Sem esperar a resposta do Baal Shem Tov, o cocheiro puxou as rédeas do cavalo, desceu do seu assento e saltou a cerca que protegia o pomar. Tinha dado poucos passos quando o Baal Shem Tov gritou com toda sua força:
- Estão olhando, estão olhando!
Imediatamente o cocheiro voltou correndo, sentou-se em seu lugar e partiu em disparada. Então ele olhou para trás e percebeu que não havia ninguém, a estrada continuava completamente deserta. Irritado, ele repreendeu o Baal Shem Tov:
- Por que você mentiu? Não há ninguém olhando!
O Baal Shem Tov apontou para o céu e disse:
- Eu não menti. Estão olhando, estão olhando..."
Ensinam os nossos sábios: "Reflita sobre 3 coisas e você nunca pecará.
Saiba o que há acima de você: um Olho que vê, um Ouvido que escuta, e todos os
seus atos são anotados em um livro" (Pirkei Avót
2:1).
********************************************
Na Parashá desta semana, Beshalach, o povo
judeu finalmente saiu do Egito, terminando os 210 anos de escravidão. Mas a
tranquilidade durou pouco, pois os egípcios logo se arrependeram de terem
libertado seus escravos e partiram em sua perseguição. Apesar de todos os
milagres que os judeus haviam presenciado, ao verem que os egípcios os
perseguiam com centenas de carros de guerra, temeram muito e gritaram para D'us.
Os egípcios viram então uma última demonstração da força e do poder de D'us,
quando Ele abriu o Mar Vermelho para que o povo judeu passasse e fechou-o sobre
os egípcios, matando de uma só vez todo o exército egípcio. Quando os judeus
viram os egípcios mortos, sentiram-se finalmente livres e um sentimento de
imensa gratidão subiu em seus corações. Neste momento eles fizeram um cântico de
louvor a D'us, chamado "Shirat Haiam" (Cântico do
mar).
Há um versículo antes do Shirat Haiam que
nos chama a atenção: "E viu Israel a mão grande que D'us infligiu sobre o Egito.
E o povo temeu a D'us, e confiou em D'us e em Moshé, Seu servo" (Shemot 14:31).
Mas há algo difícil de entender, pois da linguagem do versículo parece que
somente agora o povo judeu temeu e confiou em D'us. Há um Midrash (parte da Torá
Oral) que é ainda mais explícito: "Até aqui eles não tinham temor a D'us. De
agora em diante tiveram temor a D'us". Como podemos entender o versículo e o
Midrash? Após ver todas as pragas e milagres que D'us tinha feito no Egito, o
povo judeu não tinha temor a D'us? E o que o milagre da abertura do Mar Vermelho
teve de tão especial, que não foi enxergado nas 10 pragas do
Egito.
Explica o Rav Yossef Dov Soloveitchik, mais
conhecido como Beit Halevi, que na verdade existem dois tipos de temor: um temor
que vem por medo do castigo e um temor que vem por amor. O temor por medo do
castigo vem quando a pessoa vê os castigos que recebem aqueles que cometem maus
atos. Este é um nível muito mais baixo de temor, pois até mesmo os animais
chegam a este nível, quando desenvolvem o medo de receber um castigo por um mau
ato.
Já o temor que vem do amor se compara ao
sentimento de uma pessoa que caiu em um rio com uma forte correnteza e foi
arrastado pelas águas. Já sem esperanças, em um último esforço, ela estende a
mão para fora da água. De repente ela sente uma mão agarrando-a e percebe que um
homem, parado na margem, está segurando-a firmemente e puxando-a em sua direção
para salvar sua vida. O que esta pessoa que quase se afogou sente? Um misto de
medo e gratidão. Por um lado ela sente uma imensa gratidão por aquele homem que
está salvando sua vida, mas por outro lado ela sente um grande medo, pois sua
vida está nas mãos daquela pessoa. Se ele abrir a mão e soltá-lo, o afogamento é
inevitável. Esta sensação, que reúne um misto de temor e amor, é o segundo nível
de temor a D'us.
Explica o Beit Halevi que os judeus, quando
viram a rigorosidade dos castigos que os egípcios receberam de D'us por todas as
maldades que haviam feito, adquiriram o temor por medo do castigo. Eles
perceberam que D'us não havia criado o mundo e se ausentado, ao contrário, Ele
participava ativamente do cotidiano, controlando tudo o que acontecia com
"Hashgachá Pratid" (Supervisão Particular). Eles perceberam que os castigos que
recaíram sobre os egípcios não foram apenas como um tapa dado em uma criança
malcriada. Cada uma das pragas foi um castigo para vingar, na mesma medida,
alguma maldade que os egípcios haviam feito aos judeus. Nenhum detalhe foi
esquecido, nenhuma maldade foi deixada de lado, até o último centavo foi
pago.
Mas somente quando os judeus atravessaram o
Mar Vermelho eles chegaram ao segundo nível de temor, o temor que provém do
amor. Parte do mar se congelou, permitindo que eles o atravessassem andando,
mesmo nas partes mais profundas. Nas laterais e no teto a água ficou parada,
formando túneis pelos quais cada tribo conseguiu atravessar o mar. D'us segurou
a água para que ela ficasse parada como uma muralha e não caísse sobre o povo
judeu. Neste momento o povo judeu conseguiu se conectar a D'us em um nível que
nunca havia experimentado antes. Eles se sentiam seguros sob a proteção Divina
mas, ao mesmo tempo, eles temiam muito, pois sabiam que se D'us "soltasse" as
águas, eles morreriam afogados
imediatamente.
É isso o que o Midrash nos ensina quando diz
que até aquele momento o povo judeu não temia a D'us. Apesar deles já terem
desenvolvido o medo do castigo, observando as pragas que devastaram o Egito, o
nível mais profundo de temor, um temor que vem por amor, eles ainda não haviam
desenvolvido até aquele momento. Pois este segundo nível de temor somente é
alcançado através de muita reflexão, quando conseguimos perceber que D'us, por
um lado, criou o mundo a partir do nada e o mantém a cada instante, mas por
outro lado, se Ele deixasse de recriar o mundo por um único instante, tudo
voltaria imediatamente para o caos. É D'us quem faz as regras e Ele pode, de
acordo com Sua vontade, reescrevê-las quando desejar.
As pessoas que meritam chegar a este nível
de temor a D'us vencem o medo de qualquer outra coisa. Quando fica claro para a
pessoa que não existe realidade fora a criada por D'us, ela consegue entender
que na verdade não existe nenhuma diferença entre o mar e a terra seca. Pois
também a terra seca somente existe porque D'us a está recriando a cada instante
e, portanto, não há razão para se sentir mais seguro na terra do que na água.
Mesmo animais ferozes não são temidos por aqueles que temem a D'us de verdade,
pois nenhuma criatura tem força própria, tudo é recriado a cada instante. A
força que um leão tinha para causar danos a um ser humano há um segundo não
dizem nada sobre a sua força no próximo instante. Portanto, aqueles que chegam a
este nível de temor perdem completamente seus medos
secundários.O temor do castigo é algo instintivo, até mesmo os animais podem atingi-lo. Já o temor por amor precisa de trabalho, de esforço, de reflexão. Precisamos trabalhar no coração a certeza de que não existem forças da natureza, tudo é controlado por D'us, tudo é recriado por Ele a cada instante. Somente assim sentiremos a tranquilidade de saber que tudo o que ocorre está somente nas mãos de D'us.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm
http://ravefraim.blogspot.com/
Ex. 13:17-17:16, Jz. 4:4-5:31
**************************************************************************
Nenhum comentário:
Postar um comentário