo amigo íntimo Waldomiro Diniz e, no ano seguinte, estrelou o escândalo do mensalão. Nomeada por Lula, Dilma Rousseff, em parceria com a melhor amiga Erenice Guerra, fabricou o dossiê contra Fernando Henrique e Ruth Cardoso e se enrascou na história do suspeitíssimo encontro com Lina Vieira. Grávida de confiança e gratidão, a doutora em nada fez questão de ser substituída por Erenice. Nomeada por Lula, a advogada de porta de cadeia completou o serviço iniciado quando virou secretária-executiva.
Seis anos antes de saber que o braço direito de Dilma Rousseff transformou o gabinete no Planalto em arma dos muitos crimes e esconderijo, o Brasil soube que o braço direito de José Dirceu embolsava propinas para facilitar negociatas. “Um por cento é pra mim”, balbucia Waldomiro Diniz para o bicheiro Carlinhos Cachoeira no vídeo inverossímil divulgado pela TV. Velho amigo de Dirceu, o vigarista promovido a assessor para Assuntos Parlamentares da Casa Civil protagonizou o primeiro dos escândalos que o presidente, com a cumplicidade ativa da companheirada e nas barbas de um Brasil abúlico, tentou criminosamente acobertar.
A bandalheira inaugural desenhou a fórmula que seria utilizada nas seguintes. Pilhado em flagrante, Waldomiro pôde redigir em sossego o pedido de exoneração. Oficialmente, não foi demitido. Saiu porque quis, como Erenice agora. Saiu como sairia Dirceu em agosto de 2005, quando as investigações sobre o escândalo do mensalão revelaram que o chefe da Casa Civil era sobretudo o chefe da “organização criminosa sofisticada” que a Procuradoria Geral da República denunciou ao Supremo Tribunal Federal e os ministros prometem julgar em 2011. Ou mais tarde. Depende da coluna cervical do ministro Joaquim Barbosa.
O escândalo da Casa Civil avisa que a gula dos ladrões se agigantou com o incessante aparelhamento da máquina estatal. Erenice só precisou da lista de telefones e endereços para escancarar aos parentes as portas dos Correios, da Anac, da Infraero e do BNDES. Já desbastara o caminho do cofre quando era tecnicamente subordinada a Dilma Rousseff. Se não soube de nenhuma pilantragem da vizinha de sala e acompanhante, a sucessora que Lula inventou é inepta. Se soube, é cúmplice. Não existe uma terceira opção.
Erenice é Dilma. E as duas são Lula. Foi ele quem nomeou os inquilinos do gabinete desonrado. É ele o fundador e o chefe supremo da Casa Vil. O Ministério Público e o Poder Judiciário precisam acordar, antes que a nação anestesiada perca de vez os sentidos e a democracia entre em estado de coma.
Augusto Nunes
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

domingo, 22 de agosto de 2010

Segunda Ameaça

Miriam Leitão
O Brasil perderá esta eleição, independentemente de quem vença, se ficarem consagrados comportamentos desviantes assustadoramente presentes na política brasileira. Uso de um fundo de pensão para construir falsas acusações contra adversários, funcionários da Receita acessando dados protegidos por sigilo, centrais de dossiês montados por pessoas próximas ao presidente.
A cada eleição, fatos estarrecedores têm sido aceitos como normais na paisagem política, e eles não são aceitáveis. Quando a Polícia Federal entrou no Hotel Ibis, em São Paulo, em 2006, e encontrou um grupo com a extravagante quantia de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo tentando comprar um dossiê falso, havia duas notícias.
Uma boa: a PF continuava trabalhando de forma independente.
A ruim: pessoas da copa, cozinha, churrasqueira e campanha do presidente da República e do candidato a governador pelo PT em São Paulo estavam com dinheiro sem origem comprovada e se preparando para um ato condenável.
A pior notícia veio depois: eles ficaram impunes.
Nesta eleição, depoimentos e fatos mostram que estão virando parte da prática política, principalmente do PT, a construção de falsas acusações contra adversários, o trabalho de espionagem a partir da máquina pública, o uso político de locais que não pertencem aos partidos.
As notícias têm se repetido com assustadora frequência.
O verdadeiro perigo é que se consagre esse tipo de método da luta política. A democracia não é ameaçada apenas quando militares saem dos quartéis e editam atos institucionais.
Ela corre o risco de “avacalhação”, para usar palavra recente do presidente Lula, quando pediu respeito às leis criminosas do Irã.
Sobre o desrespeito às leis democráticas brasileiras, Lula não teme processo de “avacalhação”, pelo visto. A Receita Federal não presta as informações que tem o dever de prestar sobre os motivos que levaram seus funcionários a acessarem, sem qualquer justificativa funcional, os dados da declaração de imposto de renda do secretáriogeral do PSDB, Eduardo Jorge.
Nem mesmo explica como os dados foram vazados de lá. Se a Receita não divulgar o que foi que aconteceu, com transparência, ela faz dois desserviços: sonega ao país informações que têm o dever de prestar antes das eleições; mina a confiança que o país tem na instituição, porque sua direção está adiando, por cumplicidade eleitoral, a explicação sobre o que houve naquela repartição.
Nas últimas duas semanas, a “Veja” trouxe entrevistas de pessoas diretamente ligadas ao governo e que trabalham em múltiplos porões de campanha.
O que eles demonstram é que aquele grupo de aloprados do Ibis não foi um fato isolado. Virou prática, hábito, rotina no Partido dos Trabalhadores. Geraldo Xavier Santiago, ex-diretor da Previ, contou à revista que o fundo de pensão, uma instituição de poupança de direito privado cuja função é garantir a aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil, era usada para interesses partidários. Com objetivos e métodos escusos.
Virou uma central de espionagem de adversários políticos.
Agora, é o sindicalista Wagner Cinchetto que fala de uma central de produção de espionagem e disparos contra adversários; não apenas tucanos, mas qualquer um que subisse nas pesquisas.
Esse submundo é um caso de polícia, mas há outros comportamentos de autoridades que passaram a ser considerados normais nas atuais eleições. E são distorções.
Não é normal que todos os órgãos passem a funcionar como ecos do debate eleitoral, usando funcionários pagos com os salários de todos nós, estruturas mantidas pelos contribuintes. Todos os ministérios se mobilizam para consolidar as versões fantasiosas da candidata do governo ou atacar adversários, agindo como extensões do comitê de campanha. Isso é totalmente irregular. Na semana passada, até o Ministério da Fazenda fez isso. Um relatório que é divulgado de forma rotineira, virou palanque e peça de propaganda, com o ministro indo pessoalmente bater bumbo sobre gráficos manipulados para ampliar os feitos do atual governo e deprimir os do anterior.
O que deveria ser técnico virou politiqueiro; o que deveria ser prestação de contas e análise de conjuntura virou peça de propaganda.
Um governo não pode usar dessa forma a máquina pública para se perpetuar; órgãos públicos não são subsedes de comitês de campanha; fundos de pensão não são central de fabricação de acusações falsas; o governo não pode usar os acessos que tem a dados dos cidadãos para espionar. Isso mina, desqualifica e põe em perigo a democracia. Ela pressupõe a neutralidade da máquina mesmo em momentos de paixão política. Nenhuma democracia consolidada aceitaria o que acontece aqui. A Inglaterra acabou de passar por uma eleição cheia de paixões em que o governo trabalhista perdeu por pouco, mas não se viu lá nada do que aqui está sendo apresentado aos brasileiros com naturalidade, como parte da disputa política.
Crime é crime. Luta política é um embate de propostas, estilos e visões. O perigoso é essa mistura. Como a História já cansou de demonstrar, democracia não significa apenas eleições periódicas. A manipulação da vontade do eleitor, o uso de meios ilícitos, o abuso do governante ameaçam a liberdade, tanto quanto um ato institucional